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Vol. 92. Núm. 5.
Páginas 479-485 (setembro - outubro 2016)
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Vol. 92. Núm. 5.
Páginas 479-485 (setembro - outubro 2016)
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Correlation between hemoglobin levels of mothers and children on exclusive breastfeeding in the first six months of life
Correlação entre níveis de hemoglobina de mães e filhos em aleitamento materno exclusivo no primeiro semestre de vida
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Rosa de Fátima da Silva Vieira Marquesa, José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddeib, Tulio Konstantynerb,
Autor para correspondência
tkmed@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Affonso Celso Vieira Marquesc, Josefina Aparecida Pellegrini Bragad
a Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Pediatria, Disciplina de Nutrologia, São Paulo, SP, Brasil
c Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, Disciplina de Obstetrícia, São Paulo, SP, Brasil
d Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Pediatria, Disciplina de Especialidades Pediátricas, São Paulo, SP, Brasil
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Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (2)
Tabela 1. Comparação entre as médias com seus respectivos desvios‐padrão das características das mães e das crianças em amamentação exclusiva, de acordo com a faixa etária (2006‐2008)
Tabela 2. Modelos de regressão linear entre os níveis de hemoglobina das mães e das crianças, de acordo com a faixa etária (2006‐2008)
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Abstract
Objective

To evaluate the correlation between hemoglobin levels of mothers and their children on exclusive breastfeeding in the first six months of life.

Methods

Cross‐sectional study with 221 binomials (mother–child) enrolled in a breastfeeding support program, who were stratified into six groups according to the children's age group. The sample consisted of children born at term with normal weight, with no neonatal complications and whose mothers did not have anemia or infectious disease at the time of data collection. Interviews were carried out with the mothers, blood was collected by peripheral venipuncture from mothers and children, and children's anthropometric data were assessed. Pearson's correlation coefficients between the hemoglobin levels of mothers and children were calculated. Six multiple linear regression models were adjusted with regression coefficient estimates, considering as statistically significant associations with p0.05.

Results

The correlation coefficients of hemoglobin levels of mothers and children ranged from 0.253, at three months, to 0.601, at five months. The hemoglobin level of mothers was correlated with the hemoglobin level of their children at four months (r=0.578) and at five months (r=0.601). In the adjusted multiple linear regression, the regression coefficients were higher at four months (β=1.134; p=0.002) and at five months (β=0.845; p<0.001).

Conclusion

These findings allow for the conclusion that there is a correlation between the hemoglobin of mothers and the hemoglobin of their children on exclusive breastfeeding in the first six months of life.

Keywords:
Hemoglobins
Breastfeeding
Anemia
Infant
Linear models
Resumo
Objetivo

Avaliar a correlação entre os níveis de hemoglobina de mães e de seus filhos em aleitamento materno exclusivo, no primeiro semestre de vida.

Métodos

Estudo transversal com 221 binômios (mãe‐filho) matriculados em programa de incentivo ao aleitamento materno, estratificados em seis grupos de acordo com a faixa etária das crianças. A amostra consistiu de crianças nascidas a termo, com peso normal, sem intercorrências neonatais e cujas mães não apresentavam doença infecciosa e anemia na época da coleta de dados. Foram feitas entrevistas com as mães, coleta de sangue por punção de veia periférica das mães e das crianças e antropometria das crianças. Foram calculados os coeficientes de correlação de Pearson entre os níveis de hemoglobina das mães e das crianças. Foram ajustados seis modelos de regressão linear múltiplos com estimativas de coeficientes de regressão, consideraram‐se estatisticamente significantes associações com p ≤ 0,05.

Resultados

Os coeficientes de correlação dos níveis de hemoglobina das mães e das crianças variaram entre 0,253, aos três meses, e 0,601, aos cinco meses. O nível de hemoglobina das mães esteve mais correlacionado com o das crianças aos quatro meses (r=0,578) e aos cinco meses (r=0,601). Na regressão linear múltipla ajustada, os coeficientes de regressão foram maiores aos quatro meses (β=1,134; p=0,002) e aos cinco meses (β=0,845; p<0,001).

Conclusão

Esses achados permitem concluir que há correlação entre a hemoglobina de mães e a hemoglobina de seus filhos em aleitamento materno exclusivo no primeiro semestre de vida.

Palavras‐chave:
Hemoglobinas
Aleitamento materno
Anemia
Lactente
Modelos Lineares
Texto Completo
Introdução

No primeiro ano de vida, a anemia ferropriva associa‐se a problemas no desenvolvimento psicomotor e cognitivo que podem ser irreversíveis mesmo após tratamento adequado.1 Em razão disso, o conhecimento de seus fatores de risco, que podem estar presentes já no início da vida, é fundamental para subsidiar estratégias de controle e prevenção. No Brasil, as melhores estimativas da prevalência de anemia entre lactentes e puérperas são de respectivamente 24,1% e 29,4%, o que evidencia a relevância do tema.2–4

Especificamente, há várias décadas pesquisadores de saúde têm discutido a influência do estado nutricional de ferro materno sobre os valores da hemoglobina (Hb) dos filhos. Uma vez que a concentração de ferro e da lactoferrina no leite materno é necessária para manutenção do ferro corporal nos primeiros meses de vida, a anemia materna poderia influenciar essas concentrações no leite materno. Entretanto, dois estudos conduzidos pelo mesmo grupo de pesquisadores na Índia, que avaliaram a concentração de ferro e da lactoferrina no leite de mães anêmicas e não anêmicas, que amamentaram de forma exclusiva nos seis primeiros meses de vida, concluíram que tanto a concentração de ferro quanto a da lactoferrina não têm relação com o estado de ferro das mães.5,6

Resultados de estudos que avaliaram a associação entre anemia no lactente e anemia materna permanecem controversos. Enquanto alguns estudos sugerem não haver associação,7–10 outros apresentam evidências de que crianças nascidas de mães anêmicas ou deficientes em ferro desenvolvem anemia ferropriva no primeiro ano de vida mais frequentemente, quando comparadas com crianças de mães não anêmicas.11–14

Entretanto, nenhum dos estudos referidos investigou a influência dos níveis séricos da Hb materna nos perfis de Hb de crianças em amostra de lactentes em aleitamento materno exclusivo, o que compromete a validade dos seus achados, já que outras fontes de ferro na dieta das crianças podem ser responsáveis por achados díspares, que geram a controvérsia na literatura.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a correlação entre os níveis de Hb de mães e de seus filhos em aleitamento materno exclusivo, no primeiro semestre de vida.

Métodos

Este foi um estudo transversal da correlação entre os níveis de Hb de mães e Hb de seus filhos. Mães e crianças foram recrutadas em uma unidade de saúde de cuidados primários em Belém do Pará (Brasil), de outubro de 2006 a dezembro de 2008.

Nesse serviço de atenção a saúde, há um programa de cuidados para mães e crianças com consultas regulares feitas por equipe multidisciplinar, durante os seis primeiros meses de vida. O foco é o incentivo do aleitamento materno e a efetividade da puericultura para que as mães tenham sucesso com a manutenção da amamentação de forma exclusiva, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde do Brasil, que seguem os padrões da Organização Mundial de Saúde e da Academia Americana de Pediatria.15,16

Inicialmente, foram considerados todos os lactentes matriculados na referida unidade, que se apresentavam próximos à idade mensal (um, dois, três, quatro, cinco ou seis meses de vida). Assim, as crianças foram estratificadas em seis grupos de acordo com a faixa etária (idade em meses±5 dias). Crianças com idades fora dessa margem de 10 dias nos seis estratos não foram incluídas no estudo.

Além disso, foram selecionados apenas os lactentes que estavam em aleitamento materno exclusivo desde o nascimento, que nasceram a termo (idade gestacional entre 37 e 42 semanas), que não apresentaram baixo peso (peso de nascimento igual ou superior a 2.500g), que não apresentaram intercorrências no período neonatal e cujas mães apresentavam nível de Hb igual ou superior a 12g/dL na data da coleta de dados. Foram excluídos os lactentes que apresentavam suspeita de processos infecciosos ou inflamatórios no momento da coleta da amostra de sangue (presença de sinais/sintomas mórbidos e/ou alterações do leucograma) e os filhos de mães que relataram antecedentes de malária ou apresentavam doença infecciosa no momento da coleta de dados.

O tamanho amostral foi calculado a partir das médias e desvios‐padrão dos valores de Hb do estudo piloto feito antes do início da coleta de dados. Para atender o objetivo da pesquisa, a estimativa resultou em 40 crianças em cada grupo etário, consideraram‐se beta=0,1 e alfa‐bilateral=0,05.

Foram consideradas em aleitamento materno exclusivo as crianças que recebiam leite materno, diretamente da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes com vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais ou medicamentos.16

Dessa forma, 245 mães cujos filhos preenchiam os critérios de inclusão do estudo foram entrevistadas durante a coleta de dados. No entanto, cinco crianças foram excluídas por apresentar pelo menos um dos critérios de exclusão, o que resultou em 240 crianças. Posteriormente, 19 crianças foram excluídas das análises por material insuficiente para os exames laboratoriais, consubstanciou‐se uma perda amostral de 7,9%. Portanto, foram estudados 221 binômios (mãe‐filho), que foram dispostos em seis grupos de acordo com a faixa etária: um (n=40), dois (n=27), três (n=39), quatro (n=38), cinco (n=40) e seis meses (n=37). Nenhum binômio (mãe‐filho) foi incluído em mais do que um grupo etário da amostra.

Durante as atividades assistenciais prestadas as crianças selecionadas, a pesquisadora principal (RFVM) preencheu junto às mães um questionário validado, estruturado, pré‐codificado com informações sobre a história gestacional, as condições de parto e pós‐parto, a história neonatal e as condições econômicas da família.

As amostras de sangue das crianças e das mães foram coletadas, após a consulta médica, por punção de veia periférica radial ou cubital da face anterior do braço. Para a determinação da concentração de Hb das mães e das crianças foi usado aparelho da marca Cell‐Dyn® 3.500 (Abbott, IL, EUA). Os valores de ferritina sérica foram obtidos pela determinação imunoenzimática no soro ou plasma com a técnica Elfa (Enzyme Linked Fluorescent Assay) por meio do teste automatizado denominado Vidas® Ferritin (Biomerieux, Paris, França), que permite medir quantitativamente a ferritina no soro ou no plasma.

As crianças foram pesadas em balança pediátrica certificada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) com capacidade máxima de 16kg. Para a medida da estatura, foi usada régua antropométrica de cursor móvel. Os procedimentos antropométricos adotados foram os recomendados pelo Ministério da Saúde.17

O indicador antropométrico escolhido para a avaliação nutricional foi a relação peso para idade e o critério usado expressá‐lo foi o escore‐Z.18 Definiu‐se como indicador de ganho ponderal proporcional a diferença do escore‐Z da relação peso para idade entre o momento da coleta de dados e o nascimento das crianças.19

Os questionários preenchidos foram avaliados quanto à sua consistência interna. As informações foram transcritas em bancos de dados com dupla digitação e, posteriormente, validadas, com vistas à correção de erros de imputação. O pacote estatístico usado foi o SPSS (SPSS Inc. Released 2007. SPSS para Windows, versão 16.0, IL, EUA).20

Foram feitas análises de consistência e estatísticas descritivas univariadas e bivariadas. Para comparação de médias foi usada a análise de variância (Anova) e para quantificar a correlação entre os níveis de Hb das mães e das crianças foram calculados os coeficientes de correlação de Pearson no seis grupos etários.21

Para o controle de variáveis de confundimento na correlação entre Hb das mães e Hb das crianças, foi ajustado modelo de regressão linear múltiplo com estimativas de coeficientes de regressão.22

Os critérios de escolha das variáveis de controle para composição do modelo final consideraram as situações com efeito plausível no nível de Hb materna (idade, uso de ferro na época coleta de dados e tempo de uso de ferro na gestação) e de Hb das crianças (ganho ponderal, nível de ferritina sérica e sexo).

Elegeu‐se o nível máximo de 0,05 para indicar uma associação estatisticamente significante.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e autorizado pela Unidade de Saúde de Belém do Pará. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todas as mães no momento em que aceitaram participar do estudo.

Resultados

A tabela 1 apresenta as características das mães e das crianças estudadas, de acordo com a faixa etária das crianças. As médias dos níveis de Hb das mães e das crianças variaram, respectivamente, de 12,9 a 13,3g/dL e de 11,4 a 12,0g/dL.

Tabela 1.

Comparação entre as médias com seus respectivos desvios‐padrão das características das mães e das crianças em amamentação exclusiva, de acordo com a faixa etária (2006‐2008)

Características
(variáveis contínuas) 
Faixa etária (meses)p‐valora 
  1 (n=40)  2 (n=27)  3 (n=39)  4 (n=38)  5 (n=40)  6 (n=37)   
  x¯ (DP)  x¯ (DP)  x¯ (DP)  x¯ (DP)  x¯ (DP)  x¯ (DP)   
Hb das mães (g/dL)  13,0 (0,8)  12,9 (0,6)  13,0 (0,7)  13,3 (0,8)  13,2 (1,0)  13,1 (1,0)  0,293 
Hb das crianças (g/dL)  11,9 (1,8)  11,4 (1,6)  11,4 (1,4)  12,0 (1,8)  11,9 (1,7)  11,8 (1,7)  0,468 
Ferritina das crianças (ng/mL)  193,6 (148,9)  110,7 (114,1)  70,4 (61,3)  45,4 (36,5)  32,6 (23,0)  31,2 (23,2)  <0,001 
Peso ao nascer (Kg)  3,32 (0,41)  3,22 (0,30)  3,24 (0,28)  3,23 (0,37)  3,18 (0,41)  3,24 (0,32)  0,653 
P/I ao nascimentob  0,03 (0,85)  ‐0,18 (0,69)  ‐0,12 (0,58)  ‐0,16 (0,78)  ‐0,27 (0,87)  0,13 (0,72)  0,642 
Peso atual (Kg)  4,24 (0,53)  5,38 (0,42)  6,45 (0,78)  7,08 (0,76)  7,33 (0,92)  8,13 (0,71)  <0,001 
P/I atualb  ‐0,18 (0,83)  0,01 (0,64)  0,38 (0,93)  0,39 (0,78)  0,13 (0,99)  0,53 (0,81)  0,003 
Ganho ponderal proporcionalc  ‐0,22 (0,51)  0,18 (0,51)  0,51 (0,87)  0,55 (0,78)  0,40 (0,99)  0,66 (0,87)  <0,001 
Comprimento ao nascer (cm)  49,4 (2,2)  49,2 (1,3)  49,0 (1,6)  49,0 (1,9)  48,2 (1,8)  48,9 (1,5)  0,136 
Comprimento atual (cm)  54,4 (1,7)  58,3 (1,6)  61,5 (2,2)  63,4 (2,4)  63,9 (2,3)  67,3 (1,7)  <0,001 
Idade materna (anos)  20,9 (5,5)  20,5 (5,5)  20,4 (5,3)  19,7 (4,9)  19,8 (4,9)  21,6 (5,7)  0,664 
Escolaridade materna (anos de estudo)  8,8 (2,4)  8,1 (2,7)  8,5 (2,1)  8,3 (2,2)  8,1 (2,2)  8,5 (2,5)  0,836 
Uso de ferro na gestação (m)  2,4 (2,3)  2,6 (2,0)  3,0 (2,4)  3,2 (2,3)  3,0 (2,3)  1,9 (1,9)  0,098 
Pré‐natal (número de visitas)  6,8 (1,7)  6,4 (2,0)  6,7 (1,3)  6,4 (1,8)  7,0 (2,1)  6,8 (2,0)  0,752 

x¯, média; DP, desvio‐padrão; Hb, hemoglobina; g/dL, grama por decilitro; ng/mL, nanograma por mililitro; Kg, quilograma; cm, centímetro; m:, meses; P/I, relação peso para idade.

a

Anova.

b

Escore‐Z.

c

Ganho ponderal proporcional em escore‐Z corresponde à diferença do escore‐Z da relação peso para idade entre o momento da coleta de dados e o nascimento das crianças.

Nas seis faixas etárias estudadas, as comparações das médias do nível de ferritina sérica (p<0,001) e do ganho ponderal proporcional (p<0,001) mostraram diferenças estatisticamente significantes entre as faixas etárias. Por outro lado, as características das mães e crianças, não inteiramente sensíveis à diferença de idade (peso e comprimento ao nascimento, idade e escolaridade materna, uso de ferro na gestação e número de visitas de pré‐natal), mostraram‐se estatisticamente semelhantes (p>0,05).

A figura 1 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson entre os níveis de Hb (g/dL) das mães e das crianças em cada faixa etária. Os coeficientes variaram entre 0,253, na faixa de três meses, e 0,601, na faixa de cinco meses. Observa‐se que o nível de Hb das mães esteve mais correlacionado com o de Hb das crianças nas faixas de quatro meses (r=0,578) e cinco meses (r=0,601).

Figura 1.

Coeficientes de correlação de Pearson entre os níveis de hemoglobina das mães e das crianças (g/dL), de acordo com a faixa etária (2006‐2008).

(0.29MB).

Um modelo de regressão linear múltipla foi ajustado para cada uma das seis faixas etárias estudadas (tabela 2). Os coeficientes de regressão foram maiores nas faixas de quatro meses (β=1,134) e cinco meses (β=0,845). Isso significa que para cada aumento de 1g/dL de Hb materna estimou‐se aumento de aproximadamente 1,1 e 0,8g/dL de Hb das crianças nessas duas faixas etárias, respectivamente. Tais estimativas foram controladas nos modelos para três variáveis maternas (idade, uso de ferro na época coleta de dados e tempo de uso de ferro na gestação) e três variáveis das crianças (ganho ponderal, nível de ferritina sérica e sexo).

Tabela 2.

Modelos de regressão linear entre os níveis de hemoglobina das mães e das crianças, de acordo com a faixa etária (2006‐2008)

Nível de hemoglobina das crianças (g/dL)  Faixa etária  β  (IC 95%)  p‐valor 
Nível de hemoglobina das mães (g/dL)10,735  (0,024; 1,447)  0,043  0,335 
21,135  (−0,067; 2,337)  0,063  0,422 
30,763  (0,060; 1,466)  0,034  0,368 
41,134  (0,447; 1,820)  0,002  0,520 
50,845  (0,436; 1,255)  <0,001  0,506 
60,568  (0,055; 1,080)  0,031  0,318 

β, coeficiente de regressão; IC, intervalo de confiança; B, coeficiente beta padronizado; m, mês.

Modelos ajustados para idade materna, tempo de uso de ferro na gestação, uso de ferro no momento da coleta de dados, ganho ponderal, nível de ferritina e sexo das crianças.

Discussão

As médias dos níveis de Hb das mães e de Hb e peso ao nascer das crianças nas seis faixas etárias foram superiores a 12,5g/dL, 11,0g/dL e 3,0kg, respectivamente. Encontramos menores concentrações médias de ferritina sérica mês a mês, a partir do primeiro até o sexto mês, e as distribuições dos escores Z das relações P/I do nascimento e do momento da coleta de dados apresentaram‐se normais.

Os maiores coeficientes de correlação entre os níveis de Hb das mães e das crianças ocorreram nas faixas etárias de quatro e cinco meses. Os seis modelos de regressão linear resultaram em coeficientes de regressão positivos e com associação estatisticamente significante nas faixas etárias de um, três, quatro, cinco e seis meses, independentemente de três características das mães (idade e suplementação de ferro na gestação e momento da coleta de dados) e três características das crianças (ganho ponderal, nível de ferritina sérica e sexo).

Inexistem evidências na literatura da associação entre níveis de hemoglobina materna e dos seus filhos após o nascimento em humanos. Os achados de estudos com animais têm contribuído de forma limitada com o entendimento dessa relação entre humanos, pois a velocidade de crescimento de animais de experimentação é expressivamente maior quando comparados com humanos (p. ex., nas quatro primeiras semanas de vida o coelho aumenta seis vezes o seu peso corporal, enquanto que um humano aumenta somente um sexto do seu peso ao nascer no mesmo período). Além disso, a proporção entre o peso da prole e o peso materno é também muito maior nos animais de experimentação quando comparados com humanos (p. ex., proporção de 1:6 em ratos e de 1:16 em humanos).7

Estudo em humanos, que avaliou concentrações de ferro no leite materno, demonstrou queda das médias dos níveis de ferro durante o curso da lactação de 0,6 para 0,3mg/litro, porém com grande variabilidade entre os valores encontrados, que potencialmente reflete a característica multifatorial de determinação da deficiência de ferro e sua concentração no leite materno.23 De fato, Kumar et al. (2008)24 encontraram menores níveis de ferro em leite de mães com anemia grave, quando comparadas com o leite de mães não anêmicas. No entanto, a magnitude de efeito foi de 2,6 mmols/litro, ou seja, redução média de apenas 17% na concentração de ferro, o que potencialmente não acarreta diferenças no estado de ferro de seus filhos.

Domelloff et al. (2004),25 ao avaliar amostras de leite materno de 191 mães coletadas aos nove meses pós‐parto, não encontraram associação entre os níveis de zinco, cobre e ferro corporal (hemoglobina, ferritina plasmática, receptores de transferrina e protoporfirina zinco) com os níveis desses micronutrientes no leite materno.

Ainda que possa haver relação entre a Hb das mães e das crianças nos primeiros meses de vida,13 o tipo de alimentação infantil, principalmente o aleitamento materno exclusivo, tem sido pouco considerado na análise dos resultados dos estudos existentes. O estudo de Kilbride et al. (1999),12 que avaliou longitudinalmente crianças nos primeiros 12 meses e considerou a prática alimentar nesse período, encontrou tempo de duração de aleitamento materno exclusivo de apenas 2,3 meses, o que prejudica a interpretação dos achados por não constituir o cenário ideal da nutrição do lactente jovem.

O presente estudo encontrou correlação estatisticamente significante entre os níveis de Hb das mães e das crianças em cinco das seis faixas etárias analisadas, evidenciou que o estado de Hb materna, como um indicador de disponibilidade de ferro corporal, influencia o estado de Hb de crianças nos seis primeiros meses de vida, mesmo com adequada reserva de ferro, adquirida por recém‐nascidos a termo e eutróficos no fim da gestação.

Os grupos etários aqui constituídos apresentaram homogeneidade entre as características estudas, minimizaram erros de interpretação relacionados a fatores determinantes do nível sérico de Hb. Além disso, o ajuste na análise múltipla de variáveis das mães e crianças, que potencialmente interferem na condição do ferro, reforça essa influência e, consequentemente, evidencia a relevância do aleitamento materno exclusivo no primeiro semestre de vida, mesmo em crianças com boas condições de estoques de ferro ao nascer.

Hay et al. (2007)26 concluíram que o nível de ferritina sérica no sangue de cordão poderia ser fator preditor do estado do ferro nos primeiros dois anos de vida. Embora o tempo de clampeamento e o estado do ferro no sangue de cordão umbilical possam influenciar a hemoglobina das crianças, a correlação entre os valores de ferritina no sangue de cordão e os da mãe do recém‐nascido não tem sido demonstrada.12,24,27,28

Cabe mencionar que o estado do ferro no sangue de cordão umbilical e seu tempo de clampeamento não foram considerados no presente estudo, uma vez que não dispusemos desses dados e a avaliação iniciou com os valores de hemoglobina e ferritina a partir do 1° mês de vida das crianças. Tal fato pode ter influenciado nos resultados aqui apresentados.

Por outro lado, a exclusão das mães e crianças com doenças infecciosas por ocasião da coleta de dados afastou a possibilidade de essas condições interferirem nos resultados. Embora a proteína C reativa não tenha sido dosada, as mães foram perguntadas sobre a presença de infecções recentes e anormalidades nos níveis de leucócitos circulantes foram verificadas.

Particularmente, a exclusão da amostra estudada de sujeitos com antecedente de malária, uma vez que o presente estudo foi feito em uma zona endêmica da doença, evitou a influência dessa infecção no nível de Hb, que tem sido demonstrada em mulheres e lactentes.14

O presente estudo avalia somente mães sem anemia e seus filhos em aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida, controla, no processo de seleção amostral, efeitos da anemia materna e de diferentes regimes alimentares das crianças na correlação entre níveis de Hb das mães e de seus filhos. Tal característica inferencial é única em estudos com humanos.

Cabe ressaltar que os seis grupos etários aqui estudados foram compostos por binômios (mãe‐filho) diferentes, não foi feito acompanhamento da população, mas uma avaliação separada de seis faixas de idade distintas conforme o desenho de estudo adotado (transversal). Mesmo que os grupos tenham apresentado características semelhantes, o estudo longitudinal se aproximaria do ideal metodológico para atingir o objetivo aqui proposto. No entanto, é menos factível pela necessidade da coleta repetida de sangue de crianças e de mães hígidas, que é, seguramente, mais desconfortável e, consequentemente, resulta em mais perda amostral.

Nesse contexto, independentemente da característica multifatorial de determinação da anemia na infância, esses achados permitem concluir que há correlação entre as Hb de mãe e seus filhos em aleitamento materno exclusivo no primeiro semestre de vida. Apesar da originalidade e da força metodológica desta pesquisa, estudos adicionais de acompanhamento e idealmente controlados parecem necessários para confirmar os resultados aqui encontrados.

Por fim, recomendamos a adoção de três estratégias para garantir o adequado nível de ferro corporal no início da vida: suplementação efetiva de ferro as gestantes durante o pré‐natal, clampeamento do cordão em tempo oportuno (no mínimo após um minuto do nascimento) e incentivo contínuo a prática da amamentação exclusiva no primeiro semestre de vida, que, aliada às boas condições de nascimento, fornece à criança quantidade e qualidade de ferro suficiente para atender à demanda do crescimento físico.24,29

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Às mães que participaram do estudo, à equipe do Programa de Apoio ao Aleitamento Materno Exclusivo (Proame) e aos responsáveis pela Unidade de Referência Especializada Materno Infantil da Secretaria de Saúde Pública do Pará (Uremia‐Sespa), onde o estudo foi feito.

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Como citar este artigo: Marques RF, Taddei JA, Konstantyner T, Marques AC, Braga JA. Correlation between hemoglobin levels of mothers and children on exclusive breastfeeding in the first six months of life. J Pediatr (Rio J). 2016;92:479–85.

Trabalho desenvolvido no Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

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