Com base nos relatos disponíveis (até o momento da redação deste editorial) e nos dados científicos relatados pela China, Itália e pelos Estados Unidos, recém‐nascidos parecem ser significativamente menos afetados pela COVID‐19 do que os adultos.1–3 No entanto, a falta de evidências de alta qualidade para essa situação e o ritmo constante de informações novas e conflitantes têm sido um desafio geral para todas as especialidades médicas, inclusive a terapia intensiva neonatal. Em realidade, o conhecimento atual sobre infecção por coronavírus 2 (SARS‐CoV‐2) na síndrome respiratória aguda grave neonatal é limitado. Portanto, várias perguntas permanecem sem resposta e, ao mesmo tempo, a comunidade neonatal precisa agir. Não é de surpreender que isso tenha causado um estresse significativo entre os prestadores de cuidados de saúde neonatal.
Em todo o mundo, vários grupos importantes têm trabalhado diligentemente no desenvolvimento de protocolos e diretrizes para a COVID‐19 neonatal.4–7 No Brasil, um número significativo de documentos sobre esse assunto foi produzido rapidamente por entidades nacionais como a Sociedade Brasileira de Pediatria, o Ministério da Saúde e o Programa de Reanimação Neonatal.8–11 Sem dúvida, essas são etapas críticas e fundamentais na luta contra a COVID‐19, mas, dada a constante atualização e algumas informações conflitantes, os profissionais de saúde enfrentam dificuldades para determinar as melhores diretrizes locais. Para tornar as coisas ainda mais desafiadoras, notícias diárias (e muitas vezes não científicas) são divulgadas pela imprensa.
O que se sabe sobre a infecção neonatal por COVID‐19? Ainda não está estabelecido se a COVID‐19 pode apresentar transmissão transplacentária ou vertical. Recentemente, um relato da China descreveu três bebês com níveis séricos elevados de anticorpos IgG e IgM para SARS‐CoV‐2 após o nascimento.12,13 O curso pós‐natal da doença foi benigno e os resultados da reação em cadeia da polimerase – transcriptase reversa (RT‐PCR) quantitativa de amostras de swabs de nasofaringe, soro, secreções vaginais e leite materno foram negativos. Assim, considerando os resultados negativos de RT‐PCR e dado que os resultados falso‐positivos de IgM não são incomuns, e o declínio dos níveis de IgM foi muito incomum quando comparado a outras infecções congênitas, a possibilidade de transmissão materno‐infantil ainda é difícil de determinar.14 Os desfechos fetais podem depender mais da gravidade da infecção materna e/ou de doenças obstétricas concomitantes, em vez da transmissão da COVID‐19da mãe grávida para o feto.15
Neste momento, muito poucos casos positivos confirmados neonatais de COVID‐19 foram relatados em revistas científicas e todos apresentavam ausência de sintomas ou muito leves a moderados, sem qualquer caso fatal relatado em bebês <28 dias.1–3,16–19 Até o momento, a aquisição da COVID‐19 foi atribuída à transmissão horizontal de uma mãe ou prestadores de cuidados de saúde infectados, e não à vertical. Com base nessa evidência limitada, nenhum quadro clínico específico para a infecção por COVID‐19 neonatal tem emergido de maneira consistente. De fato, alguns casos de COVID‐19 positiva neonatal no Brasil foram relatados muito recentemente pelos noticiários ou por comunicações pessoais e as apresentações clínicas e os cursos neonatais foram tranquilizadores em relação aos casos relatados. No entanto, como a doença continua a se espalhar pelo mundo, devemos continuar vigilantes.
O que os profissionais que lidam com saúde neonatal devem fazer em relação à COVID‐19? Primeiro, todos os aspectos envolvidos nos cuidados neonatais (intensivos ou não) devem ser reavaliados no contexto da pandemia. Berçários normais para recém‐nascidos, unidades neonatais de cuidados intermediários e UTINs devem ser preparados e adotar práticas que sigam as melhores evidências disponíveis para a COVID‐19. Esse esforço envolve diretrizes: organização do espaço da unidade e/ou salas de isolamento ou áreas especiais para casos suspeitos ou confirmados, políticas para visitação de pais e parentes, adoção de equipamento de proteção individual (EPI) durante o parto de uma mãe com suspeita de ou positiva para COVID‐19 ou durante os cuidados neonatais. Além disso, são necessárias diretrizes claras para todos os tipos de procedimentos na sala de parto ou durante a internação hospitalar, como clampeamento de cordão, limpeza de secreções, sucção de vias aéreas e estômago, uso de todos os diferentes tipos de suporte respiratório, amamentação, protocolos operacionais para transporte intra‐hospitalar (para radiologia ou salas de cirurgia), transporte de recém‐nascidos vindos de outros locais e seleção de casos que devem ser testados e quando.
O que deve ser feito para o cuidado geral após o nascimento? As condições clínicas da mãe e do recém‐nascido determinarão os cuidados após o nascimento. Se houver suspeita ou confirmação de COVID‐19 na mãe e ambos estiverem estáveis e o recém‐nascido não for prematuro, os prestadores de cuidados de saúde neonatais devem oferecer orientações sobre precauções para evitar a propagação do vírus, inclusive lavagem das mãos pela mãe antes de tocar no bebê, máscara facial durante a amamentação e permanecer isolada em alojamento conjunto. Por outro lado, se a mãe ou o recém‐nascido estiverem doentes, devem permanecer separados, considere a intenção da mãe de amamentar através da expressão do leite materno, limite de visitas e medidas adequadas de isolamento durante a internação.20 Os neonatos positivos para COVID‐19 devem ser isolados e monitorados clinicamente, a fim de evitar surtos na UTIN. Devido à ausência de evidências de transmissão vertical e através do leite materno, a maioria das sociedades científicas recomenda não separar mães e recém‐nascidos, com o objetivo de promover a amamentação e o vínculo neonatal, com exceção dos casos com mães gravemente sintomáticas – nesses casos, são sugeridas medidas de barreira, bem como a administração de leite materno após sua expressão.21
O que fazer quando a assistência respiratória neonatal for necessária? Questões importantes relacionadas ao manejo respiratório no período imediato do pós‐parto de bebês nascidos de mães com suspeita de ou positivas para COVID‐19 e a proteção necessária que os profissionais de saúde devem usar já foram abordadas.22 Além disso, foram levantadas questões sobre que tipos de suporte respiratório podem ser usados com segurança na UTIN em lactentes admitidos com suspeita ou confirmação de COVID‐19 ou que se tornaram positivos durante a hospitalização.
Podemos continuar a usar as estratégias respiratórias atuais? Sim, com algumas modificações sugeridas para abordar a possibilidade de geração de aerossóis e dispersão de ar expirado durante a administração de oxigênio e o suporte ventilatório.23,24 Há uma revisão sistemática publicada em 2014 pela OMS que classificou as evidências para o uso de precauções contra a geração de aerossóis e a dispersão do ar expirado como muito baixas, sem qualquer estudo que avaliasse neonatos.25 Com base em dados de engenharia com o uso de modelos adultos, a probabilidade de geração significativa de aerossóis e a dispersão do ar durante a ventilação com bolsa e máscara, pressão positiva contínua nas vias aéreas, ventilação nasal com pressão positiva intermitente, terapia com cânula nasal de alto fluxo, intubação endotraqueal e ventilação mecânica invasiva é bastante baixa, mas não desprezível.26–28 Considerando a falta de evidências científicas fortes e claras durante essa pandemia e até que mais informações sejam fornecidas, os profissionais de saúde devem usar equipamento de proteção individual (EPI) completo durante os cuidados respiratórios de bebês em casos suspeitos ou confirmados. Isso deve incluir luvas, avental de mangas compridas, proteção para os olhos e uma máscara N95 ou equivalente. Além disso, recomenda‐se que bebês com infecção por COVID‐19 suspeita ou positiva sejam tratados em salas de pressão negativa ou isolados, usa‐se uma distância de 2 m entre as incubadoras nas UTINs abertas.
Dois últimos pontos merecem atenção especial: entubação endotraqueal imediata e uso de filtros bacterianos/virais. Não há evidências de que os recém‐nascidos precisem ser imediatamente entubados em caso de deterioração respiratória apenas por causa da infecção por COVID‐19. Primeiro, como a fisiopatologia da doença é diferente, nenhum caso de infecção neonatal por SARS‐CoV‐2 foi documentado. Segundo, a lesão pulmonar associada à ventilação mecânica é claramente um problema ao lidar com pulmões neonatais.29 Terceiro, dados provenientes de adultos sugerem que a intubação endotraqueal é o principal procedimento de geração de aerossóis e não deve ser feita profilaticamente.23,24 Quarto, durante epidemias virais anteriores, vários adultos foram tratados com sucesso com suporte respiratório não invasivo, sem qualquer evidência de aumento da contaminação ou dispersão de aerossóis.23 Assim, a única modificação recomendada para os cuidados respiratórios atuais é o uso de filtros hidrofóbicos bacterianos/virais localizados na parte expiratória dos sistemas. Qualquer estratégia nesses neonatos deve ser adaptada ao paciente específico, e não à doença. Isso já foi claramente descrito pela Sociedade Brasileira de Pediatria e pelo Programa Nacional de Reanimação Neonatal.8,9 É importante enfatizar que a adição de um filtro, embora eficaz na redução da dispersão viral, agrega espaço morto e aumenta a resistência do sistema, o que pode ser prejudicial para os prematuros se permanecerem no local por longos períodos. Portanto, ao usar esses filtros, os profissionais de saúde devem estar atentos às possíveis complicações e monitorar os bebês de perto. Além disso, em crianças que recebem CPAP de bolha, os filtros também podem aumentar a resistência do sistema e verificações eventuais da pressão podem garantir uma aplicação segura.
Este editorial reflete o conhecimento atual da COVID‐19 neonatal, mas como as informações mudam rapidamente, é altamente recomendável manter‐se atento às atualizações.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Procianoy RS, Silveira RC, Manzoni P, Sant’Anna G. Neonatal COVID‐19: little evidence and the need for more information. J Pediatr (Rio J). 2020;96:269–72.