É com grande prazer que recebo este artigo muito interessante de Silva et al.1 Importante na identificação dos principais fatores de risco para a prática de bullying e vitimização no Brasil. Isso mostra que os fatores de risco mais importantes para a vitimização incluem o fato de ser do sexo feminino, ser bissexual ou homossexual, ter baixa autoestima e usar calmantes ou tranquilizantes. Os fatores de risco mais importantes para a prática de bullying incluem ser do sexo masculino, ter um desempenho escolar ruim, consumir álcool, ser um transgressor e ter uma atitude favorável à violência entre pares. A identificação de fatores de risco deve ser muito útil no desenvolvimento de instrumentos de avaliação de riscos e no direcionamento de intervenções concentradas no risco.
O bullying no ambiente escolar é definido como um comportamento que se destina a prejudicar, que é repetitivo e que envolve um desequilíbrio de poder (social ou físico) entre o agressor (bully) e a vítima.2 Os principais tipos de bullying no ambiente escolar são receber xingamentos, ser excluído(a) pelos colegas, ser vítima de boatos desagradáveis, apanhar ou ser chutado(a) e ter seus pertences roubados.3 Os meninos geralmente estão mais envolvidos no bullying direto, como bater ou chutar, enquanto as meninas podem estar mais envolvidas no bullying indireto ou relacional, como espalhar boatos ou excluir outros(as) estudantes.3
Recentemente, o cyberbullying também se tornou um grande problema. O cyberbullying é definido como o bullying praticado por meios eletrônicos, como telefones celulares, mídias sociais ou internet.4 Uma diferença do bullying no ambiente escolar é que o autor pode ser anônimo no cyberbullying. Os principais tipos de cyberbullying são agressão ou assédio online, difamação, representação (fingir ser outra pessoa), exclusão e publicação de imagens indesejadas sexuais ou embaraçosas (especialmente para meninas). Existe uma considerável sobreposição entre bullying no ambiente escolar e cyberbullying. Os estudantes vítimas no ambiente escolar também tendem a ser vítimas de cyberbullying e vice‐versa.5 No entanto, vou me concentrar apenas no bullying escolar neste editorial.
Surpreendentemente, o artigo brasileiro relata que a prevalência de vitimização foi muito menor do que a prevalência da agressão. Obviamente, a prevalência depende muito da definição de bullying, da forma como é mensurada e do período de tempo investigado.6 Pesquisas em larga escala relataram que a prevalência da agressão e vitimização no mês anterior é de cerca de um terço dos estudantes.7 Surpreendentemente, o artigo brasileiro também relata uma prevalência muito baixa da combinação vítima‐agressor (2%). Para comparação, em um estudo na Nicarágua, a agressão foi relatada por 6%, a vitimização foi relatada por 25% e outros 19% eram uma combinação de vítima‐agressor.8 A combinação de vítima‐agressor geralmente é bastante comum em pesquisas sobre bullying no ambiente escolar.9
O bullying escolar está associado a muitos efeitos indesejáveis para agressores e vítimas. Por exemplo, Anna Baldry et al. descobriram que vítimas que também eram agressores relataram mais sintomas de estresse pós‐traumático do que outros estudantes.10 Às vezes, é difícil determinar se fatores de risco específicos, como baixa autoestima, são causas ou consequências. Entretanto, uma revisão sistemática de estudos longitudinais prospectivos por Ttofi et al. mostraram que as vítimas de bullying escolar tendem a ter depressão até 36 anos depois, mesmo após o controle de vários fatores de risco na infância.11 Outra revisão sistemática de estudos longitudinais prospectivos mostrou que aqueles que praticam bullying no ambiente escolar tendem a ser agressores até 11 anos depois, mesmo após o controle de vários fatores de risco na infância.12 Outra revisão semelhante descobriu que os agressores tendem a ser usuários de drogas até 15 anos mais tarde.13 Esse é o tipo de evidência mais convincente sobre as consequências da agressão e da vitimização.
Fatores de risco amplamente reconhecidos para a prática de bullying incluem a influência de pares antissociais, baixa empatia, atitudes ou princípios morais antissociais e problemas de externalização, como agressão e comportamentos desafiadores.7,14 Fatores de risco amplamente reconhecidos para vitimização incluem baixa autoestima, baixa competência social, baixo status em relação aos colegas (impopulares, com poucos amigos) e problemas de internalização, como ser sozinho(a), ter ansiedade ou depressão.7,14
A prática de bullying nas idades de 14 e 18 anos foi investigada em um grande estudo longitudinal de 411 meninos de Londres, no qual foram obtidas informações de colegas, pais, professores e registros, bem como dos próprios meninos.2 Os fatores de risco mais importantes para o bullying incluem fatores individuais, como baixo nível de inteligência, baixo rendimento acadêmico e comportamento de grande ousadia ou alto risco, fatores familiares como um dos pais estar na cadeia e má supervisão dos pais, fatores como ter pares delinquentes e não ter poucos amigos e fatores socioeconômicos, como baixa renda familiar, família numerosa e moradia precária. De muitas maneiras, os fatores de risco para a prática de bullying são semelhantes aos fatores de risco para delinquência.15
Os fatores de proteção amplamente reconhecidos contra a prática de bullying incluem um clima escolar positivo, um bom ambiente doméstico, alta competência social, influência pró‐social dos pares, bom desempenho acadêmico e alta empatia.16 Os fatores de proteção amplamente reconhecidos contra a vitimização incluem alta competência social, alta autoestima, alto desempenho acadêmico, alto status ou popularidade entre os pares, influência pró‐social dos pares, clima escolar positivo e boas relações familiares.16 Ttofi et al. fizeram uma revisão sistemática de estudos longitudinais prospectivos para investigar fatores de proteção que interromperam a continuidade da vitimização para problemas de internalização posteriores e da prática de bullying para problemas de externalização posteriores.17 Os fatores de proteção mais importantes incluíam boas habilidades sociais, bom desempenho escolar, amigos pró‐sociais, apoio social, serem provenientes de uma família intacta e alto nível de afeição por parte dos pais.
De volta à pesquisa brasileira, fiquei muito feliz ao ver que os autores optaram por analisar variáveis dicotômicas e relatar a odds ratio. Isso faz com que seus resultados sejam fáceis de compreender e facilita muito a comunicação com pesquisadores e formuladores de políticas, o que é muito importante. Não é difícil entender a afirmação de que a odds ratio de ser uma vítima de bullying é 2,4 vezes maior para estudantes com baixa autoestima. Fico preocupado quando pesquisadores usam escores em escalas de bullying (como “nunca” a “várias vezes por semana”) de 0 a 4 e analisam esses números como se fossem normalmente distribuídos em escalas de intervalo igual, como altura e peso. Esses escores médios não são muito significativos. Além disso, as distribuições desses tipos de variáveis de bullying geralmente são altamente distorcidas, o desvio‐padrão muitas vezes excede a média, torna os intervalos de confiança sem sentido, porque o intervalo de confiança mais baixo é um número negativo.
A boa notícia é que muitas intervenções baseadas no conhecimento sobre fatores de risco e proteção previnem e reduzem com sucesso o bullying no ambiente escolar. Hannah Gaffney et al. revisaram 100 avaliações de programas de prevenção de bullying nas escolas e descobriram que, em geral, eles reduziram a vitimização em 15 a 16%.18 Esses pesquisadores também revisaram os programas de prevenção de bullying nas escolas em todo o mundo e concluíram que foram mais eficazes na redução da vitimização na Itália, Espanha e Noruega.19 Infelizmente, a única avaliação na América do Sul (na verdade, no Brasil) que atendeu aos critérios de inclusão não produziu resultados animadores, pelo menos de acordo com as análises de Hannah Gaffney et al.20 Os programas mais eficazes foram o No Trap! da Itália, o Bully‐Proofing Your School dos EUA e o Olweus Bullying Prevention Programme da Noruega. Zych et al. recomendaram que o conceito espanhol de “convivência” fosse promovido nas escolas.6
Existe uma grande necessidade, no Brasil e em outros países, de um estudo longitudinal de prática de bullying e vitimização no ambiente escolar, nas faixas de 8‐10 anos a 16‐18 anos. Idealmente, deve haver avaliações anuais de prática de bullying e vitimização e de fatores de risco e proteção variáveis. De maneira ideal, as informações devem ser coletadas de alunos, pares, professores, pais e registros escolares. Seria possível, então, documentar as mudanças intraindividuais nos fatores de risco e proteção que foram seguidas de maneira confiável pelas alterações intraindividuais na prática de bullying e vitimização. É importante ressaltar que esse projeto estabeleceria se as mudanças nos fatores especificados (por exemplo, autoestima), precederam, seguiram ou coincidiram com as mudanças na prática de bullying e vitimização. Por sua vez, isso traria grandes avanços sobre o conhecimento das causas da prática de bullying e vitimização e iria sugerir quais fatores deveriam ser especialmente considerados como alvos nos programas de intervenção.
Concluindo, fica claro que o bullying no ambiente escolar é um grande problema, que causa grande sofrimento a muitos estudantes. Há uma grande necessidade de investimentos mais amplos em pesquisas sobre esse tema e em programas de intervenção eficazes. Espero que o artigo de Georgia Silva et al. direcione a atenção para os importantes problemas de bullying e vitimização de crianças e jovens e para a necessidade de mais investimentos em programas de intervenção nas escolas.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.