To assess the feeding profile of Brazilian infants and preschool children aged 6 months to 6 years, based on the qualitative and quantitative analysis of food and nutrient intake.
Data sourceThis review analyzed studies carried out in Brazil that had food survey data on infants and preschool children. The search was limited to publications from the last 10 years included in the LILACS and MEDLINE electronic databases.
Data summaryThe initial search identified 1480 articles, of which 1411 were excluded after the analysis of abstracts, as they were repeated or did not meet the inclusion criteria. Of the 69 articles assessed in full, 31 articles contained data on food survey and were selected. Only three studies concurrently assessed children from different Brazilian geographical regions. Of the assessed articles, eight had qualitative data, with descriptive analysis of food consumption frequency, and 23 had predominantly quantitative data, with information on energy and nutrient consumption.
ConclusionsThe articles assessed in this review showed very heterogeneous results, making it difficult to compare findings. Overall, the feeding of infants and preschool children is characterized by low consumption of meat, fruits, and vegetables; high consumption of cow's milk and inadequate preparation of bottles; as well as early and high intake of fried foods, candies/sweets, soft drinks, and salt. These results provide aid for the development of strategies that aim to achieve better quality feeding of Brazilian infants and preschoolers.
Verificar o perfil alimentar do lactente e do pré‐escolar brasileiro, na faixa de 6 meses a 6 anos, a partir da análise qualitativa e quantitativa do consumo de alimentos e nutrientes.
Fontes de dadosNesta revisão foram analisados estudos feitos no Brasil que apresentavam dados de inquéritos alimentares de lactentes e pré‐escolares. A busca foi limitada às publicações dos últimos dez anos, incluídas nas bases de dados eletrônicas Lilacs e Medline.
Síntese dos dadosNa pesquisa inicial foram identificados 1.480 artigos, 1.411 foram excluídos após análise dos resumos, por ser repetidos ou não preencher os critérios de inclusão. Dos 69 artigos avaliados na íntegra, foram selecionados 31 que continham dados sobre alimentação. Apenas três trabalhos avaliaram concomitantemente crianças de diferentes regiões geográficas brasileiras. Dos artigos analisados, oito apresentavam informações qualitativas, com análise descritiva da frequência de consumo alimentar, e 23 informações predominantemente quantitativas, com dados de consumo energético e de nutrientes.
ConclusõesOs artigos analisados na presente revisão apresentaram resultados bastante heterogêneos, o que dificultou a comparação dos achados. De um modo geral, a alimentação do lactente e do pré‐escolar é caracterizada pelo baixo consumo de carnes, frutas, legumes e verduras, por elevado consumo de leite de vaca e inadequação no preparo de mamadeiras, além de precoce e elevado consumo de frituras, doces, refrigerantes e sal. Nossos resultados constituem subsídios para a elaboração de estratégias que visem a melhorar a qualidade da alimentação do lactente e do pré‐escolar brasileiro.
Crescimento e desenvolvimento são dois fenômenos complexos característicos da faixa etária pediátrica. Ambos são inter‐relacionados. O crescimento depende da interação de fatores genéticos, os quais têm sua expressão modulada por características ambientais, socioeconômicas, emocionais e nutricionais.1 Assim, a alimentação é importante não somente para proporcionar pleno crescimento e desenvolvimento, mas também por estar envolvida na gênese dos principais distúrbios nutricionais na infância, como desnutrição energético‐proteica, obesidade, deficiência de ferro e hipovitaminose A.
Um aspecto que tem recebido atenção crescente nas últimas décadas é a relação entre a alimentação e o estado nutricional nos primeiros anos de vida com o desenvolvimento de doenças crônicas na adultícia.2–5 Nesse contexto, revisão sistemática6 demonstrou que o aleitamento natural em longo prazo se associa com menores valores de pressão arterial, colesterol total, prevalência de sobrepeso e diabetes mellitus tipo 2, além de melhor desenvolvimento intelectual.
Com base em estudos transversais feitos no Brasil nas décadas de 1970, 1980 e 1990 constatou‐se rápido declínio na prevalência de desnutrição energético‐proteica e aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade, o que caracteriza o fenômeno da transição nutricional.5,7 As mudanças observadas apresentam particularidades segundo regiões geográficas do Brasil e classes sociais e são resultantes de profundas mudanças ocorridas no país nas últimas décadas.7 Deve ser destacado que a transição nutricional é um fenômeno mundial. No mundo, a disponibilidade de alimentos cresceu 10%, com consequente redução na prevalência de desnutrição e aumento na obesidade, que se transformou em grave preocupação em termos de saúde pública. Considera‐se que esse fenômeno é explicado, pelo menos em parte, pela influência do crescimento econômico, da urbanização e da globalização no padrão alimentar.8
Apesar da importância do padrão alimentar do lactente e do pré‐escolar, não existem, no Brasil, dados de abrangência nacional que abordem a questão, com exceção da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS),9 a última feita em 2006. Deve ser destacado que os dados do PNDS são fundamentalmente qualitativos e relacionados a amamentação e alimentação complementar.
Como há necessidade de se explorar a produção científica adicional ao PNDS9 sobre o padrão alimentar na infância, o presente artigo buscou reunir não somente informações sobre a qualidade da alimentação do lactente e pré‐escolar brasileiro na atualidade, mas também destacar quais as principais inadequações relacionadas ao consumo de nutrientes nessa população. Se considerarmos que há uma preocupação quanto à influência das inadequações nutricionais ocorridas desde a gravidez até a idade pré‐escolar na ocorrência de doenças e agravos não transmissíveis em longo prazo, bem como a elevada prevalência, no Brasil, de doenças carenciais na infância, o presente estudo tem como objetivo revisar estudos sobre a alimentação do lactente e do pré‐escolar brasileiro, entre os 6 meses e os 6 anos, e analisar informações qualitativas e quantitativas do consumo dos principais grupos de alimentos e de nutrientes.
MétodosOs artigos feitos no Brasil que estão incluídos nesta revisão da literatura foram selecionados a partir de buscas nas bases de dados eletrônicas Lilacs e Medline. Consideraram‐se quatro grupos de palavras‐chave: 1. (“alimentacao” OR “consumo de alimentos” OR “dieta”) [Descritor de assunto] AND (“criança” OR “lactente” OR “pre‐escolar”) [Limites] AND Brasil [Palavras]; 2. (“padroes alimentares” OR “comportamento alimentar” OR “habitos alimentares”) [Descritor de assunto] AND (“criança” OR “lactente” OR “pre‐escolar”) [Limites] AND Brasil [Palavras]; 3. (“alimentos infantis” OR “alimentação complementar” OR “nutricao infantil” OR “nutricao infantil” OR “suplementacao alimentar” OR “alimentacao mista”) [Descritor de assunto] AND (“criança” OR “lactente” OR “pre‐escolar”) [Limites] AND Brasil [Palavras]; 4. (“estado nutricional” OR “inqueritos nutricionais” [Descritor de assunto] AND (“criança” OR “lactente” OR “pre‐escolar”) [Limites] AND “Brasil” [Palavras].
O objetivo desta estratégia foi identificar todos os artigos que apresentavam dados de alimentação (desde alimentos complementares consumidos a partir dos 6 meses até os alimentos usados por crianças maiores com idade inferior a 6 anos). Não foram contemplados na análise os dados sobre aleitamento materno.
Não houve restrição de idiomas. No entanto, foram selecionados apenas os artigos originais, feitos com crianças brasileiras. Considerando a amplitude dos resultados encontrados inicialmente, delimitou‐se a busca aos artigos científicos publicados nos últimos dez anos, a última foi feita em março de 2014. Como critérios de inclusão foram selecionados artigos feitos com crianças com idade inferior a 7 anos e com dados de inquéritos alimentares (recordatório de 24 horas, dia alimentar habitual, registro alimentar, frequência alimentar e/ou pesagem direta dos alimentos).
Em uma primeira análise foram excluídos os resumos repetidos, que coexistiam em ambas as bases de dados. Posteriormente, dois revisores (MBM, CSM) selecionaram os resumos de forma independente, a partir dos critérios de elegibilidade pré‐definidos. Para os resumos que não contivessem informações suficientes para decisão quanto a inclusão na revisão da literatura, optou‐se por avaliar o texto completo. Os casos de discordância na seleção foram reavaliados até que se obtivesse um consenso.
Na figura 1 está descrito o fluxograma da pesquisa, seleção e inclusão dos artigos científicos na revisão da literatura. Foi feita avaliação padronizada das seguintes informações dos artigos compilados: local do estudo, ano da coleta de dados, tipo de estudo e amostragem, métodos usados para avaliação da alimentação e síntese dos principais resultados.
Fluxograma da pesquisa, seleção e inclusão dos artigos científicos na revisão sistemática
a Trabalhos publicados nos últimos dez anos (desde 2004).
b Repetidos (64)/não preenchiam os critérios de inclusão (1.347).
c Após leitura do artigo completo, não tinham dados de inquérito alimentar ou apresentavam dados de crianças com idade superior a 7 anos (37).
Com a estratégia de busca inicial por palavras‐chave foram identificados 1.480 artigos nas bases de dados. Após a exclusão dos artigos repetidos e pela análise, a partir dos critérios de inclusão predefinidos, 31 artigos foram elegíveis.
Na análise dos trabalhos contemplados na presente revisão da literatura, pode ser constatada uma importante heterogeneidade nos estudos quanto aos objetivos específicos, composição das casuísticas, métodos usados para avaliação da alimentação (inquéritos) e expressão dos resultados, o que impossibilitou a comparação dos diferentes achados. Assim, foi feita uma análise descritiva dos resultados apresentados nos artigos revisados, buscou‐se agregar as informações originais obtidas nos diferentes estudos.
Apenas três artigos avaliaram crianças provenientes de diferentes regiões geográficas brasileiras: 1. Estudo com 4.322 crianças, feito a partir de dados da PNDS‐2006;10 2. Estudo com 3.058 crianças moradoras de nove cidades brasileiras;11 e 3. Estudo com crianças de três cidades: Recife, São Paulo e Curitiba.12 Os demais artigos (n=28) foram feitos quatro na Região Norte, nove na Nordeste, dez na Sudeste e cinco na Sul. Deve ser destacado que três estudos no Nordeste, feitos em Pernambuco,13–15 e três do Sul, em São Leopoldo (RS),16–18 tratam de diferentes resultados de um mesmo levantamento populacional.
Os artigos foram distribuídos em duas categorias: aqueles com informações prioritariamente qualitativas e os que continham informações quantitativas. Os artigos foram caracterizados como qualitativos quando foram apresentados apenas dados descritivos da frequência de consumo por grupos alimentares ou alimentos específicos. Já os artigos quantitativos foram aqueles com informações relacionadas ao consumo energético e/ou de nutrientes. As tabelas 1 e 2 apresentam as informações básicas dos oito estudos qualitativos e dos 23 quantitativos, respectivamente.
Tipo de estudo, local e ano, tamanho amostral, idade e método para avaliação qualitativa do consumo alimentar de oito estudos com lactentes e pré‐escolares brasileiros
Referência | Tipo de estudo/Local e ano de coleta | Tamanho amostral / idade | Inquérito alimentar | Resumo dos resultados |
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Bortolini et al. (2012) | Transversal 5 regiões do Brasil; 2006/2007 | n=4.322 6 a 59 meses | Questionário de frequência alimentar | As crianças residentes nas regiões Sul, Sudoeste e Centro‐Oeste consumiram com mais frequência os alimentos recomendados (arroz, pão, batata, feijão, verdura de folha, legumes, carne, iogurte) e os não recomendados (doces e refrigerantes). As residentes na Região Nordeste consumiram com maior frequência frutas, biscoitos e salgadinhos. As crianças residentes no estrato urbano consumiram com mais frequência alimentos recomendados e não recomendados, quando comparadas com as da zona rural. |
Cagliari et al. (2009) | Transversal Campina Grande, PB; 2007 | n=112 2 a 5 anos | Questionário de frequência alimentar | Grupos de alimentos mais consumidos diariamente: arroz, leite, açúcar/salgadinhos e óleo. Os menos consumidos diariamente foram verduras e legumes e carne. |
Castro et al. (2004) | Transversal Tumiritinga, MG; 2001 | n=69 0 a 60 meses | Questionário de frequência alimentar | Alimentos consumidos com maior frequência por maiores de 1ano: leguminosas, cereais e leite. Hortaliças, frutas e carnes apresentaram baixo consumo ou estavam ausentes na alimentação diária (47,3%, 63,6 e 72,7% consumiam menos de 4 vezes/semana). Alto consumo de guloseimas (67,3% consumo pelo menos 1 vez por semana). |
Gatica et al. (2012) | Longitudinal Pelotas, RS; 2004‐2008 | n=4.231 12 a 48 meses | Frequência de consumo de alimentos nas últimas 24 h | Crianças de baixo nível socioeconômico consumiram mais guloseimas, café, pão/biscoitos. Crianças de alto nível socioeconômico consumiram mais frutas, iogurtes e refrigerantes. |
Nobre et al. (2012) | Transversal aninhado em coorte Diamantina, MG; 2009‐2010 | n=232 5 anos | Questionário de frequência alimentar | Baixa escolaridade materna se associou a maior chance de consumo de alimentos do padrão “dieta mista” e menor chance de consumir alimentos do padrão “lanches”; enquanto os de maior renda per capita têm mais chance de consumir alimentos do padrão “não saudável”. |
Palmeira et al. (2011) | Transversal Paraíba – 14 municípios; 2005 | n=539 0 a 24 meses | Recordatório de 24 horas | Alto consumo de lácteos entre 6 e 24 meses. Consumo diário insuficiente de alimentos fontes de ferro, entre 12 e 24 meses. |
Pereira et al. (2008) | Transversal Teresina, PI; 2003 | n=135 36 a 83 meses | Questionário de frequência alimentar | Observou‐se baixo consumo de alimentos com alto ou moderado teores de vitamina A e alto consumo de alimentos com baixo teor desta vitamina. |
Saldiva et al. (2007) | Transversal São Paulo ‐136 municípios; 2004 | n=24.448 6 a 12 meses | Recordatório de 24 horas | Aos 6 meses houve alta probabilidade de consumo de lácteos e sopas. A probabilidade de consumo de alimentos fontes de ferro é de 66% aos 6 meses e de 90% aos 12 meses. |
Tipo de estudo, local e ano, tamanho amostral, idade e método para avaliação quali‐quantitativa do consumo alimentar de 23 estudos com lactentes e pré‐escolares brasileiros
Referência | Tipo de estudo/Local e ano de coleta | Tamanho amostral / idade | Inquérito alimentar | Resumo dos resultados |
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Antunes et al. (2010) | Transversal Duque de Caxias, RJ; 2005 | n=384 6 a 30 meses | Recordatório de 24 h (2 dias) | Consumo abaixo das recomendações de hortaliças e lácteos. Quanto maior o grau de insegurança alimentar, menor o consumo de proteínas e ferro. |
Azevedo et al. (2010) | Transversal Recife, PE; 2007 | n=344 24 a 60 meses | Pesagem direta + recordatório de 24h (2 aplicações em 20% das crianças) | Consumo mediano de vitamina A superior a EAR por crianças de 24 a 47 meses e maiores de 47 meses. |
Barbosa et al. (2006) | Longitudinal Ilha de Paquetá, RJ; 2003 | n=20 2 a 3 anos | Avaliação inicial por história dietética e, após 6 meses, por pesagem direta dos alimentos e registro alimentar (2 dias) | Após 6 meses de permanência na creche, maior número de crianças atingiu a recomendação para: carne (55 para 80%), gordura (45 para 55%) e fruta (20 para 85%). O percentual do grupo dos cereais permaneceu inalterado (20%) e do leite diminuiu (45 para 35%). Nenhuma criança atingiu a recomendação para o consumo de legumes. |
Beinner et al. (2010) | Longitudinal Diamantina, MG; 2006 | n=176 6 a 24 meses | Registro alimentar(3 dias) | A média do consumo dietético de zinco foi superior às recomendações. 30,6% das crianças ingeriram quantidade de Zn abaixo da EAR e 19,4%, valor superior a UL. |
Bernardi et al. (2011) | Transversal Caxias do Sul, RS; 2007 | n=362 2 a 6 anos | Pesagem direta + registro alimentar (1 dia) | 56,5% da ingestão alimentar diária de ferro foram fornecidos pela escola; 62,7% da ingestão diária de cálcio, 55,3% da ingestão de vitamina A e 51,4% da ingestão de zinco foram fornecidos pelo domicílio. Crianças da escola particulares tiveram maior consumo de ferro e vitamina A; na escola pública houve maior consumo de zinco e cálcio. Pelos registros domiciliares 86,8% das crianças consumiram refeições lácteas. |
Bueno et al. (2013) | Transversal Multicêntrico (9 cidades brasileiras); 2007 | n=3.058 2 a 6 anos | Pesagem direta + registro alimentar (1 dia) | A ingestão média de gorduras por crianças de 2 a 3 anos foi inferior ao percentual energético recomendado. Consumo superior de sódio e gordura saturada por 90% e 30% das crianças, respectivamente. |
Caetano et al. (2010) | Longitudinal Curitiba, São Paulo e Recife; 2005 | n=179 4 a 12 meses | Registro alimentar (7 dias) | Elevada frequência de consumo semanal de alimentos industrializados, refrigerantes e sucos artificiais. Elevada inadequação quantitativa de micronutrientes: zinco (75%), ferro (45%), vitamina A (38%), cálcio (15%). |
Castro et al. (2009) | Transversal Assis Brasil e Acrelândia, AC; 2003 | n=69 0 a 24 meses | Dia alimentar habitual | Alta ingestão de carboidratos e leite de vaca. Consumo irregular de frutas, vegetais, feijões e carne. Consumo acima e abaixo das recomendações para proteínas e ferro, respectivamente, em todas as faixas etárias: |
Cavalcante et al. (2006) | Transversal Viçosa, MG; 2003‐2004 | n=174 12 a 35 meses | Recordatório 24 horas + Questionário de frequência alimentar (1 dia) | Prevalências de inadequação: vitamina A (36,8%), ferro (13,2%) e zinco e (99,4%). Consumo abaixo do recomendado para lipídeos. |
Costa et al. (2011) | Transversal Gameleira‐ PE e São João do Tigre‐PB; 2005 | n=445 0 a 23 meses | Recordatório de 24 horas | Energia, macro e micronutrientes acima das recomendações, exceto: vitamina A (crianças de 7‐11 meses) apresentaram valores medianos abaixo da AI; ferro abaixo e zinco e cálcio acima das referências em todas as faixas etárias. |
Domene et al. (2006) | Transversal Campinas, SP | n=94 2 a 6 anos | Pesagem direta + recordatório 24h | Menor consumo de legumes e frutas, cereais e gorduras. Maior consumo de alimentos fontes de proteína (carnes, lácteos e leguminosas), ricos em açúcares e gordura saturada. |
Fernandes et al. (2005) | Transversal Recife, PE; 1997 – 1999 | n=311 6 a 59 meses | Pesagem direta + recordatório 24h | 78% das crianças apresentaram adequação de vitamina A. Maior proporção de consumo de vitamina A de origem animal (58%). |
Fidelis et al. (2007) | Transversal Pernambuco: Região metropolitana do Recife, Interior urbano e Interior rural; 1997 | n=948 0 a 5 anos | Recordatório de 24 horas | Déficit de energia e excesso de proteínas foram elevados em todas as faixas etárias e áreas geográficas. Elevada ocorrência de inadequação de ferro e zinco em diferentes faixas etárias. |
Garcia et al. (2011) | Transversal Acrelândia, AC; 2007 – 2008 | n=164 (127 com inquérito) 6 a 24 meses | Dia alimentar habitual | Ingestão abaixo das recomendações de vitamina A (42%), zinco (46%) e ferro (71%). Baixo consumo de frutas, hortaliças e carnes; consumo excessivo de leite de vaca e mingau. |
Levy‐Costa, Monteiro (2004) | Transversal São Paulo, SP; 1995‐1996 | n=1280 (598 com inquérito) 0 a 59 meses | Recordatório de 24 horas | Observou‐se que 1,1 mg/1.000 calorias de ferro encontra‐se na forma heme e 4,3 mg/1.000 calorias na forma não heme. |
Menezes et al. (2007) | Transversal Pernambuco: região metropolitana do Recife, interior urbano e interior rural (1997) | n=948 0 a 60 meses | Recordatório de 24 horas | Elevada ocorrência de inadequação energética, principalmente nas faixas etárias de 48‐60 meses e 0‐6 meses. Consumo de proteína superior às recomendações, em todas as faixas etárias. |
Oliveira et al. (2005) | Transversal Salvador, BA; 1996 | n=724 0 a 24 meses | Recordatório de 24 horas | Consumo médio de energia e proteína superior à recomendação para todos os grupos etários. Os carboidratos contribuíram com o maior percentual no valor energético total da dieta e esse percentual aumenta com a idade, enquanto a contribuição dos lipídios diminui. |
Oliveira et al. (2006) | Transversal Pernambuco: região metropolitana do Recife, interior urbano e interior rural (1997) | n=746 6 a 59 meses | Recordatório de 24 horas | Elevado consumo de leite de vaca (88,9%), especialmente o leite em pó integral (47,8%) e leite fluido (24,1%). Apenas 7,5% das crianças consumiam leite modificado ou fórmula infantil. |
Portella et al. (2010) | Transversal Belém, PA; 2005‐2006 | 78 amostras de alimentos 6 a 18 meses | Recordatório de 24 h (dois) + Análise química dos alimentos | Todas as amostras analisadas apresentaram quantidade de ferro abaixo do mínimo recomendado. Excesso de sódio foi constatado em 89,2 e 31,7% das amostras dos grupos de baixo e alto nível socioeconômico, respectivamente. |
Rauber et al. (2013) | Longitudinal São Leopoldo, RS/; 2001‐2002 | n=345 3 a 4 anos | Recordatório de 24 h (dois) | Apenas 9,6% das crianças tiveram um bom padrão de dieta. Variedade da dieta e consumo de leite foi maior, e consumo de gordura total e saturada foi menor, entre aquelas crianças que as mães tinham maior escolaridade. |
Salles‐Costa et al. (2010) | Transversal Rio de Janeiro – Região metropolitana; 2005 | n=383 6 a 30 meses | Recordatório de 24 h (dois) | Idade e insegurança alimentar influenciaram a média das porções dos grupos de alimentos consumidos pelas crianças. A razão de variância foi maior para os grupos com moderada a grave insegurança alimentar do que aqueles com a segurança alimentar; principalmente para a proteína em crianças de 6 a 17 meses e carboidratos para as de 18 a 30 meses. |
Vítolo et al. (2007) | Longitudinal São Leopoldo, RS; 2001‐2002 | n=369 < 1 ano | Recordatório de 24 horas | O consumo de carne entre as crianças de 12 a 16 meses mostrou‐se presente em 78,4% dos inquéritos, porém a porção consumida foi insuficiente. Maiores ingestões de ferro e vitamina C se associaram à ausência de anemia. |
Vítolo et al. (2010) | Longitudinal São Leopoldo, RS; 2001‐2002 | n=345 3 a 4 anos | Recordatório de 24 horas (dois) | Aconselhamento dietético das mães no primeiro ano de vida se associou a melhor qualidade da dieta aos 3‐4 anos. Maior número de porções consumidas de vegetais e frutas e a maior variedade da dieta foi observado no grupo intervenção; além de menor consumo de colesterol. Os grupos não diferiram quanto ao consumo de carne, leite, sódio e gordura. |
AI, Adequate Intake; EAR, Estimated Average Requerement; UL, Tolerable Upper Intake Level.
Deve ser destacado que parcela expressiva dos artigos compilados não avaliou amostras probabilísticas que representasse adequadamente toda população brasileira da faixa etária em análise. Assim, os dados analisados não podem ser extrapolados para a totalidade da população brasileira de lactentes e pré‐escolares. Por sua vez, as informações obtidas são as únicas disponíveis no momento e devem ser usadas com cautela enquanto não sejam feitos estudos com amostragem que levem em consideração todas as particularidades do Brasil, como, por exemplo, os cenários urbanos e rurais, diferentes condições climáticas, status socioeconômico, diferenças culturais e regionais, entre outras.
A seguir são apresentados comentários críticos que integram os resultados das diferentes pesquisas de acordo com as diferentes categorias de grupos de alimentos e nutrientes.
Consumo de leite de vaca e derivadosDe um modo geral, pode ser afirmado que o leite de vaca é um dos alimentos mais frequentemente consumidos por crianças brasileiras. O consumo diário de leite integral ocorreu em média por 76,9% das crianças avaliadas, considerando diferentes estudos que incluíram crianças entre 1 e 7 anos.19–21 Na Paraíba verificou‐se que 85,9% das crianças entre 6 e 12 meses consumiam diariamente refeições do tipo lácteas.22 Quanto ao consumo de fórmulas infantis, verificou‐se que apenas 6,7% das crianças maiores de 6 meses as usavam em substituição ao leite materno.10
Em relação ao número de porções diárias recomendadas de lácteos, foi observado em Duque de Caxias (RJ)23 que crianças de 6 a 30 meses tinham um consumo médio de duas porções/dia, o que é considerado inferior às três porções recomendadas por guia alimentar nacional.24 Por sua vez, em um pequeno grupo de crianças com 2 a 3 anos da Ilha de Paquetá (Rio de Janeiro, RJ), a média de consumo foi ainda menor, de 1,8 porção/dia, inferior ao recomendado, também, quando usado como referência o guia alimentar americano,25 que recomenda duas porções/dia. Quanto ao consumo diário per capita de leite de vaca e derivados, conforme dados obtidos em Salvador (BA), crianças de 6 a 12 meses consumiram em média 528,9mL/dia e crianças de 12 a 24 meses, 548,1mL/dia.26
Em estudo feito com crianças entre 4 e 12 meses, moradoras em três cidades brasileiras (Curitiba, São Paulo e Recife),12 a idade média de introdução de mamadeira foi de 3 meses e as de alimentação complementar e de alimentação da família foram, respectivamente, 4 meses e 5,5 meses.
De acordo com recomendações mundiais, deve ser estimulada a manutenção do leite materno como fonte láctea exclusiva até os 2 anos ou mais, é contraindicada a introdução de leite de vaca integral antes dos 12 meses.27 Já é bem estabelecido que o consumo precoce e/ou excessivo de leite de vaca pode estar relacionado à ocorrência de anemia ferropriva, alergia alimentar e obesidade.27,28 As fórmulas infantis, apesar de ter proteínas intactas, são a primeira escolha de alimentação láctea para crianças já desmamadas, devido principalmente à adequação das necessidades de proteínas e micronutrientes para lactentes.27
Consumo de carnesEm relação à frequência de consumo semanal, a PNDS/2006, que avaliou 4.322 crianças das cinco regiões brasileiras, entre 6 e 59 meses, verificou que 24,6% haviam consumido diariamente carne bovina, 6,1% frango e 1,5% peixe, ou seja, o consumo diário de algum tipo de carne ocorreu por apenas 32,2% das crianças estudadas.10 No Estado de São Paulo29 constatou‐se que a probabilidade de crianças de 6 meses consumirem carnes nas preparações de sopa ou comida de panela foi de 54% e 25%, respectivamente, o que mostra uma tendência de aumento do consumo próximo aos 12 meses. O consumo de algum tipo de carne nas últimas 24 horas, por crianças de 6 a 12 meses, ocorreu em média por aproximadamente 35% das crianças avaliadas, segundo dados de diferentes estudos,26,29 e por, em média, 47,3% das crianças de 12 a 24 meses.22,26
Quanto ao consumo de porções diárias, foi verificado em São Leopoldo (RS)18 que 78,4% das crianças consumiam carnes, porém em quantidade insuficiente. Em Campinas (SP)30 verificou‐se, em crianças de 2 a 6 anos, o consumo de 1,32 porção/dia de alimentos do grupo de carnes, não houve diferença de consumo entre sexo masculino e feminino. É recomendado o consumo de dias porções ao dia de alimentos do grupo de carnes, tanto por guia nacional como pelo internacional.24,25
Em Salvador (BA)26 verificou‐se consumo médio per capita de carnes de 13,3 gramas/dia por crianças entre 6 e 12 meses; e de 24,4g/dia por crianças de 12 a 24 meses. Quanto ao equivalente energético diário, estudo feito no Acre31 constatou que o grupo de carnes (bovina, frango e peixe) contribuiu com 3% do valor energético total de crianças dos 6 aos 11 meses e de 5% em crianças de 12 a 24 meses.
As carnes constituem o grupo de alimentos fontes de ferro com alta biodisponibilidade. Além de ser fonte de ferro heme, potencializa a absorção do ferro não heme. Deve‐se estar atento à dificuldade na aceitação de carnes por parte de lactentes e pré‐escolares, sobretudo em relação à consistência do alimento oferecido. Outro fator que colabora para a ingestão deficiente é o custo do alimento. Ações de educação nutricional podem favorecer o adequado consumo qualitativo e quantitativo de alimentos desse grupo, é estratégia essencial na prevenção da anemia por deficiência de ferro.32
Consumo de frutas, legumes e verdurasApesar de alguns autores29 relatarem elevado percentual de consumo de frutas (87%) por crianças de 6 a 12 meses nas últimas 24 horas, em uma avaliação de frequência de consumo semanal o consumo diário de frutas e de suco natural de frutas foi verificado, respectivamente, por 44,6% e 32,5% das crianças avaliadas nas diferentes regiões do Brasil.10 Observou‐se, também, que 11,6% dos lactentes e pré‐escolares não consumiam frutas durante toda a semana e que o consumo de frutas foi mais frequente no Sul, Nordeste e Sudeste do país.10
O consumo médio per capita de frutas, de acordo com estudo feito em Salvador, foi de 183,1 gramas/dia, por crianças entre 6 e 12 meses, e de 223,1g/dia, por crianças de 12 a 24 meses. Laranja e banana foram as frutas mais frequentemente consumidas pelas crianças em ambas as faixas etárias.26
O grupo de legumes e verduras foi referido como irregular e pouco consumido por vários autores em estudos com lactentes e pré‐escolares.16,19,23,30,33–37 No Acre constatou‐se que 53,4% das crianças de 6 a 24 meses não consumiram hortaliça nas refeições principais.37
Em relação à frequência semanal de consumo, legumes e verduras foram os menos ingeridos diariamente, por crianças de creches em Campina Grande (PB) (36% das que permaneciam em período integral e 21% das que permaneciam em período parcial). A maioria das crianças se enquadrava em um padrão de consumo entre uma a quatro vezes por semana.19
O número de porções diárias não atingiu recomendação de três porções ao dia24,25 por crianças frequentadoras de uma creche filantrópica.33 Em crianças entre 6 e 12 meses, o consumo médio per capita de legumes e verduras foi de 57g/dia e a batata inglesa, a cenoura, a abóbora e o chuchu foram os vegetais mais consumidos.26 Observou‐se, também, menor ingestão per capita (45,7g/dia) desse grupo alimentar pelas crianças de 6 a 12 meses.26 Crianças das regiões Sul, Sudeste e Centro‐Oeste apresentaram maior consumo de legumes de acordo com os dados da PNDS/2006.10
Pesquisas de abrangência nacional9,38,39 constataram que o consumo de frutas, verduras e legumes é insuficiente pela maior parte da população brasileira, em todas as faixas etárias. É importante destacar esses grupos de alimentos como umas das principais fontes diárias de vitaminas, minerais e fibras alimentares.
Consumo de cereais e leguminosasConsiderando o consumo de cereais na forma de farináceos para preparo de mingaus, constatou‐se em Salvador (BA)26 que produtos à base de milho foram consumidos por 42,5% das crianças entre 6 e 12 meses e por 41% das crianças entre 12 e 24 meses idade.
Em Diamantina (MG),34 crianças de 6 a 24 meses apresentam alimentação caracterizada como de pobre qualidade e diversidade. O arroz, o feijão e a farinha de milho foram os principais alimentos preparados pelas mães ou responsáveis pelas crianças avaliadas.34 Praticamente a totalidade dos pré‐escolares estudados em Campina Grande (PB) consomem arroz diariamente, enquanto o consumo diário de feijão foi observado em 71% das crianças.19 Em um assentamento rural em Minas Gerais verificou‐se que entre maiores de 1 ano cereais e leguminosas, mais precisamente arroz (92,7%) e feijão (94,7%), foram os alimentos mais frequentemente consumidos, considerando‐se o consumo de quatro a sete vezes por semana.20
Em relação ao padrão de consumo, foi verificado que o consumo médio per capita diário de cereais e derivados (arroz, biscoito, pães e macarrão), por crianças entre 6 e 12 meses, totalizou 28g/dia e o de feijão foi de 14g/dia. As crianças de 12 a 24 meses apresentaram ingestão média per capita de cereais e leguminosas de 82g/dia e 40g/dia, respectivamente.26
Na PNDS/2006, estudo com abrangência nacional,10 o consumo diário de arroz e/ou macarrão foi relatado por 77,4% das crianças de 6 a 59 meses, de pão por 52% e de feijões/lentilha por 66%. Arroz e pão foram alimentos mais frequentemente consumidos por crianças residentes nas regiões Centro‐Oeste, Sudeste e Sul. Quanto ao consumo frequente de feijões, as maiores frequências ocorreram nas regiões Centro‐Oeste e Sudeste. As crianças das regiões Norte e Nordeste tiveram menor frequência diária de consumo tanto dos cereais (arroz, macarrão e pão) quanto de leguminosas (feijões e lentilha) quando comparadas com as crianças provenientes das outras regiões brasileiras.10
O consumo diário de cereais e leguminosas é indicado na infância, desde o período de introdução da alimentação complementar, aos 6 meses. Esses alimentos são fontes de vitaminas do complexo B, ferro não heme e zinco, dentre outras vitaminas e minerais, além de juntos construírem uma ótima fonte proteica.27,28
Consumo de óleos e gordurasFoi verificado com dados de 4.322 crianças das cinco regiões do Brasil (PNDS/2006) que 51% consumiam alimentos fritos pelo menos uma vez na semana; maior ocorrência de consumo, que variou entre uma a três vezes por semana, foi verificado por crianças oriundas das regiões Sul e Sudeste do Brasil.10
O grupo de óleos teve elevada frequência de consumo diário em estudo feito em pré‐escolares de Campina Grande, foi consumido por 76% das crianças que permaneciam em tempo integral e por 90% que permaneciam em período parcial na creche.19
Em Salvador (BA) foi verificado que o consumo de óleo e margarina foi baixo por crianças de 6 a 12 meses e de 12 a 24 meses, a ingestão média foi de 0,7g/dia e 0,6g/dia, respectivamente.26
É válido destacar que em estudos dietéticos, frequentemente, o consumo de óleos e gorduras, e também de sal, pode estar sub ou superestimado, devido à falta da identificação adequada da quantidade usada no preparo dos alimentos.30 O consumo de frituras, excesso de sal e açúcar de adição são contraindicados na alimentação da criança.24
Consumo de açúcares, doces e bebidas açucaradasAçúcares e doces é um grupo que apresenta elevada frequência de consumo pela população infantil, conforme verificado por diversos autores.10,12,19,26,30,31,40 Em Curitiba, São Paulo e Recife12 constatou‐se que no preparo de mamadeiras de lactentes entre 6 e 12 meses em 90,4% eram adicionados açúcar, cereais, achocolatado ou ambos, no preparo com leite de vaca em pó.12 Essa adição ocorreu no preparo de 54,7% das fórmulas infantis.
Estudo mostrou que o consumo diário de doces e também de refrigerantes ocorreu por aproximadamente 22% das crianças avaliadas. Consumo pelo menos uma vez por semana de doces e refrigerantes foi verificado em mais de 70% das crianças. Maior frequência de consumo diário de doces e refrigerantes foi observada pelas crianças das regiões Sul e Sudeste.10
O consumo médio diário de açúcar foi de 23g/dia por crianças de 6 a 12 anos e de 37g/dia por crianças de 12 a 24 meses, em estudo feito em Salvador.26 No Acre31 constatou‐se que o consumo de doces e bebidas açucaradas equivaleu a 14% do total de energia ingerida por crianças de 6 a 11 meses e por 18% do total de energia por crianças de 12 a 24 meses.
Estudo multicêntrico feito em cinco cidades brasileiras verificou que o consumo de bebidas açucaradas, incluindo refrigerantes e sucos artificiais, correspondeu a 37% da energia proveniente de líquidos consumidos diariamente por crianças na faixa de 3 a 6 anos.39 O consumo excessivo de bebidas açucaradas tem sido associado à ocorrência de excesso de peso na população pediátrica, favorece o desenvolvimento precoce de doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes e a hipertensão arterial. De acordo com as recomendações atuais,41 a ingestão de açúcar livre deve ser equivalente a menos de 10% do valor energético total diário.
Segurança alimentarInsegurança alimentar e/ou nível socioeconômico baixo se associou ao maior consumo de carboidratos e menor consumo de proteínas23,35,42 e ferro,23,31 em diferentes estudos. Alimentos dos grupos das carnes e ovos, cereais, frutas, hortaliças e gorduras apresentaram variação de consumo, são geralmente pouco consumidos por crianças com algum grau de insegurança alimentar.22,23,43
Maior consumo de guloseimas pode se associar a menor renda familiar e menor escolaridade dos pais.19,20,44 Alta ingestão de café,19,23,44 pão e biscoitos19,22,44 pode ser observada com maior frequência naqueles com menor nível socioeconômico ou insegurança alimentar. Não há recomendações quanto à ingestão de café, no entanto é conhecido que seu consumo em excesso pode favorecer a dificuldade na absorção de nutrientes, a exemplo do ferro.27
Alguns autores destacam a importância das instituições na melhoria da qualidade da alimentação infantil.33,35,36,45 A garantia de cuidados em saúde e nutrição durante o período de permanência em creches é favorável a crianças pertencentes a estratos socioeconômicos menos favorecidos.33
Adequação de macronutrientes e fibra alimentarDentre os macronutrientes, proteínas e lipídios apresentaram achados mais frequentes de inadequação. O consumo de proteína acima das recomendações foi observado em estudos com crianças de diferentes faixas etárias.13,14,26,35,42 O consumo de lipídios abaixo do recomendado foi constatado em estudo multicêntrico,11 além de outros feitos em Belém (PA)42 e em Viçosa (MG).46 Entretanto, consumo elevado de gordura saturada foi observado por alguns autores,11,16,30 o que pode caracterizar a qualidade da dieta ofertada e a elevada ingestão de lácteos. O consumo de lipídios pode estar subestimado em alguns estudos devido à não contabilização da gordura de adição no preparo dos alimentos.
Estudo feito em nove capitais brasileiras11 verificou consumo de fibra alimentar superior à ingestão adequada das (Dietary Reference Intakes (DRIs)47 por apenas 22% das crianças com menos de 4 anos e 5% das crianças com mais de 4 anos. A ingestão média de fibra alimentar variou entre 9,2 a 10 gramas para 1.000 Kcal. O consumo de fibra alimentar na primeira infância é pouco investigado.
Adequação de micronutrientesA avaliação dos micronutrientes ferro, cálcio, zinco, sódio e vitamina A foi contemplada nesta revisão da literatura. Cálcio e zinco, em geral, tiveram suas necessidades alcançadas, e até superiores às recomendações, em diferentes estudos.11,34,35,48 Ferro e vitamina A tiveram divergências em relação à adequação em diferentes faixas etárias.13,31,37,48 Quanto ao consumo de sódio, o consumo superior ao recomendado foi o resultado mais frequente.11,42
Leite e derivados, que são alimentos altamente consumidos pela população pediátrica, são as principais fontes alimentares associadas à adequação de cálcio e zinco. Entretanto, a caseína do leite, assim como a presença de fitatos, reduz a biodisponibilidade de zinco.49 A partir do sexto mês de vida, cerca de 70% das necessidades dos lactentes de ferro e zinco devem ser atendidos por meio da alimentação complementar.12
Elevada frequência de crianças com ingestão de cálcio superior às quantidades recomendadas foi verificada em alguns estudos. Pesquisa48 com 445 crianças até 23 meses em Pernambuco e na Paraíba mostrou que o consumo de cálcio foi superior ao recomendado por todas as crianças da faixa etária estudada. Em Caxias do Sul (RS),35 observou‐se que 67% das 362 crianças estudadas, entre 2 e 6 anos, apresentavam consumo de cálcio igual ou superior ao recomendado. Estudo multicêntrico feito com pré‐escolares em escolas públicas e privadas constatou uma média de inadequação no consumo de cálcio de 13,1% e 44,6% em menores de 4 anos e em crianças com idade igual ou maior a 4 anos, respectivamente.11
Estudo13 com crianças pernambucanas mostrou elevado percentual de inadequação de vitamina A por crianças entre 1 e 3 anos e 4 e 5 anos, moradoras da região metropolitana. A inadequação (inferior ao Estimated Average Requerement [EAR]) foi de 27,9% e 43,2%, respectivamente. Entre aquelas habitantes do interior urbano, a inadequação foi de 48,9% e 54,3%, respectivamente. Em crianças de 7 a 11 meses, no mesmo estudo, a mediana de consumo de vitamina A (314μg) se manteve abaixo do Adequate Intake (AI)47 (500μg). Outro estudo, também feito em Recife (PE), verificou consumo abaixo da EAR47 para vitamina A por 8,1% das crianças entre 24 a 47 meses e por 21,3% de 48 a 60 meses, menor percentual de inadequação atribuído à qualidade da alimentação na creche.45
Deve ser levado em consideração que a biodisponibilidade de vitamina A em alimentos de origem animal é maior quando comparada com os carotenoides com atividade pró‐vitamina A.36,45 Fernandes et al.,36 além de verificar o consumo adequado de vitamina A por 77,9% das crianças menores de 5 anos, constataram que 58% do consumo foi proveniente de alimentos de origem animal (vitamina A pré‐formada) e 35% de origem vegetal (carotenoides).
Anemia ferropriva e hipovitaminose A são deficiências nutricionais caracterizadas como problema de saúde pública no Brasil. A deficiência de micronutrientes, como a vitamina A, o ferro e o zinco, compromete o crescimento e desenvolvimento normais das crianças e diminui a resistência às doenças infecciosas.46 A hipovitaminose A apresenta algumas áreas endêmicas no Brasil. De acordo com dados da PNDS/20069 puderam ser verificados níveis inadequados de vitamina A (0,70μmol/L) em 17,4% das crianças avaliadas, as maiores prevalências ocorreram no Nordeste (19%) e Sudeste (21,6%) do país. Na mesma pesquisa, a prevalência de anemia (hemoglobina < 11g/dL) foi de 20,9% no Brasil, a maior prevalência foi verificada na Região Nordeste (25,5%) e a menor na região Norte do país (10,4%).
Estudo analisou a densidade de ferro na dieta de crianças de 6 a 59 meses, em São Paulo, e verificou que 1,1mg/1.000 Kcal eram provenientes de ferro heme e 4,3mg/1.000 Kcal na forma não heme.50 Ferro de origem animal contribuiu com 0,6% e 14,3% do total de ferro ingerido por crianças de 6 a 11 meses e 12 a 24 meses, respectivamente.31
Em São Leopoldo (RS),18 estudo com 369 crianças entre 12 e 16 meses verificou que a ausência de anemia esteve significativamente associada a maior consumo de ferro heme e vitamina C e com menor consumo de cálcio.
Observou‐se que a média do consumo de leite de vaca foi estatisticamente menor nas crianças que não apresentaram anemia grave (523 ± 315mL) quando comparadas com aquelas com anemia grave (648 ± 387mL) (p = 0,01). Ou seja, o consumo de leite de vaca pode favorecer a adequação de cálcio e zinco, no entanto se relaciona à inadequação de ferro, pode ter efeito inibidor na absorção do ferro dietético50 e favorecer a ocorrência de anemia ferropriva.15
Consumo de sódio superior à recomendação foi verificado em média por 98,1% das crianças avaliadas em estudo com pré‐escolares de escolas públicas e privadas de nove cidades brasileiras, com média de consumo diário de 2186,5mg.11 Em Belém (PA)42 foi demonstrado por análise química de amostras de alimentos preparados no domicílio para o almoço que o teor de sódio foi mais elevado no estrato socioeconômico baixo (363,2 ± 148,3mg) do que no alto (269,3 ± 138,0; p = 0,005). Excesso de sódio foi mais frequente nos alimentos do estrato socioeconômico baixo do que nos alimentos do alto (89,2% versus 31,7%; p = 0,027).
Em vigência, o Plano Nacional de Redução de Sódio em Alimentos Processados tem como objetivo diminuir o consumo de sódio entre os brasileiros, incluindo ações para redução da adição de sal em produtos industrializados e conscientização quanto ao consumo racional do sal de adição. Essas estratégias fazem parte do enfrentamento das doenças não transmissíveis, como hipertensão arterial e doenças cardiovasculares.51 De acordo com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (2002‐2003),52 o sal de adição e condimentos à base de sal se constituíram nas principais fontes de sódio na alimentação do brasileiro. Na pesquisa de 2008‐200953 foi constatada uma redução no consumo anual per capita de sal, entretanto houve um aumento no consumo de alimentos prontos processados.
Os resultados apresentados nesta revisão da literatura permitiram retratar a qualidade da alimentação do lactente e do pré‐escolar brasileiro nos últimos anos. O padrão alimentar e a ocorrência de distúrbios nutricionais na infância continua a ser motivo de preocupação, como pode ser exemplificado por estudos publicados no Brasil após o término da busca de dados para a presente revisão de literatura.54–57
Do ponto de vista metodológico, este artigo seguiu os princípios para revisões sistemáticas da literatura, ou seja, a busca foi organizada segundo critérios explícitos abrangentes e reprodutíveis, sucedida por análise crítica das informações relevantes compiladas.
ConclusãoOs resultados dos diferentes estudos reunidos nesta revisão da literatura possibilitam uma visão mais ampla quanto às características do perfil alimentar do lactente e pré‐escolar brasileiro. Apesar da heterogeneidade dos artigos avaliados, podemos verificar que, independentemente do nível socioeconômico, da região de origem ou da faixa etária, as inadequações qualitativas e quantitativas relacionadas ao consumo de alimentos e nutrientes são semelhantes. De um modo geral, é observada baixa frequência do consumo de carnes, frutas, legumes e verduras. A adequação proteica na dieta é assegurada pelo elevado consumo de leite de vaca integral. Entretanto, a ingestão desse nutriente é, geralmente, excessiva. O preparo de mamadeiras é inapropriado, até com a adição de ingredientes desnecessários em fórmulas infantis. Observa‐se, também, consumo demasiado de frituras, refrigerantes, doces, guloseimas e sal.
A ocorrência de inadequações no consumo de nutrientes pode estar associada à perpetuação dos principais problemas de saúde pública constatados na população pediátrica, como a anemia ferropriva, a hipovitaminose A e o excesso de peso, e ao aparecimento precoce de comorbidades altamente prevalentes em adultos, a exemplo do diabetes mellitus e da hipertensão arterial sistêmica.
Considerando que a escolha alimentar está relacionada não apenas ao poder de compra, mas, principalmente, a ações embasadas na educação alimentar e nutricional, é válido enfatizar a importância da adoção e implantação de políticas de saúde mais eficazes voltadas para essa população vulnerável, de modo a promover o adequado crescimento e desenvolvimento infantil e atuar na prevenção de doenças e agravos nutricionais. Os resultados reunidos nesta revisão constituem subsídios para a elaboração de estratégias que visem a melhorar a qualidade da alimentação do lactente e do pré‐escolar brasileiro.
Conflitos de interesseCSM e MBM participaram do projeto internacional da Danone Early Nutrition denominado Nutriplanet (2013) no Brasil; KVB faz parte da equipe da Danone Early Nutrition no Brasil.
Esta pesquisa recebeu apoio da Danone Early Nutrition como uma extensão do projeto Nutriplanet no Brasil (2013). O conteúdo deste artigo baseou‐se exclusivamente em dados científicos e não está vinculado a qualquer produto da empresa apoiadora. O conteúdo científico do artigo é de responsabilidade dos autores.
Como citar este artigo: Mello CS, Barros KV, Morais MB. Brazilian infant and preschool children feeding: literature review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:451–63.