To provide cutting‐edge information for the management of community‐acquired pneumonia in children under 5 years, based on the latest evidence published in the literature.
Data sourceA comprehensive search was conducted in PubMed, by using the expressions: “community‐acquired pneumonia” AND “child” AND “etiology” OR “diagnosis” OR “severity” OR “antibiotic”. All articles retrieved had the title and the abstract read, when the papers reporting the latest evidence on each subject were identified and downloaded for complete reading.
Data synthesisIn the era of largely implemented bacterial conjugate vaccines and widespread use of amplification nucleic acid techniques, respiratory viruses have been identified as the most frequent causative agents of community‐acquired pneumonia in patients under 5 years. Hypoxemia (oxygen saturation ≤ 96%) and increased work of breathing are signs most associated with community‐acquired pneumonia. Wheezing detected on physical examination independently predicts viral infection and the negative predictive value (95% confidence interval) of normal chest X‐ray and serum procalcitonin < 0.25 ng/dL was 92% (77‐98%) and 93% (90‐99%), respectively. Inability to drink/feed, vomiting everything, convulsions, lower chest indrawing, central cyanosis, lethargy, nasal flaring, grunting, head nodding, and oxygen saturation < 90% are predictors of death and can be used as indicators for hospitalization. Moderate/large pleural effusions and multilobar infiltrates are predictors of severe disease. Orally administered amoxicillin is the first line outpatient treatment, while ampicillin, aqueous penicillin G, or amoxicillin (initiated initially by intravenous route) are the first line options to treat inpatients.
ConclusionsDistinct aspects of childhood community‐acquired pneumonia have changed during the last three decades.
Fornecer informações de ponta para o manejo de crianças menores de cinco anos com pneumonia adquirida na comunidade, com base nas evidências mais recentes publicadas na literatura.
Fonte de dadosUma pesquisa abrangente foi feita no PubMed, com as expressões: “community‐acquired pneumonia” + “child” + “etiology” ou “diagnosis” ou “severity” ou “antibiotic”. Todos os artigos encontrados tiveram o título e o resumo lidos e os artigos que relatavam as evidências mais recentes sobre cada assunto foram identificados e recuperados para leitura completa.
Síntese dos dadosNa era das vacinas bacterianas conjugadas amplamente usadas e do uso difundido de técnicas de amplificação de ácidos nucléicos, os vírus respiratórios foram identificados como os agentes causadores mais frequentes de pneumonia adquirida na comunidade em pacientes com menos de cinco anos. A hipoxemia (saturação de oxigênio ≤ 96%) e o aumento do esforço respiratório são os sinais mais associados à pneumonia adquirida na comunidade. A sibilância detectada ao exame físico prediz de forma independente a infecção viral e o valor preditivo negativo (intervalo de confiança de 95%) da radiografia de tórax normal e a procalcitonina sérica < 0,25 ng/dL foi de 92% (77‐98%) e 93% (90‐99%), respectivamente. Incapacidade de beber e se alimentar, vomitar todo o alimento, convulsões, retração torácica subcostal, cianose central, letargia, aleteo nasal, estridor e saturação de oxigênio < 90% são preditores de óbito e podem ser usados como indicadores de hospitalização. Derrames pleurais moderados/grandes e infiltrados multilobulares são preditores de doença grave. A amoxicilina administrada por via oral é a opção de primeira linha para tratar pacientes ambulatoriais e a ampicilina ou penicilina cristalina G ou amoxicilina (administrada inicialmente por via intravenosa) são as opções de primeira linha para tratar pacientes hospitalizados.
ConclusõesAspectos distintos da pneumonia adquirida na comunidade durante a infância mudaram durante as últimas três décadas.
A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) ainda é uma das principais causas de morte entre crianças com menos de cinco anos em todo o mundo, com uma estimativa de 921 mil mortes em 2015. De fato, a PAC perde apenas para complicações de parto prematuro, é a principal causa de morte em países com alta taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos, é uma causa importante também em países de mortalidade infantil média alta e média.1 Além disso, a PAC impõe uma carga substancial aos serviços de saúde e é uma das principais causas de encaminhamento e internação hospitalar. De acordo com a última estimativa, em 2010 ocorreram 265.000 mortes por PAC em hospitais, 99% delas em países em desenvolvimento.2 Portanto, é possível observar que 81% das mortes ocorreram fora dos hospitais,2 particularmente nos países da África subsaariana e do sul da Ásia.1 No Brasil, em 2017, 1.117.779 internações hospitalares ocorreram em crianças menores de cinco anos, é a causa mais frequente de doença respiratória na hospitalização (351.763; 31,5%), complicações perinatais (277.212; 23,5%) e doenças infecciosas/parasitárias (163.958; 14,7%).3 Em relação à mortalidade, foram registradas na mesma faixa etária 2.349 mortes por doença respiratória no Brasil em 2017, ou seja, 0,7% dos indivíduos hospitalizados morreram (taxa de letalidade).3 Esses números estão de acordo com os achados de mortalidade e morbidade de acordo com o desenvolvimento econômico dos países,1 considerando que o Brasil é um país de renda média‐alta.4 Ou seja, embora a PAC não seja uma causa frequente de morte, é uma das principais causas de internação hospitalar no Brasil. Devido ao seu impacto na morbimortalidade infantil, é um objetivo primordial, na assistência de saúde, estar atualizado no diagnóstico e tratamento de crianças com PAC. Assim, nosso objetivo é fornecer informações de ponta para o manejo de crianças menores de cinco anos com PAC, com base nas evidências mais recentes publicadas na literatura.
EtiologiaAté a década de 1990, as infecções bacterianas eram a principal preocupação sobre a etiologia da PAC, particularmente a infecção pneumocócica. Além de ser um conceito clássico na medicina, derivado dos ensaios bacteriológicos disponíveis que eram rotineiramente usados para investigar a etiologia da PAC, esse conceito se destacou pelo achado de que a morte por PAC era principalmente por infecção bacteriana.5 Com base nesse achado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um programa com diretrizes para identificar crianças com risco de PAC e que deveriam receber tratamento empírico com antibióticos prontamente.6 De fato, esse programa foi rapidamente considerado como tendo um efeito substancial na mortalidade infantil.7
Entre o fim do século passado e o início do atual, grandes mudanças ocorreram no cenário da PAC na infância. Em primeiro lugar, a implantação progressiva de vacinas bacterianas conjugadas, especificamente a vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e as vacinas pneumocócicas conjugadas (PCV),8 os agentes causadores bacterianos mais frequentes da PAC na faixa etária de cinco anos até o momento.9
Reconhece‐se que o uso disseminado da vacina contra o Hib e das PCV em países com alta mortalidade infantil tem sido associado a reduções nos casos e mortes por Hib e pneumococos.8 Em segundo lugar, o sucesso na difusão de técnicas de amplificação de ácido nucleico (PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction) teve um impacto na estimativa da proporção de infecções por vírus respiratórios na PAC infantil.10
Em um estudo americano feito com 2.219 crianças (< 18 anos) hospitalizadas por PAC, entre 2010 e 2012, vírus respiratórios foram detectados em 1.627 (73,3%), dos quais 1.472 (90,5%) apresentavam apenas vírus detectados.11 Em um estudo sueco feito em pronto‐socorro pediátrico ou unidades de internação, entre 2011 e 2014, foram incluídos 121 casos com evidências radiográficas de PAC e 240 controles saudáveis, dos quais 81% e 56%, respectivamente, apresentavam vírus; os autores relataram que o vírus da influenza, o metapneumo vírus humano (HMPV) e o vírus sincicial respiratório (VSR) foram detectados em 60% dos casos e estavam significativamente associados à PAC, com odds ratio >10.12 Em um estudo australiano feito em 230 crianças (< 18 anos) hospitalizadas com PAC e 230 controles saudáveis, entre 2015 e 2017, os vírus respiratórios, particularmente o VSR e o HMPV, foram os principais contribuidores para a etiologia da PAC.13 Os autores estimaram que os vírus VSR, HMPV, influenza, adenovírus e Mycoplasma pneumoniae foram responsáveis por 20,2% (IC95%: 14,6 a 25,5), 9,8% (5,6% a 13,7%), 6,2% (2,5% a 9,7%), 4% (1,1% a 7,1%) e 7,2% (3,5% a 10,8%) das hospitalizações, respectivamente.13 Por outro lado, em um estudo (Gabriel) multicêntrico feito em oito países em desenvolvimento (Camboja, China, Haiti, Índia, Madagascar, Mali, Mongólia e Paraguai), entre 2010 e 2014, 888 casos foram hospitalizados por PAC confirmada radiologicamente e 870 controles saudáveis foram recrutados; pelo menos um microrganismo foi detectado em 93% dos casos e em 74,4% dos controles. Estreptococos pneumoniae, M. pneumoniae, HMPV, rinovírus, VSR, vírus da para influenza 1, 3 e 4 e os vírus influenza A e B foram independentemente associados com pneumonia e os autores especularam que o aumento da cobertura vacinal contra S. pneumoniae pode reduzir substancialmente a carga de PAC em crianças de países em desenvolvimento.14 Além disso, em outro estudo multicêntrico (Percha) feito em Bangladesh, Gâmbia, Quênia, Mali, África do Sul, Tailândia e Zâmbia, todos países em desenvolvimento, entre 2011 e 2014, foram incluídos 1.769 casos não HIV com radiografia de tórax positiva, hospitalizados com PAC grave, entre um e 59 meses, e 5.119 controles da comunidade; a detecção do VSR, vírus da para influenza, HMPV, vírus da influenza, S. pneumoniae, Hib, Influenza não tipo b e Pneumocystis jirovecii em amostras nasofaríngeas e orofaríngeas foi associada ao status do caso. A análise etiológica estimou que os vírus representaram 61,4% (intervalo de confiança de 95% [IC95%]: 57,3‐65,6) das causas, enquanto as bactérias representaram 27,3% (23,3‐31,6) e o Mycobacterium tuberculosis por 5,9% (3,9‐8,3). O VSR apresentou a maior fração etiológica (31,1%, IC95%: 28,4‐34,2) de todos os patógenos.15
No Brasil, dois estudos investigaram exaustivamente a etiologia da PAC. No primeiro, foram incluídos 184 casos hospitalizados com PAC confirmada radiologicamente, foram encontradas infecções apenas por vírus, apenas por bactérias ou infecções por vírus e bactérias em 67 (36%), 34 (18%) e 43 (23%) pacientes, respectivamente, os patógenos mais comuns foram o rhinovirus (21%) e S. pneumoniae (21%).16 Foram diagnosticadas infecções por vírus para influenza 1, 2 e 3 (17%), VSR (15%), influenza A e B (9%), bocavírus humano (HBoV) (8%), enterovírus (5%), HMPV (4,1%) e adenovírus (3%).16–18 No segundo estudo, foram recrutados 774 casos não hospitalizados, dos quais 708 (91,5%) tiveram vírus detectados, 491 (69,4%) com múltiplos vírus; infecções por rinovírus (46,1%), adenovírus (38,4%), enterovírus (26,5%), VSR (24,9%), vírus parainfluenza 1, 2, 3 e 4 (20,5%), HMPV (12,9%), influenza A e B (8,5%) e coronavírus OC43, NL63 e 229E (8,3%) foram encontrados.19 Nesse estudo, todos os vírus foram significativamente mais frequentes nos casos com múltiplas detecções, com exceção do VSR e vírus influenza.19 Além disso, a infecção aguda por HBoV foi sorologicamente confirmada em 38 (5,0%) dos 759 casos com amostras de soro pareadas disponíveis.20 Infecções bacterianas típicas também foram pesquisadas, com a quantificação de títulos específicos de IgG: de 690 pacientes com amostras de soro pareadas disponíveis para esses ensaios, a taxa de respostas de anticorpos foi de 15,4% para pelo menos um antígeno da proteína pneumocócica, 5,8% para H. influenzae e 2,3% para M. catarrhalis, a taxa de detecção de anticorpos foi significativamente aumentada para pelo menos uma dessas três bactérias para 20,4%.21 Foram também investigadas infecções bacterianas atípicas: a infecção aguda por M. pneumoniae foi diagnosticada pela detecção de anticorpos IgM específicos na amostra de soro convalescente, infecções agudas por Chlamydia pneumoniae e Chlamydia trachomatis foram diagnosticadas pela detecção de anticorpos IgM específicos ou mudanças significativas nos títulos de IgG ou IgA; foram diagnosticadas infecções agudas por M. pneumoniae (86/787; 10,9%), C. pneumoniae (79/733; 10,8%) e C. trachomatis (3/28; 10,7%) e 147 (20,1%), 731 pacientes investigados para essas três bactérias tinham infecção aguda por pelo menos uma dessas três bactérias (18 pacientes tinham testes concomitantemente positivos para infecção aguda por M. pneumoniae e C. pneumoniae).22
Com base nos dados supracitados, é possível observar que os vírus respiratórios têm sido cada vez mais implicados na etiologia da PAC na infância, juntamente com o reconhecimento de que as infecções virais foram mais frequentes do que as bacterianas, mesmo em países em desenvolvimento.
DiagnósticoA triagem de crianças com queixas de infecção respiratória aguda para diagnosticar pneumonia baseia‐se inicialmente em aspectos clínicos. A OMS recomenda, desde o início dos anos 1990, o uso de taquipneia quantitativa (taxas respiratórias elevadas específicas da idade) para identificar crianças que necessitam de tratamento com antibióticos para possível pneumonia.6 É necessário esclarecer que os critérios da taxa respiratória da OMS foram selecionados com base em estudos observacionais de campo em cenários epidemiológicos‐alvo, devido à sua alta sensibilidade, especificidade razoável e facilidade de implantação, nos quais o acesso à avaliação médica formal era limitado. Além disso, a base de evidências para o estabelecimento desses critérios é da época anterior à introdução de vacinas contra Hib e S. pneumoniae, consideradas as duas principais causas de mortalidade na PAC.23 Também é necessário enfatizar que os critérios de frequência respiratória da OMS não são uma abordagem diagnóstica; em vez disso, recomendou‐se que fossem empregados como uma ferramenta fácil para identificar, entre crianças menores de cinco anos com queixas de infecção respiratória aguda, quem tinha a possibilidade de apresentar comprometimento do trato respiratório inferior e poderia então apresentar risco de morte. Em uma revisão sistemática publicada recentemente sobre a acurácia dos sintomas e achados do exame físico para identificar casos com pneumonia radiográfica em crianças menores de cinco anos, 23 estudos de coorte prospectivos em crianças foram incluídos (oito da América do Norte), entre os quais a prevalência de pneumonia radiográfica nos estudos norte‐americanos foi de 19% e 37% fora da América do Norte. A presença de hipoxemia moderada (saturação de oxigênio ≤ 96%) e o aumento do esforço respiratório (grunhidos, abertura das narinas e retrações) foram os sinais mais associados à pneumonia, enquanto a oxigenação normal (saturação de oxigênio > 96%) diminuiu a probabilidade de pneumonia. Curiosamente, a taquipneia (frequência respiratória > 40 respirações/min) não foi fortemente associada ao diagnóstico de pneumonia.24 De fato, as limitações do diagnóstico de pneumonia baseado na frequência respiratória também incluem o sobre diagnóstico devido à inclusão de casos de asma e outras doenças respiratórias que afetam o trato respiratório inferior.25
Em um estudo feito em três hospitais rurais em Ruanda, entre maio de 2011 e abril de 2012, 147 casos foram analisados e 58% tiveram pneumonia diagnosticada por radiologista; 31 sinais históricos, clínicos e laboratoriais tiveram a acurácia para o diagnóstico de pneumonia confirmada radiologicamente avaliada: a saturação de oxigênio foi o melhor preditor clínico, a sua área sob a curva ROC (0,675 [IC95%: 0,581‐0,769]; p = 0,001) estava acima daquela da frequência respiratória (0,528 [IC95%: 0,428‐0,627]; p = 0,588).26 No Malawi, entre 2012 e 2014, foram avaliadas 13.266 crianças entre 2‐59 meses com pneumonia clinicamente diagnosticada e os autores mostraram que a oximetria aumentou a taxa de referência para crianças gravemente hipoxêmicas sem retração torácica ou sinais de perigo27; de fato, quando os dados da oximetria foram excluídos, a aplicação retrospectiva das diretrizes publicadas pela OMS em 201428 não identificou uma proporção considerável de crianças gravemente hipoxêmicas elegíveis apenas por meio da oximetria.27 Além disso, foi demonstrado que a oximetria de pulso não só aumenta significativamente a incidência de casos graves tratados corretamente, mas também reduz a incidência de tratamento incorreto com antibióticos.29
O padrão‐ouro usualmente considerado na investigação de sinais preditivos de pneumonia é a pneumonia confirmada radiologicamente. Um achado radiológico consistente com pneumonia inclui infiltrado pulmonar, alveolar ou intersticial; o infiltrado alveolar caracteriza‐se como uma opacidade densa que ocupa uma porção ou todo um lobo ou todo o pulmão, pode ou não conter broncograma aéreo, definido como densidades lineares e irregulares com aspecto “rendado”.30 Curiosamente, foi demonstrado que a sensibilidade (IC 95%) da pneumonia confirmada radiologicamente para infecção pneumocócica foi de 93% (80%‐98%); por outro lado, o valor preditivo negativo (IC95%) da radiografia torácica comum foi de 92% (77%‐98%).31 Esses achados foram detectados em crianças hospitalizadas31 e não hospitalizadas.32 Isso significa que os achados de pneumonia confirmada radiologicamente são, na verdade, preditores de pneumonia bacteriana. Além disso, se a frequência de pneumonia bacteriana está diminuindo devido à ampla implantação das vacinas conjugadas (Hib e PCV), a precisão desses preditores pode mudar ao longo do tempo e entre um e outro ambiente, depende da cobertura das vacinas. Do ponto de vista prático, a pneumonia bacteriana deve ser o alvo, uma vez que crianças com infecções bacterianas típicas, isoladas ou complicadas por uma infecção viral, apresentam desfechos piores do que crianças infectadas por um vírus isolado.11
Em um estudo transversal prospectivo que investigou a etiologia de 11 vírus e oito bactérias em pacientes hospitalizados com PAC com menos de cinco anos, a frequência de sintomas e sinais foi avaliada em pacientes com infecção viral ou exclusivamente bacteriana; 188 pacientes tinham uma provável etiologia estabelecida como infecção somente viral (51,6%), viral‐bacteriana mista (30,9%) e somente bacteriana (17,5%). A asma foi registrada em 21,4%. Através da análise multivariada, a infecção viral (ORAj [IC 95%]: 9,6; IC95%: 2,7‐34,0), asma (ORaj [IC 95%]: 4,6; IC95%:1,9‐11,0) e idade (ORaj [IC95%]: 0,95; IC95%:0,92‐0,97) foram independentemente associadas à sibilância ao exame físico. O valor preditivo positivo de sibilância detectada para infecção viral foi de 96,3% (IC95%: 90,4‐99,1%). Os autores concluíram que a sibilância detectada no exame físico é um preditor independente de infecção viral.33 Entretanto, a sibilância não exclui a infecção bacteriana. Do ponto de vista prático, não só é necessário identificar crianças com PAC, mas principalmente os pacientes com provável infecção bacteriana, e é possível que a combinação de radiografia de tórax simples, a detecção de sibilância no exame físico e oximetria de pulso podem ser úteis, em conjunto, para esse objetivo. Essa é uma questão potencial para pesquisas futuras.
O uso de biomarcadores inflamatórios no sangue para distinguir a PAC bacteriana da viral tem sido investigado. A procalcitonina (PCT) e a proteína C‐reativa (CRP, do inglês C‐Reactive Protein) têm demonstrado algum valor na identificação de infecções bacterianas,34,35 mas ainda não foi estabelecido um ponto de corte clínico relevante para seu uso.36 Por exemplo, em um ensaio clínico randomizado italiano, crianças com PAC não grave foram admitidas no hospital especificamente para serem incluídas nessa investigação de PCT: 155 receberam antibióticos se a média de PCT sérica à hospitalização fosse ≥ 0,25 ng /mL e as demais 155 crianças receberam antibióticos com base na avaliação clínica do médico assistente; 133 indivíduos (85,8%) do primeiro grupo e 155 crianças (100%) do segundo grupo receberam antibióticos, respectivamente (p < 0,05). A duração do uso de antibióticos foi menor (5,37 vs. 10,96; p < 0,05), bem como a frequência de eventos adversos relacionados ao uso de antibióticos (3,9% vs. 10,96%; p < 0,05) no grupo que teve a PCT sérica medida. É necessário enfatizar que nenhum dos pacientes que não recebeu antibióticos apresentou pioria ou precisou de antibióticos posteriormente.37 Um estudo brasileiro descreveu que a PCT sérica na hospitalização abaixo de 0,25 ng/dL apresentou alto valor preditivo negativo para infecção pneumocócica (93%; IC 95%: 90‐99%).38 É importante ressaltar que, em ambos os estudos, os indivíduos incluídos apresentavam pneumonia confirmada radiologicamente e, por essa razão, mesmo com uma radiografia de tórax que confirmava o diagnóstico de PAC, parece ser possível identificar aquelas crianças que não se beneficiarão do uso de antibióticos, por exemplo, considerando o nível de PCT sérica < 0,25 ng/mL. Além disso, a IL‐6 foi independentemente associada à infecção pneumocócica, teve alto valor preditivo negativo, em crianças menores de cinco anos hospitalizadas com PAC.39 Até o momento, há uma escassez dessas informações em crianças não hospitalizadas no mesmo estrato etário. Além disso, uma combinação de biomarcadores (ligante indutor de apoptose relacionado ao fator de necrose tumoral, proteína C‐reativa e proteína induzida por interferon μ) foi descrita como útil na distinção entre infecções bacterianas e virais em crianças hospitalizadas; no entanto, menos de 200 crianças foram investigadas em conjunto nos dois estudos.40,41 Um imprevisto comum nesse tipo de estudo é como as crianças sem PAC bacteriana são identificadas. Por exemplo, em um estudo recentemente publicado na Austrália, a definição bacteriana definitiva compreendeu empiema clínico e/ou bactérias detectadas no sangue ou derrame pleural e a pneumonia viral presumida incluiu pelo menos um vírus detectado no swab nasofaríngeo sem critérios para pneumonia bacteriana definitiva.42 De fato, com essas definições, os autores agruparam casos em dois subgrupos: o primeiro com infecção bacteriana invasiva e o segundo sem infecção bacteriana invasiva e possível infecção viral. O grande desafio no agrupamento de casos de PAC com infecção bacteriana é o diagnóstico de infecção bacteriana não invasiva.43 Quando os métodos empregados não diagnosticam infecção bacteriana não invasiva, esses pacientes são erroneamente identificados como casos sem infecção bacteriana. Sem dúvida, a identificação e validação de ferramentas para distinguir com segurança em crianças com PAC aquelas com infecção viral daquelas com infecção bacteriana é uma prioridade no campo de pesquisa da PAC na infância.
HospitalizaçãoO manejo clínico requer uma avaliação para definir se o paciente precisa ou não ser tratado no hospital. Ao revisar sete diretrizes de países distintos representativas da PAC na infância, foi possível observar que os critérios recomendados para hospitalização diferem entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento.44 Nos EUA, Canadá, Reino Unido e Japão, sinais de dificuldade respiratória, incluindo taquipneia, são indicadores de hospitalização, enquanto no Brasil, na África do Sul e nas diretrizes da OMS a taquipneia é considerada um indicador para iniciar antibióticos em regime ambulatorial.44 Em 2012, a OMS fez uma alteração considerável em sua diretriz: os pacientes com taquipneia e retração torácica que costumavam receber a recomendação formal de hospitalização, a partir de 2012, passaram a ter indicação de antibioticoterapia oral em regime ambulatorial.45
Os números dos países desenvolvidos anteriores à introdução da PCV estimavam aproximadamente 2,6 milhões de episódios de PAC, inclusive 1,5 milhão (58%) de crianças hospitalizadas pela doença, anualmente, em crianças < 5 anos.46 Em contraste, as estimativas para os países em desenvolvimento foram de 151 milhões de novos episódios anuais, 9% dos quais associados à hospitalização.47 É possível observar que a proporção de casos de PAC associada à hospitalização foi 6,4 vezes maior em crianças de países desenvolvidos (58%) em comparação com aquelas de países em desenvolvimento (9%). A diferença na proporção de casos de PAC hospitalizados em países desenvolvidos e em desenvolvimento provavelmente reflete uma combinação de diferenças referentes ao manejo médico, acesso limitado a cuidados de saúde e diferenças no comportamento de procura de cuidados de saúde pelos pais para as crianças, e não doença menos grave em crianças de países em desenvolvimento.44 Além disso, a estrutura do sistema de saúde é diferente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.44 Na realidade, nenhum estudo publicado em países desenvolvidos comparou sistematicamente os desfechos de crianças tratadas ambulatorialmente em comparação com pacientes hospitalizados de acordo com diferentes graus de desconforto respiratório.48 As recomendações atuais dos países desenvolvidos baseiam‐se no pressuposto de que as crianças têm acesso razoável aos cuidados de saúde, inclusive a avaliação por um médico. A avaliação geral do médico assistente sobre o estado clínico da criança e o curso clínico antecipado são usados para determinar se a hospitalização é necessária.48,49
Dados de quatro países em desenvolvimento participantes do estudo Gabriel mostraram que, de 405 casos com idade de dois a 60 meses hospitalizados com pneumonia confirmada radiologicamente, 13 (3,2%) morreram; a hipoxemia e a detecção de S. pneumoniae por PCR no sangue foram preditores de morte, enquanto menor retração torácica e cianose foram preditivos de hipoxemia; além disso, o HMPV e o VSR foram independentemente associados ao aumento do risco de hipoxemia.50 Além disso, dados de 1.802 crianças entre um e 59 meses hospitalizadas com pneumonia grave ou muito grave e incluídas no estudo Perch, feito em sete países de baixa e média renda, entre 2011 e 2014, demonstraram que a idade < 1 ano, sexo feminino, ≥ três dias de doença antes da apresentação no hospital, baixo peso para altura, falta de resposta, respiração profunda, hipoxemia, grunhidos e ausência de tosse foram preditores de morte; eles também indicaram que a chance de morte aumentou de acordo com o número de sinais de perigo da OMS presentes: nenhum sinal de perigo (1,5%), um sinal de perigo (10%) e ≥ 2 sinais de perigo (33%).51 Além disso, o número de sinais de perigo da OMS na apresentação no hospital (c = 0,82) foi mais preciso do que o escore do estrato Perch‐5 (c = 0,76) ou o Índice de Gravidade Respiratória em Crianças (c = 0,76).51 Os sinais de perigo incluíam cianose central ou saturação de oxigênio < 90% na oximetria de pulso, incapacidade de beber/alimentar‐se, vomitar todo o alimento, convulsões, letargia (ou consciência prejudicada) e desconforto respiratório grave.51 O desconforto respiratório grave foi definido como abertura das narinas, grunhido ou aceno de cabeça (uso de músculos auxiliares para respirar) na presença de respiração muito difícil, rápida ou ofegante, a criança é incapaz de se alimentar por causa do desconforto respiratório e pelo fato de se cansar facilmente.52 Em suma, a incapacidade de beber/alimentar‐se, vomitar todo o alimento, convulsões, menor retração torácica, cianose central, letargia, abertura das narinas, grunhidos, acenos de cabeça foram reconhecidos como preditores de morte confiáveis e facilmente detectáveis em crianças hospitalizadas com PAC, bem como a saturação de oxigênio < 90% (hipoxemia). Apesar de esses achados terem sido baseados em casos tratados no hospital e, portanto, não ser possível inferir quais casos poderiam ter sido tratados com sucesso em casa, é possível reconhecer que esses eram preditores baseados em evidências e, portanto, podem ser usados no manejo clínico de casos de PAC em diversos contextos, particularmente auxiliam na decisão sobre quais pacientes devem ser hospitalizados para tratamento.
Outro estudo feito em quatro hospitais nos EUA, em 2010, recrutou 406 crianças (< 18 anos) hospitalizadas com evidência clínica e radiográfica de pneumonia, com o objetivo de avaliar se os achados radiográficos predizem os desfechos; as radiografias à hospitalização foram categorizadas como infiltrado pulmonar de lobo único, multilobar unilateral ou bilateral ou infiltrado pulmonar intersticial, bem como com derrame pleural ausente, pequeno ou moderado/grande. Os autores relataram que os achados de derrames pleurais moderados/grandes e infiltrados multilobar bilaterais mostraram as mais fortes associações com doença grave e infiltrados multilobar unilateral ou bilateral e intersticial foram associados à necessidade de cuidados intensivos.53 Assim, a radiografia de tórax representa uma ferramenta valiosa que contribui para melhorar a qualidade do cuidado e pode ajudar a prever a gravidade da doença.53
TratamentoExiste uma concordância geral entre diretrizes internacionais distintas de que a amoxicilina administrada por via oral é a opção de primeira linha para tratar pacientes ambulatoriais e a ampicilina ou penicilina G aquosa ou amoxicilina (administrada inicialmente por via intravenosa) são as opções de primeira linha para tratar pacientes hospitalizados com PAC no grupo com menos de cinco anos.54 Tal concordância é baseado em um consenso geral de que S. pneumoniae é o agente causador bacteriano mais comum e temível na PAC infantil entre menores de cinco anos e, portanto, deve ser o alvo da antibioticoterapia.55 Por exemplo, a detecção de S. pneumoniae por PCR no sangue foi recentemente identificada como preditor de hipoxemia em crianças hospitalizadas com PAC.50
Uma revisão sistemática publicada em 2016 analisou todos os ensaios clínicos randomizados, publicados até abril de 2015, nos quais as crianças com PAC foram tratadas com antibióticos e acompanhadas: 54 estudos foram incluídos, dos quais 13 avaliaram a eficácia da amoxicilina em pacientes não hospitalizados não graves e 8 avaliaram a eficácia da amoxicilina em pacientes hospitalizados.56 Assim, a amoxicilina foi o antimicrobiano mais estudado, com a melhor abordagem metodológica e a evidência mais confiável. Dois regimes de doses diferentes foram comparados em um ensaio clínico conduzido em Salvador, Brasil: 820 crianças com PAC não grave foram aleatoriamente designadas para receber 50mg/kg/dia de amoxicilina duas ou três vezes ao dia; esse foi um ensaio clínico randomizado, triplo‐cego e controlado por placebo que mostrou equivalência na eficácia de ambos os regimes de tratamento.57 Dessa forma, a dosagem mais confortável e conveniente (50mg/kg/dia duas vezes ao dia) pode ser usada com base em evidências científicas. É importante lembrar que o principal parâmetro farmacodinâmico para a eficácia da amoxicilina é o tempo de duração acima da concentração inibitória mínima (CIM), que deve ser ≥ 40%‐50% do intervalo entre as doses durante o tratamento da PAC pneumocócica.58 Um estudo farmacocinético comparou doses de duas e três vezes ao dia em crianças que receberam 50mg/kg/dia e relatou que 91% dos pacientes apresentavam concentrações de amoxicilina acima de 0,5μg/mL por > 50% do intervalo de dose e 42% tinham concentrações de amoxicilina acima de 2,0μg/L por >50% do intervalo de dose no braço da dose administrada duas vezes ao dia.59 Isso significa que a adequação de 50mg/kg/dia de amoxicilina precisa ser reavaliada de acordo com a CIM das cepas de pneumococo isoladas na região. Por exemplo, autores canadenses recentemente desaconselharam o uso rotineiro de altas doses de amoxicilina para tratar casos de PAC não grave no Canadá, já que apenas 0,6% das cepas de pneumococo apresentaram resistência intermediária (CIM = 4μg/mL) à amoxicilina. Esses autores também argumentaram que o uso não justificado de altas doses de amoxicilina leva ao aumento de custos, efeitos colaterais e exposição total a antibióticos, efeitos prejudiciais no microbioma dos pacientes também devem ser considerados.60
Uma questão prática comum é se macrolídeos devem ser administrados empiricamente como opção de primeira linha para tratar crianças com PAC e várias tentativas foram feitas para abordar essa questão. Até o momento, a evidência mais forte foi fornecida por um estudo brasileiro: 703 crianças incluídas com menos de cinco anos tinham PAC não grave, receberam amoxicilina e foram acompanhadas prospectivamente; a amoxicilina foi substituída em 3,5% das crianças diagnosticadas com infecção aguda por M. pneumoniae ou C. pneumoniae e em 2,7% das crianças sem esse tipo de infecção (p = 0,6). Três crianças com infecção aguda por C. trachomatis não apresentaram falha terapêutica e a amoxicilina foi o antibiótico usado durante todo o período de tratamento. Os autores concluíram que não era necessário tratar a infecção bacteriana atípica em todas as crianças entre 2‐59 meses com PAC não grave; ao contrário, o uso de macrolídeos poderia ser reservado para aqueles casos raros em que a amoxicilina não era eficaz.22
Uma outra questão prática é sobre a duração da terapia antibiótica. Uma revisão sistemática publicada em 2008 avaliou a eficácia de tratamentos curtos e longos do mesmo antibiótico, em crianças de 2‐59 meses, com PAC não grave, e identificou dois ensaios clínicos nos quais três e cinco dias de tratamento com amoxicilina foram comparados (um na Índia e outro no Paquistão) e um ensaio clínico em que foram comparados três e cinco dias de Cotrimoxazol (na Indonésia e Bangladesh): nenhum estudo mostrou diferença na eficácia da duração do tratamento.61 É de suma importância notar que todos os três estudos diagnosticaram pacientes com PAC de acordo com os critérios diagnósticos da OMS: presença de taquipneia. Evidentemente, foram incluídos casos de asma, bronquiolite e outras doenças do trato respiratório inferior, o diagnóstico de PAC foi erroneamente feito em crianças com outras morbidades respiratórias. É por isso que os resultados de estudos que diagnosticaram PAC com critérios da OMS devem ser generalizados apenas para os casos diagnosticados na prática clínica com os mesmos critérios, uma vez que esses resultados podem ser diferentes na pneumonia confirmada radiologicamente ou na pneumonia bacteriana.25 Nesse contexto, enfatizamos um ensaio clínico publicado em 2014 e feito em Israel: crianças de seis a 59 meses, com achado radiológico de infiltrado alveolar na radiografia de tórax na hospitalização, temperatura ≥ 38,5°C, contagem total de leucócitos ≥ 15.000/mm3, sem sinais de perigo foram acompanhadas diariamente, três dias de tratamento foram inicialmente comparados com dez dias. Devido à taxa de falha terapêutica de 33% no primeiro braço contra nenhum (0%) no segundo braço do estudo, uma análise preliminar interina mudou a duração do tratamento no primeiro braço para cinco dias. No fim, foram 56 e 59 casos tratados com cinco ou dez dias de amoxicilina, respectivamente, sem qualquer falha terapêutica. Os autores concluíram que cinco dias de amoxicilina são suficientes para tratar a PAC com infiltrado alveolar, sem sinais de perigo ou complicações.62
Notavelmente, a OMS fez uma grande mudança em sua recomendação em 2012: para crianças com respiração rápida e sibilância, mas sem retração torácica, sinal de perigo ou febre (< 38°C), os antibióticos não devem ser rotineiramente recomendados, pois a causa é mais provável é uma infecção viral.45 Esse foi um avanço sobre a velha política de prescrever antibióticos para qualquer criança menor de cinco anos com tosse e taquipneia por causa do risco de infecção bacteriana e morte e é devido ao reconhecimento de que os vírus respiratórios são as principais causas de PAC em crianças, bem como sinais clínicos simples, como febre e sibilância, podem identificar preliminarmente crianças que não são propensas a ter infecção bacteriana.
Alguns registros aconselham sobre antibioticoterapia em pacientes hospitalizados, nos quais ampicilina ou penicilina aquosa G ou amoxicilina (administrada inicialmente por via intravenosa) são as opções de primeira linha.54 A diretriz americana diz que as cefalosporinas de terceira geração poderiam ser a primeira escolha apenas naqueles locais com alta prevalência de resistência pneumocócica à penicilina, ou seja, com concentração inibitória mínima (CIM) ≥ 4μg/mL.48 Já foi demonstrado que pacientes infectados com cepas de pneumococos com CIM de até 4 ug/mL apresentam boa resposta quando tratados com penicilina G aquosa na dose de 200.000 UI/kg/dia.63 Também foi demonstrado que a dosagem diária de 200.000 UI/kg/dia tem a mesma eficácia se dada a cada quatro horas ou a cada seis horas.64 Quando o tratamento é administrado com maior intervalo entre as doses, é mais confortável para os pacientes e profissionais de saúde, o que aumenta a adesão, além de ser mais barato para as instituições de saúde. Também é relevante comentar como os pacientes hospitalizados com PAC evoluem durante o tratamento com antibióticos. Outro estudo brasileiro incluiu 154 crianças hospitalizadas com mais de dois meses com PAC confirmada radiologicamente, todas tratadas com penicilina G aquosa (200.000 UI/kg/dia) e penicilina foi substituída em 26 (18%) casos devido à deterioração do quadro clínico. Entre os 128 casos restantes que receberam penicilina G durante todo o período de tratamento, taquipneia, febre e retração torácica ainda estavam presentes após 48 horas de antibioticoterapia em 51,0%, 26,8% e 10,3% dos casos, respectivamente; de maneira similar, 120 horas após o início do tratamento, em 33,3%, 10,3% e 2,2% dos casos, respectivamente.65 Notavelmente, todos os pacientes tiveram recuperação completa e receberam alta hospitalar com amoxicilina oral em substituição à penicilina G aquosa para o término da terapia antimicrobiana. Esses números mostram que os pacientes podem ter uma recuperação lenta, sugerem que não há necessidade de substituição de antibióticos se o paciente não apresentar deterioração clínica/radiológica. Portanto, o uso de ceftriaxona em casos com doença muito grave ou a associação de oxacilina ou macrolídeo deve ocorrer em situações específicas, nas quais é possível concluir a presença de pneumococos de alta resistência à penicilina, ou H. influenzae produtora de β‐lactamase (indicação de ceftriaxona), ou Staphylococcus aureus (indicação de oxacilina), ou mesmo bactérias atípicas (indicação de macrolídeo).54
Pacientes com menos de dois meses devem ser hospitalizados e receber antibióticos intravenosos, uma vez que têm maior chance de morrer de PAC, independentemente de outros fatores quando comparados com crianças maiores de dois meses.66 Nesse estrato etário, o estreptococo do grupo B, bactérias intestinais gram‐negativas, Listeria monocytogenes e S. pneumoniae são potenciais agentes causadores.67,68 Então, a antibioticoterapia nessa faixa etária inclui a administração de ampicilina intravenosa (IV) ou intramuscular (IM) associada a aminoglicosídeos durante todo o tratamento e a partir de uma semana de idade é possível substituir os aminoglicosídeos por cefalosporinas de terceira geração.69 Se a idade for < 1 mês, a cefotaxima é o medicamento de primeira escolha, considerando a hiperbilirrubinemia e a prematuridade. A ceftriaxona aumenta o risco de kernicterus nesses pacientes, uma vez que tem alta avidez a proteínas séricas, especialmente à albumina, que se liga à bilirrubina.70 A presença de C. trachomatis deve ser suspeitada na presença de conjuntivite. Nesse caso, a escolha recomendada de antibióticos é a eritromicina.54
Algumas palavras sobre corticosteroides como terapia adjunta são necessárias. Um estudo espanhol foi feito como um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo‐cego, de grupos paralelos, controlado por placebo. Sessenta crianças, entre um mês e 14 anos, com PAC e derrame pleural, foram incluídas. Os autores descreveram taxa de recuperação mais rápida, medida objetivamente em horas, no grupo que recebeu dexametasona (DXM) 0,15mg/kg, a cada seis horas, por 48 horas, além de cefotaxima quando comparado ao grupo controle. Não houve diferenças significativas nos eventos adversos atribuíveis às drogas do estudo, exceto para hiperglicemia. Portanto, os autores concluíram que a DXM parece ser uma terapia adjuvante segura e efetiva para diminuir o tempo de recuperação em crianças com derrame pleural parapneumônico.71 Outro estudo incluiu crianças com PAC grave: 29 pacientes receberam um tratamento de cinco dias de metilprednisolona mais imipenem e 30 pacientes receberam imipenem mais placebo. Os autores relataram que o grupo metilprednisolona apresentou uma resolução mais rápida dos sintomas.72 Uma recente revisão sistemática identificou quatro ensaios clínicos randomizados que incluíram 310 crianças; os corticosteroides reduziram as taxas de insucesso clínico inicial (RR 0,41 [IC95%: 0,24‐0,70]; evidências de alta qualidade) com base em dois pequenos ensaios clínicos heterogêneos e tempo reduzido para a cura clínica.73 Até o momento, o papel dos corticosteroides na terapia química adjuvante da PAC na infância ainda precisa ser estabelecido. É necessário apoio adicional para recomendar o uso de corticosteroides na prática clínica em subgrupos com gravidade distinta e em associação com diferentes antibióticos, especialmente β‐lactâmicos.54
ConclusãoA PAC ainda é uma das principais causas de morbidade e mortalidade entre crianças menores de cinco anos, em todo o mundo. Atualmente, os vírus respiratórios são reconhecidos como os principais agentes causadores. Hipoxemia (saturação de oxigênio ≤ 96%) e aumento do esforço respiratório são os sinais mais frequentemente associados à PAC. Em relação à avaliação da gravidade, sinais de perigo (incapacidade de beber/alimentar‐se, vomitar todo o alimento, convulsões, menor retração torácica, cianose central, letargia, aberturadas narinas, grunhido, aceno da cabeça e saturação de oxigênio < 90%) foram reconhecidos como preditores de morte e podem ser usados como indicadores de hospitalização. A opção de primeira linha para o tratamento antibiótico compreende amoxicilina oral para pacientes ambulatoriais e ampicilina ou penicilina G aquosa ou amoxicilina (administrada inicialmente por via intravenosa) para pacientes hospitalizados. Futuras investigações devem priorizar a identificação e validação de ferramentas para diferenciarem crianças com PAC aquelas com infecção viral daquelas com infecção bacteriana.
FinanciamentoCMN‐C é pesquisadora sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conflitos de interesseO autor declara declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Nascimento‐Carvalho CM. Community‐acquired pneumonia among children: the latest evidence for an updated management. J Pediatr (Rio J). 2020;96(S1):29–38.