To identify the prevalence and associated factors with the performance of the Guthrie test, hearing, and red reflex screening tests in Brazil.
MethodsThis was a population‐based, cross‐sectional study that analyzed data on 5,231 children under 2 years of age participating in the National Health Survey of 2013. The study described the prevalence and Confidence Intervals (95% CI) of the three neonatal screening tests performed, in any period, and their association with the country's regions, skin color/ethnicity, private health insurance, and per capita household income. Logistic regression models were used, and odds ratios were calculated by incorporating sample weights.
ResultsThe prevalence of Guthrie test screening in Brazil at any time of life was 96.5%, that of the newborn hearing screening was 65.8% and that of the red reflex screening test was 60.4%. The performance of the three screening tests was significantly higher among children whose mothers/guardians reported higher per capita household income, who lived in the South and Southeast regions, and who had private health insurance (p <0.001). There was no statistically significant difference regarding the performance of the tests according to skin color/ethnicity (p> 0.05). The same inequalities were verified when the tests were performed during the recommended periods, with a strong socioeconomic gradient.
ConclusionsThere are inequalities in the performance of neonatal screening tests in the country, and also in the performance of these tests during the periods established in the governmental guidelines. The guarantee of the performance of these tests in a universal and public health system, as in Brazil, should promote equity and access to the entire population.
Identificar prevalência e fatores associados à realização dos testes do pezinho, da orelhinha e do olhinho no Brasil.
MétodoEstudo transversal analítico de base populacional que analisou os dados de 5.231 crianças menores de dois anos participantes da Pesquisa Nacional de Saúde (2013). Foram descritas prevalências e intervalos de confiança (95% IC) da realização dos três testes de triagem neonatal, em qualquer período, e sua associação com as regiões do país, cor/etnia, posse de plano de saúde e renda domiciliar per capita. Empregaram‐se modelos de regressão logística e calcularam‐se as odds ratio e incorporaram‐se os pesos amostrais.
ResultadosA prevalência de realização do teste do pezinho no Brasil em qualquer momento de vida foi de 96,5%; do teste da orelhinha de 65,8% e do teste do olhinho de 60,4%. A realização dos três testes de triagem foi significativamente maior entre as crianças cujas mães/responsáveis reportaram maior renda domiciliar per capita, residiam nas regiões Sul e Sudeste e tinham plano de saúde (p <0,001). Não houve diferença estatisticamente significativa na realização dos testes segundo cor/etnia (p> 0,05). As mesmas desigualdades foram verificadas para a realização dos testes no período preconizado, com forte gradiente socioeconômica.
ConclusõesExistem desigualdades na realização dos testes de triagem neonatal no país e, também, na realização desses dentro dos prazos previstos nas diretrizes governamentais. A garantia desses testes em um sistema universal e público como no Brasil deveria promover a equidade e o acesso a toda a população.
A triagem neonatal é componente de políticas públicas em diversos países e refere‐se à identificação do nascimento até o 28° dia de vida de doenças ou distúrbios, permite seu tratamento ou manejo precoce.1 Por meio do rastreamento, espera‐se prover melhor prognóstico aos recém‐nascidos diagnosticados com algum problema de saúde, evitam‐se ou mitigam‐se distúrbios futuros e diminui‐se a carga de morbimortalidade.1–3
No Brasil, o Programa Nacional de Triagem Neonatal preconiza que o recém‐nascido receba alta hospitalar com o teste do reflexo‐vermelho (teste do olhinho) e o teste da oximetria de pulso (teste do coraçãozinho) feitos, além do teste do pezinho assegurado entre o 3° e o 5° dia de vida e da triagem auditiva (teste da orelhinha) no primeiro mês de vida.4 Embora a universalização desses testes seja almejada pelo programa, observam‐se diferenças populacionais no seu acesso.5
Apenas cerca de um terço dos recém‐nascidos no mundo são submetidos à triagem neonatal, visto que vários países ainda não têm programas nacionais de triagem neonatal.6 Alguns países da América Latina, como Cuba, Chile e Uruguai, abrangeram mais de 99% dos seus recém‐nascidos com as políticas de triagem neonatal em 2015, enquanto que o Brasil, em 2013, tinha cobertura nacional de 83%.7 Além disso, apesar da recomendação da feitura do teste do pezinho até o 5° dia após o nascimento, importante proporção é feita apenas a partir de oito dias de vida.8
A realidade nacional ainda demonstra importantes discrepâncias regionais na feitura dos testes de trigem.5 Além disso, Pinheiro et al. (2016)9 descreveram maior prevalência de feitura do teste do pezinho nos nascimentos na rede privada de saúde (99,4% vs. 89,6%). Tais desigualdades persistem mesmo em momento de ampliação da cobertura dos testes de triagem neonatal, fato que tem sido observado desde o início dos anos 2000 no Brasil.5,10–12 Apesar de sua relevância, as análises de vigilância dessas desigualdades têm sido direcionadas às variações regionais, não há estudos em nível nacional sobre a desigualdade no acesso à triagem neonatal de acordo com características individuais, o que justifica a importância do presente estudo. Ele objetiva analisar as diferenças na feitura da triagem biológica, da triagem auditiva e do teste do reflexo‐vermelho no Brasil segundo características demográficas e socioeconômicas.
MétodosEstudo transversal analítico que empregou dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013. A PNS é uma pesquisa de abrangência nacional e de base domiciliar desenvolvida em parceria pelo Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Seus microdados são de domínio público, estão disponíveis no portal do IBGE13 e para o presente estudo foram obtidos em março de 2018.
A PNS tem como objetivo analisar a situação de saúde e o uso dos serviços de saúde pela população. Seu processo de amostragem foi feito por conglomerados e dividido em três estágios. O conjunto de setores censitários, baseados no Censo Demográfico de 2010, formou as Unidades Primárias de Amostragem (UPAs). O segundo estágio foi composto pelos domicílios e o terceiro por um morador com idade igual ou superior a 18 anos em cada residência. A partir das UPAs selecionadas, um número fixo de domicílios particulares foi escolhido por amostragem aleatória simples. Por fim, entre os domicílios selecionados, um morador adulto foi sorteado para responder o questionário detalhado da PNS.14
A coleta de dados ocorreu entre 2013 e 2014. Foram selecionados 81.254 domicílios e feitas 64.348 entrevistas individuais com o morador adulto selecionado. A partir da amostra da PNS é possível estimar indicadores para as unidades federativas, capitais e regiões metropolitanas do Brasil. Mais detalhes metodológicos da PNS estão descritos em publicação anterior.14 Entre os assuntos investigados na PNS está a saúde das crianças com menos de dois anos. As informações referentes a esse grupo foram obtidas junto às mães da criança ou responsáveis e trataram do uso de serviços de assistência à saúde, alimentação, vacinação e testes de triagem neonatal. Para o presente estudo, os desfechos foram calculados a partir das informações oferecidas no Módulo L e são referentes às crianças menores de dois anos residentes nos domicílios selecionados. Os dados relativos a 5.231 crianças foram coletados.
Os desfechos estudados no presente estudo foram a feitura do teste do pezinho, da orelhinha e do olhinho, em qualquer período, categorizados como “sim” e “não”. Eles foram analisados segundo regiões de residência (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro‐Oeste), cor/etnia autorreferida do respondente (branca, preta, parda; em razão da reduzida quantidade de pessoas autor referidas amarelas e indígenas, esses grupos foram excluídos da análise), posse de plano de saúde no momento da entrevista (sim/não) e renda domiciliar per capita (foi considerado o valor total em reais recebido no domicilio no último mês, dividido pelo número de pessoas que moram naquele domicílio. O valor final foi categorizado em quintis). Em seguida, também foram estimadas as prevalências segundo as variáveis exploratórias da feitura dos testes do olhinho e do pezinho na primeira semana de vida e da orelhinha no primeiro mês, conforme recomendação do Ministério da Saúde.1
Os dados foram analisados com o pacote estatístico Stata 14 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos), consideraram‐se o efeito de delineamento e os pesos amostrais. Para as análises, foram calculadas as prevalências de feitura dos três testes segundo as características sociodemográficas, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (95% IC), e foi usado o teste do qui‐quadrado para verificar diferenças nas distribuições. Em seguida, fez‐se análise de regressão logística uni e multivariada, calcularam‐se como medida de associação a odds ratio e seus 95% IC. Foi empregado o procedimento stepwise forward.15 Em todas as análises, o nível de significância considerado foi p <0,05.
A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em junho de 2013, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 10853812.7.0000.0008. Assim, esta pesquisa segue integralmente aos preceitos éticos constantes na resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466, de 2012.
ResultadosFizeram parte deste estudo 5.231 crianças menores de dois anos. Em relação aos testes feitos em qualquer período, 96,5% responderam que o bebê fez o teste do pezinho. Em contrapartida, apenas 65,8% das pessoas afirmaram que o bebê fez o teste da orelhinha e 60,4% o teste do olhinho (tabela 1). Dois terços dos adultos respondentes residiam nas regiões Sul ou Sudeste, aproximadamente metade era branca e 29,5% tinham plano de saúde.
Distribuição da amostra e prevalência (95% IC) da feitura dos testes do pezinho, orelhinha e olhinho. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Variável | n (%) | Teste do pezinho (%) (95% IC) | Teste da orelhinha (%) (95% IC) | Teste do olhinho (%) (95% IC) |
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Regiões | ||||
Norte | 1.569 (30,0) | 89,0 (86,1/91,4) | 41,7 (37,3/46,3) | 36,1 (32,1/40,2) |
Nordeste | 1.569 (30,0) | 93,6 (91,9/94,9) | 44,1 (40,4/47,8) | 35,7 (32,3/39,3) |
Centro Oeste | 644 (12,3) | 98,4 (96,7/99,2) | 59,2 (54,4/63,8) | 50,0 (44,9/55,1) |
Sudeste | 920 (17,6) | 99,5 (98,5/99,8) | 83,5 (80,2/86,3) | 83,0 (79,7/85,9) |
Sul | 529 (10,1) | 99,4 (98,3/99,7) | 89,4 (85,0/92,6) | 81,1 (76,6/84,8) |
Cor/etnia | ||||
Branca | 2.224 (42,8) | 97,6 (96,9/98,2) | 75,6 (73,5/77,6) | 70,8 (68,7/72,9) |
Preta | 278 (5,4) | 95,7 (94,5/ 96,7) | 55,5 (51,6/59,2) | 53,6 (50,2/56,9) |
Parda | 2.690 (51,8) | 95,4 (94,5/96,1) | 57,1 (54,3/59,7) | 50,6 (48,1/53,1) |
Plano de saúde | ||||
Sim | 1.264 (29,5) | 99,4 (99,0/99,4) | 89,5 (87,1/91,4) | 84,1 (81,8/86,1) |
Não | 3.967 (70,5) | 95,2 (94,3/95,9) | 55,6 (53,3/57,8) | 50,2 (47,9/52,5) |
Renda | ||||
1° quintil | 1.824 (30,2) | 91,9 (90,1/93,4) | 43,4 (40,6/46,2) | 38,3 (35,6/41,1) |
2° quintil | 1.312 (25,0) | 97,2 (96,1/97,9) | 60,2 (57,4/62,9) | 53,2 (50,6/55,7) |
3° quintil | 858 (18,3) | 99,0 (98,6/99,2) | 78,5 (75,6/87,2) | 72,1 (67,9/75,9) |
4° quintil | 651 (14,5) | 99,1 (98,6/99,4) | 85,1 (80,3/88,9) | 82,7 (78,6/86,2) |
5° quintil | 586 (12,0) | 99,3 (99,1/99,4) | 90,4 (88,8/91,8) | 85,7 (83,2/88,0) |
Total | 5.231 (100) | 96,5 (95,8/97,0) | 65,8 (63,9/67,7) | 60,4 (58,5/62,3) |
95% IC, intervalo de confiança de 95%; n, número total.
Com relação aos testes, observou‐se para todos maior proporção de adequação nas regiões Sul e Sudeste e menor no Norte e Nordeste (fig. 1). Também foi identificado que a adequação foi mais elevada entre crianças cuja mãe ou responsável era branca, detentores de plano de saúde e nos estratos mais ricos da amostra, houve claro efeito dose‐resposta nesse último caso. Em todas as análises, as diferenças entre as categorias foram maiores nos testes do olhinho e da orelhinha.
Na análise univariada (tabela 2), observou‐se associação positiva da feitura do teste do pezinho com a renda domiciliar per capita, com a região de moradia e com a posse de planos de saúde. Para o teste da orelhinha e do olhinho, além dessas variáveis, associou‐se com os desfechos a cor/etnia, foi maior a chance de fazer os testes entre os brancos.
Análise de regressão logística univariada para feitura em qualquer período dos testes do pezinho, orelhinha e olhinho, segundo variáveis sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Variável | Teste do pezinho | Teste da orelhinha | Teste do Olhinho | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
OR | (95% IC) | p | OR | (95% IC) | p | OR | (95% IC) | pc | |
Região | |||||||||
Norte | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Nordeste | 1,79 | (1,25/2,58) | 0,002 | 1,10 | (0,86/1,40) | 0,426 | 0,98 | (0,78/1,24) | 0,911 |
Sudeste | 26,21 | (8,03/85,47) | <0,001 | 7,07 | (5,30/9,43) | <0,001 | 8,68 | (6,55/11,51) | <0,001 |
Sul | 20,28 | (6,87/59,86) | <0,001 | 11,78 | (7,60/18,26) | <0,001 | 7,60 | (5,52/10,46) | <0,001 |
Centro Oeste | 7,70 | (4,36/17,13) | <0,001 | 2,02 | (1,55/2,65) | <0,001 | 1,77 | (1,35/2,32) | <0,001 |
Cor/Etnia | |||||||||
Preta | 1,00 | 1,00 | 1,0 | ||||||
Parda | 0,91 | (0,42/1,97) | 0,827 | 1,06 | (0,74/1,53) | 0,733 | 0,88 | (0,60/1,29) | 0,538 |
Branca | 1,87 | (0,82/4,25) | 0,134 | 2,48 | (1,70/3,62) | <0,001 | 2,10 | (1,43/3,08) | <0,001 |
Plano de saúde | |||||||||
Não | 1,00 | 1,0 | ? | 1,0 | |||||
Sim | 9,20 | (3,80/22,28) | <0,001 | 6,78 | (5,13/8,96) | <0,001 | 5,23 | (4,04/6,77) | <0,001 |
Renda | |||||||||
1° quintil | 1,00 | 1,0 | 1,0 | ||||||
2° quintil | 3,03 | (1,98/4,63) | <0,001 | 1,97 | (1,58/2,46) | <0,001 | 1,83 | (1,47/2,26) | <0,001 |
3° quintil | 8,69 | (4,99/15,14) | <0,001 | 4,78 | (3,68/6,22) | <0,001 | 4,16 | (3,17/5,46) | <0,001 |
4° quintil | 10,34 | (4,61/23,17) | <0,001 | 7,45 | (5,01/11,09) | <0,001 | 7,71 | (5,41/11,00) | <0,001 |
5° quintil | 12,49 | (3,34/46,74) | <0,001 | 12,35 | (8,03/19,02) | <0,001 | 9,69 | (6,18/15,19) | <0,001 |
95% IC, intervalo de confiança de 95%; OR, odds ratio; p, valor de p obtido por meio da análise de regressão logística.
A tabela 3 apresenta os resultados da análise multivariada. Verificou‐se maior chance de feitura do teste do pezinho nas regiões Sudeste, Sul, Centro‐Oeste e Nordeste em comparação com a Norte. O mesmo se observou nos testes da orelhinha e do olhinho, exceto que não houve diferença estatisticamente significativa entre as regiões Norte e Nordeste. Em relação à cor de pele/etnia, não foram observadas diferenças nos testes de triagem neonatal. Em todos os testes foram identificadas maiores chances de feitura entre aqueles que referiram ter plano de saúde. No que diz respeito à renda, houve gradiente econômico expressivo com a maior feitura da triagem neonatal entre os mais ricos. A chance de fazer os testes da orelhinha e do olhinho foram 3,78 e 3,50 vezes maiores nos 20% mais ricos em comparação com os 20% mais pobres, à exceção do teste do pezinho.
Análise de regressão logística multivariada para feitura em qualquer período dos testes do pezinho, orelhinha e olhinho, segundo variáveis sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Variável | Teste do pezinhoa | Teste da orelhinhab | Teste do olhinhoc | ||||||
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OR | (95% IC) | p | OR | (95% IC) | p | OR | (95% IC) | p | |
Região | |||||||||
Norte | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Nordeste | 1,75 | (1,21/2,53) | 0,003 | 1,09 | (0,85/1,39) | 0,472 | 0,96 | (0,76; 1,22) | 0,700 |
Sudeste | 14,56 | (4,34/48,85) | <0,001 | 4,46 | (3,33/5,96) | <0,001 | 5,72 | (4,20; 7,78) | <0,001 |
Sul | 11,60 | (3,93/34,20) | <0,001 | 7,59 | (4,74/12,14) | <0,001 | 4,71 | (3,29; 6,72) | <0,001 |
Centro Oeste | 5,61 | (2,34/13,47) | <0,001 | 1,34 | (1,01/1,77) | 0,039 | 1,75 | (0,86; 1,53) | 0,341 |
Cor/etnia | |||||||||
Preta | 1,00 | 1,00 | 1,00 | ||||||
Parda | 1,15 | (0,52/2,55) | 0,715 | 1,25 | (0,82/1,90) | 0,282 | 0,98 | (0,66; 1,44) | 0,923 |
Branco | 1,10 | (0,47/2,58) | 0,817 | 1,45 | (0,94/2,24) | 0,084 | 1,21 | (0,82; 1,79) | 0,315 |
Plano de saúde | |||||||||
Não | 1,00 | 1,0 | 1,00 | ||||||
Sim | 2,65 | (1,18/5,93) | 0,018 | 2,98 | (2,19/4,06) | <0,001 | 2,18 | (1,63; 2,91) | <0,001 |
Renda | |||||||||
1° quintil | 1,00 | 1,0 | 1,00 | ||||||
2° quintil | 2,02 | (1,30/3,15) | 0,002 | 1,32 | (1,04/1,66) | 0,019 | 1,20 | (0,97; 1,50) | 0,105 |
3° quintil | 3,70 | (2,01/6,80) | 0,000 | 2,37 | (1,79/3,12) | <0,001 | 2,02 | (1,50; 2,71) | <0,001 |
4° quintil | 3,35 | (1,42/7,88) | 0,006 | 2,91 | (1,87/4,51) | <0,001 | 3,42 | (2,26; 5,17) | <0,001 |
5° quintil | 3,18 | (0,94/10,73) | 0,061 | 3,78 | (2,36/6,05) | <0,001 | 3,50 | (2,06; 6,10) | <0,001 |
95% IC, intervalo de confiança de 95%; OR, odds ratio; p, valor de p obtido por meio da análise de regressão logística.
O presente estudo observou diferença na prevalência de feitura dos testes de triagem, a proporção de bebês que fizeram o teste do pezinho foi sensivelmente superior à dos testes da orelhinha e do olhinho. Para os três testes, foram identificadas desigualdades na feitura, as maiores prevalências foram observadas entre os residentes das regiões Sul e Sudeste, de cor/etnia branca, cujas mães/responsáveis tinham planos de saúde e entre os mais ricos. As mesmas desigualdades foram observadas em relação à feitura dos testes dentro dos prazos previstos nas diretrizes governamentais.
Alcançar a cobertura universal a esses testes tem sido um desafio no Brasil e também em outros países. Na China, a regulamentação do programa de triagem neonatal determina a triagem de fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, porém o rastreamento de problemas auditivos neonatais ainda não é obrigatório. Ainda assim, diretrizes nacionais asseguraram uniforme desempenho de triagem a esses testes, com altas taxas cobertura que chegam a 99% em algumas cidades.16
Apesar de alta prevalência do teste do pezinho, constatação também evidenciada no presente estudo, a cobertura para o teste da orelhinha ainda pode ser considerada baixa se comparada com a de outros países que têm a sua recomendação nas primeiras semanas de vida. Na Polônia, a partir de regulamento emitido pelo Ministério da Saúde em 2003 sobre a ampliação da triagem auditiva obrigatória a todos os recém‐nascidos, obteve‐se discreto aumento de cobertura desse teste de 97,8% em 2004 para 98,4% em 2017.17
No Brasil, quando instituído em 2001, o Programa de Triagem Neonatal englobava apenas o teste do pezinho.18 Foi mais recentemente que os testes do olhinho e da orelhinha foram incluídos nessas recomendações.4 A feitura do teste do pezinho nas Unidades Básicas de Saúde, somada à expansão dos serviços de Atenção Primária à Saúde no país, pode explicar a maior prevalência da feitura desse teste em comparação com os da orelhinha e do olhinho.19
Ainda, há de se destacar que o conhecimento diferenciado acerca da importância da feitura de cada teste também pode ser um fator explicativo para a maior prevalência do teste do pezinho. Estudo feito em Minas Gerais entre 2014?2015 demonstrou que 98,7% das puérperas consideram o teste do pezinho importante, apesar de apenas 57% afirmarem ter recebido informações sobre esse exame durante o pré‐natal.20 Em contrapartida, estudo conduzido em Curitiba entre 2013?2014 identificou que somente 30,0% das puérperas informaram ter recebido informações sobre a triagem auditiva neonatal no pré‐natal.20
Sobre o teste do olhinho, apesar de sua feitura ser preconizada para antes da alta hospitalar, observam‐se disparidades segundo as regiões de nascimento. Assim, classificá‐lo e difundir a prática de que seja um dos itens do exame físico inicial do recém‐nascido ainda na maternidade e/ou imediatamente na atenção básica poderia vir a ser uma opção para aumento de sua abrangência.1,5
Estudos que avaliaram o Programa de Triagem Neonatal já haviam demonstrado aumento da cobertura desses testes, porém suas prevalências seriam variáveis entre as regiões brasileiras.10,21 Ainda num recorte brasileiro, os achados do presente estudo corroboram pesquisa nacional que visou a analisar a evolução da triagem auditiva neonatal no âmbito do SUS entre 2008 e 2011. Nela demonstrou‐se que houve crescimento da cobertura desse exame no período, porém com claras diferenças regionais.11 Essas disparidades podem ser reflexo da diferença financeira e de estrutura para implantação e manutenção dos serviços que envolvem o programa de triagem neonatal no país, desde o financiamento, descentralização dos serviços, até a oferta e capacitação de profissionais.21 Podem refletir, em suma, diferenças na organização da rede de atenção em saúde em todos os seus níveis.12
A cobertura da triagem neonatal foi avaliada em diversos países, inclusive no Brasil, e demonstrou‐se que as maiores coberturas estão nos estados credenciados para a feitura de mais testes (hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias e fibrose cística), ocorre o inverso naqueles credenciados para triagem apenas para hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria (valores que variam de 47%?76%), o que reflete aspectos de oferta e organização dos serviços.21
A feitura dos testes no período preconizado foi influenciada pela cor/etnia, região, posse de plano de saúde e renda, as maiores diferenças entre as categorias foram observadas para os testes do olhinho e da orelhinha, o que reforçando os achados de que as condições socioeconômicas estão associadas com o acesso e o uso dos serviços de saúde no país em tempo oportuno.22,23 Pessoas mais pobres têm múltiplas privações e essas estão relacionadas a níveis elevados de exposição a doenças, busca inadequada por cuidados de saúde e menor probabilidade de receber tratamento efetivo e oportuno, entre eles os testes de triagem.23
Ainda que cor/etnia não tenha demonstrado associação com qualquer dos três desfechos neste estudo, outros estudos têm demonstrado predomínio da cor/etnia branca na feitura dos testes de triagem e essas desigualdades raciais se revelam um desafio para sistemas de saúde baseados em princípios de equidade.24 No presente estudo, a incorporação da renda no modelo múltiplo retirou o efeito da associação dos desfechos com cor/etnia.
Ter plano de saúde também foi fator associado para a feitura dos três testes de triagem, independentemente da renda familiar per capita. Estudo de Pilotto et al. (2018)25 entre 1998?2013 já havia demonstrado incremento do uso dos serviços médicos e odontológicos, maior entre as pessoas com plano de saúde. Para os testes de triagem neonatal, estudo de Pinheiro et al. (2016)9 feito no Rio Grande do Norte, Brasil, em 2010, demonstrou que a diferença entre setor público e privado fica evidente quando a maior prevalência de feitura do teste do pezinho ocorreu para os nascidos no setor privado (99,4%) se comparados com aqueles nascidos no serviço público (89,6%).
Silva et al. (2011)22 observaram que a procura por serviços de saúde no Brasil foi mais frequente entre os indivíduos que tinham planos de saúde. Isso demonstrando que sua posse pode reduzir a existência de possíveis barreiras financeiras no acesso aos serviços, como também determina maior uso de serviços preventivos. O investimento e a qualificação da oferta desses exames no âmbito do SUS configuram‐se como importante estratégia na redução de disparidades de acesso a esses serviços, à medida que um sistema de saúde fortalecido e eficaz seria capaz de cobrir essas demandas, ao encontro do proposto pelo Ministério da Saúde na busca pela cobertura dos testes junto a 100% nos recém‐nascidos no país.
O presente estudo também observou associação entre a feitura dos testes e renda da mãe/responsável, quanto maior o quintil de renda, maiores as chances de feitura dos testes. Esse resultado está de acordo com Cavalcanti et al. (2012),26 que analisaram a triagem auditiva neonatal no Nordeste entre 2007?2009 e identificaram que a menor prevalência esteve associada com os menores quintis de renda, menor escolaridade da mãe e menor número de consultas de pré‐natal. Em países que ainda apresentam problemas de acesso aos testes, como o caso da Sérvia, Ucrânia e Croácia, observaram‐se diversos obstáculos, que incluem economias pobres e falta de apoio governamental, somadas a diferenças culturais, além de grandes variações geográficas.21
Segundo o IBGE (2016),27 a procura por atendimento de saúde varia de acordo a renda, é maior naquelas do maior quintil de renda. Ainda, em geral, pessoas com maior renda têm maior grau de escolaridade. Esses dados poderiam justificar a maior proporção de feitura dos testes de triagem pela população de maior renda, associado ao fato de que maior nível de instrução pode contribuir para o reconhecimento da importância da feitura desses testes.28 Ou seja, esse grupo populacional tem maior conhecimento sobre os benefícios dos testes, maior oportunidade em termos econômicos de viabilizá‐los (seja para se deslocar a uma unidade de saúde ou para consumi‐los no setor privado) e potencialmente reside em lugares com maior facilidade de acesso aos serviços de saúde.
Os testes de triagem neonatal, quando feitos no período recomendado, têm a capacidade de identificar as doenças‐alvo ainda em fase pré‐sintomática em recém‐nascidos e permitir intervenção precoce, prevenção de manifestações e acompanhamento da saúde da criança, seus benefícios já são consolidados na literatura.29 Apesar da oferta desses exames no SUS, a carência de profissionais, a falta de estrutura dos serviços20 e problemas no acompanhamento pré‐natal e de puerpério imediato podem ser sugeridas como possíveis causas para a não feitura desses testes no período recomendado.
Como limitações do estudo, destaca‐se que a PNS é uma pesquisa transversal e usa informações autorreferidas. Para a investigação dos testes de triagem, as informações foram respondidas pela mãe e/ou responsáveis, o que as sujeita a possíveis erros decorrentes de viés de memória. Ainda, a posse de plano de saúde se referia ao momento da entrevista, o que pode diferir do que ocorreu no momento em que os testes deveriam ser feitos, pode super ou subestimar as estimativas. Entretanto, é necessário considerar a importância de inquéritos populacionais periódicos que espelhem a realidade de saúde do país. A PNS constitui‐se uma das maiores pesquisas de base domiciliar em âmbito nacional, é reconhecidamente conduzida com rigor metodológico e a exploração de dados provenientes desse inquérito possibilita uma análise atual e contextualizada acerca dos desfechos investigados.
Este estudo mostrou que região, posse de plano de saúde e renda foram fatores associados à feitura dos testes do pezinho, orelhinha e olhinho no Brasil, demonstrou que existem disparidades na feitura dos testes de triagem neonatal no país. Desse modo, políticas intersetoriais devem ser planejadas e implantadas com vistas à articulação e à harmonização entre as diversas esferas governamentais, em que saúde, educação, economia e área social garantam, em conjunto, uma boa estruturação dos serviços prestados e atenção integral ao recém‐nascido/criança.
O Programa de Triagem Neonatal Brasileiro apresenta grande magnitude e destaca‐se pela sua inclusão no SUS. Apesar disso, atingir níveis mais altos de cobertura e acesso a esses testes no país é um desafio, especialmente em termos de organização e logística. Além do tamanho territorial e da descentralização dos serviços, o desenvolvimento econômico nacional e o baixo gasto público per capita em saúde também têm impacto, à medida que se devem reconhecer essas ações como importantes fatores na redução da mortalidade de recém‐nascidos e crianças.
O SUS é um sistema apoiado no conceito de cidadania ao estabelecer o acesso universal e integral à atenção à saúde. Assim, a garantia desses testes em um sistema universal e público deveria promover a equidade e o acesso à triagem de todos os recém‐nascidos. Porém, disparidades no acesso a esses serviços evidenciadas refletem a existência de outras lacunas que perpassam as questões da oferta. Fomentar a atenção básica em saúde, o pré‐natal de qualidade e o próprio Sistema Único de Saúde são medidas para se ampliar o acesso aos testes e reduzir as desigualdades existentes.
Nesse sentido, sugere‐se que novos estudos possam ser desenvolvidos com o objetivo de contribuir para a organização e a ampliação da oferta desses serviços no país, identificar fatores que modulam o acesso aos testes e meios de superar as barreiras descritas.
FinanciamentoConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic – 2016/2017), concedida a Mariana Borsa Mallmann, conforme edital Pibic/CNPq – Pibic‐Af/CNPq – BIPI/UFSC 2016/2017.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Mallmann MB, Tomasi YT, Boing AF. Neonatal screening tests in Brazil: prevalence rates and regional and socioeconomic inequalities. J Pediatr (Rio J). 2020;96:487–94.