This study aimed to examine the differences between mothers of preterm multiples and mothers of preterm singletons regarding perceived stress and maternal psychological symptoms, and to explore the putative adverse amplified effect of socioeconomic disadvantage.
MethodNinety‐five mothers of 1‐year‐olds born preterm participated in this cross‐sectional study. Data collection was carried out in two public hospitals from Northern Portugal. To assess maternal perceived daily stress and psychological symptoms, mothers completed two questionnaires. Mothers reported on socioeconomic factors, including family poverty, parent unemployment, and low education, and two groups of family socioeconomic disadvantage were created. A child medical risk index was calculated.
ResultsResults indicated that mothers of preterm multiples reported higher levels of stress than mothers of preterm singletons. Moreover, and specifically regarding psychological functioning, mothers of preterm multiples reported more symptoms than mothers of preterm singletons, but only when living in a context of socioeconomic adversity.
ConclusionsThe results of the present study have important implications for practice. Mothers of preterm multiples are at higher risk to present mental health difficulties, in comparison to mothers of singletons, especially when exposed to socioeconomic adversities. The development of psychosocial intervention programs and public policies are of decisive importance in helping mothers of multiples adjust to parenthood.
Examinar as diferenças entre mães de múltiplos prematuros e mães de filhos únicos prematuros a respeito de estresse percebido e sintomas psicológicos maternos e explorar o efeito adverso amplificado putativo da desvantagem socioeconômica.
MétodoParticiparam deste estudo transversal 95 mães de crianças de um ano nascidas prematuras. A coleta de dados foi feita em dois hospitais públicos do norte de Portugal. Para avaliar o estresse diário percebido e os sintomas psicológicos maternos, as mães responderam dois questionários. As mães relataram fatores socioeconômicos, incluindo pobreza familiar, desemprego dos pais e baixo nível de escolaridade, e foram criados dois grupos de desvantagem socioeconômica familiar. Foi calculado um índice de risco médico infantil.
ResultadosOs resultados indicaram que as mães de múltiplos prematuros relataram maiores níveis de estresse do que as mães de filhos únicos prematuros. Além disso e especificamente com relação ao funcionamento psicológico, as mães de múltiplos prematuros relataram mais sintomas do que as mães de filhos únicos prematuros, porém apenas quando moravam em um contexto de adversidade socioeconômica.
ConclusõesOs resultados deste estudo possuem importantes implicações para a prática. As mães de múltiplos prematuros apresentam maior risco de dificuldades de saúde mental, em comparação com as mães de filhos únicos, principalmente quando expostas a adversidades socioeconômicas. O desenvolvimento de programas de intervenção psicossocial e políticas públicas é de importância decisiva ao ajudar as mães de filhos múltiplos a se ajustarem à maternidade.
Todos os anos, cerca de 15 milhões de bebês nascem prematuros em todo o mundo (< 37 semanas de gestação) e esse número tem aumentado. Em Portugal, quando este estudo foi feito, aproximadamente 7,7% das crianças haviam nascido pré‐termo em 2014, ao passo que, em 2011, o número foi de 5,6%.1 Esse aumento significativo constitui um importante problema de saúde pública. Como se vê, neonatos mais novos e mais frágeis têm sobrevivido à internação na unidade de terapia intensiva neonatal e muitos deles mostram altas taxas de necessidades especiais conforme ficam mais velhos.2 Muitos problemas de saúde mental também foram relatados pelos pais. Uma comprovação revelou que as mães de neonatos prematuros geralmente mostram níveis de estresse elevado e dificuldades psicológicas, que, por sua vez, parecem comprometer suas capacidades maternas e, consequentemente, o desenvolvimento da criança.3 Portanto, são necessárias mais pesquisas que foquem no impacto dos fatores de risco médico e social sobre o ajuste dos pais na área de prematuridade.
Uma pesquisa feita nas últimas décadas forneceu um número cada vez maior de comprovações dos efeitos adversos dos riscos de saúde infantil sobre o funcionamento psicológico dos pais.4 Recentemente, os pesquisadores estão particularmente interessados no papel agravante putativo de ser mãe de múltiplos filhos. Além dos estresses de ser pai de um neonato prematuro (mais frágil), as famílias de múltiplos prematuros estão frequentemente expostas a demandas adicionais de saúde e emocionais, inclusive internação prolongada, paralisia cerebral da criança, hemorragia e atrasos no desenvolvimento.5,6 Além disso, as mães com gravidezes de múltipla gestação e seus parceiros precisam cuidar e se relacionar com mais de um bebê, de quem elas podem ter sido separadas durante seus primeiros dias após o nascimento. Esses pais muitas vezes passam por mais pressões financeiras, fadiga, isolamento social e dificuldades práticas que surgem da necessidade de cuidar de mais de um bebê de uma só vez.7 Não surpreendentemente, pesquisas recentes revelaram que as mães de múltiplos prematuros são mais propensas a ser depressivas, apresentar ansiedade elevada e sofrer maior estresse materno.8–11
Apesar da importância dos achados descritos acima, a pesquisa nessa área ainda é caracterizada por falta de estudos que foquem na identificação de fatores ambientais que podem amenizar os efeitos negativos de nascimentos múltiplos sobre o bem‐estar psicológico das mães de neonatos prematuros. Essa lacuna na literatura é notável, considerando os anos de pesquisa que destacam o impacto negativo das adversidades psicossociais familiares sobre o funcionamento psicológico das mulheres. Por exemplo, Goyal et al.12 mostraram que as mães de primeira gravidez expostas a uma baixa situação socioeconômica foram 11 vezes mais propensas a ter níveis de depressão clinicamente elevados do que as mães sem fatores de risco socioeconômico. Apesar de não focado no papel de nascimentos múltiplos, destacamos também o trabalho de Wormald et al.13 Esses investigadores analisaram os níveis de estresse de pais de neonatos com muito baixo peso ao nascer (MBPN), achado que as mães de neonatos de MBPN que mostraram níveis de estresse significativamente mais altos foram aquelas expostas não somente a complicações médicas, mas também a mais adversidades socioeconômicas (por exemplo, menor nível de escolaridade, desemprego).
Estudo atualComo um todo, esses achados claramente sugerem que vale a pena examinar as relações entre os riscos socioeconômicos familiares e o ajuste das mães de múltiplos prematuros. Portanto, este estudo visou a investigar as diferenças entre mães de múltiplos prematuros e mães de filhos únicos prematuros a respeito de estresse materno percebido e sintomas psicológicos maternos e explorar o efeito adverso amplificado da desvantagem socioeconômica, ao mesmo tempo em que controlando o efeito putativo dos riscos médicos infantis. Hipotetizamos que as mães de múltiplos prematuros estariam em maior risco de maiores níveis de estresse e sintomas psicológicos, em comparação com mães de filhos únicos prematuros, principalmente (ou até mesmo exclusivamente) quando residem em um contexto de desvantagem socioeconômica. Em outras palavras, esperávamos que o impacto da experiência de múltiplos nascimentos sobre o bem‐estar psicológico das mães de neonatos prematuros fosse amplificado pelos efeitos adversos da desvantagem socioeconômica.
MétodoParticipantes e procedimentoParticiparam deste estudo transversal 95 mães de crianças de um ano nascidas prematuras. A coleta de dados foi feita em dois hospitais públicos do norte de Portugal. Esta pesquisa foi previamente aprovada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados e pelos conselhos de ética dos hospitais participantes e da universidade envolvida na coordenação do estudo. Pedimos às mães que respondessem dois questionários para avaliar os sintomas psicológicos maternos e estresse percebido e relatassem os fatores socioeconômicos, os riscos médicos infantis e se haviam tido múltiplos filhos. As mães assinaram um consentimento informado escrito, permitiram sua própria participação no estudo.
MedidasEstresse materno percebidoAs mães responderam a versão em português do Questionário de Problemas Diários (Daily Hassles Questionnaire).14,15 Essa medida inclui 43 itens, classificados em uma escala de 5 pontos (0 = sem problemas a 4 = grandes problemas), que avaliaram os fatores de estresse relacionados à vida cotidiana e ao exercício da maternidade. Os itens foram somados para obter uma pontuação final. No presente estudo, a pontuação de consistência interna para a escala foi α = .94
Problemas psicológicos maternosAs mães preencheram o Inventário Breve de Sintomas (BSI).16,17 O BSI inclui 53 itens classificados em uma escala de 5 pontos (0 = de modo algum a 4 = extremamente), que mede a presença de vários sintomas sentidos pela mãe na última semana. O questionário avalia nove dimensões psicopatológicas e três pontuações globais. O Índice Positivo de Angústia de Sintomas, um dos escores globais, foi usado no estudo como uma medida da intensidade dos sintomas corrigida para o número de sintomas.
Desvantagem socioeconômica familiarAs mães relataram três riscos socioeconômicos, a saber: (i) família que vive na pobreza (renda familiar mensal, ajustada para o tamanho da família, abaixo dos níveis de renda nacionais), (ii) desempregos dos pais (ou seja, um dos pais estava desempregado no momento do estudo) e (iii) baixo nível de escolaridade dos pais (ou seja, um dos pais tinha menos de nove anos de escolaridade). Cada fator de risco foi classificado em ausente (0) ou presente (1). Então, a amostra foi dividida em dois grupos de desvantagem socioeconômica: (1) famílias expostas (a um ou mais riscos, 58,8%) e (2) famílias não expostas (0 risco, 43,2%) a adversidades socioeconômicas (veja a tabelas 1 e 2, para obter informações sobre as estatísticas descritivas a respeito dos riscos familiares).
Características das amostras: média ± desvios‐padrão
Amostra total | Filhos únicos | Múltiplos filhos | |
---|---|---|---|
M ± DP | M ± DP | M ± DP | |
Família | |||
Idade materna | 34,01 ± 5,20 | 33,72 ± 5,52 | 35,35 ±3,18 |
Primíparas | 74,7% | 70,5% | 94,1% |
Idade paterna | 35,68 ± 6,04 | 35,21 ± 6,19 | 37,88 ± 4,91 |
Escolaridade materna (%) | |||
Menos de nove anos de escolaridade | 29,5% | 30,8% | 23,5% |
Escolaridade paterna | |||
Menos de nove anos de escolaridade | 32,6% | 35,9% | 17,6% |
Emprego materno (%) | |||
Empregada | 76,8% | 74,4% | 88,2% |
Desempregada | 22,1% | 24,4% | 1,8% |
Aposentada | 1,1% | 1,3% | --‐ |
Emprego paterno (%) | |||
Empregado | 88,4% | 88,5% | 88,2% |
Desempregado | 10,5% | 10,3% | 11,8% |
Aposentado | --‐ | --‐ | --‐ |
Renda mensal familiar (euros) | 1509,18 ± 880,29 | 1398,49± 846,24 | 2017,06± 878,90 |
Número de membros na família | 3,65 ± 0,88 | 3,49 ± 0,86 | 4,41 ± 0,51 |
Criança e partoa | |||
Idade em meses (idade corrigida) | 12,20 ± 1,04 | 12,22 ± 1,11 | 12,12 ±,60 |
Sexo (% de meninos) | 58,9% | 61,5% | 47,1% |
Peso ao nascer (gramas) | 1886,67 ± 628,97 | 1923,37 ± 612,17 | 1718,29 ± 640,83 |
Semanas gestacionais | 32,91 ± 2,94 | 32,97 ± 2,93 | 32,59 ± 3,08 |
Dias na UTIN | 24,93 ± 24,28 | 24,45 ± 23,68 | 27,24 ± 27,54 |
Parto (%) | |||
Nascimentos múltiplos | 17,9% | --‐ | --‐ |
Cesárea | 49,5% | 43,6% | 76,5% |
DP, desvio padrão; UTIN, unidade de terapia intensiva neonatal.
Riscos socioeconômicos familiares: percentuais e frequências da amostra total
% | n | |
---|---|---|
Fator de risco | ||
Família que mora em condições de pobreza | 32,6 | 31 |
Desemprego dos pais | 25,3 | 24 |
Baixo nível de escolaridade dos pais | 43,2 | 41 |
Riscos familiares | ||
0 risco | 43,2 | 41 |
1 risco | 24,2 | 23 |
2 ou mais riscos | 32,6 | 31 |
Foi calculado um índice de risco médico infantil para ser usado como covariável, consiste na média de pontuações padronizadas de semanas de gestação (reversa), peso ao nascer (reversa) e número de dias na UTIN. Uma pontuação maior indica maior risco médico.
Análise de dadosOs dados foram analisados com o Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS) (IBM Corp. Released 2013. IBM SPSS Statistics for Windows, versão 22.0. NY, EUA). Os dados estatísticos descritivos sobre estresse materno percebido e sintomas psicológicos foram primeiro examinados para a amostra total. Então, os testes independentes T e qui‐quadrado foram usados para determinar se as mães dos múltiplos prematuros e mães de filhos únicos prematuros mostraram diferenças a respeito de idade gestacional, riscos médicos infantis e desvantagem socioeconômica familiar. As diferenças entre as mães expostas e mães não expostas a desvantagem socioeconômica também foram examinadas a respeito de idade materna e riscos médicos infantis. Foram feitas análises adicionais com uma análise de variância multivariada bidirecional (Manova) para testar as diferenças entre os grupos com relação ao estresse materno percebido e aos sintomas psicológicos, ao mesmo tempo em que controlando os riscos médicos infantis. Também foram explorados os efeitos da interação.
ResultadosAs características da amostra são apresentadas na tabelas 1 e 2. Na época da avaliação, as mães tinham entre 19 e 48 anos (34,01 ± 5,20); 72 mães foram primíparas e 17 foram mães de múltiplos filhos (todos gêmeos, exceto uma mãe de trigêmeos). Na maioria dos casos, a gravidez foi planejada (82,1%), monitorada em termos médicos (96,8%) e os bebês nasceram de parto vaginal (50,5%). A maioria das mães era casada (91,6%). As mães restantes eram solteiras (6,3%) ou divorciadas (2,1%). Com relação à escolaridade maternal, três mães tinham quatro anos de educação formal, 25 tinham entre cinco a nove anos, 30 tinham entre dez a 12 anos e o restante tinha diploma universitário; 73 mães estavam empregadas, 21 estavam desempregadas e uma mãe estava aposentada. Ademais, 31 (32,6%) famílias viviam com rendas abaixo da linha de pobreza nacional.
Na amostra total, a média de estresse percebido das mães foi de 32,44 ±21,12, ao passo que a média de sintomas psicológicos foi de 1,42 ± 0,37 (tabela 3). As análises mostraram que as mães de múltiplos prematuros e as mães de filhos únicos prematuros não foram significativamente diferentes a respeito dos dados demográficos e variáveis do estudo a seguir: idade materna, t (93) = ‐1,18, p = 0,24; riscos médicos infantis, t (93) = ‐0,45, p = 0,66; ou desvantagem socioeconômica familiar, χ2 = 3,91, p = 0,06. Da mesma forma, as mães expostas e mães não expostas a desvantagem socioeconômica não diferiram em termos de riscos médicos infantis, t (93) = 0,90, p = 0,37; contudo, as mães que moram em um contexto de desvantagem socioeconômica eram significativamente mais velhas, t (93) = 2,35, p = 0,02.
Diferenças entre os grupos a respeito de estresse materno percebido e problema psicológico: média ± desvios‐padrão
Então, foi feita uma Manova bidirecional. Nascimentos múltiplos e desvantagem socioeconômica familiar foram incluídos na análise como fatores, ao passo que risco médico infantil foi usado como covariável. Os dados adicionados à Manova atendem às exigências de homogeneidade das matrizes de covariância (teste de Box, = 0,12) e igualdade de variâncias de cada variável dependente (testes de Levene: para estresse percebido, p = 0,11; para problemas psicológicos, p = 0,93). Os principais resultados revelaram um principal efeito estatisticamente significativo dos nascimentos múltiplos sobre a variável dependente combinada, F (1,95) = 5,25, p = 0,007, Λ de Wilks = 0,89. Uma verificação adicional desse resultado indicou que as mães de múltiplos prematuros relataram maiores níveis de estresse do que as mães de filhos únicos prematuros, F (1,95) = 10,70, p = 0,002, Eta2 = 0,11. Não foram observadas diferenças significativas entre as mães expostas e não expostas a desvantagem socioeconômica (tabela 3). Contudo, houve um efeito marginalmente significativo de nascimentos múltiplos x situação socioeconômica sobre as variáveis dependentes combinadas, F (1,95) = 2,75, p = 0,06, Λ de Wilks = 0,94. Considerando essa tendência, foram então examinados os efeitos entre os indivíduos. Os resultados indicaram que o impacto de nascimentos múltiplos sobre os problemas psicológicos maternos (porém não sobre os níveis de estresse) diferem se as mães foram expostas (em comparação com não expostas) a adversidades socioeconômicas, F (1,95) = 5,25, p = 0,02, Eta2 = ‐0,055. Mais especificamente, uma análise de efeitos simples revelou que, no contexto de desvantagem socioeconômica, as mães de múltiplos prematuros relataram de forma significativa mais sintomas psicológicos (1,77 ± 0,33) do9 que as mães de filhos únicos prematuros (1,37± 0,34). Contudo, na ausência de adversidades socioeconômicas, as mães de múltiplos prematuros (1,39 ± 0,33) e mães de filhos únicos (1,45± 0,42) relataram níveis semelhantes de problemas psicológicos (fig. 1).
DiscussãoEste estudo visou a examinar as diferenças entre mães de múltiplos prematuros e mães de filhos únicos prematuros a respeito de estresse materno percebido e sintomas psicológicos maternos, ao mesmo tempo em que controlou o efeito de riscos médicos infantis. Conforme esperado, os resultados revelaram que as mães de múltiplos prematuros sofreram níveis de estresse significativamente maiores do que as mães de filhos únicos prematuros após o parto, quando seus filhos estavam com 12 meses (corrigido). É importante destacar que esse resultado está em linha com estudos anteriores, que também mostraram, de forma consistente, que as mães de nascimentos múltiplos são significativamente mais propensas do que as mães de filhos únicos a relatar estresse severo, não somente dias após o parto, mas também meses após o parto.11,18
Surpreendentemente, em nosso estudo, surgiram diferenças significativas entre os grupos a respeito dos sintomas psicológicos maternos. Os dados são compatíveis com outros estudos que também não conseguiram documentar as diferenças entre as mães de nascimentos múltiplos e as mães de filhos únicos a respeito do funcionamento psicológico. Por exemplo, Glazebrook et al.19 constataram que as mães de nascimentos múltiplos não têm saúde mental pior do que as mães de filhos únicos, um ano após o parto. Contudo, nossos resultados diferem de outra pesquisa que, pelo contrário, destacou a presença de dificuldades psicológicas elevadas entre mães de múltiplos prematuros.9,10 Esses resultados divergentes entre estudos podem ser atribuíveis a questões metodológicas. Mais precisamente, em nossa investigação, bem como no trabalho de Glazebrook et al.19, a saúde mental materna foi avaliada com relatos globais do funcionamento psicológico, ao mesmo tempo em que, em outros estudos, os pesquisadores tomaram como base medidas para avaliar especificamente os níveis maternos de ansiedade ou depressão.20 Além dessa possibilidade, também pode ser o caso de as dificuldades psicológicas materna poderem estar mais evidentes nos primeiros dias ou meses após o parto, durante um período em que a mãe ainda se adapta ao papel de ser mãe de duas ou mais crianças frágeis. Dessa forma, Van den Akker et al.21, em uma metanálise, concluíram que a depressão materna foi mais comum antes do término de um ano após o parto. Pelo contrário, no presente estudo, as avaliações ocorreram um ano após o parto. Contudo, não está certo se quaisquer dessas explicações são responsáveis pelos resultados relatados aqui. São necessários estudos futuros com modelo longitudinal.
Acrescentado aos objetivos da pesquisa acima, este estudo também buscou inovar e estender a literatura atual e explorar o efeito adverso amplificado putativo da desvantagem socioeconômica entre os nascimentos múltiplos e o ajuste materno. Os dados mostraram que as mães de múltiplos prematuros significativamente relataram mais sintomas psicológicos do que as mães de filhos únicos, porém apenas quando expostas a adversidades socioeconômicas. Esse resultado claramente destaca a relevância do histórico socioeconômico dos pais para o ajuste das mulheres, conforme sugerido anteriormente por outros estudos.12,13 Contudo, e mais importante, nossos resultados podem ajudar a esclarecer as inconsistências encontradas na literatura acerca do surgimento de sintomas psicológicos entre mães de múltiplos prematuros, já discutidos no parágrafo acima. Mais precisamente, nosso estudo vai além da literatura existente, sugere que os nascimentos múltiplos não necessariamente afetam adversamente a saúde mental das mulheres. Em vez disso, pode ser que o impacto negativo de nascimentos múltiplos sobre o funcionamento psicológico das mulheres ocorra quando as mulheres estão simultaneamente expostas a um contexto de desvantagem social. Essa adversidade impedirá as famílias de obter os recursos e apoio necessários para cuidar adequadamente e se relacionar com mais de um bebê (frágil e pequeno) ao mesmo tempo.
É importante ressaltar que nossos achados também revelaram que a maior susceptibilidade de as mães de múltiplos prematuros mostrarem problemas de ajuste, mais de um ano após o parto, parece ocorrer mesmo após o controle do efeito putativo de riscos médicos infantis. De fato, vale ter em mente que não surgiu associação significativa no relato atual entre os riscos infantis no nascimento e o estresse materno percebido e problemas psicológicos. Essa falta de efeito significativo não está em linha com outros estudos.4 Contudo, isso não necessariamente significa que as adversidades médicas das crianças não têm implicações sobre o bem‐estar e o funcionamento psicológico materno. Talvez outros fatores das crianças possam ser mais marcantes um ano após o parto, como a presença de disfunções neurológicas, conforme já mencionado por Walter et al.22 Nesse sentido, são necessários mais estudos.
Implicações da política e práticaComo um todo, nossos resultados são consideráveis e têm importantes implicações para a prática. Conforme já mencionado, nos últimos anos, tem havido um aumento no número de nascimentos prematuros, mas também no número de gravidezes múltiplas em muitos países desenvolvidos, devido principalmente a avanços nas tecnologias de reprodução assistida e à idade mais avançada das mães no parto.23 Por exemplo, os dados coletados de 2004 e 2010, em 29 países europeus, como parte do projeto Euro‐Peristat, revelaram que a taxa de geminação aumentou em média 1,7% nas unidades (ou seja, mais de 12,5%) nesse período de seis anos.24 Nossos dados, juntamente com os resultados de outros estudos,9–11 sugerem que as mães de múltiplos prematuros podem estar em risco de desenvolver problemas graves de ajuste, principalmente quando expostas a desvantagem socioeconômica. Os programas de saúde devem incorporar avaliações psicológicas abrangentes de mães de crianças nascidas prematuramente, especificamente de mães de múltiplos, não apenas imediatamente após o nascimento, mas também nos meses e anos seguintes. Devem incorporar também serviços de apoio e intervenções psicossociais efetivas e mais individualizadas para essas mães (e seus parceiros) no período pós‐natal. Os órgãos reguladores devem estar, além disso, informados do fato de que, ao melhorar o bem‐estar emocional das mães e de seus parceiros, eles também estimularão e cuidarão da saúde de o desenvolvimento ideal das crianças.
LimitaçõesHá várias limitações a este trabalho que devem ser abordadas em uma pesquisa futura. A amostra é pequena e, assim, este estudo é limitado em seu poder estatístico. Além disso, como um estudo transversal, as informações relacionadas às principais variáveis do estudo estiveram disponíveis em um único momento. Assim, o modelo de correlação de nosso estudo limita a exploração dos mecanismos supostamente envolvidos no surgimento de níveis de estresse elevados e dificuldades psicológicas em mães de múltiplos filhos expostas a desvantagem socioeconômica. As trajetórias de ajuste materno também não foram possíveis de examinar. Além disso, estudos futuros devem incorporar a avaliação de problemas neurológicos infantis como uma possível variável preditora de menor ajuste materno e considerar a avaliação de ajuste também dos pais.
Apesar do aumento drástico nos nascimentos de gêmeos na maior parte do mundo ocidental, é surpreendente que poucas pesquisas tenham buscado examinar a saúde mental dos pais de múltiplos filhos. Assim, este estudo visou a expandir o conhecimento atual sobre o ajuste de mães de múltiplos prematuros, mais notavelmente ao explorar as diferenças entre mães de múltiplos prematuros e mães de filhos únicos prematuros a respeito do estresse percebido e dos sintomas psicológicos, um ano após o parto. Buscou também examinar o efeito negativo putativo da exposição materna a desvantagem socioeconômica. Os dados revelaram que as mães de múltiplos prematuros mostraram níveis elevados de estresse, em comparação com mães de filhos únicos prematuros. Com relação ao funcionamento psicológico, as mães de múltiplos prematuros relataram significativamente mais sintomas do que as mães de filhos únicos prematuros, porém apenas quando moravam em um contexto de adversidade socioeconômica. Nossos achados não apenas sugerem que ter um filho prematuro (mais frágil), no contexto de nascimentos múltiplos, é um desafio considerável para muitos pais, mas também que o cuidado e as exigências psicológicas decorrentes parecem ser exacerbados pela exposição da família a adversidades socioeconômicas. Trabalhos futuros devem incluir o desenvolvimento de tratamentos psicossociais para auxiliar os pais de múltiplos prematuros, principalmente aqueles expostos a um contexto de desvantagem social e que poderão, por fim, ser beneficiados por intervenções favoráveis.
FinanciamentoFundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/ 100994/2014, SFRH/BD/86075/2012).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Às crianças e aos pais que participaram deste estudo. (párrafo) Este estudo foi feito no Centro de Pesquisa em Psicologia, Universidade de Minho, e parcialmente financiado pela Fundação Portuguesa de Ciências e Tecnologia (SFRH/BPD/100994/2014 atribuído ao primeiro autor; concessão SFRH/BD/86075/2012) e pelo Ministério da Educação e Ciência por meio de recursos nacionais e, quando aplicável, cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder) nos termos do Acordo de Parceria PT2020 (UID/PSI/01662/2013).
Como citar este artigo: Baptista J, Moutinho V, Mateus V, Guimarães H, Clemente F, Almeida S, et al. Being a mother of preterm multiples in the context of socioeconomic disadvantage: perceived stress and psychological symptoms. J Pediatr (Rio J). 2018;94:491–7.