To investigate trends in breastfeeding indicators in the city of Feira de Santana, Brazil, and to identify population characteristics that might have influenced this trend.
MethodsThree methodologically comparable cross‐sectional surveys performed in 1996, 2001, and 2009 were analyzed. These involved 2,159, 2,319, and 1,471 children younger than 1 year of age who were vaccinated in national multivaccination campaigns in the respective years. A standardized questionnaire was used, containing closed questions on consumption of breast milk and other foods on the day before the survey, along with questions regarding the characteristics of the population.
ResultsThe annual growth of the breastfeeding indicators was 2.1% for breastfeeding in the first hour of life (from 52.2% to 68.9%); 1.1% for breastfeeding among children aged 9 to 12 months (from 45% to 59.6%); and 0.8% for exclusive breastfeeding among infants younger than 6 months (from 36.9% to 47.4%). The median duration of exclusive breastfeeding increased from 52.3 to 84.3 days, and overall breastfeeding from 278 to 376 days. Some changes in the characteristics of the population were observed, which may have positively influenced the evolution of the breastfeeding indicators (better schooling level among the mothers, less use of dummies/pacifiers, and lower proportions of adolescent mothers), or negatively (greater proportions of primiparous mothers and cesarean deliveries, and lower frequency of births in Baby‐Friendly Hospitals).
ConclusionThere were significant advances in breastfeeding indicators, although they are still far from ideal. Changes observed in population characteristics may have positively or negatively influenced this evolution.
Verificar a tendência dos indicadores de aleitamento materno (AM) em Feira de Santana, Brasil, e identificar características da população que possam ter influenciado essa tendência.
MétodosProcedeu‐se à análise de três inquéritos transversais, metodologicamente comparáveis, feitos em 1996, 2001 e 2009, que envolveram 2.159, 2.319 e 1.471 menores de um ano vacinados na campanha nacional de multivacinação desses anos. Usou‐se questionário que continha questões sobre o consumo de leite materno e outros alimentos no dia anterior ao inquérito, além de perguntas sobre características da população.
ResultadosO acréscimo anual nos indicadores de AM foi de 2,1 pontos percentuais para o AM na primeira hora de vida (de 52,2% para 68,9%); 1,1 ponto para o AM em crianças de nove a 12 meses (de 45% para 59,6%); e de 0,8 ponto para o AM exclusivo (AME) em menores de seis meses (de 36,9% para 47,4%). A duração mediana do AME aumentou de 52 para 84 dias e a de AM de 278 para 376 dias. Observaram‐se mudanças nas características da população, as quais podem ter influenciado a evolução dos indicadores do AM de forma positiva (melhor escolaridade das mães, decréscimo no uso de chupeta e menor prevalência de mães adolescentes) ou negativa (maior proporção de mães primíparas e de cesarianas e menor frequência de nascimentos em Hospital Amigo da Criança).
ConclusãoHouve avanços significativos nos indicadores de AM em Feira de Santana, embora ainda estejam longe do ideal. Mudanças observadas nas características da população podem ter influenciado positiva ou negativamente essa evolução.
Em função do impacto do aleitamento materno (AM) na saúde da criança, com repercussão importante nos índices de morbimortalidade infantil,1 a promoção, a proteção e o apoio ao AM têm sido, cada vez mais, priorizados nas políticas públicas de saúde.
No Brasil, várias ações têm sido implementadas nos últimos 30 anos. Ressalta‐se a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), o Método Canguru, a criação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (BLH), a comemoração nacional da Semana Mundial do AM, a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, voltada para o incentivo ao AM na Atenção Primária, e, recentemente, o estímulo à instalação de salas de apoio à amamentação nos locais de trabalho das lactantes, entre outras.2
Como resultado dessas medidas observam‐se avanços significativos nos indicadores de AM no país. O AM exclusivo (AME), que era praticamente inexistente na década de 1980, foi praticado por 38,6% das mães de crianças menores de seis meses em 2006 e a mediana do AM passou de 2,5 meses em 1974, para 11,9 meses em 2006.3 As duas Pesquisas de Prevalência de AM (PPAM) nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, feitas em 1999 e 2008,2,4 mostraram grande variabilidade nos indicadores de AM entre as capitais. Na pesquisa de 2008, a duração mediana do AME variou de 0,7 dia, em uma capital da região Centro‐Oeste, a 89 dias em uma capital do Norte. A duração do AM oscilou de 293 dias, em São Paulo, a 601 dias em Macapá, no norte do país.2,4 A comparação dos resultados das PPAM de 1999 e 2008 permitiu observar também grande variação na evolução dos indicadores nas diferentes capitais. Por exemplo, em Fortaleza houve diminuição da prevalência de AME em menores de quatro meses de 57% para 41% e em Campo Grande ocorreu acréscimo da prevalência desse indicador de 28% para 62%.4
Diante da constatação de que indicadores de AM e sua evolução variam significativamente entre os municípios brasileiros, é importante que cada localidade conheça e monitore os seus indicadores, avalie as tendências e os fatores a elas associados. Estão associadas à prática do AM características da população, tais como idade, escolaridade, paridade, trabalho materno, local de nascimento, tipo de parto e uso de chupeta, entre outras. Os determinantes do AM variam em efeito e magnitude entre diferentes populações.5,6
Feira de Santana (FSA), no interior da Bahia, tem se destacado pelos seus indicadores de AM e seu trabalho em prol do AM. Chama a atenção a implantação no município do primeiro BLH do estado e do Centro de Incentivo em Aleitamento Materno (Ciama), referências para o Estado da Bahia, além de dois hospitais credenciados na IHAC; medidas que permitiram a implementação das ações de promoção da amamentação.7 No Estado da Bahia existem apenas seis BLH e oito hospitais credenciados na IHAC.
Tendo em vista o empenho do município em melhorar os seus indicadores de AM e a existência de três inquéritos de prevalência de AM com amostra representativa, o presente estudo teve por objetivo avaliar a tendência dos indicadores do AM nessa cidade. Além disso, buscou identificar eventuais mudanças nas características da população que possam ter influenciado essa tendência.
MetodologiaForam usados dados de três inquéritos de prevalência de AM com características metodológicas similares, do tipo transversal, feitos em 1996, 2001 e 2009 em FSA, cidade de grande porte com população de 606.139 habitantes em 2013.8
Em cada um dos estudos obteve‐se amostra probabilística de crianças menores de um ano, que compareceram à segunda etapa do dia nacional de multivacinação nos respectivos anos, por meio de amostras por conglomerados, com sorteio das unidades de vacinação e probabilidade proporcional ao tamanho dos conglomerados. Todas as crianças menores de um ano residentes em FSA que compareceram aos locais sorteados foram incluídas nos estudos. As estimativas amostrais calculadas para 1996, 2001 e 2009 foram, respectivamente, 1.663, 1.587 e 1.420 crianças. Participaram dos inquéritos 2.159 crianças em 1996, 2.319 em 2001, e 1.471 em 2009.
Enquanto aguardavam a vacinação, os acompanhantes adultos, após assinar termo de consentimento livre e esclarecido, foram entrevistados por estudantes universitários da área de saúde previamente capacitados (40 em 1996, 104 em 2001 e 166 em 2009).
Em todos os inquéritos usou‐se questionário padronizado, com questões fechadas sobre o consumo de leite materno e outros alimentos, incluindo água, chás e outros tipos de leite, no dia anterior à pesquisa. Esse tipo de inquérito (current status) é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)9 para avaliação dos indicadores de AM no nível populacional. No inquérito de 1996 o instrumento de coleta dos dados foi criado pelos autores de acordo com as recomendações da OMS. Em 2001 e 2009, o instrumento foi baseado no formulário elaborado pelo Ministério da Saúde, respectivamente, para a primeira e segunda PPAM.4 Os dados coletados em 2009 foram digitados em um aplicativo web desenvolvido para a PPAM do Ministério da Saúde em 20084 e os dados, exportados para o pacote estatístico SPSS (Inc. Released 2008. SPSS Statistics for Windows, Versão 17.0. Chicago, EUA), mesmo aplicativo usado nas pesquisas anteriores.
Além do inquérito alimentar, em 2001 e 2009 foram obtidas as seguintes informações das crianças: peso de nascimento, sexo, nascimento em Hospital Amigo da Criança (HAC) e uso de chupeta; e das mães: idade, escolaridade, trabalho fora do lar, paridade e tipo de parto. No inquérito de 1996 não foi prevista a obtenção desses dados.
Os dados permitiram avaliar os seguintes indicadores: AM na primeira hora de vida; prevalência de AME em crianças menores de seis meses; prevalência de AM em crianças entre nove e 12 meses e duração mediana do AM e AME. O indicador AM na primeira hora de vida não foi pesquisado no inquérito de 1996. As definições de AM e AME adotadas são as mesmas recomendadas pela OMS.10 Consideraram‐se em AME as crianças que só recebiam leite materno; e em AM os lactentes que recebiam leite materno, independentemente de estar recebendo outros alimentos.
Foi estimada a proporção de crianças menores de um ano que mamaram na primeira hora de vida, a de crianças menores de seis meses em AME e a de crianças entre nove e 12 meses em AM. Em seguida, foram mensuradas as diferenças nas prevalências dos indicadores para 1996‐2001, 2001‐2009 e 1996‐2009 e foi calculada a variação anual em pontos percentuais. Nas comparações das diferenças de prevalências entre as três pesquisas, usou‐se o teste do qui‐quadrado de Pearson e adotou‐se o nível de significância de 5%. A estimativa da duração mediana do AM e AME foi feita mediante análise de logito, em que são estimadas, por modelagem estatística, as probabilidades do evento em estudo em função da idade.
As características das crianças e mães dos inquéritos de 2001 e 2009 foram comparadas com o teste do qui‐quadrado de Pearson e adotaram‐se como significativos valores de p<5%.
Cada um dos estudos observou a regulamentação de pesquisa que envolve seres humanos (CNS Resolution 196/96),11 de acordo com a Declaração de Helsinque. As pesquisas feitas em 1996, 2001 e 2009 foram aprovadas, respectivamente, pela Comissão de Ética do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), pelo Conselho de Ética e Pesquisa da Universidade Federal da Bahia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
ResultadosA tabela 1 apresenta os indicadores de AM em cada um dos inquéritos e a tendência desses ao longo dos 13 anos entre o primeiro e o terceiro inquéritos. Observam‐se avanços significativos em todos os indicadores. O AM na primeira hora de vida apresentou acréscimo anual de 2,1 pontos percentuais (considerando os oito anos entre o segundo e o terceiro inquéritos). Para o AM em crianças de nove a 12 meses, o acréscimo anual foi de 1,1% e para o AME em menores de seis foi de 0,8%, considerando o intervalo de 13 anos. As prevalências de AME em menores de seis meses e AM em menores de um ano, em intervalos etários mensais, dos inquéritos aplicados em 1996, 2001 e 2009 em FSA estão demonstradas, respectivamente, nas figuras 1 e 2.
A duração mediana do AME aumentou de 52,3 dias (IC95% 44,8‐60,7) em 1996 para 84,3 dias (IC95% 73,7‐ 94,9) em 2009; e a de AM de 278 dias (IC95% 264,1‐292,3) para 375,7 dias (IC95% 342,5‐409) nos mesmos anos, ambos de forma estatisticamente significativa (tabela 1).
Indicadores de aleitamento ‐ Feira de Santana, Brasil, 1996, 2001 e 2009
Indicadores | Ano | Período | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1996 | 2001 | 2009 | 1996‐2001 (5 anos) | 2001‐2009 (8 anos) | 1996‐2009 (13 anos) | |||||||
Diferença no período | Diferença anual | p | Diferença no período | Diferença anual | p | Diferença no período | Diferença anual | p | ||||
Prevalência (%) de aleitamento materno na 1ª hora de vida | a | 52,2 | 68,9 | a | a | a | 16,7 | 2,1 | <0,000 | a | a | a |
Prevalência (%) de aleitamento materno exclusivo<6 meses | 36,9 | 39,0 | 47,4 | 2,1 | 0,4 | >0,05 | 8,4 | 1,1 | <0,000 | 10,5 | 0,8 | <0,000 |
Prevalência (%) de aleitamento materno 9‐12 meses | 45,0 | 51,8 | 59,6 | 6,8 | 1,4 | <0,05 | 7,8 | 1,0 | <0,015 | 14,6 | 1,1 | <0,000 |
Duração mediana do aleitamento materno, em dias | 278,0 | 302,4 | 375,8 | 24,4 | 4,9 | >0,05 | 73,4 | 9,2 | <0,05 | 97,8 | 7,5 | <0,05 |
Duração mediana do aleitamento materno exclusivo, em dias | 52,3 | 57,0 | 84,3 | 4,7 | 0,9 | >0,05 | 27,3 | 3,4 | <0,05 | 32,0 | 2,5 | <0,05 |
A tabela 2 compara características maternas e das crianças em 2001 e 2009. Em 2009 houve maior proporção de mães com 20 anos ou mais (variação percentual+4,9%) e maior escolaridade (+ 27,6%), primíparas (+ 9,7%) e de partos cesáreos (+ 22,5%); e menor frequência de nascimentos em HAC (‐11,2%) e uso de chupeta (‐12,8%).
Descrição e comparação das características maternas e das crianças menores de um ano de idade ‐ Feira de Santana, Brasil, 2001 e 2009
Variáveis | Ano da pesquisa | pc | |||
---|---|---|---|---|---|
2001 (n=2.319)a | 2009 (n=1.471)b | ||||
N | % | N | % | ||
Peso de nascimento | 2.153 | 100,0 | 1.354 | 100,0 | |
<2.500 gramas | 165 | 7,7 | 129 | 9,5 | 0,058 |
≥2.500 gramas | 1.988 | 92,3 | 1.225 | 90,5 | |
Nasceu em Hospital Amigo da Criança | 2.311 | 100 | 1.412 | 100 | |
Sim | 823 | 35,6 | 345 | 24,4 | <0,000 |
Não | 1.488 | 64,4 | 1.067 | 75,6 | |
Sexo | 2.311 | 100 | 1.471 | 100 | |
Masculino | 1.154 | 49,9 | 715 | 48,6 | 0,426 |
Feminino | 1.157 | 50,1 | 756 | 51,4 | |
Uso de chupeta | 2.318 | 100 | 1.461 | 100 | |
Sim | 1.328 | 57,3 | 650 | 44,5 | <0,000 |
Não | 990 | 42,7 | 811 | 55,5 | |
Faixa etária materna em anos | 2.319 | 100 | 1.192 | 100 | |
<20 anos | 518 | 22,3 | 208 | 17,4 | <0,000 |
≥ 20 anos | 1.801 | 77,7 | 984 | 82,6 | |
Escolaridade materna em anos | 2.186 | 100 | 1.169 | 100 | |
≤ oito anos | 1.319 | 60,3 | 382 | 32,7 | 0,000 |
>oito anos | 867 | 39,7 | 787 | 67,3 | |
Paridade | 2.318 | 100 | 1.179 | 100 | |
Primípara | 1.072 | 46,2 | 659 | 55,9 | <0,000 |
Multípara | 1.246 | 53,8 | 520 | 44,1 | |
Tipo de parto | 2.123 | 100 | 1.461 | 100 | |
Normal | 1.480 | 69,7 | 690 | 47,2 | 0,000 |
Cesárea | 643 | 30,3 | 771 | 52,8 | |
Trabalho materno fora do lar | 2.315 | 100 | 1.195 | 100 | |
Sim | 539 | 23,3 | 259 | 21,7 | 0,277 |
Não | 1.776 | 76,7 | 936 | 78,3 |
A tendência da prática do AM no município em 13 anos mostrou avanço significativo da duração mediana do AME e do AM e das prevalências de AME em menores de seis meses e do AM em crianças de nove a 12 meses, além do aumento da prevalência de AM na primeira hora de vida em oito anos.
Comparando os resultados do inquérito de 2009 com os da II PPAM de 2008,4 observa‐se que o indicador AM na primeira hora de vida em FSA (68,9%) foi semelhante ao encontrado para o conjunto das capitais brasileiras (67,7%) e para a região Nordeste (66,9%), porém superior ao encontrado em Salvador (58,5%), capital do Estado da Bahia. Segundo parâmetros adotados pela OMS,12 esse indicador em FSA pode ser classificado como bom.
Quando comparamos o indicador AM em crianças de nove a 12 meses (59,6%) com o de Salvador (59,1%), o da região Nordeste (59,1%) e o do conjunto das capitais brasileiras (58,7%), observa‐se grande homogeneidade.4 Ele foi usado neste estudo como indicador de continuidade do AM, já que não foi possível calcular, como sugere a OMS, a proporção de crianças entre 12 e 15,9 meses, haja vista o inquérito ter incluído apenas crianças menores de um ano. A situação de FSA quanto à duração do AM é considerada ruim (376 dias) segundo os parâmetros da OMS,12 embora seja melhor do que a do conjunto das capitais brasileiras (342 dias).
Feira de Santana está em vantagem quanto ao indicador AME em menores de seis meses (47,4%), quando comparada com Salvador (36,5%), região Nordeste (37%) e conjunto das capitais brasileiras (41%).4 Apesar disso, essa situação é considerada apenas razoável pela OMS (entre 12% e 49%).12 A duração mediana do AME em FSA (84 dias) ultrapassa em 50 dias a da região Nordeste (34 dias) e em um mês a das capitais brasileiras (54 dias). Esse dado é relevante, pois se sabe que o AME protege contra adoecimento e mortes infantis.1
Quanto à evolução dos indicadores de AM em FSA, houve avanços consideráveis em todos, sobretudo na proporção de crianças amamentadas na primeira hora de vida (acréscimo de 16,7% pontos percentuais em oito anos), um aumento médio de aproximadamente dois pontos percentuais por ano. Esse aumento anual é o dobro do encontrado para o Brasil. As pesquisas nacionais de demografia em saúde de 199613 e 200614 mostraram um aumento de 10,2 pontos percentuais (de 32,8% para 43,0%) em 10 anos, ou seja, aproximadamente um ponto percentual por ano. No entanto, segundo as mesmas pesquisas, o aumento observado no presente estudo foi inferior ao observado para a região Nordeste (4,4 pontos percentuais por ano), saltou de 7,3% em 1996 para 51,4% em 2006. Uma metanálise recente constatou que o AM na primeira hora de vida está associado a uma redução de 44‐45% de mortes neonatais por todas as causas e por infecção.15 É possível que o avanço nesse indicador em FSA seja um dos fatores que tenham contribuído para que esse município tenha tido a maior queda da taxa de mortalidade neonatal no estado da Bahia, de 27,8/1.000 nascidos vivos em 2006 para 11,3/1.000 em 2012.16
A evolução do indicador de continuidade do AM em crianças de nove a 12 meses (acréscimo de 14,6 pontos percentuais em 13 anos) foi um pouco inferior à evolução desse indicador no conjunto das capitais brasileiras – 1,1 ponto percentual por ano em FSA versus 1,8 ponto percentual por ano nas capitais. Isso pode ser explicado pelo fato do município se encontrar em melhor posição nesse indicador nas pesquisas anteriores; a prevalência de AM em crianças de nove a 12 meses em FSA, em 1996, era maior do que a do conjunto das capitais em 19992 (45% versus 42,4%). Comparação dos resultados das duas PPAM nas capitais brasileiras, feita em 1999 e 2008, mostrou claramente que houve maior incremento nos indicadores de AM nas capitais com pior situação em 1999 e, por outro lado, avanços mais discretos ou mesmo retrocesso em locais onde a situação era mais favorável.2
Apesar de FSA estar em uma situação privilegiada quanto ao indicador AME em menores de seis meses, esse foi o indicador que menos evoluiu (acréscimo de 10,5 pontos percentuais em 13 anos), com um incremento de 0,8 ponto percentual por ano. O fato de FSA apresentar, em 1996, uma prevalência de AME em menores de seis meses maior do que a média das capitais brasileiras em 1999 (36,9% contra 26,7%)3 pode explicar, pelo menos em parte, esse resultado.
Para compreender as mudanças temporais dos indicadores de AM é preciso refletir sobre os fatores que podem ter influenciado essas mudanças no município, pois as tendências dos indicadores de saúde devem ser interpretadas à luz dos determinantes individuais, sociais e culturais e das políticas públicas de saúde. Para o progresso nos indicadores de AM no Brasil tem sido importante a Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno.2,17
A implementação de diversas estratégias dessa política em FSA pode ter contribuído para a melhoria dos indicadores do AM. A implantação do Ciama/BLH (Centro de Referência para o Incentivo ao Aleitamento Materno/Banco de Leite Humano), em 1987, a criação do segundo BLH (1992), o credenciamento de dois hospitais na IHAC, nos meados da década de 1990, deu início ao atendimento crescente às lactantes e ao treinamento dos recursos humanos. No Ciama/BLH foram atendidas 9.141, 27.118 e 80.691 mulheres, respectivamente, em 1987‐1995, 1996‐2000 e 2001‐2008. Nos mesmos períodos foram capacitados no manejo da amamentação 143, 1.079 e 161 profissionais de saúde do nível médio e 184, 146 e 225 do nível superior, além da mobilização durante as Semanas Mundiais de AM.
A parceria entre os BLHs, as universidades e a Secretaria Municipal de Saúde permitiu 12 eventos de AM para estudantes universitários e profissionais de saúde e cinco “Encontrinhos de AM”, voltados para crianças e adolescentes da rede municipal de ensino. Não existe avaliação do impacto dessas ações, isoladamente, mas acreditamos que o conjunto dessas ações tenha contribuído para a melhoria dos indicadores de AM em FSA. Estudo que envolveu 111 municípios do Estado de São Paulo constatou uma chance 2,4 vezes maior de AME em crianças menores de seis meses quando no município de residência se praticavam quatro ou mais ações pró‐AM.18
Além dos investimentos públicos para promoção, proteção e apoio ao AM em FSA, é possível que mudanças de algumas características da população tenham influenciado os indicadores de AM. Comparando as variáveis maternas e das crianças nas duas últimas pesquisas, constataram‐se algumas mudanças que podem favorecer ou dificultar o avanço nos indicadores do AM. Dentre os fatores maternos que podem contribuir positivamente estão a menor proporção de mães adolescentes e a melhoria da escolaridade. Embora não haja consenso quanto à associação entre menor idade materna e menores índices de AM, estudos mostram essa associação no Brasil.4,19 Da mesma maneira, a maioria dos estudos relata associação positiva entre maior escolaridade materna e duração do AM, sobretudo a do AME, com efeito dose‐resposta.4,6,18,20
Quanto às características das crianças, a diminuição na prevalência do uso de chupeta provavelmente está associada com a evolução positiva dos indicadores de AM em FSA. A associação entre uso de chupeta e duração do AM tem sido demonstrada em praticamente todos os estudos.6,21 Entretanto, é importante enfatizar que ainda não estão esclarecidos os mecanismos envolvidos. Uma metanálise recente sugere que o uso de chupeta por filhos de mulheres altamente motivadas para amamentar não esteve associado com menor duração do AM, independentemente da idade em que a chupeta foi iniciada.22
Assim como algumas mudanças nas características da população podem ter favorecido a evolução positiva dos indicadores de AM no município, outras podem ter inibido um avanço maior, como o acréscimo na proporção de mães primíparas e de partos cesáreos. Apesar de as mulheres primíparas desejarem iniciar a amamentação, costumam praticá‐la por menor tempo.23,24 Quanto ao tipo de parto, estudos constataram menor prevalência de AM24,25 e AME6,23,25 em mulheres submetidas a partos cirúrgicos. Feira de Santana segue a tendência nacional de aumento da prevalência de parto cesáreo no Brasil.26
Além dos fatores individuais já mencionados, a redução de nascimentos em HAC pode ter influenciado negativamente a evolução dos indicadores de AM, pois está bem documentada a influência positiva da IHAC nas prevalências de AM.27,28
A principal limitação metodológica deste estudo deve‐se ao seu delineamento, o qual não permite estabelecer uma perfeita vinculação causal entre as mudanças das características da população e a evolução do AM, por se tratar de um inquérito transversal. Além disso, não foram pesquisadas algumas características sociodemográficas, tais como renda familiar, informações do pré‐natal e variáveis paternas, entre outras;6 além da ausência de informação sobre o indicador AM na primeira hora de vida e das características da população no inquérito feito em 1996. Por outro lado, a abordagem metodológica usada é factível e reproduzível,29 o que possibilita o monitoramento dos indicadores de AM ao longo do tempo, tão importante para o planejamento de ações no nível local.
Concluindo, este estudo constatou tendência crescente dos principais indicadores de AM em Feira de Santana e conhecimento adicional quanto às mudanças das características populacionais que podem ter influenciado positiva ou negativamente a tendência encontrada. Entretanto, a exemplo do que ocorre no resto do país, esses indicadores ainda estão distantes dos aceitáveis pela OMS e mostram a necessidade de se acelerar o ritmo de crescimento da prática do aleitamento materno.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb). Termo de Outorga 73/04.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Vieira GO, Reis MR, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR, Giugliani ER. Trends in breastfeeding indicators in a city of northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J). 2015;91:270–7.