Fluegge, em sua carta,1 comentou sobre nossa revisão a respeito da etiopatogenia do transtorno do espectro do autismo (TEA) e destacou o possível papel de um gás poluente atmosférico e de efeito estufa, o óxido nitroso (N2O), bem conhecido como gás do riso, usado em cirurgia por suas propriedades analgésicas e anestésicas.2 Em 2006, Cohen considerou a hipótese de envolvimento do N2O na etiopatogenia do TEA, observou que quantidades elevadas de N2O no sangue podem explicar o riso incontrolado e o alto limiar de dor detectado em alguns indivíduos com TEA.2 Por alguns anos, essa hipótese passou despercebida, apesar de muitos estudos terem sido feitos, principalmente nos Estados Unidos da América (EUA), para investigar a possível associação entre vários poluentes atmosféricos e um aumento no risco de TEA. Os dados desses estudos sugerem o envolvimento da exposição precoce a vários poluentes atmosféricos (inclusive ozônio, óxido nítrico, dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono, dióxido de enxofre, particulado de diesel, alguns metais pesados, solventes aromáticos) na etiopatogenia do TEA. Recentemente, Fluegge mencionou, por várias vezes, a teoria de que a exposição precoce ao N2O pode aumentar o risco de distúrbios do desenvolvimento neurológico, inclusive os TEAs, e, em uma revisão, ele descreveu em detalhes vários possíveis mecanismos etiopatogênicos por meio dos quais o N2O pode levar a distúrbios do desenvolvimento neurológico, inclusive desregulação dopaminérgica; antagonismo do receptor N‐metil‐D‐aspartato (NMDA); ativação do receptor kappa‐opioide; e inibição colinérgica dos receptores α7.3
Acreditamos que é válido qualquer esforço para melhorar o entendimento da etiopatogenia dos TEAs e, principalmente, as causas de sua prevalência drasticamente crescente observada nas últimas décadas, pelo menos nos EUA.4 Contudo, no momento, não há estudo, retrospectivo ou prospectivo, que envolva indivíduos humanos que sugerem uma associação entre a exposição precoce à poluição por N2O e o aumento no risco de TEA. Por esse motivo, em nossa revisão, não mencionamos o N2O entre os poluentes envolvidos na etiopatogenia do TEA com base nos dados atualmente disponíveis. Além disso, acreditamos que focar em um único poluente hipotético na pesquisa com relação à etiopatogenia do TEA pode ser algo enganoso. Considerando a miríade de possíveis poluentes aos quais um indivíduo é exposto a partir dos estágios iniciais da vida intrauterina, acreditamos que é provável que não apenas um poluente, mas uma interação complexa entre vários poluentes, possa ser o fator determinante no aumento do risco de TEA por meio, por exemplo, de mecanismos epigenéticos. De fato, de acordo com von Ehrenstein et al., sugerimos considerar a possibilidade de que não poluentes isolados, mas, em vez disso, uma mistura de poluentes estar envolvida na etiopatogenia do TEA, devido aos efeitos sinérgicos.5 Contudo, com base nas observações de Fluegge, consideramos recomendável incluir o N2O entre os poluentes a serem monitorados nos estudos epidemiológicos futuros sobre os fatores de risco do TEA.
Em nossa opinião, as outras considerações de Fluegge sobre a dinâmica diferencial hipotética na prevalência do TEA entre o EUA e a Europa1 são mais questionáveis. Conforme relatado por Boilson et al., na Europa há uma falta de dados sistemáticos e confiáveis relacionados à prevalência do TEA,6 ao contrário dos EUA, onde o sistema da Rede de Monitoramento do Autismo e Transtornos de Desenvolvimento fornece periodicamente estimativas sobre a prevalência do TEA entre as crianças.4 Portanto, atualmente, parece ser inviável uma comparação real entre a dinâmica da prevalência do TEA nos EUA e na Europa nas últimas décadas.
Sentimos a necessidade de fazer uma última observação: em sua carta,1 Fluegge menciona um de seus artigos7 que foi, contudo, retratado.8 Acreditamos que não é uma escolha ideal mencionar um trabalho retratado, apesar de refletir o que os autores pensam.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A Cecilia Baroncini, pela revisão do inglês.
Como citar este artigo: Posar A, Visconti P. Authors’ reply: “Autism in 2016: additional discovery”. J Pediatr (Rio J). 2017;93:309–10.