Posar e Visconti1 recentemente publicaram sua revisão biomédica na área de pesquisa em autismo em 2016 com um foco especial na função hipotética de fatores ambientais, como poluição atmosférica. Os autores pesquisaram a literatura recente disponível na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PubMed) em busca de hipóteses interessantes publicadas entre 1° de janeiro de 2013 e 20 de agosto de 2016 (preferencialmente estudos de caso‐controle que envolvessem participantes humanos) com palavras‐chave. Embora os autores tenham identificado uma estratégia de busca, sua análise não considerou uma minianálise recém‐publicada que identifica o papel de um poluente atmosférico agrícola específico, o óxido nitroso (N2O), na etiopatogenia do autismo e em distúrbios do desenvolvimento neurológico de forma mais geral.
Fluegge2 sugeriu repetidamente que a exposição ao N2O ambiental pode aumentar a suscetibilidade a distúrbios do desenvolvimento neurológico, inclusive transtornos do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Uma análise epidemiológica inicial revelou uma associação entre o uso do pesticida glifosato e TDAH, porém análises posteriores de sensibilidade constataram que a associação provavelmente dependia do nível de urbanização da região e da forte associação específica do glifosato com fertilizantes nitrogenados e emissões presumíveis de N2O.2 Essas constatações foram reproduzidas em uma análise de internações por TEA (comunicação pessoal). Os mecanismos hipotéticos de interesse inerentes a essas associações incluíram os alvos farmacológicos conhecidos da exposição a N2O de baixo nível, inclusive o antagonismo do receptor NMDA (Receptor de N‐metil‐D‐aspartato), o estímulo da liberação de peptídeos opioides centrais e a supressão da atividade colinérgica.3 A análise é particularmente considerável porque o N2O não foi considerado por Posar e Visconti,1 assim como os estudos que incluem sua análise como poluente atmosférico capaz de causar consequências adversas à saúde humana e, em especial, autismo. Portanto, é interessante ler a sugestão dos autores para investigar se há uma diferença na prevalência de autismo entre nações expostas a baixos níveis em comparação com as expostas a altos níveis do poluente.
Tian et al.4 relataram recentemente as taxas de mudança anuais de diversos fatores ambientais em diferentes continentes e constataram aumentos significativos no uso de fertilizantes nitrogenados na América do Norte de 1981 a 2010 e reduções significativas na Europa no mesmo período. Como o uso de fontes de nitrogênio antropogênicas é o contribuinte ambiental mais diretamente atrelado às emissões de N2O,5 essa diferença continental no uso de fertilizantes nitrogenados há décadas é especialmente reveladora e sugere emissões de N2O americanas derivadas dos fertilizantes nitrogenados mais altas em comparação com a Europa, fato confirmado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2015).6 Essa distinção geográfica pode explicar a dinâmica diferencial na prevalência de TEA.
Estudos epidemiológicos de base populacional da Europa indicam que grande parte do aumento na prevalência de TEA entre 1980 e 2003 pode ser atribuído a mudanças nas práticas administrativas e de divulgação,7,8 ao passo que a prevalência de TEA no Reino Unido nos anos posteriores pode ter se estabilizado.9 Esses dados defendem a possibilidade de que o aumento na prevalência registrada de TEA pode ser causado mais por mudanças administrativas. Contudo, o aumento pronunciado na prevalência de TEA nos Estados Unidos entre 2000 e 2012, em especial, não pode ser prontamente atribuído a qualquer evolução nos critérios diagnósticos, pois nenhuma alteração formal foi introduzida ou adotada nesse tempo, embora não possa ser desconsiderado que o aumento na prevalência de TEA nesse tempo pode ser atribuído a práticas duradouras de substituição ou acúmulo de diagnósticos iniciadas nas décadas anteriores.10 Portanto, isso abre a possibilidade de que contribuintes ambientais seculares, como N2O ambiental, podem ter um papel na etiopatogenia de TEA de forma diferente nos continentes. Em vista dessa pesquisa, Posar e Visconti1 devem expandir sua visão sobre a função da poluição atmosférica como um fator de risco de TEA. Se levarmos em conta que o N2O não é considerado um poluente prejudicial à saúde humana pela literatura nem por representantes de governo, parece necessária uma reavaliação desse poluente ambiental específico.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Fluegge K. Autism in 2016: additional discovery. J Pediatr (Rio J). 2017;93:308–9.