Estimating the prevalence of bullying among Brazilian students from the perspective of the aggressor and analyzing its association with individual and context variables.
MethodsCross‐sectional population‐based study conducted with data from the National Survey on Student Health. A total of 109,104 students attending the 8th grade in public and private schools were included. Data were collected through a self‐applied questionnaire. A model of association between bullying and variables in the following domains was tested: sociodemographics, risk behaviors, mental health, and family context. Univariate and multivariate analyses were also performed.
ResultsThe prevalence of aggressors in bullying situations was 20.8%. The following variables remained associated in the final multivariate model: being a male (OR: 1.87; CI 95%: 1.79‐1.94), 16 year‐old students were the least frequently associated with bullying (OR: 0.66; IC 95%: 0.53‐0.82), students from private schools (OR 1.33 IC95% 1.27‐1.39). Most aggressors reported feeling lonely (OR: 1.22; IC 95%: 1.16‐1.28) and episodes of insomnia (OR: 1.21; IC 95%: 1.14‐1.29), and a high prevalence of physical violence in the family (OR: 1.97 IC 95%: 1.87‐2.08). The aggressors miss classes more frequently (OR: 1.45; IC 95%: 1.40‐1.51), regularly smoke more (OR: 1.21; IC 95%: 1.12‐1.31), consume alcohol (OR: 1.85; IC 95%: 1.77‐1.92) and illegal drugs (OR: 1.91; IC 95%: 1.79‐2.04), regularly practice sex (OR: 1.49 IC95% 1.43‐1.55), and exercise (OR1.20 IC95% 1.16‐1.25).
ConclusionsData indicate that bullying is an important aspect that interferes in the learning‐teaching process and in the health of students.
Estimar a prevalência de bullying, sob a perspectiva do agressor, em escolares brasileiros e analisar sua associação com variáveis individuais e de contexto.
MétodosEstudo transversal, de base populacional, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Participaram 109.104 estudantes do 9° ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas. A coleta de dados ocorreu por meio de um questionário autoaplicável. Foi testado modelo de associação entre o bullying e variáveis nos seguintes domínios: sociodemográfico, comportamentos de risco, saúde mental e contexto familiar, bem como foram feitas análises uni e multivariada.
ResultadosA prevalência de agressores em situações de bullying foi de 20,8%. No modelo final multivariado permaneceram as seguintes variáveis associadas: sexo masculino (OR: 1,87; IC 95%: 1,79‐1,94), menor participação de escolares de 16 anos (OR: 0,66; IC 95%: 0,53‐0,82), estudantes de escola privada (OR 1,33 IC95% 1,27‐1,39). A maioria dos agressores relatou se sentir solitário (OR: 1,22; IC 95%: 1,16‐1,28), com episódios de insônia (OR: 1,21; IC 95%: 1,14‐1,29) e alta prevalência de sofrer violência física familiar (OR: 1,97 IC 95%: 1,87‐2,08). Os agressores faltam mais às aulas (OR: 1,45; IC 95%: 1,40‐1,51), consomem regularmente mais tabaco (OR: 1,21; IC 95%: 1,12‐1,31), álcool (OR: 1,85; IC 95%: 1,77‐1,92) e drogas ilícitas (OR: 1,91; IC 95%: 1,79‐2,04), tem relação sexual (OR: 1,49 IC 95% 1,43‐1,55) e praticam atividade física regular (OR: 1,20 IC 95% 1,16‐1,25).
ConclusõesOs dados indicam que a prática do bullying é aspecto relevante que interfere no processo ensino‐aprendizagem e na saúde dos escolares.
O bullying é um tipo de violência que ocorre entre pares na escola, caracterizado pela intencionalidade e repetitividade num contexto relacional de desequilíbrio de poder.1 Afeta todos os membros da comunidade escolar e impacta negativamente no clima institucional, no processo ensino‐aprendizagem, no desenvolvimento e na saúde de crianças e adolescentes em idade escolar. O aumento da prevalência de episódios de bullying em diferentes culturas e suas consequências para os envolvidos o transformaram em um problema de saúde pública.2,3
As experiências de bullying também amplificam a adoção de comportamentos de risco para a saúde dos estudantes, tais como: consumo de álcool, outras drogas e relação sexual precoce, aspectos amplamente divulgados na literatura científica.4 Reconhece‐se, entretanto, que existem poucos estudos que examinam dimensões específicas relacionadas aos estudantes que são identificados como agressores e focalizam as vítimas e as consequências para esse grupo de estudantes. Nesse sentido, abordagens metodológicas diversas devem ser consideradas para se compreender melhor as variáveis associadas às práticas de agressão entre pares, bem como ao modo como elas impactam no desenvolvimento saudável dos estudantes agressores, com vistas a se contribuir com a construção de programas de intervenção eficazes e que contemplem os diferentes tipos de envolvimento em práticas de bullying.1,3,4
Este estudo contribui de forma inovadora para a literatura científica na medida em que inclui a identificação da prevalência de estudantes brasileiros que referiram praticar agressões nas escolas e focaliza as especificidades apresentadas por esse grupo de estudantes. Assim, objetivou‐se verificar associações entre a prática de bullying com variáveis sociodemográficas (idade, sexo, etnia/cor da pele autodeclarada e tipo de escola – pública ou privada), de saúde mental (sentimento de solidão, insônia e falta de amigos), de contexto familiar (sofrer violência doméstica e supervisão familiar) e a comportamentos de risco para a saúde (sedentarismo, uso de cigarro, álcool e/ou outras drogas e relação sexual).
MétodoTrata‐se de estudo transversal, de base populacional, com dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) feita de abril a setembro de 2012. A amostra foi constituída por estudantes que frequentavam o 9° ano do ensino fundamental, nos turnos diurnos de escolas públicas e privadas, localizadas em zonas urbanas e rurais, de um conjunto de municípios de todo o território nacional. A escolha do 9° ano do ensino fundamental teve como justificativa o mínimo de escolarização considerada necessária para responder ao questionário autoaplicável usado na coleta de dados.
As informações para o cálculo da amostra foram provenientes do Censo Escolar de 2010. O processo de amostragem foi probabilístico e o plano amostral foi formado pelas escolas (unidades primárias de amostragem) e turmas das escolas (unidades secundárias de amostragem). Estavam matriculados no 9° ano do ensino fundamental nas turmas selecionadas 134.310 alunos. Desses, 132.123 eram considerados frequentes e 110.873 estavam presentes nas salas de aula no dia da aplicação do questionário. Os únicos critérios de inclusão na amostra foram estar presente no dia da coleta de dados e aceitar voluntariamente participar do estudo. A amostra final contou com 109.104 alunos, 83% dos que foram considerados elegíveis para o estudo.5 Nessa amostra, 86% dos estudantes tinham entre 13 e 15 anos, 47,8% eram do sexo masculino e 52,2% do feminino e 17,2% de escolas privadas e 82,8% de escolas públicas.5
Os dados foram coletados por meio de aparelhos smartphones, nos quais foram inseridos os questionários estruturados, autoaplicáveis, com divisões em módulos temáticos que variavam em número de perguntas. O instrumento de coleta é um inquérito epidemiológico não validado e construído em parceria com profissionais de diferentes instituições e formações. A coleta foi desenvolvida por agentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devidamente treinados para esse fim, nas escolas, durante o horário de aula.
As características sociodemográficas coletadas e consideradas neste estudo foram idade, sexo, etnia/cor da pele autodeclarada e tipo de escola (pública ou privada). A variável bullying foi obtida por meio da pergunta: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou de algum de seus colegas da escola tanto que ele ficou magoado, aborrecido, ofendido ou humilhado?” As respostas foram categorizadas em NÃO (nunca, raramente, às vezes) e SIM (a maior parte do tempo, sempre).
As variáveis de saúde mental (sentimento de solidão, insônia e falta de amigos), de contexto familiar (apanhar em casa e supervisão familiar – monitoramento de atividades, conhecimento sobre uso de tempo livre, controle de frequência e desempenho escolar) e os comportamentos de risco à saúde (faltar às aulas, uso de tabaco e álcool, experimentação de outras drogas e relação sexual) foram investigadas por meio de ocorrência e frequência. Os dados relacionados a elas foram mensurados em escalas que concordavam com as perguntas, que variavam de acordo com a frequência e por categoria de SIM e NÃO.
Na análise dos dados, inicialmente, foram estimadas as frequências ponderadas e os respectivos intervalos de confiança com precisão de 95% (IC 95%) para as características sociodemográficas, a prática do bullying e as demais variáveis investigadas. Posteriormente, todas as variáveis foram dicotomizadas para fins de comparação com a prática do bullying. Foi feita análise de regressão logística com a estimação de odds ratio e respectivos IC 95%. Essas análises foram feitas no software SPSS versão 20, com procedimentos do Complex Samples Module, adequado para análises de dados obtidos por plano amostral complexo.6
A PeNSE foi aprovada no Conselho de Ética em Pesquisas do Ministério da Saúde, sob o parecer n°. 192/2012 referente ao Registro n° 16805 do Conep/MS. Além disso, os estudantes que se voluntariaram a participar da pesquisa concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresentado na primeira página do smartphone usado na coleta de dados.
ResultadosOs resultados apontam que o envolvimento em situações de bullying como agressores foi referido por 20,8% dos estudantes investigados (n=22694). As características sociodemográficas desse grupo de estudantes estão apresentadas na tabela 1.
Características sociodemográficas de estudantes identificados como agressores
Variável | % | IC (95%) | OR | IC (95%) | *p < 0,05 | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Inferior | Superior | Inferior | Superior | ||||
Idade | |||||||
< 13 | 17,7 | 15,2 | 20,5 | 1,00 | |||
13 | 19,4 | 18,6 | 20,2 | 1,12 | 0,93 | 1,34 | 0,225 |
14 | 21,1 | 20,4 | 21,9 | 1,25 | 1,04 | 1,49 | 0,015 |
15 | 22,4 | 21,5 | 23,3 | 1,34 | 1,12 | 1,61 | 0,001 |
16 e mais | 20,4 | 19,7 | 21,1 | 1,19 | 0,99 | 1,43 | 0,058 |
Sexo | |||||||
Masculino | 26,2 | 25,6 | 26,7 | 1,86 | 1,81 | 1,92 | < 0,001 |
Feminino | 16,0 | 15,7 | 16,3 | 1,00 | |||
Etnia | |||||||
Branca | 21,0 | 20,6 | 21,4 | 1,00 | |||
Preta | 23,2 | 22,4 | 24,0 | 1,14 | 1,09 | 1,19 | < 0,001 |
Amarela | 22,6 | 21,3 | 23,9 | 1,10 | 1,02 | 1,19 | 0,012 |
Parda | 19,7 | 19,2 | 20,2 | 0,92 | 0,89 | 0,95 | < 0,001 |
Indígena | 22,1 | 20,7 | 23,5 | 1,07 | 0,99 | 1,16 | 0,111 |
Escola | |||||||
Privada | 23,6 | 22,9 | 24,3 | 1,22 | 1,17 | 1,26 | < 0,001 |
Pública | 20,3 | 20,0 | 20,5 |
Praticam bullying com mais frequência escolares de 15 anos (OR: 1,34; IC 95%: 1,12‐1,61) e 14 anos (OR 1,25; IC 95%: 1,04‐1,49). Os meninos praticaram mais em relação às meninas, em proporção quase duas vezes superior (OR: 1,86; IC 95%: 1,81‐1,92). No tocante à composição étnica da amostra (cor da pele), observou‐se proximidade na distribuição dos agressores, porém com maior prevalência de estudantes pretos (OR: 1,14; IC 95%: 1,09‐1,19) e amarelos (OR: 1,10; IC 95%: 1,02‐1,19) e menor em pardos (OR: 0,92; IC 95%: 0,89‐0,95%). Além disso, praticar bullying esteve associado a estudar em escola particular (OR: 1,22; IC 95%: 1,17‐1,26). A tabela 2 apresenta a distribuição dos estudantes agressores de acordo com comportamentos de risco à saúde.
Saúde mental e variáveis de contexto familiar dos estudantes agressores
Variável | % | IC (95%) | OR | IC (95%) | *p < 0,05 | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Inferior | Superior | Inferior | Superior | ||||
Sentir‐se solitário | |||||||
Não | 20,2 | 19,9 | 20,4 | 1,00 | |||
Sim | 24,3 | 23,6 | 24,9 | 1,27 | 1,22 | 1,32 | < 0,001 |
Insônia | |||||||
Não | 20,2 | 19,9 | 20,4 | 1,00 | |||
Sim | 26,9 | 26,0 | 27,7 | 1,45 | 1,39 | 1,52 | < 0,001 |
Amigos | |||||||
1 ou mais | 20,8 | 20,5 | 21,0 | 1,00 | |||
Não tenho | 22,4 | 21,1 | 23,8 | 1,10 | 1,02 | 1,19 | 0,013 |
Apanhar (parente) | |||||||
Não | 18,9 | 18,7 | 19,1 | 1,00 | |||
Sim | 37,2 | 36,2 | 38,2 | 2,54 | 2,44 | 2,65 | < 0,001 |
Supervisão familiar | |||||||
Não | 26,8 | 26,4 | 27,2 | 1,00 | |||
Sim | 16,6 | 16,2 | 17,0 | 0,55 | 0,53 | 0,56 | < 0,001 |
Faltar às aulas | |||||||
Não | 18,08 | 17,82 | 18,34 | 1,00 | |||
Sim | 28,82 | 28,18 | 29,47 | 1,83 | 1,78 | 1,89 | < 0,001 |
Verificou‐se que a maioria dos agressores relatou se sentir solitário (OR: 1,27; IC 95%: 1,22‐1,32), com quadros de insônia (OR: 1,45; IC 95%: 1,39‐1,52) e não ter amigos (OR: 1,10; IC 95%: 1,02‐1,19), bem como uma alta prevalência de sofrerem violência física familiar (OR: 2,54; IC 95%: 2,44‐2,65). Em contrapartida, ser agressor se associou inversamente com supervisão familiar (OR: 0,55; IC 95%: 0,53‐0,56). Os estudantes agressores faltam quase duas vezes mais às aulas (OR: 1,83; IC 95%: 1,78‐1,89). Na tabela 3 são apresentados os comportamentos relacionados à experimentação de drogas lícitas e ilícitas pelos estudantes agressores no bullying, bem como práticas de relações sexuais e atividades físicas.
Comportamentos de risco para saúde de estudantes agressores
Praticar bullying | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variável | % | IC (95%) | OR | IC (95%) | *p < 0,05 | ||
Inferior | Superior | Inferior | Superior | ||||
Tabaco regular | |||||||
Não | 19,7 | 19,5 | 20,0 | 1,00 | |||
Sim | 41,8 | 40,5 | 43,2 | 2,92 | 2,77 | 3,09 | < 0,001 |
Álcool regular | |||||||
Não | 16,7 | 16,5 | 17,0 | 1,00 | |||
Sim | 32,5 | 31,9 | 33,2 | 2,40 | 2,33 | 2,48 | < 0,001 |
Drogas experimentação | |||||||
Não | 19,1 | 18,9 | 19,4 | 1,00 | |||
Sim | 43,2 | 42,1 | 44,4 | 3,22 | 3,07 | 3,38 | < 0,001 |
Relação sexual | |||||||
Não | 16,8 | 16,5 | 17,1 | 1,00 | |||
Sim | 31,0 | 30,3 | 31,6 | 2,22 | 2,16 | 2,29 | < 0,001 |
Praticar atividade física | |||||||
Não | 19,7 | 19,5 | 20,0 | 1,00 | |||
Sim | 25,3 | 24,6 | 25,9 | 1,37 | 1,33 | 1,42 | < 0,001 |
Os escolares agressores usam tabaco de forma regular três vezes mais (OR: 2,92; IC 95%: 2,77‐3,09); relatam mais do que o dobro de consumo regular de álcool (OR: 2,40; IC 95%: 2,33‐2,48) e mais de três vezes o uso de drogas ilícitas (OR: 3,22; IC 95%: 3,07‐3,38). A prática de relação sexual também foi mais frequente (OR: 2,22; IC 95%: 2,16‐2,29), bem como a prática de atividade física (OR: 1,37; IC 95%: 1,33‐1,42). A tabela 4 apresenta os resultados obtidos após o ajuste por todas as variáveis do modelo.
Modelo final multivariado da associação entre variáveis de saúde mental, familiares e de comportamentos de risco à saúde em adolescentes agressores
Variável | OR | IC (95%) | *p < 0,05 | |
---|---|---|---|---|
Inferior | Superior | |||
Idade | ||||
< 13 | 1,00 | |||
13 | 1,00 | 0,81 | 1,25 | 0,975 |
14 | 1,01 | 0,82 | 1,26 | 0,897 |
15 | 0,85 | 0,69 | 1,06 | 0,155 |
16 e mais | 0,66 | 0,53 | 0,82 | < 0,001 |
Sexo | ||||
Masculino | 1,87 | 1,79 | 1,94 | < 0,001 |
Feminino | 1,00 | |||
Escola | ||||
Privada | 1,33 | 1,27 | 1,39 | < 0,001 |
Pública | 1,00 | |||
Sentir‐se solitário | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,22 | 1,16 | 1,28 | < 0,001 |
Insônia | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,21 | 1,14 | 1,29 | < 0,001 |
Apanhar (parente) | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,97 | 1,87 | 2,08 | < 0,001 |
Faltar às aulas | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,45 | 1,40 | 1,51 | < 0,001 |
Tabaco regular | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,21 | 1,12 | 1,31 | < 0,001 |
Álcool regular | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,85 | 1,77 | 1,92 | < 0,001 |
Drogas experimentação | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,91 | 1,79 | 2,04 | < 0,001 |
Relação sexual | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,49 | 1,43 | 1,55 | < 0,001 |
Praticar atividade física | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 1,20 | 1,16 | 1,25 | < 0,001 |
A maioria das variáveis investigadas manteve associação significativa, embora com mudança de magnitude. Perdeu a significância no modelo final a variável idade 14 e 15 anos e permaneceu com menor chance a idade de 16 anos (OR 0,66; IC 95%: 0,53‐0,82); também a variável etnia/cor perdeu associação e a supervisão familiar. Permaneceu associado com maior OR sexo masculino, escola privada, sentir‐se solitário, ter insônia, apanhar de parente, faltar às aulas, fazer uso regular do tabaco, álcool e drogas, experimentar drogas, ter relação sexual e praticar atividade física.
DiscussãoEste estudo encontrou uma prevalência de um quinto dos estudantes que referiram praticar bullying contra os colegas. Predominaram escolares do sexo masculino, que estudam em escolas privadas. Os agressores relatam mais insônia, solidão e não têm amigos. No contexto familiar e escolar são adolescentes com elevada prevalência de apanhar dos parentes e que faltam às aulas com frequência. Todas as variáveis referentes aos comportamentos de risco para a saúde apresentaram significância estatística (consumo de tabaco, álcool, drogas, relação sexual precoce), bem como prática de atividade física regular. Esses resultados permitem compreender fatores associados aos comportamentos de agressividade de estudantes brasileiros em relação aos colegas.
A identificação dos estudantes do sexo masculino como os que mais praticam bullying também é apoiada por outros estudos. Isso pode ser justificado pela representação de dominação e poder que o papel de agressor pode representar e é socialmente esperado na cultura contemporânea.3,4,7 As pesquisas também indicam que déficits nas competências sociais, mais presentes nos meninos do que nas meninas, podem fazer com que eles se envolvam diretamente com o bullying ou em situações que possam ser identificadas como tal.8,9
Estudos indicam que os agressores geralmente são mais velhos, de séries avançadas e do sexo masculino.1,3,10 O que foi confirmado em estudo conduzido em Portugal que verificou que ao contrário das vítimas os estudantes agressores tendiam a ser mais velhos – entre 13 e 15 anos e de séries mais avançadas.10 Especificamente no Brasil, pesquisa recente identificou que estudantes mais velhos (13 e 14 anos) apresentaram mais chances de ser agressores em relação aos escolares mais novos.3 O estudo atual não encontrou relação com idade; pelo contrário, ao ajustar por todas as variáveis do modelo, alunos mais velhos do que 16 anos tiveram chance menor de praticar bullying. A etnia/cor também não se mostrou associada à prática do bullying, foi um fator modulador apenas para as vítimas, relacionado à discriminação e ao preconceito.8,11
A associação com as escolas privadas, mantida no modelo final, diverge do imaginário social que associa a violência nas escolas às comunidades social e economicamente vulneráveis. Nesse sentido, um estudo argentino revelou que a prática do bullying é mais prevalente em escolas privadas. A pesquisa contou com a participação de 1.690 estudantes de 93 escolas públicas e privadas. Nas escolas privadas 28,3% relataram ter sido alvos de crueldades ou brincadeiras discriminatórias, ao passo que nas escolas públicas o índice foi de 17,2%.12
A associação entre sentimento de solidão e insônia dos agressores aponta uma possibilidade de estado psicológico adoecido, mas contraria estudos13,14 que indicam serem as vítimas as que mais apresentam índices de isolamento social, ansiedade, depressão e baixa autoestima. Esses dados alertam explicitamente para o desenvolvimento de quadros de sofrimento psíquico que repercutem na qualidade de vida, na saúde e no desenvolvimento dos estudantes identificados como agressores.15 Esses achados apontam que tanto a vítima quanto o agressor apresentam sentimentos de sofrimento mental.
Dados que se somam à referência prevalente dos estudantes de não ter amigos. Aspecto confirmado por estudos brasileiros que demonstraram que os agressores não são necessariamente estudantes populares.16,17 Internacionalmente, os estudos geralmente associam comportamento agressivo à popularidade, à opinião positiva sobre si mesmo, à pouca empatia em relação aos outros e ao senso de superioridade,8,9,18 características que se sobressaem no grupo de pares que agrega em torno de si mais colegas.
Os dados relacionados à probabilidade de o estudante agressor sofrer violência física na família, bem como ter pouca supervisão familiar, foram semelhantes aos encontrados em outros estudos.19‐21 Em geral, a violência doméstica, situações de abuso e maus tratos são preditores para o envolvimento em situações de bullying como agressores.22 Interpreta‐se que a experiência de violência na família encoraja crianças e adolescentes à prática de comportamentos agressivos na escola.
Os resultados que associaram os estudantes identificados como agressores e o absenteísmo escolar também são confirmados por outros estudos. Geralmente, o rendimento escolar desse tipo de estudante é baixo e ele tem uma atitude negativa em relação à escola, aos professores e ao processo ensino‐aprendizagem.23 Em contraste, o insucesso escolar e a imposição de regras têm sido fatores explicativos para a violência nas escolas e a construção de clima escolar positivo e sustentável pode promover mudanças no comportamento dos estudantes e no processo de desenvolvimento. Todavia, o rendimento, o fracasso e o abandono escolar não são objetos específicos dessa investigação.
Outros comportamentos de riscos à saúde associados à prática do bullying também são constatados pela literatura. Estudos indicam que os agressores apresentaram comportamentos antissociais, em que prevalecem o desrespeito às regras e normas sociais e até mesmo situações de conflito com a lei, bem como uso de álcool e outras drogas. Problemas de conduta que podem se agravar ao longo do tempo e evoluir para situações de criminalidade e violência.1,4 Nos Estados Unidos, uma pesquisa transversal identificou maior probabilidade de uso de álcool entre estudantes envolvidos em situações de bullying em relação aos estudantes que não estavam envolvidos.4 Outro estudo, desenvolvido em Barcelona, verificou comportamentos infracionais ou uso de álcool e/ou drogas entre estudantes identificados como agressores.24 Esses dados são justificados pela perspectiva de que estudantes que praticam bullying violam com maior intensidade as regras sociais, comportam‐se de maneira adversa.23 Esses estudantes podem, também, iniciar com maior precocidade ou exercer de forma desprotegida e mais frequentemente a vida sexual na adolescência,23 dado também identificado por este estudo.
No que se refere à prática de atividade física, percebe‐se que ela se mostrou associada ao processo de agressão. Esse resultado difere de outros estudos, por exemplo, um estudo americano que avaliou a contribuição de programas de atividade física para o clima escolar identificou que o bullying estava associado ao menor número de dias e de horas dessa prática. Diversos estudos apontam os benefícios dos programas de promoção da saúde com foco no exercício físico que podem contribuir com a diminuição dos episódios do fenômeno.25 Outras pesquisas podem ser desenvolvidas, com vistas a confirmar esses achados entre os estudantes brasileiros e buscar compreender esses mecanismos. Os programas voltados para a inclusão de adolescentes são importantes para a redução da violência.25
Conclui‐se que os estudantes identificados como agressores têm mais probabilidades de desenvolver comportamentos que os vulnerabilizam em relação à saúde.26,27 Além disso, na base do bullying se encontram questões culturais que reforçam a intolerância à diversidade, o desrespeito e um constante sistema de hierarquização e poder nas relações sociais. Essas características têm favorecido a naturalização, banalização e o incremento desse tipo de violência que afeta crianças e adolescentes em diferentes contextos socioculturais. Isso é atestado quando se identifica o uso da violência na família como um preditor para o desenvolvimento de comportamentos de agressão na escola, por exemplo. Essas experiências em um espaço importante do desenvolvimento culminam por modular a maneira como esses estudantes se relacionam socialmente e como respondem às diferentes demandas da vida.
No conjunto, os dados indicam que o estudante agressor, no Brasil, pode apresentar dificuldades emocionais, relações problemáticas com colegas, dificuldades na adaptação ao ambiente escolar e maior nível de consumo de álcool e outras drogas, aspectos que podem interferir no processo ensino‐aprendizagem e na saúde dos escolares. Dada a grande variedade de aspectos sociais e de comportamentos de risco associados aos estudantes identificados como agressores, que influenciam não só o desenvolvimento individual dos escolares e sua saúde, mas o contexto em que estão inseridos e os demais membros da comunidade escolar, são necessárias abordagens que os abranjam e que possam assim contribuir para o desenvolvimento de uma cultura e sociedade de não violência, em defesa da vida e da saúde individual e coletiva.
Algumas limitações deste estudo devem ser observadas. O estudo geral abrangeu uma ampla gama de temas relacionados à saúde dos escolares e informações detalhadas sobre a prática do bullying não foram obtidas. Característica típica de inquéritos com desenhos de base populacional, que permitem mapear aspectos gerais e indicar perspectivas de pesquisas, intervenções e práticas em saúde. O estudo, também, baseou‐se exclusivamente no autorrelato dos estudantes, o que pode provocar respostas socialmente esperadas e diferenças de interpretação sobre o ato de praticar o bullying ou não. O instrumento usado na coleta de dados, também, não contemplava questões que diferenciassem os tipos de comportamentos de bullying, o que pode ter dificultado a identificação de práticas mais sutis. Noutra direção, os dados analisados são de origem transversal e, portanto, não indicam relações de causalidade ou de influências diretas das variáveis contempladas no estudo. Finalmente, mesmo considerando o bullying um fenômeno global, os resultados deste estudo não podem ser generalizados para outros contextos socioculturais que não sejam o brasileiro.
Destaca‐se que os estudos sobre bullying ainda são recentes no Brasil e tem sido demonstrada a importância de se conhecer como esse fenômeno ocorre entre os estudantes brasileiros para que propostas de intervenção sejam eficazes. Para tanto, são necessárias pesquisas com diferentes desenhos para compreender o fenômeno dentro das lógicas da saúde e da educação, prioritariamente, e para fornecer evidências substanciais sobre caminhos e planos de intervenção. Tais pesquisas podem delinear de forma ampla a atuação multiprofissional, bem como os fatores individuais e de contexto que podem concorrer para o desenvolvimento de comportamentos violentos e de risco à saúde.
FinanciamentoMinistério da Saúde.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: de Oliveira WA, Silva MA, da Silva JL, de Mello FC, do Prado RR, Malta DC. Associations between the practice of bullying and individual and contextual variables from the aggressors’ perspective. J Pediatr (Rio J). 2016;92:32–9.
Estudo vinculado ao Ministério da Saúde e à Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.