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Vol. 92. Núm. 3.
Páginas 251-259 (maio - junho 2016)
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Vol. 92. Núm. 3.
Páginas 251-259 (maio - junho 2016)
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Calcium intake by adolescents: a population‐based health survey
Ingestão de cálcio por adolescentes: inquérito de saúde de base populacional
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Daniela de Assumpçãoa, Marcia Regina Messaggi Gomes Diasb, Marilisa Berti de Azevedo Barrosa, Regina Mara Fisbergc, Antonio de Azevedo Barros Filhob,
Autor para correspondência
abarros@fcm.unicamp.br

Autor para correspondência.
a Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil
b Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil
c Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
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Tabelas (4)
Tabela 1. Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo variáveis sociodemográficas. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09
Tabela 2. Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo variáveis de comportamentos relacionados à saúde. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09
Tabela 3. Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo morbidades e índice de massa corporal (IMC). Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09
Tabela 4. Modelo linear generalizado em duas etapas. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09
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Abstract
Objective

To analyze calcium intake in adolescents according to sociodemographic variables, health‐related behaviors, morbidities, and body mass index.

Methods

This was a cross‐sectional population‐based study, with a two‐stage cluster sampling that used data from a survey conducted in Campinas, São Paulo, Brazil, between 2008 and 2009. Food intake was assessed using a 24‐hour dietary recall. The study included 913 adolescents aged 10 to 19 years.

Results

Average nutrient intake was significantly lower in the segment with lower education of the head of the family and lower per capita family income, in individuals from other cities or states, those who consumed fruit less than four times a week, those who did not drink milk daily, those who were smokers, and those who reported the occurrence of headaches and dizziness. Higher mean calcium intake was found in individuals that slept less than seven hours a day. The prevalence of calcium intake below the recommendation was 88.6% (95% CI: 85.4 to 91.2).

Conclusion

The results alert to an insufficient calcium intake and suggest that certain subgroups of adolescents need specific strategies to increase the intake of this nutrient.

Keywords:
Adolescent
Calcium dietary
Food consumption
Health surveys
Resumo
Objetivos

Analisar a ingestão de cálcio em adolescentes segundo variáveis sociodemográficas, de comportamentos relacionados à saúde, morbidades e índice de massa corporal.

Métodos

Trata‐se de estudo transversal de base populacional, com amostra por conglomerados, tomada em dois estágios e que usou dados de inquérito feito em Campinas, São Paulo, Brasil, em 2008/09. O consumo alimentar foi estimado pelo Recordatório de 24 horas. Foram analisados 913 adolescentes de 10 a 19 anos.

Resultados

Médias significativamente inferiores de ingestão do nutriente foram verificadas nos segmentos de menor escolaridade do chefe da família, de menor renda familiar per capita, nos naturais de outros municípios ou estados, nos que consomem frutas menos do que quatro vezes na semana, nos que não bebem leite diariamente, nos fumantes e nos que referiram presença de dor de cabeça e tontura. Média superior de ingestão de cálcio foi encontrada nos indivíduos que dormem menos de sete horas por dia. A prevalência de ingestão de cálcio inferior ao recomendado foi de 88,6% (IC95%: 85,4‐91,2).

Conclusões

Os resultados deste estudo alertam para o consumo insuficiente de cálcio e sugerem que determinados subgrupos de adolescentes necessitam de estratégias mais específicas para aumentar a ingestão desse nutriente.

Palavras‐chave:
Adolescente
Cálcio na dieta
Consumo de alimentos
Inquérito de saúde
Texto Completo
Introdução

O cálcio é um nutriente essencial para a manutenção da saúde óssea, pois contribui para a mineralização e rigidez do esqueleto e consequentemente para a prevenção de problemas como a osteoporose e fraturas na vida adulta e na velhice.1,2 Também participa da formação de fibrina no processo de coagulação sanguínea e da regulação da contração muscular, uma vez que a proteína troponina, reguladora da contratibilidade da actina e miosina, é dependente de cálcio.3

A ingestão adequada de cálcio é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção do pico de massa óssea durante a adolescência.1,2 Do nascimento a idade adulta, a massa óssea aumenta 40 vezes e o pico é alcançado no fim da segunda década de vida.2 Entre 40% e 60% do acréscimo de massa óssea ocorrem na adolescência.2

Crianças e adolescentes entre nove e 18 anos apresentam recomendação nutricional mínima de 1.100mg de cálcio/dia, segundo a Estimated Average Requirements (EAR), não devem ultrapassar o nível de ingestão máximo tolerável de 3.000mg/dia.4 De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008‐2009, os valores médios mais elevados de ingestão de cálcio foram de 565,7mg nos meninos de 14 a 18 anos e de 521,7mg nas meninas de 10 a 13 anos.5

Leite e derivados, vegetais verdes escuros, certos tipos de peixes e oleaginosas representam importantes fontes alimentares do mineral.6 Pesquisas brasileiras têm mostrado que o padrão alimentar dos adolescentes é caracterizado pelo baixo consumo de alimentos como leite e produtos lácteos, frutas e hortaliças e pela alta ingestão de alimentos ricos em energia, gorduras saturadas, açúcares e sódio, tais como as bebidas açucaradas, guloseimas e biscoitos.7–10 Esse padrão de dieta pode estar prejudicando o consumo de alimentos ricos em cálcio.

Considerando a relevância da ingestão do nutriente para a saúde e os resultados de estudos que apontam elevada inadequação do consumo de cálcio por adolescentes, o objetivo deste estudo é avaliar o perfil epidemiológico da ingestão de cálcio em adolescentes do município de Campinas (SP), para identificar os segmentos mais susceptíveis à deficiência de consumo do nutriente, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à saúde, morbidades e índice de massa corporal.

Métodos

Estudo transversal de base populacional que compreendeu 929 adolescentes de 10 a 19 anos, não institucionalizados, residentes na área urbana do município de Campinas. Os dados deste estudo foram obtidos do Inquérito de Saúde no Município de Campinas (ISACamp 2008/09), feito entre fevereiro de 2008 e março de 2009.

A amostra do inquérito foi determinada por procedimentos de amostragem probabilística, por conglomerado e em dois estágios: setor censitário e domicílio. No primeiro estágio, foram sorteados 50 setores censitários com probabilidade proporcional ao tamanho (número de domicílios). No segundo estágio procedeu‐se ao sorteio dos domicílios.

O tamanho da amostra foi calculado considerando a estimativa de uma prevalência de 50% (corresponde à máxima variabilidade), com nível de confiança de 95%, erro de amostragem entre 4 e 5 pontos percentuais e um efeito de delineamento de 2, totalizando 1.000 adolescentes (10‐19 anos). Esperando 20% de não resposta, o tamanho da amostra foi corrigido para 1.250. Para alcançar esse número de indivíduos, foram sorteadas 2.150 residências para entrevistas com adolescentes.

As informações foram coletadas por meio de um questionário estruturado em blocos temáticos, testado em estudo piloto e aplicado por entrevistadores treinados e supervisionados. O consumo alimentar foi estimado pelo recordatório alimentar de 24 horas (R24h). Durante o trabalho de campo, o conteúdo dos R24h foi verificado para identificar e solucionar falhas de preenchimento. Fez‐se a quantificação dos R24h com o propósito de transformar em gramas ou mililitros as quantidades de alimentos e preparações referidas em medidas caseiras. Para isso, foram usadas informações disponíveis em tabelas de medidas caseiras,11,12 rótulos de alimentos e serviços de atendimento ao consumidor. As informações de ingestão foram inseridas na base de dados do software Nutrition Data System for Research (NDS‐R, versão 2007, University of Minnesota, EUA). Foram excluídos das análises os adolescentes com ingestão energética inferior a 600kcal/dia e superior a 6.000kcal/dia.13

Variáveis do estudoVariável dependente: média da ingestão de cálcio (mg/dia)

A prevalência de inadequação da ingestão do nutriente foi estimada com a Estimated Average Requirement (EAR) como ponto de corte, o que corresponde a 1.100mg e 800mg para os adolescentes de 10 a 18 anos e de 19 anos, respectivamente.4

Os seguintes conjuntos de variáveis independentes foram selecionados:

  • Demográficas e socioeconômicas: sexo, idade (em anos), etnia/cor da pele (autorreferida), número de pessoas no domicílio, naturalidade, escolaridade do chefe da família (em anos), atividade ocupacional, posse de plano de saúde, se o adolescente frequenta a escola, número de equipamentos na residência e renda familiar mensal per capita (em salários mínimos);

  • Comportamentos relacionados à saúde: tabagismo, frequência de consumo semanal de bebida alcoólica e de frutas, verduras cruas e leite obtida por meio de questionário de frequência alimentar; prática de atividade física em contexto de lazer categorizada em: ativos (adolescentes que praticam ao menos 150 minutos por semana, distribuídos, no mínimo, por três dias), insuficientemente ativos (os que praticam menos de 150 minutos por semana ou mais, porém em menos de três dias na semana) e sedentários (os que não praticam qualquer tipo de atividade física de lazer em nenhum dia da semana);14e quantidade de horas/dia destinadas ao sono e ao uso de computador.

  • Morbidades e Índice de Massa Corporal (IMC): presença de dor de cabeça/enxaqueca, de tontura, número de doenças crônicas e número de queixas de saúde entre as contempladas em checklist. O IMC foi calculado com informações autorreferidas de peso e altura. Foram usados os pontos de corte recomendados para adolescentes15 com as seguintes classificações: baixo peso, eutrofia, sobrepeso e obesidade.

Nas análises deste estudo, foram calculadas as médias da ingestão de cálcio, segundo as categorias das variáveis independentes. Foram estimadas as médias e os respectivos intervalos de confiança de 95% pelo uso de modelo de regressão linear generalizado (MLG) simples e múltiplo. A seleção das variáveis para o ajuste do modelo foi feita em duas etapas. Na primeira, foram inseridas as variáveis demográficas e socioeconômicas que apresentaram nível de significância inferior a 0,20 na análise bivariada, permaneceram no modelo aquelas com p<0,05. Na segunda etapa, foram acrescidas ao modelo as variáveis de comportamentos relacionados à saúde e morbidades que tiveram um p<0,20 na análise bivariada e mantiveram‐se as que permaneceram com nível de 5% de significância. O modelo foi ajustado pela energia total da dieta, conforme recomendação de Willett et al.16

O MLG permite assumir outras distribuições para a variável resposta além da normal e proporciona maior flexibilidade para a relação funcional entre a média da variável resposta e o preditor linear. As distribuições modeladas pelo MLG pertencem à família exponencial, que incluem distribuições para variáveis respostas tanto contínuas quanto discretas.17 A análise gráfica e os testes estatísticos de hipóteses evidenciaram a distribuição gama como adequada para modelar a ingestão de cálcio.

As entrevistas foram digitadas em banco de dados elaborado com o uso do Epidata 3.1 (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca) e as análises estatísticas foram feitas no programa Stata 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), módulo svy, que leva em conta os pesos e o delineamento de amostragem do estudo.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sob o CAAE n° 37303414.4.0000.5404. Para os adolescentes menores de 18 anos, o termo de consentimento foi assinado pelos pais ou responsável.

Resultados

Das 929 entrevistas obtidas, cinco foram excluídas devido à recusa de preenchimento do R24h e 11 por apresentar valor energético diário inferior a 600kcal ou superior a 6.000kcal. Portanto, foram analisados 913 adolescentes com média de 14,1 anos (IC95%: 13,8‐14,4).

O consumo de cálcio foi significativamente inferior nas meninas, nos adolescentes pertencentes aos estratos de menor renda familiar per capita e menor escolaridade do chefe de família, nos que não tinham plano médico de saúde e nos que tinham menor número de equipamentos domésticos na residência. Comparados com os adolescentes da rede privada de ensino, os que não frequentavam a escola ou que frequentavam escola pública apresentaram menor média de ingestão cálcio (tabela 1).

Tabela 1.

Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo variáveis sociodemográficas. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09

Variáveis e categorias  Médias (IC95%)  Valor de pa 
Sexo
Masculinob  462  692,3 (636,9‐747,7)   
Feminino  451  540,7 (436,4‐645,0)  0,000 
Total  913  618,2 (570,8‐665,5)   
Faixa etária (em anos)
10 a 14b  504  620,3 (567,0‐673,5)   
15 a 19  409  615,5 (496,0‐735,0)  0,886 
Cor da pele
Brancab  587  639,7 (595,6‐683,8)   
Não branca  323  579,0 (461,7‐696,4)  0,102 
Número de pessoas no domicílio
1 a 3b  220  646,0 (574,7‐717,4)   
4 a 6  579  627,3 (489,6‐764,9)  0,572 
7 ou mais  114  515,6 (290,6‐740,5)  0,094 
Naturalidade
Campinasb  692  633,8 (580,9‐686,6)   
Outro município ou estado  221  569,5 (445,6‐693,3)  0,075 
Escolaridade do chefe da família (em anos)
0 a 7  382  528,6 (379,8‐677,4)  0,000 
8 a 11  310  625,9 (476,2‐775,5)  0,003 
12 ou maisb  210  759,8 (695,5‐824,1)   
Renda per capita (em salário mínimo)
<1  578  564,6 (399,4‐729,9)  0,000 
≥ 1 a ≤ 2  193  646,7 (450,5‐842,9)  0,021 
>2b  142  785,1 (705,5‐864,8)   
Atividade ocupacional
Trabalhab  148  655,5 (557,8‐753,2)   
Não trabalha  754  610,4 (418,5‐802,3)  0,341 
Posse de plano de saúde
Possuib  307  712,8 (654,6‐771,0)   
Não possui  601  566,7 (440,7‐692,6)  0,000 
Frequenta a escola
Não  143  596,4 (412,9‐779,8)  0,019 
Sim, pública  607  589,7 (437,5‐741,8)  0,001 
Sim, particularb  162  735,0 (666,4‐803,5)   
Número de equipamentos no domicílio
0 a 10  420  538,6 (373,1‐704,2)  0,000 
11 a 15  231  643,2 (486,6‐799,8)  0,090 
16 ou maisb  261  718,7 (649,5‐787,8)   

n, número de indivíduos na amostra não ponderada.

a

Em negrito valor de p<0,05.

b

Categoria de referência usada para comparação.

Na tabela 2, verifica‐se que os indivíduos que consumiam frutas e leite com frequência inferior a quatro vezes na semana tiveram menor ingestão do nutriente, essa também significativamente menor entre os que não consumiam verduras cruas diariamente, nos fumantes, nos que ingeriam bebida alcoólica duas ou mais vezes na semana, nos que relataram nove ou mais horas de sono e naqueles que não usavam computador.

Tabela 2.

Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo variáveis de comportamentos relacionados à saúde. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09

Variáveis e categorias  Médias(IC95%)  Valor de pa 
Frutas
7 vezes na semanab  246  675,6 (602,5‐748,7)   
4 a 6 vezes na semana  189  671,0 (499,0‐842,9)  0,927 
≤ 3 vezes na semana  478  567,4 (413,7‐721,1)  0,010 
Verduras cruas
7 vezes na semanab  295  658,0 (597,5‐718,6)   
4 a 6 vezes na semana  214  581,2 (443,0‐719,3)  0,052 
≤ 3 vezes na semana  404  608,2 (480,9‐735,5)  0,140 
Leite
7 vezes na semanab  552  711,5 (663,8‐759,2)   
4 a 6 vezes na semana  94  649,0 (502,5‐795,4)  0,209 
≤ 3 vezes na semana  267  413,6 (316,8‐510,4)  0,000 
Refrigerantes
7 vezes na semana  207  625,4 (491,1‐759,6)  0,581 
4 a 6 vezes na semana  145  668,7 (518,3‐819,2)  0,186 
≤ 3 vezes na semanab  561  602,4 (551,1‐653,8)   
Tabagismo
Nunca fumoub  873  624,3 (577,0‐671,5)   
Ex‐fumante  18  591,9 (344,9‐838,8)  0,746 
Fumante  22  396,1 (255,0‐537,2)  0,000 
Consumo de bebida alcoólica
Não bebeb  764  616,4 (564,5‐668,3)   
1 a 4 vezes no mês  118  669,2 (525,6‐812,7)  0,253 
2 ou mais vezes na semana  26  476,7 (333,5‐620,0)  0,004 
Prática de atividade física no lazer
Sedentário  278  566,9 (428,4‐705,5)  0,013 
Insuficientemente ativo  305  610,0 (474,5‐745,6)  0,132 
Ativob  330  667,7 (607,7‐727,7)   
Sono (horas/dia)
<7  60  615,3 (443,0‐787,5)  0,445 
7 a 8b  450  657,9 (597,0‐718,8)   
9 ou mais  393  572,9 (446,6‐699,2)  0,012 
Uso de computador (horas/dia)
0b  437  563,8 (499,5‐628,1)   
1 a 2  298  657,5 (522,0‐792,8)  0,011 
3 ou mais  172  688,3 (527,2‐849,4)  0,013 

n, número de indivíduos na amostra não ponderada.

a

Em negrito valor de p<0,05.

b

Categoria de referência usada para comparação.

Médias mais baixas de ingestão de cálcio foram encontradas nos adolescentes que referiram presença de dor de cabeça e tontura (tabela 3).

Tabela 3.

Médias da ingestão de cálcio (mg) em adolescentes de 10 a 19 anos, segundo morbidades e índice de massa corporal (IMC). Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09

Variáveis e categorias  Médias (IC95%)  Valor de pa 
Dor de cabeça/enxaqueca
Sim  227  543,4 (431,8‐655,0)  0,003 
Nãob  686  642,7 (594,3‐691,1)   
Tontura
Sim  55  490,8 (349,5‐632,2)  0,005 
Nãob  858  626,2 (578,2‐674,2)   
Número de doenças crônicas
0b  739  613,7 (561,5‐665,9)   
1 ou mais  170  620,5 (500,6‐740,4)  0,840 
Número de queixas de saúde
0b  344  638,0 (572,9‐703,2)   
295  627,0 (494,5‐759,4)  0,742 
2 ou mais  274  583,9 (443,7‐723,9)  0,153 
IMC (kg/m2)
Baixo peso  30  468,2 (260,0‐676,4)  0,055 
Eutrofiab  565  619,8 (566,6‐673,0)   
Sobrepeso  133  668,5 (521,3‐815,6)  0,303 
Obesidade  81  626,7 (438,3‐815,2)  0,918 

n, número de indivíduos na amostra não ponderada.

a

Em negrito valor de p<0,05.

b

Categoria de referência usada para comparação.

Os resultados da tabela 4 apontam médias inferiores de cálcio nos indivíduos naturais de outros municípios ou estados, nos segmentos de menor escolaridade do chefe da família, nos que têm renda familiar inferior a um salário mínimo, nos que ingerem frutas com menor frequência semanal, nos que não bebem leite diariamente, nos tabagistas e nos que disseram ter dor de cabeça e tontura. Por outro lado, média superior foi verificada nos adolescentes que dormem menos do que sete horas/dia, comparados com os que relataram entre sete e oito horas de sono.

Tabela 4.

Modelo linear generalizado em duas etapas. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp), 2008/09

Variáveis e categorias  Primeira etapaa (IC95%)  Valor de pb  Segunda etapac (IC95%)  Valor de pb 
Sexo
Masculinod  328,6 (213,2‐443,8)    408,3 (281,3‐535,3)   
Feminino  297,5 (148,7‐446,5)  0,068  399,8 (229,6‐570,0)  0,694 
Naturalidade
Campinasd  328,6 (213,2‐443,8)    408,3 (281,3‐535,3)   
Outro município ou estado  279,7 (123,6‐435,8)  0,020  372,4 (216,1‐528,7)  0,017 
Escolaridade do chefe (em anos)
0 a 7  173,4 (9,25‐337,6)  0,000  300,3 (125,6‐475,0)  0,000 
8 a 11  245,7 (68,2‐423,2)  0,010  344,3 (158,3‐530,2)  0,034 
12 ou maisd  328,6 (213,2‐443,8)    408,3 (281,3‐535,3)   
Renda per capita (em salário mínimo)
<1  241,2 (52,0‐430,5)  0,022  321,7 (117,5‐526,0)  0,029 
≥ 1 a ≤ 2  240,3 (44,7‐435,8)  0,032  355,6 (145,5‐565,8)  0,209 
>2d  328,6 (213,2‐443,8)    408,3 (281,3‐535,3)   
Frutas
7 vezes na semanad      408,3 (281,3‐535,3)   
4 a 6 vezes na semana      392,8 (210,7‐575,0)  0,576 
≤ 3 vezes na semana      355,9 (183,4‐527,4)  0,025 
Leite
7 vezes na semanad      408,3 (281,3‐535,3)   
4 a 6 vezes na semana      328,6 (155,3‐502,1)  0,001 
≤ 3 vezes na semana      215,4 (51,0‐379,9)  0,000 
Tabagismo
Nunca fumoud      408,3 (281,3‐535,3)   
Ex‐fumante      453,4 (211,4‐695,3)  0,434 
Fumante      336,1 (151,2‐521,0)  0,016 
Sono (horas/dia)
<7      506,7 (297,2‐716,2)  0,020 
7 a 8d      408,3 (281,3‐535,3)   
9 ou mais      413,6 (255,7‐571,5)  0,732 
Dor de cabeça/enxaqueca
Sim      371,5 (218,0‐525,0)  0,007 
Nãod      408,3 (281,3‐535,3)   
Tontura
Sim      332,3 (153,0‐511,6)  0,005 
Nãod      408,3 (281,3‐535,3)   
a

Ajustada por energia e pelas variáveis demográficas e socioeconômicas.

b

Em negrito valor de p<0,05.

c

Ajustada por energia e por todas as variáveis da tabela.

d

Categoria de referência usada para comparação.

A prevalência de inadequação da ingestão de cálcio foi de 88,6% para a população total (IC95%: 85,4‐91,2), atingiu 85,1% nos meninos (IC95%: 80,6‐88,7) e 92,2% nas meninas (IC95%: 89,1‐94,5). No maior nível de escolaridade do chefe (12 anos ou mais), os valores corresponderam a 79,8% no conjunto dos adolescentes (IC95%: 71,1‐86,0), 75,9% no sexo masculino (IC95%: 65,0‐84,4) e 84,5% no sexo feminino (IC95%: 76,0‐90,4) (dados não apresentados em tabela).

Discussão

Este estudo identificou insuficiente ingestão de cálcio nos adolescentes, ainda significativamente inferior nos indivíduos naturais de outros municípios ou estados, nos estratos de menor escolaridade do chefe da família, no segmento de menor renda familiar per capita, nos que consomem frutas menos do que quatro vezes na semana, nos que referiram não beber leite diariamente, nos fumantes e nos que relataram presença de dor de cabeça e tontura.

Dentre as limitações da presente pesquisa destaca‐se a aplicação de somente um recordatório de 24 horas (R24h), o que não reflete a ingestão habitual dos adolescentes, pois não detecta a variabilidade do consumo. Entretanto, o R24h é considerado um instrumento adequado para avaliar a ingestão média de alimentos e nutrientes quando aplicado em base populacional e nos diferentes dias da semana e meses do ano, como ocorreu no ISACamp 2008/09.18 Também, a possibilidade de causalidade reversa do estudo de corte transversal impede interpretar os resultados encontrados como de causa e efeito.

O Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014, propõe um olhar abrangente para a alimentação e sua relação com a saúde, estabelece suas diretrizes com base nos nutrientes, nos alimentos, nas combinações entre os alimentos e nas formas de prepará‐los.19 O foco deste estudo foi avaliar a ingestão de cálcio por se tratar de um nutriente essencial para o desenvolvimento e a manutenção da massa óssea ao longo da vida, bem como para a prevenção da osteoporose durante a infância e a vida adulta, e de fratura decorrente de osteoporose.2 Entre os adolescentes, evidências a respeito do baixo consumo de alimentos ricos em cálcio,10,20 da elevada ingestão de sódio20 e refrigerantes8 e de que importante parcela não atinge os níveis recomendados de prática de atividade física21 reforçam a necessidade de pesquisas epidemiológicas sobre o consumo de cálcio.

Neste estudo, a ingestão média de cálcio foi de 692,3mg nos meninos e 540,7mg nas meninas, resultado superior aos valores encontrados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008‐2009, de 565,7mg nos meninos e 521,7mg nas meninas de 10 a 18 anos.5 Contudo, foi inferior às médias obtidas em estudo feito com 507 estudantes de Ouro Preto (MG), que alcançaram 730,6mg e 679,4mg no sexo masculino e feminino, respectivamente.22

A ingestão de cálcio abaixo da necessidade média estimada (EAR) atingiu 88,6% dos adolescentes do município de Campinas. Analisando dados do Inquérito Nacional de Alimentação (INA) de 2008‐2009, Veiga et al.20 encontraram prevalências de inadequação superiores a 95% em indivíduos entre 10 e 18 anos. Esse resultado tem sido atribuído ao baixo consumo de leite e derivados que constituem as principais fontes alimentares do nutriente, bem como a sua substituição por refrigerantes e outras bebidas açucaradas.5,23

Na análise bivariada, o sexo feminino mostrou‐se associado ao menor consumo de cálcio, mas não permaneceu no modelo final devido ao ajuste pelo consumo de energia (kcal). A ingestão de energia foi significativamente menor nas meninas, de 2.715,2kcal no sexo masculino (IC95%: 2.522,8‐2.907,6) e de 2.277,1 (IC95%: 1.977,0‐2.577,1) no feminino. Ainda assim, optou‐se por manter a variável sexo para ajuste do modelo.

Comparados com os adolescentes nascidos em Campinas, os naturais de outros municípios ou estados apresentaram menor ingestão de cálcio. Com relação aos indivíduos de 10 a 18 anos, a POF de 2008‐2009 observou variações nas médias de ingestão de cálcio entre as grandes regiões do Brasil, o Nordeste apresentou os valores mais baixos e o Sudeste os mais altos.5

Os achados desta pesquisa apontam um aumento significativo da ingestão de cálcio com a melhoria dos níveis de escolaridade do chefe da família. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2009 mostram uma associação positiva do consumo regular de leite (cinco dias ou mais na semana) com a escolaridade materna.24 Estudos que analisaram a qualidade da dieta de adolescentes encontraram ingestão superior de leite e derivados e de hortaliças nos estratos de maior escolaridade do chefe da família.25,26

Foi constatada menor ingestão de cálcio nos indivíduos que residiam em domicílios com renda mensal per capita inferior a um salário mínimo. Os resultados da PeNSE revelam baixa proporção de consumo regular de leite nos indivíduos de menor nível socioeconômico.24 Com base na POF de 2008‐2009, Levy et al.27 identificaram crescimento da participação de leite e laticínios na dieta com a melhoria do rendimento familiar. Em Pelotas (RS), pesquisadores avaliaram 2.209 adolescentes e observaram uma redução significativa da frequência de consumo diário de leite com a pioria do nível socioeconômico.7

O consumo de frutas inferior a quatro vezes na semana mostrou‐se associado à menor ingestão de cálcio. Estudo de base populacional desenvolvido no município de São Paulo encontrou que dos 812 adolescentes entrevistados apenas 6,5% atenderam a recomendação mínima diária de 400g de frutas, verduras e legumes.9 Segundo informações da PeNSE de 2009, 31,5% (IC95%: 30,8‐32,2) dos escolares referiram consumir frutas frescas regularmente, sem diferenças entre os sexos e a dependência administrativa das escolas.21 Aumentar o consumo de frutas e hortaliças é uma das metas nacionais definidas para deter o crescimento das doenças crônicas não transmissíveis, que envolve ações direcionadas à promoção da alimentação saudável no Programa de Alimentação Escolar, a redução dos preços e a maior oferta e produção desses alimentos.28

Os indivíduos que disseram beber leite diariamente tiveram média mais elevada do nutriente. Entre os participantes da PeNSE, 53,6% mencionaram consumir leite em cinco ou mais dias da semana.24 Dos 20 alimentos mais citados pelos adolescentes incluídos na POF 2008‐2009, o item sucos e refrescos ocupou a 6a posição (43,5%), enquanto leite integral a 18a (12,9%).29 Dados nacionais mostram que de 1974 a 2003 a disponibilidade domiciliar de leite e derivados aumentou 36% e a de refrigerantes 400%.23 Estudo transversal desenvolvido no Canada com 610 crianças de 8 a 10 anos averiguou uma queda na ingestão de bebidas açucaradas com o aumento do consumo de laticínios, além de significativa redução na pressão arterial sistólica no segmento que ingeria duas ou mais porções diárias de produtos lácteos.30

Em relação aos que nunca fumaram, os fumantes apresentaram menor consumo de cálcio. Em inquérito de base populacional com adolescentes de 12 a 19 anos, Bigio et al.9 verificaram nos fumantes uma diminuição do consumo de frutas, verduras e legumes. Em uma amostra de 2.375 indivíduos com 12 anos ou mais, Andrade et al.31 observaram que os fumantes apresentavam pior qualidade global da dieta, refletida pelo menor consumo de frutas e leite e derivados, e maior de carnes e sódio. Pela observação da associação com a dieta, o controle do tabagismo pode contribuir para a efetividade de estratégias dirigidas à promoção de comportamentos saudáveis, incluindo os hábitos alimentares.

Os adolescentes que relataram ter de dor de cabeça/enxaqueca e tontura tiveram ingestão significativamente inferior de cálcio. Não foi encontrado na literatura estudo que tenha analisado a associação entre o consumo de cálcio e a ocorrência de cefaleia ou de tontura. Com a mesma amostra investigada nesta pesquisa, Braz et al.32 verificaram uma prevalência de problemas de saúde de 61,5%, a dor de cabeça frequente/enxaqueca é referida por 24,8% dos adolescentes.

Maior ingestão de cálcio foi encontrada nos indivíduos que mencionaram dormir menos do que sete horas por dia. Leal et al.10 verificaram que 21% dos adolescentes não tomavam o café da manhã e 22% o lanche da tarde, refeições normalmente compostas por leite e derivados. Portanto, o fato de o adolescente apresentar maior duração do sono pode ter contribuído para a exclusão do café da manhã e consequentemente para a menor ingestão de alimentos com alto teor de cálcio.

Foi observada concomitância de uma dieta inadequada em cálcio com outros comportamentos não saudáveis, como tabagismo e menor frequência de consumo de frutas. Esse resultado evidencia a importância de ações dirigidas ao conjunto de comportamentos que influenciam o estado geral de saúde dos adolescentes, incluindo a promoção da alimentação saudável.

O presente estudo traz informações de âmbito populacional sobre o consumo de cálcio nos indivíduos de 10 a 19 anos residentes em Campinas, mostra que há uma deficiência no consumo do nutriente em todos os segmentos analisados e identifica que os estratos de menor nível socioeconômico e os que apresentam outros comportamentos inadequados revelam resultados ainda mais desfavoráveis. Esses achados sugerem que estratégias de promoção da alimentação saudável devem levar em conta as especificidades de cada subgrupo populacional.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo n° 409747/2006‐8), pelo financiamento da pesquisa e pelas bolsas de produtividade de M.B.A. Barros e de R.M. Fisberg. À Secretaria Municipal de Saúde de Campinas e à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, pelo apoio financeiro à pesquisa de campo do Isacamp 2008. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa de doutorado recebida por D. Assumpção.

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Como citar este artigo: de Assumpção D, Dias MR, de Azevedo Barros MB, Fisberg RM, de Azevedo Barros Filho A. Calcium intake by adolescents: a population‐based health survey. J Pediatr (Rio J). 2016;92:251–9.

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