To perform a systematic review of the literature for scientific evidence of possible differences in cortisol concentrations in adolescents with eating disorders.
Source of dataElectronic searches were conducting in the PubMed, Scientific Electronic Library Online, Virtual Health Library, and Science Direct databases for articles published between 2007 and 2017 using the keywords, cortisol, hydrocortisone; eating disorders, bulimia, bulimia nervosa, anorexia, anorexia nervosa; adolescence, adolescent, adolescents.
Synthesis of dataA total of 192 articles were found. After the analysis of the eligibility criteria using the PRISMA method, 19 articles were selected for the present review. Most studies were conducted in Europe. Adolescents diagnosed with anorexia nervosa were evaluated in all studies, except one, when other eating disorders were investigated. Blood was the means used for the determination of cortisol. In ten studies, cortisol levels were higher in the group with anorexia than the control group and a reduction in cortisol levels occurred in the adolescents after being submitted to nutritional recovery.
ConclusionsPatients with eating disorders may have several clinical consequences, such as changes in body fat distribution, changes in bone mineral density, worsening of neurocognitive ability, and endocrine changes (e.g., hypercortisolemia), which in turn can lead to hyperglycemia, insulin resistance, hypertension, and increased risk of infections. The findings demonstrate that adolescents with eating disorders, especially anorexia nervosa, have increased cortisol levels, which are reduced after the treatment period. Further studies on differences in cortisol concentrations in adolescents with other eating disorders are needed, using different methods.
Realizar uma análise sistemática da literatura em busca de evidências científicas de possíveis diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares.
Fonte de dadosPesquisas eletrônicas foram realizadas nas bases de dados do Pubmed, da Scientific Electronic Library Online, da Biblioteca Virtual da Saúde e do Science Direct em busca de artigos publicados entre 2007 e 2017 que utilizaram as palavras‐chave: cortisol, hidrocortisona, transtornos alimentares, bulimia, bulimia nervosa, anorexia, anorexia nervosa, adolescência, adolescente e adolescentes.
Síntese dos dadosForam encontrados 192 artigos. Após a análise dos critérios de elegibilidade utilizando o método PRISMA, 19 artigos foram selecionados para esta análise. A maioria dos estudos foi realizada na Europa. Os adolescentes diagnosticados com anorexia nervosa foram avaliados em todos os estudos, com exceção de um, em que outros transtornos alimentares foram investigados. A coleta de sangue foi o meio utilizado para a determinação do cortisol. Em dez estudos, os níveis de cortisol estavam mais elevados no grupo com anorexia do que no grupo de controle e ocorreu uma redução nos níveis de cortisol nos adolescentes após serem submetidos a uma recuperação nutricional.
ConclusõesOs pacientes com transtornos alimentares podem apresentar diversas consequências clínicas, como alterações na distribuição de gordura corporal, alterações na densidade mineral óssea, piora da capacidade neurocognitiva e alterações endócrinas, como a hipercortisolemia que, por sua vez, pode levar à hiperglicemia, resistência à insulina, hipertensão e ao aumento do risco de infecções. Os achados demonstraram que os adolescentes com transtornos alimentares, principalmente a anorexia nervosa, apresentaram níveis mais elevados de cortisol, que são reduzidos após o período de tratamento. São necessários estudos adicionais sobre as diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com outros transtornos alimentares, utilizando meios diferentes.
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, Quinta Edição (DSM‐5), os transtornos alimentares são caracterizados por graves alterações no comportamento alimentar e apresentam uma etiologia multifatorial que envolve tanto predisposição genética quanto influências socioculturais, biológicas e psicológicas.1 Os comportamentos relacionados a transtornos alimentares, como dietas permanentes, o desejo de ser mais magra ou comportamento compensatório (vômito autoinduzido e exercícios excessivos) ocorrem com mais frequência em mulheres jovens.2
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência como a segunda década de vida (de 10 a 19 anos).3 Mäkinen et al.4 descrevem a adolescência como uma fase da vida marcada por profundas mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais que exigem adaptações para a adoção de novas práticas, novos comportamentos e autonomia para a vida adulta. Diante dessa situação, a adolescência se torna o período perfeito para diversos transtornos comportamentais, inclusive os alimentares.
O estresse foi identificado como um fator de risco potencial para o desenvolvimento de transtornos alimentares.5 Há evidências de que os pacientes normalmente vivenciam um estresse crônico grave decorrente de acontecimentos em suas vidas anteriores ao acometimento de transtornos alimentares.6 O cortisol é um dos hormônios esteroides diretamente relacionados a níveis elevados de estresse. Estudos preliminares oferecem evidências de que pacientes com anorexia nervosa apresentam níveis elevados de cortisol devido à associação entre esses transtornos e características comportamentais (níveis elevados de depressão e estresse). Além disso, hipercortisolemia, aumento do cortisol urinário livre e alteração do ritmo circadiano do cortisol poderão estar presentes em pacientes com peso normal que apresentam bulimia nervosa.7 Pacientes com transtornos alimentares não especificados também apresentam níveis mais elevados de cortisol do que seus controles correspondentes.8–10
O cortisol é um dos hormônios mais abundantes no corpo e seus níveis aumentam na presença de estresse físico e/ou psicológico. Um nível elevado de cortisol pode ser um gatilho para reações psicofisiológicas que resultam na hiperfunção do sistema nervoso simpático e do sistema endócrino, especificamente das glândulas adrenais.11,12 O cortisol é produzido pela glândula adrenal, que está envolvida na resposta ao estresse, e pode desempenhar um papel importante no comportamento alimentar, além de estar associado ao aumento da absorção de energia em indivíduos saudáveis. A produção de cortisol tem um ritmo circadiano que depende do estímulo do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Seu nível é alto próximo ao início das atividades diárias, reduz‐se ao longo das 24h.13
Embora as manifestações clínicas da hipercortisolemia em pacientes com anorexia nervosa possam parecer incompatíveis com as observadas em pacientes com a síndrome de Cushing, com exames adicionais existem diversos paralelos.14 Os níveis de cortisol no sangue durante a noite estão inversamente associados à densidade mineral óssea e positivamente associados à severidade dos sintomas da depressão e da ansiedade em mulheres com anorexia nervosa.15 Conforme o cortisol estimula a gliconeogênese, um aumento das concentrações de cortisol, além dos níveis elevados de GH, poderá ser outro mecanismo adaptativo para manter a euglicemia nessa condição de desnutrição severa. Além disso, os glicocorticoides são agonistas endógenos de leptina e insulina.16
Normalmente, o cortisol apresenta uma excelente associação entre sua produção e a atividade do eixo hipotalâmico‐pituitário‐adrenal (HPA) e é facilmente detectado na saliva, no sangue e na urina. Ele pode ser considerado um excelente biomarcador da função do HPA e, consequentemente, do estudo dos efeitos do estresse em seres humanos.17 A ativação repetida e prolongada de certos sistemas, inclusive do HPA, aumentará o risco de desenvolvimento de transtornos físicos (como infarto do miocárdio, esclerose múltipla, dor abdominal, transtornos menstruais, infecções virais, diabetes, artrite reumatoide, câncer) e psicológicos (como depressão, esquizofrenia, ansiedade)18 em seres humanos.
Considerando a importância das alterações hormonais que ocorrem como resultado de complicações clínicas em pacientes com transtornos alimentares, bem como a relação dessas alterações na manutenção desses transtornos, o objetivo deste estudo foi fazer uma análise sistemática da literatura sobre as diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares.
MétodosConfiguração e registro do estudoOs métodos usados neste estudo tiveram como base os Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta‐Análises (Prisma). O protocolo para esta análise foi inscrito no número de referência do International Prospective Register of Systematic Reviews (Prospero) CRD42017067630. Os artigos selecionados para análise foram submetidos a uma análise interpretativa direcionada pela pergunta norteadora.
Estratégia de buscaTrês analistas buscaram artigos publicados em periódicos indexados às bases de dados do Pubmed, da Scientific Electronic Library Online (SciELO), da Biblioteca Virtual de Saúde (Bireme) e do Science Direct. Foram usadas as seguintes palavras‐chave: hidrocortisona OU cortisol E transtornos alimentares OU anorexia OU anorexia nervosa OU bulimia OU bulimia nervosa E adolescentes OU adolescente OU adolescência (MeSH).
Critérios de seleçãoPara esta análise sistemática, foram selecionados estudos com base nos seguintes critérios de inclusão: estudos epidemiológicos (transversais, casos‐controle, coortes e ensaios clínicos) que avaliavam a concentração de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares publicados entre 2007 e 2017. Estudos epidemiológicos não relacionados ao tema de interesse, estudos experimentais, cartas ao editor, estudos de casos, revisão da literatura e estudos que envolveram animais foram excluídos.
ResultadosA pesquisa eletrônica levou à recuperação de 192 artigos (fig. 1). Um dos artigos havia sido aceito para publicação, mas o texto completo ainda não havia sido publicado. Depois de remover os artigos duplicados, os artigos restantes foram lidos e analisados por três analistas independentes submetidos a um treinamento e exercício de calibragem. Foram excluídos 102 artigos por não abordar o tema de interesse, não analisar o cortisol e não abordar transtornos alimentares ou envolver adultos. Após a exclusão dos artigos de análise, dos relatos de caso, da casuística, das cartas ao editor e dos estudos que envolveram animais, 19 artigos foram selecionados (tabela 1) e submetidos à análise com base nas categorias previamente estabelecidas. Sete categorias foram consideradas: o local em que o estudo foi feito; o ano da publicação; a amostra selecionada; o tipo de transtorno alimentar; os métodos de diagnóstico de transtornos alimentares; os métodos de coleta e análise do cortisol; e os resultados do cortisol na comparação entre o grupo com transtornos alimentares e o grupo de controle saudável.
Características dos 19 estudos incluídos nesta análise de estudos das alterações do cortisol em adolescentes com transtornos alimentares
Primeiro autor | Ano | Amostra | Sexo | Idade | Cortisol | Horário da coleta de cortisol | Transtorno alimentar | Resultados (concentração média de cortisol) |
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Föcker et al.19 | 2016 | 22 adolescentes com AN – tipo restritivo 20 adolescentes CS 117 adolescentes do grupo de controle psiquiátrico | Feminino | 14‐18 anos | Capilar | ‐ | AN | Média/Mediana (pg/mg) AN = 6,72 (5,19)/5,30 CS = 12,55 (9,69)/9,25 PC = 10,99 (12,41)/7,72 |
Levy‐Shraga et al.36 | 2016 | 174 adolescentes com AN (64 com hiponatremia e 110 com normonatremia) | Feminino | 10‐19 anos (média: 15,7 ± 1,8) | Sérico | 07h00‐09h00 | AN | Total = 607,3 ± 170,0 (nmol/L) Hiponatremia = 574,9 ± 169,6 Normonatremia = 624,8 ± 168,6 |
Paszynska et al.20 | 2016 | 101 adolescentes (47 com AN e 54 controles) | Feminino | 15,0 ± 2,0 | Salivar e | 09h00‐11h00 | AN | Média (DP)/Mediana (ng/mL): AN = 5,03 ± 2,85/4,5 CG = 3,77 ± 2,2/3,58 |
Pitts et al.33 | 2014 | 37 adolescentes com AN (24 com retorno de menstruação [ROM]) | Feminino | Idade média: 18 anos | Sérico | ‐ | AN | Média (μg/dL) Total = 15,9 (7,6) Sem ROM = 16,5 (8,3) ROM = 15,6 (7,3) |
Ostrowska et al.21 | 2013 | 107 adolescentes (86 com AN e 21 controles) | Feminino | AN = 15,48 ± 1,58 C = 15,86 ± 1,94 | Sérico | 09h00 | AN | Média (DP) μg/dL: AN = 24,17 ± 11,91 CG = 13,45 ± 4,67 |
Bühren et al.22 | 2012 | 55 adolescentes (28 com AN) | Feminino | Idade média (DP): AN = 15,6 ± (1,5) GC = 15,0 (1,7) | Sérico | 07h00‐10h00 | AN | Média (DP) nmol/L: AN T0= 912,4 (205,3) AN T1 = 686,5 (201,3) CG = 514,8 (201,0) |
Ginty et al.23 | 2012 | 24 adolescentes (12 com transtornos alimentares e 12 CS) | Feminino | Idade média: 19 anos | Salivar | ‐ | Transtornos alimentares | Aumento dos níveis de cortisol após tarefa estressante somente nas adolescentes saudáveis |
Mainz et al.24 | 2012 | 19 adolescentes com AN 19 adolescentes CS | Feminino | AN = 15,6 ± 1,9 CG = 15,7 ± 1,5 | Soro | 07h30‐08h30 | AN | AN (internação) = 880 ± 190 nmol/L AN (após recuperação de peso) = 652 ± 147 nmol/L |
Oskis et al.25 | 2012 | 8 adolescentes com AN – tipo restritivo 41 adolescentes CS | Feminino | AN = 15,46 ± 1,53 CG = 15,13 ± 1,64 | Salivar | Após acordar, 30 minutos e 12 horas depois. | AN | Níveis de cortisol mais elevados em adolescentes com AN todas as três vezes (sem dados absolutos) |
Buehren et al.26 | 2011 | 28 adolescentes (10 com AN e 18 controles) | Feminino | 12‐17 anos | Soro | 07h30‐08h30 | AN | Média (DP) nmol/L: AN T0 = 895,9 (192,5) AN T1 = 704,2 (204,9) CG = 530,0 (165,0) |
Shibuya et al.37 | 2011 | 21 adolescentes com AN 22 adolescentes CS | Feminino | AN = 14,4 ± 1,4 CG = 14,0 ± 1,2 | Salivar | 07h00‐19h00 | AN | Níveis de cortisol mais elevados durante a manhã, diminuindo gradualmente até a noite em ambos os grupos (dados não descritos) AUC: AN (antes do tratamento) = 55,7 ± 17,7 AN (após tratamento) = 39,1 ± 10,9 CG = 37,0 ± 11,7 |
Ziora et al.27 | 2011 | 195 adolescentes: 87 com NA restritiva; 17 com TANE; 30 com OB; 61 CS | Feminino | 11‐19 anos | Soro | ‐ | AN e TANE | Média (DP) μg/dL: AN = 23,91 ± 11,92 TANE = 21,90 ± 10,93 OB = 14,02 ± 4,93 H = 13,31 ± 4,78 |
Castro‐Fornieles et al.28 | 2009 | 21 adolescentes (12 com AN e 9 controles) | Ambos os sexos | 11‐17 anos | Soro | Em jejum de manhã | AN | Média (DP) μg/dL: AN = 18,0 (4,1) AN (apósrecuperaçãonutricional) = 13,6 (2,8) |
Haas et al.29 | 2009 | 50 adolescentes com AN 40 adolescentes CS | Feminino | AN = 15,2 ± 1,5 CG = 14,8 ± 0,8 | Soro | 07h00 –09h00 | AN | AN = 396 ± 190 pmol/L CG = 173 ± 59 pmol/L |
Castro‐Fornieles et al.30 | 2008 | 60 adolescentes (44 com AN e 16 controles) | Ambos os sexos | 10‐17 anos | Sérico | Manhã | AN | Média (DP) μg/dL: AN = 19,3 (8,2) AN (apósrecuperaçãodepeso) = 18,6 (15,7) |
Misra et al.34 | 2008 | 67 adolescentes (34 com AN e 33 controles) | Feminino | 12‐18 anos | Sérico | ‐ | AN | mcg/dL12h: AN = 6.208 ± 1.300 CG = 4.245 ± 2.824 |
Castro‐Fornieles et al.31 | 2007 | 24 adolescentes (12 com AN e 12 controles) | Ambos os sexos | 11‐17 anos | Sérico | Manhã | AN | Média (DP) μg/dL: AN = 18,0 (4,1) AN (apósrecuperaçãodepeso) = 13,6 (2,8) |
Misra et al.35 | 2007 | 36 adolescentes (17 com AN e 19 controles) | Feminino | 12‐18 anos | Sérico | ‐ | AN | mcg/dL12h: AN = 6.208 ± 1.300 CG = 4.119 ± 820 |
Oświęcimska et al.32 | 2007 | 25 adolescentes com AN 17 adolescentes CS | Feminino | 12‐18 anos | Sérico | 08h00‐09h00 | AN | AN = 19,31 ± 13,13μg/dL (valores normais = 7‐25μg/dL) |
AN, anorexia nervosa; AUC, área sob a curva; CG, grupo de controle; CS, controles saudáveis; OB, obesidade simples; PC, controles psiquiátricos; ROM, retorno da menstruação; TANE, transtorno alimentar nao especificado.
A maioria dos estudos (n = 14) foi feita na Europa.19–32 Três foram nas Américas33–35 e dois na Ásia.36,37 O ano com o maior número de publicações (n = 4) foi 2012.22–25 Todos os estudos envolveram adolescentes do sexo feminino e três envolveram também adolescentes do sexo masculino.28,30,31
Com relação ao método de coleta, os níveis de cortisol foram avaliados em amostras de sangue na maioria dos estudos (n = 14).21,22,24,26–36 Em quatro,20,23,25,37 cortisol foi medido em amostras de saliva e em um16 em folículos capilares. Com relação ao momento da amostragem, a maior parte dos estudos (n = 11) fez a coleta do hormônio exclusivamente de manhã.20–22,24,26,28–32,36 Somente um estudo não avaliou os adolescentes com diagnóstico de anorexia nervosa.23
Em dez estudos, os níveis de cortisol estavam mais elevados no grupo de adolescentes com anorexia em comparação com o grupo de controle.20–22,25–27,29,34,35,37 Em um estudo, os níveis de cortisol foram inferiores no grupo de adolescentes com anorexia em comparação com o grupo de controle.16 Em três estudos, o cortisol foi medido em um grupo de adolescentes com anorexia, sem comparação com um grupo de controle.32,33,36 Em quatro estudos, os níveis desse hormônio foram comparados antes e depois de um tratamento que envolveu o aumento de peso e constatou‐se uma redução dos níveis de cortisol na avaliação após o tratamento.24,28,30,31
DiscussãoO objetivo deste estudo foi fazer uma análise sistemática da literatura a respeito das diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares. A análise dos artigos confirma que a anorexia nervosa é o transtorno alimentar mais amplamente estudado, especialmente na Europa. O principal achado foi o nível mais elevado de cortisol em adolescentes com anorexia nervosa em comparação com os controles saudáveis, bem como a redução nos níveis desse hormônio após a recuperação de peso.
A anorexia nervosa é uma doença que causa severa desnutrição, é prevalente entre meninas adolescentes e mulheres jovens e afeta de 0,2 a 1% dessa população.38–42 Estudos que abordam a anorexia são mais comuns do que os que abordam outros transtornos alimentares, o que pode ser explicado pelo fato de que os sinais e sintomas são mais fáceis de detectar. Ademais, as complicações clínicas dessa doença são mais severas e a taxa de mortalidade é maior. A anorexia nervosa é caracterizada por uma imagem distorcida do corpo, peso muito baixo associado à incapacidade de ganhar ou manter peso e, com relação às mulheres, o DSM‐IV incluiu a amenorreia por pelo menos três ciclos menstruais nos critérios de diagnóstico.43 Contudo, os critérios revisados com relação ao peso são menos rigorosos no DSM‐5 e a amenorreia não é mais necessária para obter um diagnóstico.1 Apesar de a maioria dos estudos analisados terem sido feita com adolescentes com anorexia nervosa, a pesquisa tentou incluir transtornos alimentares em geral.
Três artigos explorados nesta análise também incluíram homens nas amostras de adolescentes. Os dados sobre a prevalência de transtornos alimentares na população do sexo masculino são, de certa forma, escassos. Por muitos anos, acreditou‐se que os transtornos alimentares afetavam somente a população do sexo feminino e vários testes de avaliação apresentam um viés de gênero devido a essas medidas terem sido criadas para mulheres, poderiam, portanto, levar a uma subestimação do problema na população do sexo masculino.44 O estudo mais citado estima taxas de prevalência de 0,3% para anorexia nervosa, 0,5% para bulimia nervosa e 2% para transtorno de compulsão alimentar entre homens, com o uso dos critérios do DSM‐IV.40 Assim, os homens representam 25% dos casos de anorexia e bulimia e 36% dos casos de transtorno de compulsão alimentar. No que diz respeito a diferenças nos níveis de cortisol entre os sexos, alguns estudos indicam que diferenças na resposta ao estresse neurobiológico favorecem os homens,45,46 porém muitos relatos têm demonstrado o efeito oposto47,48 e alguns não relatam diferenças entre sexos.49,50 Além disso, outros fatores podem ter influência, entre eles os transtornos neuropsiquiátricos, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós‐traumático, que são relacionados ao estresse e influenciados por hormônios sexuais e gonadais.51–54
O cortisol foi medido em amostras de sangue, amostras de saliva e, em um estudo, em folículos capilares. Independentemente do tipo de coleta, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com transtornos alimentares e os controles saudáveis. Contudo, a avaliação das concentrações hormonais na saliva é mais confiável, já que o processo de coleta de sangue em si causa estresse e pode elevar o nível de cortisol. Ademais, foram encontradas fortes correlações entre o cortisol salivar e o cortisol sérico em indivíduos normais de todas as idades e as amostras permanecem estáveis ao ser congeladas por longos períodos. As concentrações hormonais na saliva refletem a fração não vinculada à proteína carreadora (fração livre do hormônio).55 Um dos estudos nesta análise validou o uso de cortisol salivar para investigar a atividade do eixo hipotalâmico‐pituitário‐adrenal (HPA) em adolescentes com anorexia nervosa.37 De acordo com um estudo recente, os pacientes que sofrem de transtornos alimentares apresentam uma reatividade elevada do eixo HPA à exposição ao estresse e, normalmente, uma atividade simpática reduzida e parassimpática exagerada do sistema nervoso, ou seja, o eixo HPA interfere no ciclo circadiano.56
Em dez estudos, os níveis de cortisol foram comparados entre adolescentes com anorexia e controles saudáveis, constataram‐se níveis mais elevados no grupo com o transtorno alimentar. Outros estudos relataram que a anorexia nervosa está associada a um estado de hipercortisolemia relativa em adultos e adolescentes.15,57,58 O cortisol elevado apresenta múltiplos efeitos, como uma redução na densidade mineral óssea59 e um desempenho cognitivo menor.60 O cortisol elevado também promove um aumento da liberação de ácidos graxos livres devido à lipólise e à menor atividade da lipoproteína lipase, causa, assim, o aumento da resistência à insulina e a hiperglicemia.61 Shibuya et al.37 concluíram que uma concentração mais elevada de cortisol basal pode ser um indicador da gravidade da anorexia. Da mesma forma, Estour et al.57 sugerem que o cortisol poderia ser usado como um importante preditor prognóstico. Entretanto, os níveis raramente excederam em duas vezes o limite superior de normalidade. Os indivíduos com um índice de massa corporal baixo, bem como níveis baixos de massa de gordura, glicemia de jejum e insulina, apresentam níveis mais elevados de cortisol, o que é compatível com a teoria de que o aumento do cortisol é um mecanismo de adaptação para manter a normoglicemia em um baixo estado de energia.62
O aumento dos níveis de cortisol em adolescentes com anorexia se deve à hiperatividade do eixo HPA,63 que resulta na liberação do cortisol pelas glândulas adrenais. Estudos demonstraram um aumento nos níveis de cortisol salivar ou sérico na fase aguda da anorexia64–66 e foi sugerido que essa situação é uma adaptação biológica do apetite como consequência da privação crônica de alimentação.37 A redução nos níveis de cortisol após a recuperação de peso embasa essa teoria.
Neste estudo, foram consideradas apenas as alterações nos níveis de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares. Existe a possibilidade de que uma análise que envolva adultos ofereça resultados conflitantes no que diz respeito aos níveis de cortisol.
ConclusãoOs adolescentes com anorexia nervosa apresentam altos níveis de cortisol (sérico ou salivar) em comparação com os controles saudáveis. Um nível elevado de cortisol tem muitas consequências, inclusive a baixa densidade mineral óssea, e um desempenho cognitivo menor. Uma frequência muito baixa de outros transtornos alimentares, como a bulimia nervosa, foi encontrada nos estudos analisados e seus resultados poderiam ser conflitantes em comparação com pacientes com anorexia nervosa. A principal dificuldade no diagnóstico da bulimia diz respeito à ausência de perda de peso significativa, o que a difere da anorexia.
O aumento nos níveis de cortisol em adolescentes com anorexia nervosa gera dúvidas sobre em que medida essa população pode sofrer as consequências dessa doença em longo prazo e se essas alterações, como a hiperglicemia e a hiperinsulinemia, continuam mesmo após a recuperação do peso e a normalização dos níveis desse hormônio.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
À agência de fomento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por financiar este estudo, e aos pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Comportamentos e Transtornos Alimentares da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Como citar este artigo: Luz Neto LM, Vasconcelos FM, Silva JE, Pinto TC, Sougey ÉB, Ximenes RC. Differences in cortisol concentrations in adolescents with eating disorders: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2019;95:18–26.