To evaluate the demographics, genotype, and clinical presentation of pediatric patients presenting with distal intestinal obstruction syndrome (DIOS), and factors associated with DIOS recurrence.
MethodsCase series of ten patients (median age 13.2 years), followed‐up in a reference center, retrospectively assessed. Data analyzed included age, gender, cystic fibrosis genotype, meconium ileus at birth, hydration status, pulmonary exacerbation, Pseudomonas aeruginosa colonization, pancreatic insufficiency (PI), body mass index (BMI) at the episodes, clinical manifestations of DIOS, imaging studies performed, acute management of DIOS, maintenance therapy, and recurrence on follow‐up.
ResultsAll patients had two positive sweat chloride tests, and nine of ten also had genotype study. The most common genotype identified was homozygosis for the delta F508 mutation. In seven cases, a previous history of meconium ileus was reported. All patients had pancreatic insufficiency. Diagnosis of DIOS was based on clinical and imaging findings. Of the total number of episodes, 85% were successfully managed with oral osmotic laxatives and/or rectal therapy (glycerin enema or saline irrigation). Recurrence was observed in five of ten patients.
ConclusionIn this first report of pediatric DIOS in South America, the presence of two risk factors for DIOS occurrence was universal: pancreatic insufficiency and severe genotype. Medical history of meconium ileus at birth was present in most patients, as well as in the subgroup with DIOS recurrence. The diagnosis relied mainly on the clinical presentation and on abdominal imaging. The practices in the management of episodes varied, likely reflecting changes in the management of this syndrome throughout time.
Avaliar os dados demográficos, o genótipo e o quadro clínico de pacientes pediátricos que apresentam síndrome da obstrução intestinal distal (DIOS) e os fatores associados à recidiva da DIOS.
MétodosCasuística de 10 pacientes (média de 13,2 anos) monitorados em um centro de referência e avaliados de forma retroativa. Os dados analisados incluíram idade, sexo, genótipo da fibrose cística, íleo meconial no nascimento, estado de hidratação, exacerbação pulmonar, colonização por Pseudomonas aeruginosa, insuficiência pancreática (IP), IMC nos episódios, manifestações clínicas da DIOS, estudos de diagnóstico por imagem realizados, manejo agudo da DIOS, terapia de manutenção e recidiva no acompanhamento.
ResultadosTodos os pacientes apresentaram dois exames de cloreto no suor positivos e 09/10 também apresentaram estudo do genótipo. O genótipo mais comum identificado foi a homozigose da mutação delta F508. Em sete casos foi mencionado um histórico de íleo meconial. Todos os pacientes apresentaram insuficiência pancreática. O diagnóstico da DIOS teve como base achados clínicos e de imagem; 85% do número total de episódios foram tratados com sucesso com laxantes osmóticos orais e/ou terapia retal (enema de glicerina ou irrigação salina). A recidiva foi observada em 5 de 10 pacientes.
ConclusãoNeste primeiro relatório da DIOS pediátrica na América do Sul, a presença de dois fatores de risco na ocorrência da DIOS foi universal: insuficiência pancreática e genótipo associado a doença grave. O histórico de íleo meconial no nascimento esteve presente na maioria dos pacientes, bem como no subgrupo com recidiva da DIOS. O diagnóstico dependeu principalmente do quadro clínico e do diagnóstico por imagem abdominal. As práticas de manejo de episódios variaram, provavelmente refletiram as mudanças no tratamento dessa síndrome ao longo do tempo.
A fibrose cística (FC) é uma doença autossômica recessiva monogênica com ampla variabilidade fenotípica – cerca de 300 variantes do Regulador da Condutância Transmembrana da Fibrose Cística (RTFC) patogênica causam a doença – e é a doença genética fatal mais prevalente em seres humanos. A inexistência de um RTFC funcional afeta vários sistemas de órgãos, com alta morbidez e mortalidade na FC, a torna secundária a doenças respiratórias – já que a FC está entre as principais causas de doenças pulmonares obstrutivas crônicas em crianças.1 Com a expectativa de vida média de pacientes com FC cada vez mais alta, manifestações gastrointestinais se tornam mais prevalentes, já que esse é o segundo sistema de órgãos mais afetado na FC.2 Considerando a carga e a complexidade dessa doença, um diagnóstico precoce e um cuidado especializado são obrigatórios. No Brasil, o programa de triagem neonatal inclui FC com ampla cobertura nacional e a maioria dos estados tem centros de referência para monitoramento desses pacientes.3
A síndrome da obstrução intestinal distal (DIOS) é uma complicação gastrointestinal específica da FC. Primeiramente foi descrita como síndrome da obstrução do intestino delgado distal neonatal causada por material semelhante ao mecônio nas fezes em 1945.4 É caracterizada pelo acúmulo de material fecal viscoso combinado com secreções mucosas víscidas e localizado no íleo distal e no ceco e que poderá aderir à parede intestinal, causa obstrução total ou quase total. Desde sua descrição inicial como “equivalente a íleo meconial”, não apenas a denominação mudou para “síndrome da obstrução intestinal distal” (DIOS),5 mas sua definição também foi analisada6 – com isso, a epidemiologia, a recidiva e a carga dessa complicação foram mais bem descritas e compreendidas.7
Em 2010, o Grupo de Trabalho de FC/Pâncreas da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN) abordou o problema de usar várias definições para DIOS ao publicar um documento de consenso que definiu DIOS como obstrução fecal ileocecal completa ou incompleta aguda, claramente diferenciada de constipação – definida como impactação fecal gradual no cólon. DIOS Completa (C‐DIOS) foi definida pela tríade de obstrução intestinal completa (clinicamente comprovada por vômito bilioso e/ou por meio de radiografias que mostrem os níveis de fluido no intestino delgado), presença de massa fecal ileocecal e dor ou distensão abdominal; ao passo que DIOS Incompleta/Iminente (DIOS‐I) foi caracterizada pela presença de breve histórico de dor e/ou distensão abdominal (por dias) com relação à massa fecal ileocecal na ausência de sinais de obstrução intestinal completa.6 Relatórios iniciais da incidência da DIOS constataram que essa era frequente em adultos e adolescentes, porém, após revisão dos critérios de diagnóstico, um estudo internacional e prospectivo recente relatou incidência semelhante em adultos e crianças com FC.7
Neste estudo, analisamos pacientes com FC diagnosticados com DIOS durante 16 anos no centro de referência de FC no Brasil. Ao avaliar dados demográficos, genótipo, quadro clínico, fase aguda e manejo da manutenção, visamos a caracterizar o quadro clínico, o tratamento e os fatores associados à ocorrência e à recidiva dessa complicação da FC.
MétodosUm estudo retrospectivo de casuística foi feito em um hospital terciário e centro de referência de FC. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital. Todos os dados coletados para esta casuística foram obtidos de prontuários médicos arquivados no Serviço de Arquivo Médico.
Para fins deste estudo, escolhemos incluir apenas pacientes internados para manejo da DIOS, já que os pacientes tratados de forma ambulatorial nem sempre podem ser identificados e podem não apresentar uma descrição meticulosa do diagnóstico, do tratamento e da resolução, o que prejudicaria a análise do estudo.
Em nosso centro, vemos 250 pacientes por ano em uma clínica ambulatorial pediátrica multidisciplinar de FC. Inicialmente, 16 pacientes internados com diagnóstico da DIOS foram identificados, quatro pacientes foram excluídos desta análise pois não atenderam aos critérios de diagnóstico ou apresentaram diagnóstico alternativo e dois pacientes tinham mais de 20 anos no diagnóstico do primeiro episódio da DIOS. Assim, 10 crianças e adolescentes de até 20 anos internados de maio de 2001 a março de 2017 foram incluídos nesta casuística.
Dois investigadores coletaram dados de prontuários médicos, inclusive idade, sexo, data de nascimento, histórico de íleo meconial no nascimento, data de ocorrência de episódio(s) da DIOS, genótipo, estado de hidratação do paciente nos episódios, presença ou ausência de exacerbação pulmonar durante os episódios, colonização por Pseudomonas aeruginosa, diagnóstico de insuficiência pancreática (IP) e outras morbidades relacionadas à FC, dose de lipase, Índice de Massa Corporal (IMC), sintomas clínicos da DIOS, exame(s) feito(s) para o diagnóstico, manejo agudo e terapia de manutenção, recidiva e número total de episódios no período do estudo.
ResultadosAs características básicas dos pacientes estão resumidas na tabela 1. A faixa etária no primeiro episódio variou de 2,5 a 19,7 anos (mediana: 13,2 anos). Todos os pacientes apresentaram dois exames de cloreto no suor anormais, garantiram o diagnóstico de FC. O teste genético não foi disponibilizado para um dos 10 pacientes. Oito de nove pacientes examinados apresentaram duas mutações causadoras de doenças, cinco homozigotas para o delF508. A recidiva da DIOS foi observada em cinco pacientes, dos quais três eram do sexo masculine; 28 episódios da DIOS foram registrados, com número total de episódios por paciente que variaou entre um (5/10 pacientes) e 14. Em pacientes com DIOS recorrente, o tempo entre o primeiro e o segundo episódios variou entre 18 dias e 18 meses. O íleo meconial esteve presente no nascimento de 7 de 10 pacientes e, proporcionalmente, em 3 de 5 pacientes que apresentaram recidiva da DIOS.
Características básicas de sexo, genótipo, recidiva e número total de episódios de pacientes
Pacientes | Sexo | Mutação(ões) genética(s) na FC | Íleo meconial no nascimento | Idade (anos) no primeiro episódio da DIOS | Recidiva | Tempo (meses) entre primeiro e segundo episódio | Número de episódios da DIOS |
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1 | F | F508del/ G542X | Não | 2,5 | Sim | 18 | 2 |
2 | M | F508del/ F508del | Não | 16,6 | Não | ‐ | 1 |
3 | F | [Teste genético não realizado] | Sim | 13,2 | Não | ‐ | 1 |
4 | M | F508del/ F508del | Sim | 1,5 | Sim | 0,6 | 14 |
5 | M | F508del / 621+1G>T | Sim | 10 | Sim | 10 | 2 |
6 | M | F508del/ ‐ | Sim | 2,5 | Não | ‐ | 1 |
7 | M | 622‐2A>G / 711+1G>T | Não | 19,7 | Sim | 4 | 3 |
8 | F | F508del/ F508del | Sim | 13,4 | Não | ‐ | 1 |
9 | M | F508del/ F508del | Sim | 13,1 | Não | ‐ | 1 |
10 | F | F508del/ F508del | Sim | 17 | Sim | 6 | 2 |
Total: 10 pacientes | 4 do sexo feminino6 do sexo masculino | F508del como mutação mais comum | Íleo meconial: 07/10 | Média: 10,9Mediana: 13,15 | Recidiva: 05/10 | Média: 7,7Mediana: 6 | Total: 28 episódiosMédia: 2,8Mediana: 1,5(episódios/paciente) |
A diabetes relacionada à FC e a doença hepática relacionada à FC foram observadas isoladamente em um paciente. A insuficiência pancreática (IP) esteve presente universalmente, comprovada pela elastase fecal < 100μg/g – além disso, todos os pacientes receberam suplementação enzimática desde o primeiro ano de vida. No momento do episódio da DIOS, a dose de lipase variou entre 4 e 17,9 mil unidades/kg/dia, mediana: 7,2 mil unidades/kg/dia. O percentil do índice de massa corporal (IMC) no momento do primeiro episódio da DIOS variou entre <1 e 92, com cinco de dez pacientes com percentil menor do que ou igual a 3. Foi relatada desidratação em 5/28 episódios. Houve exacerbação pulmonar concomitante em 6/28 episódios. Metade dos pacientes foi colonizada por Pseudomonas aeruginosa. Os fatores relacionados ao ambiente e ao paciente no momento do episódio da DIOS estão descritos na tabela 2.
Fatores relacionados ao ambiente e ao paciente no momento do episódio de DIOS
Paciente (episódios) | Diabetes relacionada à fibrose cística (DRFC) | Doença hepática relacionada à fibrose cística (DHRFC) | Insuficiência pancreática (IP) | Percentila do IMC no primeiro episódio de DIOS | Desidratação clínica durante os episódios de DIOS | Exacerbação pulmonar concomitante durante os episódios de DIOS | Colonização por Pseudomonas aeruginosa |
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1 (02) | Não | Não | Sim | 92 | Não | Em 01/02 | No segundo episódio |
2 (01) | Não | Não | Sim | 5 | Não | Não | Não |
3 (01) | Não | Não | Sim | 3 | Sim (01) | Sim (01) | Sim |
4 (14) | Não | Não | Sim | <1 | Em 03/14 | Em 01/14 | Desde o primeiro episódio |
5 (02) | Não | Não | Sim | 67 | Não | Em 01/02 | Não |
6 (01) | Não | Não | Sim | 24 | Não | Não | Não |
7 (03) | Não | Sim | Sim | 3 | Em 01/03 | Em 01/03 | Sim |
8 (01) | Não | Não | Sim | 59 | Não | Não | Sim |
9 (01) | Sim | Não | Sim | <1 | Não | Não | Não |
10 (02) | Sim | Sim | Sim | <1 | Não | Em 01/02 | Desde o primeiro episódio |
Total:10 pacientes, 28 episódios | DRFC em 02/10 | DHRFCem 02/10 | IP: universalmente presente | IMC baixo de forma crítica em 05/10 pacientes | Desidratação clínica presente em 05/28 episódios | Exacerbação pulmonar concomitante em 06/28 episódios. | 05/10 pacientes colonizados por P. aeruginosa |
O diagnóstico da DIOS teve como base achados clínicos e de imagem. Dor abdominal, perda de peso recente, vômito e diminuição no número de evacuações foram as manifestações clínicas mais comuns relatadas. No entanto, em muitos casos, não foram observadas mudanças no trânsito intestinal. A obstrução foi completa em 5/28 eventos. Todos os pacientes fizeram no mínimo uma radiografia abdominal em todos os episódios da DIOS; ultrassom e tomografia computadorizada foram feitos apenas em alguns casos. As características clínicas e o trabalho de diagnóstico por imagem estão resumidos na tabela 3.
Manifestação clínica nos episódios da DIOS e exames de diagnóstico por imagem
Paciente (episódios) | Dor abdominal | Distensão abdominal | Náusea e vômito | Alteração dos hábitos de evacuação anterior à DIOS | DIOS Incompleta em comparação à DIOS Completa | Ultrassonografia como modalidade adicional de diagnóstico por imagem | Tomografia computadorizada |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 (02) | Em todos os episódios | Em todos os episódios | Não | Diarreia em 01/02 | Incompleta em ambos os episódios | Em 01/02 | Em 01/02 |
2 (01) | Sim | Não | Não | Não | Incompleta | Sim | Sim |
3 (01) | Sim | Sim | Sim | Constipação | Completa | Não | Não |
4 (14) | Em todos os episódios | Em 06/14 | Em 10/14 | Constipação em 05/14 | Incompleta em 12/14 | Não | Em 03/14 |
5 (02) | Em todos os episódios | Em 01/02 | Em 01/02 | Não | Incompleta em 02/02 | Em 01/02 | Não |
6 (01) | Sim | Não | Não | Não | Incompleta | Não | Não |
7 (03) | Em todos os episódios | Em 02/03 | Em 02/03 | Constipação em 02/03 | Completa em 02/03 | Não | Em 02/03 |
8 (01) | Sim | Não | Sim | Constipação | Incompleta | Não | Não |
9 (01) | Sim | Não | Sim | Não | Incompleta | Sim | Não |
10 (02) | Sim | Não | Não | Diarreia em 01/02 | Incompleta em 02/02 | Em 01/02 | Em 01/02 |
Total: 10 pacientes, 28 episódios | Dor abdominal universalmente presente | Distensão abdominal em 12/28 | Náusea e vômito em 16/28 | Alteração dos hábitos de evacuação anterior à DIOS em 11/28 | DIOS Incompleta em 23/28 | Ultrassonografia feita em 05/28 | TC em 08/28 |
Dos episódios da DIOS, 82% foram tratados clinicamente, não necessitaram de abordagem cirúrgica. Polietilenoglicol (PEG) e/ou acetilcisteína foram administrados oralmente ou por meio de um tubo nasogástrico em 16/28 eventos e foi feito um enema retal com glicerina ou uma irrigação salina normal em 21/27 eventos. Um paciente apresentou DIOS complicada por intussuscepção, deixou de responder ao tratamento médico e foi tratado por meio de endoscopia.8 Entre os 10 pacientes monitorados, 3 receberam tratamento com PEG oral e N‐acetilcisteína, 3 somente com N‐acetilcisteína e um somente com PEG. O tempo de acompanhamento mediano foi de 9,7 anos, com média de 8,1. Os dados sobre manejo agudo, terapia de manutenção e tempo de acompanhamento estão resumidos na tabela 4.
Modalidades de tratamento no tempo de manejo agudo, manutenção e acompanhamento após o primeiro evento
Paciente (episódios) | Polietilenoglicol (PEG) como manejo agudo | N‐acetilcisteína como manejo agudo | Terapia retal como manejo agudo | Tratamento cirúrgico | PEG como terapia de manutenção | N‐acetilcisteína como terapia de manutenção | Tempo de acompanhamento (anos) |
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1 (02) | Em 01/02 | Em ambos os episódios | Em ambos os episódios | Não | Não | Sim | 15,8 |
2 (01) | Não | Não | Sim | Não | Não | Não | 14,3 |
3 (01) | Não | Sim | Sim | Sim | Não | Não | 13 |
4 (14) | Em 09/14 | Em 07/14 | Em 11/14 | Em 02/14 | Sim | Sim | 11,1 |
5 (02) | Não | Em 01/02 | Em 01/02 | Não | Não | Sim | 10,6 |
6 (01) | Não | Não | Sim | Não | Não | Não | 8,8 |
7 (03) | Em 02/03 | Em todos os episódios | Em todos os episódios | Em 02/03 | Não | Sim | 5,8 |
8 (01) | Sim | Sim | Sim | Não | Sim | Não | 5,2 |
9 (01) | Sim | Não | Não | Não | Sim | Sim | 1,6 |
10 (02) | Em ambos os episódios | Em 01/02 | Não | Não | Sim | Sim | 1 |
Total: 10 pacientes, 28 episódios | 16/28 episódios | N‐acetilcisteína como tratamento em 16/28 | Terapia retal como tratamento em 21/28 episódios | Tratamento cirúrgico em 05/28 episódios (03/10 pacientes) | Manutenção com PEG em 05/10 pacientes | Manutenção com N‐acetilcisteína em 06/10 pacientes | Média: 8,7Mediana: 9,7 |
No melhor de nosso conhecimento, esta é a primeira casuística da DIOS no Brasil e na América Latina. Até em estudos internacionais e multicêntricos, o número de casos pediátricos da DIOS relatado é relativamente limitado e a incidência da DIOS varia entre 2,3 e 11,2 episódios/1000 pacientes‐anos7 – então o número de casos pediátricos descritos neste estudo é significativo. Nesta casuística, houve predominância de genótipos graves de RTFC, o que está de acordo com a observação de que a ocorrência da DIOS está relacionada à gravidade do genótipo da FC.6,9 Entre vários fatores identificados como predisposição à DIOS, o histórico de íleo meconial no nascimento foi relatado de forma consistente e também associado à recidiva7 e isso foi observado na maioria dos pacientes nesta casuística (7/10), bem como em uma parte significativa daqueles que apresentaram recidiva da DIOS (3/5) e entre pacientes que necessitaram tratamento cirúrgico (2/3). Outros fatores relatados como associados à ocorrência da DIOS – como desidratação, clima/tempo mais quente, exacerbação pulmonar da FC,10 colonização por Pseudomonas aeruginosa, diabetes mellitus relacionada à fibrose cística,7,11 doença hepática relacionada à FC, pós‐operatório de transplante pulmonar12,13 – não estiveram presentes de forma consistente nesta casuística.
Conforme relatado na literatura aplicável, na grande maioria dos episódios, o diagnóstico teve como base a combinação de histórico, exames clínicos e radiografias abdominais simples. Outras modalidades de diagnóstico por imagem, que podem auxiliar no diagnóstico diferenciado, foram feitas apenas em alguns casos. A respeito do tratamento médico da DIOS, houve mudanças nas terapias de preferência ao longo do tempo e ainda existe grande variabilidade na prática entre diferentes centros, sem comprovação de alta qualidade para orientar a prática, e isso refletiu nesta casuística. No momento, a terapia de primeira linha preferida no tratamento da DIOS incompleta é o uso de laxantes osmóticos orais,7 principalmente o polietilenoglicol (PEG), usado para esses fins em doses muito mais altas dp que a normal – 2g/kg, até, no máximo 80‐100g/dia – ou solução isosmótica de PEG de 20‐40mL/kg/hora até, no máximo 1 L/h por um período de até 8 horas.14 Em nossa casuística, a terapia retal foi usada com mais frequência – o que, de certa forma, reflete as práticas no momento dos eventos, ao passo que o uso de PEG foi preferencial em pacientes/episódios posteriores. O tratamento clínico foi bem‐sucedido em 82% dos episódios. Assim, a necessidade de tratamento cirúrgico da DIOS completa foi mais alta do que os 8% relatados na primeira coorte da DIOS prospectiva e multicêntrica (europeia).7
O uso da terapia de manutenção para prevenir a recidiva é recomendado com base no fato de que a ocorrência de uma DIOS está relacionada a um risco 10 vezes maior de um segundo episódio.6 Nesse sentido, a prática de nosso centro se assemelhou àquela relatada por centros europeus: a maioria dos pacientes recebeu alguma forma de terapia de manutenção de longo prazo – seja com PEG e/ou com acetilcisteína.
Nosso estudo tem algumas limitações. Primeiramente, os dados foram obtidos de forma retroativa, refletiram a prática de quase duas décadas – assim, a análise dos tratamentos administrados durante os anos provavelmente foi afetada por diferentes práticas/tendências ao longo do tempo e mesmo a capacidade de reconhecimento da DIOS provavelmente mudou ao longo desses anos. Entretanto, apesar das limitações mencionadas, acreditamos que esses resultados constituem um primeiro passo muito importante na discussão ainda incipiente sobre DIOS na América do Sul, já que a literatura reflete, atual e principalmente, as experiências e práticas americanas e europeias. Em segundo lugar, nossa casuística poderá não ser semelhante à de pacientes recrutados de registros gerais, que poderão incluir fenótipos mais brandos. E, por fim, ao incluir morbidades relacionadas à FC, é importante ter em mente que sua definição e seu reconhecimento também mudaram nas últimas décadas. Um estudo prospectivo seria a melhor abordagem para avaliar os fatores associados à DIOS, bem como diferentes estratégias de tratamento. Por fim, precisamos reconhecer que parte dos pacientes monitorados em nosso centro às vezes é tratada de forma ambulatorial ou internada em outras instituições para tratar doenças graves, porém, considerando que 85‐96% dos pacientes com DIOS são internados,7 e considerando a complexidade dos casos relatados, acreditamos que captamos a maioria dos episódios da DIOS que exigiram internação.
Concluindo, esta é a primeira casuística da DIOS na América do Sul, na qual relatamos um amplo espectro da apresentação da DIOS. Dois fatores de risco conhecidos estavam relacionados à DIOS: insuficiência pancreática e genótipo associado à doença grave. O histórico médico de íleo meconial no nascimento como fator de risco na ocorrência, recidiva ou necessidade de tratamento cirúrgico continua a ser controverso e esteve presente na maioria dos casos, bem como no subgrupo de pacientes com recidiva da DIOS. O reconhecimento e o tratamento médico precoces da DIOS são importantes para evitar resultados precários, como complicações ou necessidade de tratamento cirúrgico. No Brasil e na América do Sul, é necessário melhor conhecimento da epidemiologia associada à DIOS, já que os estudos anteriores sobre essa síndrome são basicamente americanos e europeus e as condições ambientais, como condições climáticas mais quentes, poderão influenciar a incidência e a prevalência dessa complicação grave de FC.15 São necessários estudos prospectivos locais nos quais o diagnóstico da DIOS pode ser sistematicamente avaliado e feito de acordo com as diretrizes da ESPGHAN,14 pois o reconhecimento precoce da DIOS por parte de pediatras envolvidos no cuidado de pacientes com FC é fundamental.
Conflitos de interessesOs autores declaram não haver conflitos de interesses.
Como citar este artigo: Sandy NS, Massabki LH, Gonçalves AC, Ribeiro AF, Ribeiro JD, Servidoni MF, et al. Distal intestinal obstruction syndrome: a diagnostic and therapeutic challenge in cystic fibrosis. J Pediatr (Rio J). 2020;96:732–40.
Estudo feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP, Brasil.