To validate the Subjective Global Nutritional Assessment (SGNA) questionnaire for Brazilian children and adolescents.
MethodsA cross‐sectional study with 242 patients, aged 30 days to 13 years, treated in pediatric units of a tertiary hospital with acute illness and minimum hospitalization of 24hours. After permission from the authors of the original study, the following criteria were observed to obtain the validation of SGNA instruments: translation and backtranslation, concurrent validity, predictive validity, and inter‐observer reliability. The variables studied were age, sex, weight and length at birth, prematurity, and anthropometry (weight, height, body mass index, upper arm circumference, triceps skinfold, and subscapular skinfold). The primary outcome was considered as the need for admission/readmission within 30 days after hospital discharge. Statistical tests used included ANOVA, Kruskal‐Wallis, Mann‐Whitney, chi‐squared, and Kappa coefficient.
ResultsAccording to SGNA score, 80% of patients were considered as well nourished, 14.5% moderately malnourished, and 5.4% severely malnourished. Concurrent validity showed a weak correlation between the SGNA and anthropometric measurements (p<0.001). Regarding predictive power, the main outcome associated with SGNA was length of admission/readmission. Secondary outcomes associated included the following: length of stay at the unit after SGNA, weight and length at birth, and prematurity (p<0.05). The interobserver reliability showed good agreement among examiners (Kappa = 0.74).
ConclusionThis study validated the SGNA in this group of hospitalized pediatric patients, ensuring its use in the clinical setting and for research purposes in the Brazilian population.
Validar o questionário de Avaliação Nutricional Subjetiva Global (ANSG) para a população de crianças e adolescentes brasileiros.
MétodosEstudo transversal, feito com 242 pacientes, de 30 dias a 13 anos, atendidos em unidades pediátricas de um hospital terciário, com doenças agudas e tempo de permanência mínima de 24 horas hospitalizados. Após autorização dos autores do estudo original foram cumpridas as seguintes etapas para obtenção da validação dos instrumentos de ANSG: tradução (backtranslation), validade de critério concorrente e preditiva e confiabilidade interobservador. As variáveis em estudo foram: idade, sexo, peso e comprimento ao nascer, prematuridade e antropometria (peso, estatura, índice de massa corporal, circunferência braquial, dobra cutânea tricipital e dobra cutânea subescapular). O desfecho principal considerado foi necessidade de internação/reinternação até 30 dias após a alta hospitalar. Os testes estatísticos usados foram: Anova, Kruskal‐Wallis, Mann‐Whitney, qui‐quadrado e coeficiente Kappa.
ResultadosDe acordo com a classificação do ANSG, 80% dos pacientes foram classificados como bem nutridos, 14,5% moderadamente desnutridos e 5,4% gravemente desnutridos. A validade concorrente mostrou fraca a regular correlação do ANSG com as medidas antropométricas usadas (p<0,001). Quanto ao poder preditivo, o desfecho principal associado ao ANSG foi tempo de internação/reinternação. Os desfechos secundários associados foram: tempo de permanência na unidade após ANSG, peso e comprimento ao nascer e prematuridade (p<0,05). A confiabilidade interobservador mostrou boa concordância entre os avaliadores (Kappa = 0,74).
ConclusãoEste estudo validou o método de ANSG nessa amostra de pacientes pediátricos hospitalizados e possibilitou seu uso para fins de aplicação clínica e de pesquisa na população brasileira.
Nas últimas décadas, houve expressiva redução na prevalência de desnutrição em crianças no mundo.1 Apesar disso, os índices de letalidade por desnutrição grave de crianças em tratamento hospitalar permanecem elevados.2‐4 Diversos estudos relatam uma prevalência de desnutrição relacionada à doença de base de 6% a 51% em crianças hospitalizadas.5‐7
Porém, a falta de consenso sobre a definição, os métodos de rastreamento nutricionais heterogêneos e o fato de a nutrição não ser priorizada como parte do atendimento ao paciente são alguns dos fatores responsáveis pelo sub‐reconhecimento da prevalência de desnutrição e seu impacto sobre os resultados clínicos. Recentemente, uma nova definição de desnutrição hospitalar em crianças vem sendo usada. Essa definição incorpora os conceitos de cronicidade, etiologia e patogenia da desnutrição, sua relação com a inflamação e seu impacto sobre as alterações funcionais corporais.8
Nesse sentido, é fundamental conhecer e acompanhar o estado nutricional de crianças hospitalizadas, para melhor compreender os fatores que contribuem para a ocorrência de complicações, o aumento do tempo de permanência em ambiente hospitalar e o consequente aumento dos custos dos sistemas de saúde.5,9‐11
A avaliação nutricional subjetiva é um método de avaliação baseado no julgamento clinic, tem sido amplamente usado para avaliar o estado nutricional de adultos com propósitos de pesquisa clínica7 e é considerado um fator preditivo para morbidade e mortalidade.12 Diferencia‐se dos demais métodos de avaliação nutricional por englobar não apenas alterações da composição corporal, mas também a alteração funcional do paciente13 e avaliar a possível presença de riscos nutricionais com base na história clínica e no exame físico. É um método simples, rápido, de baixo custo e não invasivo e pode ser aplicado à beira do leito.12
O questionário adaptado por Secker & Jeejeebhoy7 para a população pediátrica foi designado como SGNA (Subjective Global Nutritional Assesment), no qual são avaliados os seguintes parâmetros: altura atual da criança e histórico de peso, alturas dos pais, consumo alimentar, frequência e duração de sintomas gastrointestinais e capacidade funcional atual e recentes mudanças. Relaciona ainda a nutrição com o exame físico.
A presença de alterações funcionais parece ser o fator determinante na ocorrência de complicações associadas à desnutrição. Assim, é de fundamental importância a detecção precoce do risco nutricional por meio de um método adequado, sensível para identificar alterações em estágio inicial, específico para ser mudado apenas por desequilíbrios nutricionais e corrigido a partir de uma intervenção nutricional.14
Diante da necessidade de validação de um método confiável de avaliação nutricional de crianças e adolescentes em nosso meio, o objetivo deste estudo foi validar o SGNA em uma população de crianças e adolescentes brasileiros.
MétodosPopulaçãoEstudo transversal, feito com 242 pacientes, entre 30 dias e 13 anos, em Porto Alegre (RS), Região Sul do Brasil. Os pacientes foram arrolados nas Unidades Pediátricas de Emergência e Internação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Considerou‐se como fator em estudo a avaliação do estado nutricional a partir de dados objetivos e subjetivos. Os desfechos analisados foram: necessidade de internação (pacientes procedentes da sala de observação da emergência) ou de reinternação (pacientes procedentes da enfermaria pediátrica). A coleta compreendeu maio de 2012 a junho de 2013.
Os critérios de inclusão para o estudo foram: crianças e adolescentes, entre 30 dias e 19 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico clínico de doenças agudas Heading15 e tempo de permanência mínima de 24 horas nas Unidades Pediátricas de Emergência e Internação. Os critérios de exclusão foram: atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (segundo informação dos pais); patologias crônicas de base (malformações congênitas, erros inatos do metabolismo, cardiopatias, neuropatias, hepatopatias, imunodeprimidos, filhos de mãe HIV+); uso crônico de medicação, à exceção de sulfato ferroso e polivitamínico em doses profiláticas; internação durante os 30 dias prévios à avaliação para o estudo; pacientes com menos de um mês de vida; processo infeccioso nos últimos sete dias; impossibilidade de avaliação antropométrica; pacientes e cuidadores que não falassem a língua portuguesa. As informações clínicas relacionadas às patologias de base foram coletadas do prontuário e confirmadas com a equipe médica assistente.
O projeto de pesquisa elaborado para o desenvolvimento deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Projeto n° 11‐0339). Para viabilizar a participação do paciente no estudo, foi assinado pelos pais e/ou responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Processo de validação do instrumentoInicialmente, foi obtida autorização dos autores para reprodução e uso dos questionários de ANSG que advieram da tese de PhD intitulada “Nutritional Assessment in Children: A Comparison of Clinical Judgment and Objective Measures”.16 Em seguida, fez‐se a tradução dos questionários, por meio do método de retrotradução (backtranslation),17 em obediência às seguintes etapas: primeiramente, tradução do idioma inglês para o português; num segundo momento, os novos questionários foram vertidos do português para o inglês novamente. Na terceira etapa, foi feita uma comparação dos instrumentos por um tradutor bilíngue cuja língua materna é o inglês, que verificou se os novos questionários se mantiveram fiéis ao conteúdo e à estrutura originais. As etapas dessa tradução foram feitas por três tradutores independentes. Após, foi feita a validação da tradução, que compreende a avaliação da confiabilidade e da validade.
Desenho do estudoApós treinamento prévio dos pesquisadores para padronização da obtenção das medidas antropométricas18 e da aplicação do questionário de ANSG,7,19 cada criança foi avaliada por duas pesquisadoras independentes e cegadas entre si. Uma delas coletou os dados antropométricos e a outra aplicou o questionário do ANSG. Para testar a reprodutibilidade interobservador do ANSG, 61 pacientes (25% da população em estudo) selecionados ao acaso foram avaliados por uma terceira colaboradora, que também aplicou o questionário de ANSG. Os dados objetivos e subjetivos foram coletados em até 48 horas após admissão hospitalar do paciente. Após 30 dias da alta, foi feita uma busca no prontuário, a fim de se observar o desfecho de necessidade de internação/reinternação. Os dados foram digitados em um banco de dados no programa Microsoft Excel (Microsoft®, 2007, EUA) e exportado para SPSS (version 18.0, Chicago, EUA). Para análise dos dados antropométricos, foram usados os softwares Anthro e Anthro Plus (versão 3.2.2, World Health Organization, Genebra, Suíça).
Avaliação nutricional subjetiva globalOs avaliadores usaram o questionário de ANSG (Anexo A e B) para guiar a entrevista e obter informações da história clínica do paciente, como: a altura atual do paciente e o histórico de peso, as alturas dos pais, o consumo alimentar (volume, tipo e frequência das mamadas, alimentos líquidos e sólidos para lactentes, frequência de alimentação e breve descrição de ingestão típica de um dia; avaliação de apetite e mudanças recentes; alimentação ou problemas alimentares e restrições dietéticas), a frequência e a duração de sintomas gastrointestinais (perda de apetite, vômitos, diarreia, constipação, dor abdominal e náusea) e da capacidade funcional atual e as recentes mudanças (estado de alerta, quantidade de energia ou atividade e frequência escolar, capacidade de correr e brincar em jogos ou esportes e tempo de sono). O questionário, ainda, relaciona a nutrição com o exame físico e foca em locais específicos do corpo para detectar os sinais de perda de gordura (bochechas, bíceps e tríceps, costelas e nádegas) e músculo (clavícula, ombro, escápula, quadríceps, joelho e panturrilha), bem como o edema (tornozelo e sacro). Considera a presença ou a ausência de características históricas específicas as demandas metabólicas da condição subjacente e os sinais físicos associados com a desnutrição e chega a uma avaliação global do estado nutricional do paciente e à atribuição de uma classificação global: bem nutrido, moderadamente desnutrido ou gravemente desnutrido (Anexo C). O ANSG não usa um sistema rígido de pontuação baseado em critérios específicos.7
Avaliação nutricional objetivaAs seguintes medidas antropométricas foram analisadas: peso; estatura; índice de massa corporal (IMC); circunferência braquial (CB); dobra cutânea tricipital (DCT) e dobra cutânea subescapular (DCS). Nas crianças menores de 24 meses as medidas de peso foram coletadas com as crianças sem roupas e sem fraldas. As crianças maiores de 24 meses e os adolescentes foram pesados com avental e sem calçados. Usou‐se balança eletrônica da marca Filizola® (Filizola®, SP, Brasil).
As medidas de estatura foram coletadas com o uso de uma prancha com lâmina de madeira fixa de um lado e móvel do outro (topo da cabeça na parte fixa) (WCS®, Brasil). A parte móvel foi colocada de modo a ficar paralela aos pés da criança. Nas crianças menores de 24 meses, o comprimento foi estabelecido em decúbito dorsal por meio da mensuração com uma régua fixada na prancha. As crianças maiores de 24 meses e os adolescentes foram medidos na posição vertical com régua antropométrica (WISO®, Brasil) fixada na parede e com o cursor móvel graduado em centímetros.
As medidas de CB foram aferidas com o uso de fita métrica em fibra de vidro flexível e retrátil. Circundou‐se a porção média do braço não dominante com o braço relaxado. As medidas de DCT foram tomadas na face posterior do braço não dominante, paralelamente ao eixo longitudinal, no ponto médio entre o acrômio e olecrano. As medidas de DCS foram tomadas com o braço não dominante relaxado ao longo do corpo, obliquamente em relação ao eixo longitudinal, de acordco com a orientação dos arcos costais, e foram localizadas a dois centímetros abaixo do ângulo inferior da escápula.
As dobras foram aferidas em triplicata e usou‐se o adipômetro científico (Cescorf®, Brasil). Todos os equipamentos estavam calibrados e as técnicas para aferição das medidas eram padronizadas.18 A avaliação antropométrica e a classificação do estado nutricional foram feitas a partir dos seguintes critérios e ferramentas da Organização Mundial de Saúde (2006; 2007):20,21
Crianças de zero a cinco anos: foi usado o software WHO Anthro (versão 3.2.2, 2011, World Health Organization, Genebra, Suíça), que determina escores‐z para as relações Peso/Estatura (P/E), Peso/Idade (P/I), Estatura/Idade (E/I), Índice de Massa Corporal/Idade (IMC/I), Circunferência Braquial/Idade (CB/I), Dobra Cutânea Tricipital/Idade (DCT/I) e Dobra Cutânea Subescapular/Idade (DCS/I).
Crianças acima de cinco anos: foi usado o software WHO Anthro Plus (versão 3.2.2, 2009, World Health Organization, Genebra, Suíça), que determina os escores‐z para as relações P/I, E/I e IMC/I. Os dados de escore‐z para CB/I, DCT/I e DCS/I foram avaliados por meio dos valores de referência de Frisancho (2008).22
As crianças prematuras (n = 18) foram avaliadas com o uso de idade corrigida até dois anos.23
Análises estatísticasO tamanho da amostra foi calculado de acordo com as médias e o desvio padrão do tempo de internação encontrados no estudo de Secker & Jeejeebhoy,7 de 5,3±5 dias para o grupo de crianças bem nutridas e de 8,2±10 dias para o grupo de crianças mal nutridas, com o poder de 80% e nível de significância de 0,05. Obtiveram‐se 236 pacientes. O número da amostra, para testar a confiabilidade interobservador, foi calculado com base no valor Kappa de 0,6, considerou‐se um poder de 80% e nível de significância de 0,05, o que resultou em um subgrupo de 61 pacientes.
As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias entre os grupos, a Anova one‐way com post hoc de Tukey foi aplicada. Em caso de assimetria, o teste de Kruskal‐Wallis foi usado. Na comparação de proporções entre os grupos, o teste qui‐quadrado de Pearson e a razão de prevalência com intervalo de confiança de 95% foram aplicados. A associação entre os métodos de avaliação nutricional foi avaliada pelo coeficiente de Kendall. A concordância entre os métodos foi avaliada pelo coeficiente Kappa. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).
ResultadosA amostra foi composta por 242 pacientes, com mediana de idade de aproximadamente 10 meses (Percentis 25‐75: 4,3‐33,4), com mínimo de um mês e máximo de 162 meses. A predominância foi da faixa etária abaixo de dois anos (67,8%) e sexo masculino (61,6%). A caracterização da amostra é apresentada na tabela 1.
Caracterização da amostra estudada
Variáveis | n = 242 |
---|---|
Idade (meses) – mediana (P25‐P75) | 10,4 (4,3‐33,4) |
Faixa etária – n(%) | |
< 2 anos | 164 (67,8) |
≥2 <5 anos | 44 (18,2) |
≥5 <10 anos | 25 (10,3) |
≥10 anos | 9 (3,7) |
Sexo – n(%) | |
Masculino | 149 (61,6) |
Feminino | 93 (38,4) |
Procedência dos pacientes – n(%) | |
Emergência Pediátrica | 153 (63,2) |
Internação Pediátrica | 89 (36,8) |
Patologia de base – n(%) | |
Problemas respiratórios | 187 (77,3) |
Problemas gastrointestinais | 45 (18,6) |
Problemas Ccrúrgicos | 4 (1,7) |
Doenças infecciosas sistêmicas e outras | 6 (2,5) |
Tempo de permanência na unidade após ANSG (dias) – mediana (P25‐P75) | 3 (2‐5) |
Necessidade de internação/reinternação até 30 dias após alta – n(%) | 43 (17,8) |
Classificação ANSG – n(%) | |
Bem nutrido | 194 (80,2) |
Moderadamente desnutrido | 35 (14,5) |
Gravemente desnutrido | 13 (5,4) |
ANSG, avaliação nutricional subjetiva global.
Os dados foram expressos como média ± desvio padrão, mediana (P25‐P75) ou número absoluto (%) quando indicado.
Da amostra total, 153 pacientes eram advindos da Emergência Pediátrica (63,2%) e 89da Internação Pediátrica (36,8%). O diagnóstico mais frequente foi de doença respiratória (77,3%), seguido de doença gastrointestinal (18,6%).
Propriedades psicométricasValidade concorrenteO estado nutricional, como determinado pelo ANSG, foi comparado com medidas antropométricas. De acordo com o ANSG, 194 pacientes (80,2%) foram classificados como bem nutridos, 35 (14,5%) como moderadamente desnutridos e 13 (5,4%) como gravemente desnutridos.
Em geral, houve diferença significativa entre os grupos. O grupo classificado como bem nutrido apresentou valores significativamente mais altos do que os outros dois grupos (moderadamente e gravemente desnutridos) em todos os métodos de avaliação nutricional (objetivo e subjetivo). No entanto, entre os moderadamente e gravemente desnutridos a diferença só foi significativa na relação Estatura/Idade (tabela 2). Os coeficientes de Kendall revelaram associações de fraca a regular entre os métodos de avaliação nutricional. A relação que demonstrou maior associação com o ANSG foi Peso/Idade.
Relação entre os dados de Avaliação Nutricional Subjetiva Global (ANSG) e medidas antropométricas objetivas (escore z)
Variáveis | N | ANSG | P | r Kendall | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Bem nutrido | Moderadamente desnutrido | Gravemente desnutrido | ||||
Média±DP | Média ± DP | Média ± DP | ||||
P/E – escore z | 208 | 0,72±1,40b | −0,82±0,97a | −1,04±2,66a | < 0,001 | −0,36 |
P/I – escore z | 233 | 0,31±1,13b | −1,57±0,51a | −2,23±0,76a | < 0,001 | −0,53 |
E/I – escore z | 242 | −0,16±1,23 | −1,49±0,98b | −2,43±2,04a | < 0,001 | −0,37 |
IMC/I – escore z | 242 | 0,57±1,43b | −0,98±1,14a | −0,77±2,87a | < 0,001 | −0,34 |
CB/I – escore z | 198 | 0,45±1,12b | −0,65±1,06a | −0,83±1,76a | < 0,001 | −0,32 |
DCT/I – escore z | 198 | 0,63±1,25b | −0,23±1,06ab | −0,52±1,24a | < 0,001 | −0,23 |
DCS/I – escore z | 198 | 0,82±1,38b | −0,25±1,20a | −0,29±1,34a | < 0,001 | −0,25 |
ANSG, avaliação nutricional subjetiva global; P/E, peso para estatura; P/I, peso para idade; E/I, estatura para idade; IMC/I, índice de massa corporal para idade; CB/I, circunferência do braço; DCT/I, dobra cutânea tricipital; DCS/I, dobra cutânea subescapular.
Os dados foram expressos como média ± desvio padrão.
a,b Letras iguais não diferem pelo teste de Tukey a 5% de significância.
A necessidade de internação/reinternação ocorreu em 43 casos (17,8%). A mediana (Percentis 25‐75) do tempo de internação/reinternação foi de dois dias. A probabilidade de internação/reinternação foi aproximadamente quatro vezes maior em pacientes moderadamente desnutridos quando comparados com os eutróficos (RP = 3,96; IC 95%: 2,27 a 6,91). Em pacientes gravemente desnutridos a probabilidade de internação/reinternação foi aproximadamente cinco vezes maior quando comparados com os eutróficos (RP = 4,97; IC 95%: 2,61 a 9,48).
O estado nutricional classificado por meio do ANSG se associou com todos os desfechos avaliados (tabela 3). Pacientes considerados pelo ANSG como gravemente desnutridos apresentaram menor peso e comprimento ao nascer do que o grupo de pacientes considerados bem nutridos (p<0,05). Também a necessidade de internação/reinternação e a prematuridade aumentam com o aumento do grau de desnutrição (p<0,001).
Relação entre os dados da Avaliação Nutricional Subjetiva Global (ANSG) e os desfechos
Variáveis | Bem nutrido (n = 194) | Moderadamente desnutrido (n = 35) | Gravemente desnutrido (n = 13) | P |
---|---|---|---|---|
Tempo de permanência na unidade após ANSG (dias) – mediana (P25 – P75) | 1 (1‐3)a | 2 (1‐5)b | 2 (1‐6)a,b | 0,021 |
Necessidade de internação/reinternação até 30 dias após alta – n(%) | 21 (10,8) | 15 (42,9) | 7 (53,8) | < 0,001 |
Peso ao nascer (kg) – média ± DP | 3,22±0,59b | 2,82±0,72a,b | 2,68±0,95a | < 0,001 |
Comprimento ao nascer (cm) – média±DP | 48,4±3,0b | 46,3±3,5a,b | 45,3±7,5a | < 0,001 |
Prematuridade – n(%) | 11 (5,7) | 4 (11,4) | 3 (23,1) | < 0,001 |
ANSG, avaliação nutricional subjetiva global.
Os dados foram expressos como média±desvio padrão, mediana (P25‐P75) ou número absoluto (%) quando indicado.
a,b Letras iguais não diferem pelo teste de Tukey a 5% de significância.
Houve boa concordância entre os observadores (Kappa = 0,74; p<0,001). Os percentuais de bem nutrido, moderadamente e gravemente desnutridos encontrados foram semelhantes nos dois observadores. A concordância ocorreu em 56 dos 61 casos (92%).
DiscussãoA avaliação nutricional subjetiva tem sido amplamente usada, por se tratar de um método de fácil execução, que dispensa recursos dispendiosos e pode ser aplicado por profissionais que compõem a equipe multidisciplinar.14
Este estudo traduziu e validou o ANSG para população pediátrica brasileira, por meio das seguintes características psicométricas: validade concorrente e preditiva e confiabilidade interobservador.
A validade concorrente avalia a correlação do instrumento com outra medida (padrão‐ouro) usada para medir o que se estuda, ambos aplicados simultaneamente.24 Neste estudo foi encontrada uma relação significativa do ANSG com as medidas antropométricas usualmente usadas, como reportado por estudos brasileiros que envolveram adultos com diferentes patologias.3,25‐27 Os resultados também foram semelhantes ao encontrado no estudo original de Secker & Jeejeebhoy,7 que envolveu crianças submetidas a pequenos procedimentos cirúrgicos. Porém, é importante ressaltar que a concordância observada entre os métodos, ANSG e medidas antropométricas, foi de fraca a regular neste estudo (p<0,001).
A validade preditiva contempla previsões, trata da qualidade com que um instrumento pode predizer um critério futuro.24 O estado nutricional avaliado pelo ANSG se associou com todos os desfechos estudados (necessidade de internação/reinternação até 30 dias após a alta hospitalar, tempo de internação após ANSG, peso e comprimento ao nascer e prematuridade) (p<0,05). O aumento do grau de desnutrição, conforme classificação do ANSG, se mostrou associado ao aumento de complicações. Estudos que usaram a avaliação subjetiva como método de avaliação do estado nutricional de pacientes hospitalizados também comprovaram esse poder.7,26,28
A confiabilidade interobservador avalia a reprodutibilidade de um instrumento por meio da sua aplicação por dois ou mais observadores.24 Neste estudo, houve boa confiabilidade (Kappa = 0,74; p<0,001), maior do que a encontrada no estudo original de Secker & Jeejeebhoy.7 Por se tratar de um método subjetivo, o ANSG tem sua precisão de diagnóstico dependente da experiência e do treinamento do observador e essa é a sua principal desvantagem. No entanto, pesquisas feitas com adultos também obtiveram grau de concordância semelhante ao obtido neste estudo. Em trabalho inicial sobre avaliação do estado nutricional, Baker et al.15 obtiveram boa concordância entre seus avaliadores (Kappa = 0,72), assim como Detsky et al. (1987)29 quando padronizaram o método clínico e criaram um questionário de avaliação nutricional subjetiva (Kappa = 0,78). Já em estudos mais recentes, encontraram‐se concordâncias fracas a moderadas entre os avaliadores. Secker & Jeejeebhoy,7 ao estudar pacientes pediátricos cirúrgicos em um hospital no Canadá, obtiveram um Kappa = 0,28. Beguetto et al.,30 ao estudar pacientes adultos internados em um hospital geral universitário de Porto Alegre, encontraram um Kappa = 0,46.
A avaliação das propriedades psicométricas do ANSG neste estudo mostrou que esse instrumento apresenta boa confiabilidade interobservador, além de ter confirmado as validades concorrente e preditiva dos questionários. A aplicação em crianças e adolescentes brasileiros e em situação clínica diferente do estudo original mostrou bons resultados. Após a tradução e o estudo das propriedades psicométricas do ANSG, o instrumento se mostrou confiável e válido para avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes.
Neste estudo, o tempo de internação não demonstrou associação com o ANSG, diferentemente do encontrado em outros estudos.7,9,25 Uma possível explicação pode ser o fato de os pacientes selecionados apresentarem doenças agudas e advirem da Emergência Pediátrica. No estudo de Secker & Jeejeebhoy,7 os pacientes eram procedentes da Internação Cirúrgica Pediátrica.
Uma limitação deste estudo foi a dificuldade de fazer exames bioquímicos para firmar o diagnóstico do estado nutricional do paciente. Entretanto, o ponto positivo foi a demonstração da elevada sensibilidade dos questionários de ANSG no diagnóstico de risco nutricional e desnutrição. O fato de valorizar as alterações clínicas e funcionais, que podem levar o paciente ao quadro de perdas proteicas, energéticas e competência imunológica, favoreceu ao diagnóstico imediato de risco nutricional e desnutrição.
A validação do ANSG para a população pediátrica brasileira serve de estímulo para que se use esse método, como avaliação sistemática, em serviços de pediatria, em diferentes situações clínicas. Esse pode ser feito tão logo o paciente chegue ao hospital, o que facilita a identificação daqueles que possam estar em risco nutricional para que se possa fazer a intervenção nutricional mais adequada.
A metodologia usada e os cuidados no processo de tradução permitem concluir que o ANSG é um instrumento válido e confiável para a avaliação do estado nutricional de pacientes pediátricos brasileiros.
O ANSG é um instrumento de diagnóstico útil para avaliação do estado nutricional, com eficácia semelhante aos parâmetros antropométricos, independentemente do estado clínico dos pacientes. Este estudo validou o questionário de ANSG nessa amostra de pacientes pediátricos hospitalizados e possibilitou o seu uso para fins de aplicação clínica e de pesquisa na população brasileira.
FinanciamentoO estudo obteve auxílio do Fundo de Incentivo à Pesquisa (Fipe), do Grupo de Pesquisas e Pós‐Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
AgradecimentosEste estudo recebeu o suporte financeiro por parte da FIPE e CAPES.
Como citar este artigo: Carniel MP, Santetti D, Andrade JS, Favero BP, Moschen T, Campos PA, et al. Validation of a subjective global assessment questionnaire. J Pediatr (Rio J). 2015;91:596–602.
Estudo conduzido no Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.