Enabling development of the ability to communicate effectively is the principal objective of cochlear implantation (CI) in children. However, objective and effective metrics of communication for cochlear‐implanted Brazilian children are lacking. The Functioning after Pediatric Cochlear Implantation (FAPCI), a parent/caregiver reporting instrument developed in the United States, is the first communicative performance scale for evaluation of real‐world verbal communicative performance of 2‐5‐year‐old children with cochlear implants. The primary aim was to cross‐culturally adapt and validate the Brazilian‐Portuguese version of the FAPCI. The secondary aim was to conduct a trial of the adapted Brazilian‐Portuguese FAPCI (FAPCI‐BP) in normal hearing (NH) and CI children.
MethodsThe American‐English FAPCI was translated by a rigorous forward‐backward process. The FAPCI‐BP was then applied to the parents of children with NH (n=131) and CI (n=13), 2‐9 years of age. Test‐retest reliability was verified.
ResultsThe FAPCI‐BP was confirmed to have excellent internal consistency (Cronbach's alpha>0.90). The CI group had lower FAPCI scores (58.38±22.6) than the NH group (100.38±15.2; p<0.001, Wilcoxon test).
ConclusionThe present results indicate that the FAPCI‐BP is a reliable instrument. It can be used to evaluate verbal communicative performance in children with and without CI. The FAPCI is currently the only psychometrically‐validated instrument that allows such measures in cochlear‐implanted children.
O principal objetivo do implante coclear (IC) em crianças é permitir o desenvolvimento da capacidade de se comunicar efetivamente. Contudo, não há objetivo nem parâmetros efetivos de comunicação para crianças brasileiras com o implante coclear. O Functioning after Pediatric Cochlear Implantation (FAPCI), instrumento de relato dos pais/prestadores de cuidados desenvolvido nos Estados Unidos, é a primeira escala de desempenho para avaliação do desempenho comunicativo verbal no mundo real de crianças de 2‐5 anos com implantes cocleares. Nosso principal objetivo era adaptar e validar a versão do FAPCI em português do Brasil de forma transcultural. Nosso objetivo secundário era fazer um teste da versão do FAPCI adaptada para o português do Brasil (FAPCI‐PB) com grupos de crianças com audição normal (AN) e IC.
MétodosO FAPCI em inglês americano foi traduzido por um processo rigoroso de tradução e retrotradução. O FAPCI‐PB foi, então, aplicado aos pais das crianças com AN (n=131) e IC (n=13) de 2‐9 anos. Foi verificada a confiabilidade da reaplicação do teste.
ResultadosConfirmou‐se que o FAPCI‐PB tem excelente coerência interna (alfa de Cronbach>0,90). O grupo com IC apresentou menores pontuações no FAPCI (58,38±22,6) do que o grupo com AN (100,38±15,2; p<0,001, teste de Wilcoxon).
ConclusãoEsses resultados indicam que o FAPCI‐PB é um instrumento confiável. Pode ser usado para avaliar o desempenho comunicativo verbal em crianças com e sem IC. O FAPCI é, atualmente, o único instrumento validado psicometricamente que possibilita essas medições em crianças com implante coclear.
O implante coclear (IC) é um tratamento para perda auditiva neurossensorial bilateral severa a profunda, principalmente em crianças com etiologias congênitas e perilinguais.1 É recomendado quando os aparelhos de amplificação sonora tradicionais não permitem a discriminação de sons. A comunicação social é uma capacidade humana essencial e a linguagem oral é a forma mais usada de comunicação complexa. Amplas evidências mostraram que crianças que recebem IC muito novas conseguem ter um desempenho melhor na compreensão e na produção da fala e atingem um comportamento acadêmico e social melhor do que crianças tratadas posteriormente.2 Também existem evidências cada vez maiores de que crianças com perda auditiva bilateral severa a profunda que recebem IC bilateralmente podem desenvolver‐se quase tão bem quanto crianças com audição normal (AN).3 A privação auditiva precoce, mesmo se incompleta, causa um efeito deletério sobre o desenvolvimento da língua e das competências de processamento auditivo central em crianças mais novas.4
Permitir a audição é a primeira meta do IC. Assim que a audição adequada for estabelecida com o IC, deve acontecer o desenvolvimento da linguagem oral.5 Diversos fatores podem influenciar o resultado do IC, como a duração da surdez, a idade ao receber o implante, a abordagem de reabilitação do discurso aplicada e como esses fatores interagem para influenciar a neuroplasticidade.6 Muitas variáveis influenciam esse processo e é extremamente importante que os médicos e fonoaudiólogos acompanhem o desenvolvimento e o progresso de pacientes com IC na área do desenvolvimento da língua.
Diversos estudos investigaram os efeitos da idade no implante e do resultado do desenvolvimento das competências de linguagem. Como esperado, o implante precoce demonstrou ser o líder para melhores resultados da linguagem.7,8 Outros fatores com um papel no desenvolvimento da linguagem após o IC incluem o envolvimento da família na terapia de reabilitação e o nível de escolaridade da família. Geers et al.9 argumentaram que crianças com surdez congênita devem receber IC com, no máximo, dois anos de idade, ao passo que os estudos eletrofisiológicos e a literatura sobre plasticidade cerebral definem que o período crítico para IC pode ser prorrogado até aproximadamente 3,5 anos.10 Em estudos sucessivos dos efeitos de longo prazo da privação auditiva sobre o desenvolvimento da linguagem, Davidson et al.11 constataram que um longo período de privação antes do IC exerceu um efeito negativo insignificante sobre a aquisição de vocabulário, porém prejudicou a sintaxe e a prosódia gravemente. O desenvolvimento da linguagem em crianças que receberam estímulos por meio de equipamentos de amplificação sonora e língua de sinais foi melhor após o IC que naquelas que não receberam as intervenções do tipo, porém os resultados apresentaram mais melhorias com o IC precoce do que com essas intervenções.11
A pesquisa eletrofisiológica feita por Gilley et al.6 mostrou que as crianças com surdez congênita que recebem IC no período crítico de máxima plasticidade para o desenvolvimento da via auditiva central desenvolvem potenciais elétricos no córtex com latências próximas das latências observadas nas crianças com audição normal com meio ano de estímulo.6 Em contrapartida, as crianças com surdez congênita que receberam o IC após os sete anos mostram potenciais elétricos do córtex com latências sistematicamente maiores do que aquelas da mesma idade com AN; os resultados em crianças que receberam o IC entre 3,5 e sete anos foram altamente variáveis. Essas descobertas estão alinhadas e são anteriores aos estudos neurofisiológicos e funcionais por imagem na indicação de um período crítico de neuroplasticidade do sistema auditivo antes dos 3,5 anos.12,13 Famílias e médicos precisam conseguir decidir se os objetivos do IC foram atingidos ou não. Tradicionalmente, os médicos têm usado a percepção da fala e exames de discriminação para avaliar a capacidade de comunicação em crianças após o IC.14 Entretanto, essas medições podem não refletir a capacidade de a criança se comunicar em um ambiente do mundo real com ruídos ao fundo e condições não ideais para escuta.15 A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) da Organização Mundial de Saúde diferencia a capacidade de comunicação, a capacidade de se comunicar em um ambiente padronizado e o desempenho comunicativo da capacidade de se comunicar em ambientes do mundo real.16 É muito difícil medir o desempenho comunicativo após o IC, principalmente em crianças mais novas, e esse desafio criou uma demanda por ferramentas de avaliação validadas. Os questionários amplamente disponíveis usados para a avaliação do desempenho comunicativo após o IC foram projetados para medir a capacidade de comunicação, ou seja, a capacidade de a criança entender o léxico, a gramática e a sintaxe.15 Exemplos desse tipo de instrumento são os questionários Reynell Developmental Language Scales (RDLSs), MacArthur Communicative Development Inventories (MCDIs) e Meaningful Use of Speech Scale (MUSS). As RDLSs são usadas para avaliar a linguagem expressiva e receptiva, os MCDIs para avaliar o desenvolvimento léxico e o MUSS para avaliar o uso da linguagem verbal em crianças com deficiências auditivas. A capacidade comunicativa pode ser medida em um ambiente clínico, porém não é suficiente para estabelecer se os pacientes conseguem usar suas competências de comunicação suficientemente bem para funcionar em um ambiente social normal em suas vidas diárias.15
Atualmente, não existem instrumentos com parâmetros confiáveis que possam ser usados para avaliar o desempenho comunicativo de usuários de implante coclear pediátrico em português do Brasil. As crianças que receberam o IC no Brasil ainda são avaliadas principalmente em termos de resultados de avaliações de audição e linguagem aplicadas em ambiente isolado.17 As competências linguísticas e de percepção da fala são medidas por observação direta de comportamento ou, de forma mais comum, avaliação por informante secundário, como o MUSS, as RDLS ou a Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas com menos de 24 meses.
Para melhorar a (re)habilitação auditiva para que o desempenho comunicativo de crianças com IC seja maximizado, deve haver uma compreensão mínima das limitações funcionais dos instrumentos.18 O questionário Functioning Inventory after Pediatric Cochlear Implantation (FAPCI) foi desenvolvido nos Estados Unidos, em inglês americano, para permitir uma avaliação mais objetiva do desempenho auditivo e comunicativo de crianças com IC entre dois e cinco anos. Foi projetado para sondar o uso das competências de comunicação pela criança em suas interações com indivíduos linguisticamente fluentes.18
A The Speech, Spatial, and Qualities of Hearing Scale (SSQ)19 é uma escala estruturada amplamente usada que avalia a capacidade auditiva em situações cotidianas. Originalmente projetada para adultos, foi adaptada para uso com crianças, pais e professores.20 É composta de três seções, A, B e C. A seção A avalia a capacidade de o indivíduo entender a linguagem verbal em um ambiente calmo com ruídos ao fundo, em ambientes barulhentos e ao telefone. A seção B avalia quão bem um indivíduo percebe sua posição e seu movimento longe de uma fonte sonora. A seção C pede que o indivíduo identifique sons e vozes com vistas a determinar se consegue entender e separar sons com facilidade. Os achados da SSQ são relevantes para a avaliação da linguagem receptiva, porém a SSQ não fornece informações sobre a linguagem expressiva ou a qualidade da comunicação da linguagem oral como o FAPCI. Adicionalmente, a SSQ foi desenvolvida para adultos e, então, adaptada para uma versão para pais/professores para a avaliação por informante secundário de crianças de 5‐11 anos e para uma versão de autorrelato para crianças acima de 11 anos. Assim, a SSQ não é adequada para uso em crianças de 2‐5 anos, ao passo que o FAPCI é.
O FAPCI modela várias situações do cotidiano e permite que o desempenho comunicativo seja avaliado pelos prestadores de cuidados profissionais ou familiares.18 O instrumento consiste em um questionário de 23 itens respondido por pais ou responsáveis para sondar o desenvolvimento da linguagem da criança com implantes cocleares na faixa de 2‐5 anos. Os entrevistados respondem a perguntas em uma escala de cinco pontos. O FAPCI é usado em diversos estudos atuais de IC pediátrico financiados pelos Institutos Nacionais da Saúde (NIH) e já foi traduzido para o alemão.21 Não existe uma versão de autorrelato do FAPCI para crianças.
Vários estudos feitos pelo grupo que desenvolveu o FAPCI15,22,23 mostraram que, apesar do estabelecimento de boa capacidade comunicativa, crianças com IC não se comunicavam igualmente com seus pares e tinham dificuldade de comunicar‐se com a linguagem verbal em ambientes sociais, incluindo a escola. Portanto, o principal objetivo deste estudo era traduzir, adaptar e testar a confiabilidade do FAPCI para o uso em crianças brasileiras. O segundo objetivo deste trabalho era testar a sensibilidade do FAPCI traduzido e adaptado para o português do Brasil (FAPCI‐PB) na avaliação do desenvolvimento da linguagem em crianças com AN em comparação com crianças com implantes cocleares.
MétodosParticipantesEsta pesquisa foi aprovada pelo nosso Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. O estudo incluiu crianças entre dois e nove anos, de ambos os sexos, tratados como pacientes externos no Hospital Infantil Pequeno Príncipe, na cidade de Curitiba (PR). A amostra de IC incluiu crianças de dois‐nove anos submetidas ao IC e que haviam convivido com implantes ativos por no mínimo seis meses. O grupo de crianças com AN consistia em crianças com idades semelhantes, sem qualquer queixa otológica, neurológica ou neuropsiquiátrica. Os pais ou responsáveis que acompanhavam as crianças forneceram um consentimento informado por escrito e responderam ao FAPCI‐PB. A tabela 1 resume as características demográficas das crianças nos grupos de crianças com AN e com IC e a tabela 2 resume as características clínicas dos participantes com IC. O FAPCI‐PB foi respondido por 131 pais de 144 crianças. As características clínicas das 13 crianças com implante coclear no grupo com IC estão resumidas na tabela 3.
Características clínicas dos participantes do grupo com IC
Indivíduo | Tipo de diagnóstico | Idade no implante (anos) | Tempo de audição (anos) | Pontuação no FAPCI |
---|---|---|---|---|
1 | Idiopático | 6,8 | 2,3 | 43 |
2 | Genético | 3,8 | 2,8 | 87 |
3 | Idiopático | 3,2 | 2,1 | 35 |
4 | Rubéola congênita | 4,9 | 1,5 | 67 |
5 | Meningite | 2,1 | 4,7 | 70 |
6 | Idiopático | 2,5 | 1,7 | 40 |
7 | Hipoxia neonatal | 1,9 | 1,6 | 88 |
8 | Genético | 2,9 | 4,5 | 74 |
9 | Meningite | 2,0 | 1,1 | 31 |
10 | Idiopático | 4,4 | 1,4 | 67 |
11 | Idiopático | 3,3 | 1,7 | 87 |
12 | Hipoplasia do nervo coclear | 3,7 | 0,5 | 28 |
13 | Idiopático | 2,0 | 1,1 | 42 |
Alterações nos itens na adaptação do FAPCI para o português do Brasil
Item | Original em inglês | Português inicial | Adaptação | Português final |
---|---|---|---|---|
11 | ...an adult not familiar with your child... | ...um adulto não familiarizado com a criança... | ...an adult that does not know well your child... | ...um adulto que não conhece bem a criança... |
14 | ...mostly understandable words... | ...canta usando algumas palavras inteligíveis. | ...mostly comprehensible words... | ...canta usando algumas palavras compreensíveis. |
16 | Inverted questions | Questões invertidas | Não há questões invertidas no português | (item omitido) |
18–20 | ...understanding of spoken language without visual... | ...criança da linguagem falada... | ...understanding of spoken language between him/her and you without... | ...criança da linguagem falada entre você e ela... |
23 | How many...commands... | Quantos comandos falados... | How many...commands or orders... | Quantas ordens ou comandos falados... |
Foi implementada uma estratégia de duas fases: (1) tradução, retrotradução e adaptação do FAPCI; e (2) aplicação do FAPCI em português do Brasil em crianças com IC e AN.
FAPCIÉ um questionário de “lápis e papel” com 23 questões projetadas para medir o desempenho de comunicação verbal em crianças entre dois e cinco anos após o IC.18 Deve ser respondido pelos pais ou responsáveis dos indivíduos e pode ser preenchido em cinco a 10 minutos. Existem três formatos de resposta: frequência (níveis de resposta: nunca, raramente, às vezes, frequentemente, sempre); quantidade/proporção (número ou percentual de ocorrências, por exemplo, 0‐4%, 5‐24%, 25‐49%, 50‐95% ou 96‐100%); e exemplos (as respostas oferecem descrições ou exemplos de comportamentos e os níveis correspondem a uma escala ordinal).15 Cada questão respondida é traduzida em uma pontuação que varia de 1 (por exemplo, nunca) a 5 pontos (por exemplo, sempre), independentemente do tipo de questão, e as questões não respondidas recebem 0 ponto. Rende uma pontuação máxima de 115. Caso o número de questões não respondidas exceda duas, o questionário é considerado inválido. Caso mais de uma resposta esteja marcada, a maior pontuação atribuída é a considerada. As pontuações médias são comparadas entre ambos os grupos e relatadas com desvios padrão (DPs). Esse instrumento foi desenvolvido para complementar outros exames de competência de linguagem falada para permitir a avaliação da capacidade de comunicação em crianças com IC.
Etapa 1: Processo de adaptação e validação transculturalFoi obtida a autorização do autor do instrumento original para a tradução, adaptação e validação do FAPCI para a população brasileira e o processo foi feito de acordo com o estabelecido por Beaton et al.24 O FAPCI foi traduzido do inglês para o português por um tradutor profissional familiarizado com ambas as línguas. Foram necessárias pequenas mudanças a fim de adaptar o léxico à cultura brasileira, porém a essência original das perguntas foi mantida o máximo possível. A versão brasileira do FAPCI é apresentada em sua totalidade como um anexo com a aprovação dos desenvolvedores.
O questionário adaptado foi enviado a outro tradutor profissional não familiarizado com o questionário original para uma retrotradução para o inglês. Foi feita uma análise de equivalência de construção em que as versões em inglês original e retrotraduzida foram comparadas para determinar se havia diferenças significativas no conteúdo das perguntas, ou seja, se o FAPCI‐PB era fiel à estrutura do questionário original.
Para o teste de coerência interna, um subgrupo de 34 pais de crianças com AN e 13 pais de crianças com IC preencheram o FAPCI‐PB duas vezes com um intervalo de tempo de no mínimo duas semanas, porém no máximo um mês. O coeficiente alfa de Cronbach foi usado para verificar a coerência interna dos itens do instrumento entre a primeira e a segunda leva de respostas. Uma construção pode ser validada indiretamente com uma base interna de coerência ou sem relação entre as perguntas que fazem parte da escala, o que permite a conclusão de que a escala apresenta uma construção válida.15 O coeficiente alfa de Cronbach é a medida mais simples e mais conhecida de coerência interna e é a principal abordagem usada na validação da escala. Em geral, um grupo de itens que exploram um fator comum deve ter um alto coeficiente alfa de Cronbach. O valor mínimo aceitável para o coeficiente alfa de Cronbach é 0,70; são preferíveis os valores de alfa acima de 0,80.25
Etapa 2: Aplicabilidade do FAPCI‐PBO FAPCI‐PB foi respondido pelos pais de crianças com AN e pais de crianças com IC. Os resultados foram submetidos a análises estatísticas no programa R, versão 3.0.1. (R Project for Statistical Computing, Universidade da Califórnia, CA, EUA). Os dados foram verificados com relação à normalidade e às análises descritivas com o teste de Wilcoxon. As comparações foram consideradas significativas quando apresentaram valores de p bicaudais < 0,001.
ResultadosAdaptação e coerência internaApós a comparação da retrotradução com o inglês original e a consideração do uso linguístico cultural, foi determinado que diversos itens precisaram ser adaptados e um item precisou ser retirado (pergunta 16), conforme mostrado na tabela 1, para obter uma versão final do questionário adaptado compatível com o original. O coeficiente alfa de Cronbach para a coerência interna foi de 0,948 para o grupo com AN e 0,964 para o grupo com IC, sem observação quanto a perguntas fora da média esperada, o que indica que o instrumento apresenta boa coerência interna.
Período de teste do FAPCI‐PBA comparação da pontuação média geral dos grupos ± DPs revelou que o grupo com AN teve um desempenho significativamente melhor no FAPCI‐PB (100,38 ± 23,5) do que o grupo com IC (63,00±21; p<0,001, teste de Wilcoxon). A pontuação média±DPs obtida em crianças no grupo com AN divididas pela idade cronológica é relatada na tabela 3, juntamente com os dados das pontuações de crianças no grupo com IC separadas pela idade cronológica, e foi estabelecida a idade das crianças no momento da restauração da audição. As pontuações médias por idade de audição em cada intervalo de idade são apresentadas como média sem DPs, pois os subgrupos eram pequenos e irregulares. As medianas dos grupos e as distribuições são ilustradas em um gráfico de caixa na figura 1.
DiscussãoO objetivo do IC não é apenas que as crianças adquiram competências funcionais de processamento auditivo, mas também que desenvolvam as competências necessárias para se comunicar de maneira efetiva por meio da linguagem verbal. O FAPCI é o único instrumento disponível atualmente que permite que o impacto do IC sobre as competências comunicativas seja mensurado em crianças de dois‐cinco anos. Neste trabalho, produzimos uma versão do FAPCI em português, adaptada para o uso com a população brasileira (consulte o anexo para obter a versão final do FAPCI‐PB). De acordo com as versões americana18 e alemã,21 o FAPCI brasileiro apresentou uma coerência interna excelente (coeficiente alfa de Cronbach>0,90). Além disso, observamos a diferença esperada no desempenho comunicativo entre crianças com IC e crianças com AN.
Após a tradução e a retrotradução do FAPCI original, muito poucas perguntas precisavam de adaptação cultural e apenas um item foi omitido (pergunta número 16). O coeficiente alfa de Cronbach para a coerência interna que obtivemos para nosso FAPCI‐PB de 22 itens foi semelhante à versão original de 23 itens, validada em um estudo com 75 famílias (coeficiente alfa de Cronbach=0,86).18,25 O coeficiente alfa de Cronbach serve como índice de confiabilidade de um instrumento em situações em que o pesquisador não consegue fazer entrevistas adicionais dos indivíduos em questão, porém exige uma estimativa do grau médio de erro.25
Examinar as classificações por idade permitiu‐nos fazer várias deduções. Primeiramente, notamos que o desempenho do FAPCI‐PB era relativamente estável em todas as idades no grupo com NA, especialmente entre crianças dos três aos oito anos. Apenas as mais novas (dois anos) e as mais velhas (nove anos) tinham DPs não sobrepostos, o que não é totalmente surpreendente, considerando que, normalmente, as crianças exibem grande expansão linguística entre os dois e os três anos, enquanto estão ainda desenvolvendo competências linguísticas básicas. Independentemente, houve pelo menos uma criança em cada grupo etário que atingiu a pontuação máxima possível (115). Quanto mais velhas, mais crianças atingiam a pontuação máxima possível. Ainda assim, nos grupos de idade mais elevada, havia sempre crianças com desempenho abaixo do máximo, o que levanta a questão de se o instrumento também poderá ser válido fora do limite estabelecido de nove anos. Independentemente, deve‐se destacar que havia poucas crianças nos subgrupos de sete, oito e nove anos. Assim, os dados para esses subgrupos são, provavelmente, menos confiáveis do que os dados dos subgrupos de idades menores, que eram substancialmente maiores.
Nossa comparação das pontuações entre os grupos com AN e IC demonstrou um déficit comunicativo contínuo significativo entre crianças com IC. Ademais, ao examinar as pontuações de crianças com IC, é aparente que essas não tinham atingido o desempenho comunicativo no mesmo nível que seus pares. Existem vários fatores que podem afetar a habilidade de crianças com IC conseguirem um desempenho comunicativo de alto nível, incluindo a idade de início da surdez, a idade da ativação do IC, o uso de terapia/reabilitação da fala, patologia inerente, bem como a presença de outras deficiências, sem mencionar a variação entre indivíduos em geral, que pode ser substancial.26 A idade do implante parece ser um fator particularmente importante no resultado da linguagem. As crianças que receberam o implante com 16‐24 meses obtiveram pontuações na Escala de Linguagem Pré‐Escolar que se igualavam a de seus pares com audição normal entre quatro e seis anos.7 Em nosso estudo, somente uma criança recebeu seu IC antes dos 24 meses e somente três crianças receberam seu IC com aproximadamente 24‐25 meses. A maioria dos participantes de nosso estudo recebeu seu IC após os três anos. Assim, nossa comparação de grupos com AN e com IC pode ser considerada de forma preliminar; são necessários mais estudos com uma amostra maior de crianças com IC que recebem seu IC antes dos 24 meses.
Espera‐se que quanto mais cedo o IC for implantado, melhor será o resultado. Nosso grupo com IC era bastante heterogêneo em termos de idade do IC, patologia e reabilitação da audição. A maioria das crianças em nosso grupo com IC recebeu o implante e teve seu implante ativado entre três e quatro anos, fator considerado incerto para o período crítico de desenvolvimento da via auditiva no cérebro. Duas das crianças (n° 5 e n° 9) perderam a audição muito cedo em sua vida como sequela da meningite, quando eram consideradas pré‐linguais. Acredita‐se que o período crítico de desenvolvimento da linguagem se encerra perto dos 3,5 anos em crianças com surdez congênita; as crianças que receberam o IC após seu quarto aniversário mostram maior variação no resultado do que as crianças que receberam o IC quando tinham menos de quatro anos.17,21
Para diminuir a duração da surdez e a falta de estímulo auditivo crítico, a cirurgia de IC deve ser feita antes dos dois anos.27,28 Contudo, mesmo quando a deficiência é detectada com uma triagem auditiva neonatal, o progresso de indicações para especialistas em audição no Brasil pode ser muito lento e a frequência de ICs feita é inadequada em muitos locais (por exemplo, dois por mês no Estado do Paraná, apenas uma por mês no Hospital Pequeno Príncipe e no Hospital das Clínicas, dados fornecidos por comunicação verbal). Embora o IC seja coberto pelo sistema público de saúde brasileiro, frequentemente as crianças necessitadas de IC já ultrapassaram o período crítico para resultados ideais quando recebem a intervenção devido a longos períodos de espera. Os programas de triagem neonatal no Brasil também são inadequados. É particularmente importante que os neonatos sejam examinados em unidades de terapia intensiva neonatais, considerando a elevada prevalência de recém‐nascidos afetados. Por exemplo, um estudo relatou que dentre 979 recém‐nascidos em uma unidade de terapia intensiva 10,2% apresentavam deficiências unilaterais de resposta auditiva do tronco cerebral e 4,9% apresentavam deficiências bilaterais.29
Adicionalmente, após o IC, as crianças devem iniciar imediatamente a reabilitação auditiva e a terapia da fala adequada, em conjunto com o enriquecimento da família com experiências comunicativas. As crianças estão sujeitas a várias terapias, que nem sempre são as mais adequadas para a reabilitação da surdez e o desenvolvimento linguístico. Os fonoaudiólogos não se encontram em todas as cidades e mesmo quando se encontram profissionais devidamente treinados, frequentemente não existem em número suficiente para atender à demanda. Ademais, é importante que a terapia seja individualizada para atender às necessidades específicas de cada criança e que tenha duração suficiente para permitir que a criança absorva o tratamento.
Nas avaliações de candidatos ao IC, os psicólogos e assistentes sociais consideram o comprometimento e envolvimento das famílias no tratamento e avaliam a capacidade de as famílias arcarem com a despesa de manutenção do aparelho. Baterias recarregáveis têm reduzido as despesas. Contudo, para conservar suas baterias e postergar a substituição, algumas crianças não usam seus implantes durante todo o dia, porém, em vez disso, ligam‐nos apenas quando estão na escola. Outra questão difícil para as famílias é o custo das peças de reposição, como cabos e antenas, que, quando danificados, não permitem o uso dos implantes, o que deixa as crianças sem estímulo auditivo.
O estudo tem algumas limitações. Primeiro, devido ao pequeno tamanho e à heterogeneidade de nossa amostra de crianças com IC, não se pode presumir que os resultados se apliquem a todas as crianças com IC. Claramente, são necessários estudos mais amplos para permitir o controle de múltiplas variáveis. Além disso, são necessários estudos que comparem resultados do FAPCI‐PB com resultados de testes de linguagem ampla e tradicionalmente usados, já que o FAPCI‐PB é um instrumento novo. Em princípio, espera‐se que as pontuações do FAPCI‐PB devam aumentar em crianças com implantes com o passar do tempo, com relação a aumentos em terapia acumulada e estímulos, conforme observado nas versões americana18 e alemã.21 Da mesma forma, o FAPCI‐PB deve ser útil para o monitoramento fonoaudiológico de pacientes, principalmente com relação à revelação de quais áreas da comunicação poderão estar mais atrasadas. Não obstante as limitações mencionadas, nosso estudo estabeleceu uma versão brasileira do FAPCI com excelente coerência interna. Segundo, apesar de o FAPCI ter sido criado, originalmente, para testar as competências comunicativas de crianças na faixa dos dois‐cinco anos, incluímos crianças mais velhas, de até nove anos. Nós o fizemos porque queríamos comparar seus resultados do FAPCI‐PB com os resultados obtidos das crianças com AN, semelhantemente aos estudos anteriores que validam outras versões do FAPCI, que incluíram crianças de até 10 anos.21 As pontuações do pequeno número de crianças acima de cinco anos aqui examinadas não pareceram diferir acentuadamente das pontuações de crianças mais novas. Esse resultado não é surpreendente, considerando que, normalmente, acredita‐se que a maior parte do desenvolvimento da linguagem básica ocorre até os cinco anos.6
O FAPCI‐PB desenvolvido atualmente é o primeiro instrumento que permite que o desenvolvimento da linguagem funcional seja mensurado em crianças brasileiras com implantes cocleares. Após a tradução e adaptação, o FAPCI‐PB apresentou excelente coerência interna e demonstrou a diferença esperada entre os grupos com AN e com IC, o que indica ser válido para o uso em crianças brasileiras. Este trabalho abre espaço para futuros estudos no Brasil, como a aplicação do FAPCI‐PB para desenvolver curvas de crescimento de pontuação em crianças com AN, atuando como quadro para a interpretação das pontuações em crianças com IC. Apesar de o número de crianças com IC neste estudo ter sido pequeno, conseguimos estabelecer que o FAPCI‐PB pode ser muito útil para os médicos brasileiros e para os prestadores de assistência médica como um parâmetro confiável do desenvolvimento de competências comunicativas em seus pacientes com IC. O FAPCI‐PB pode ser particularmente útil para esclarecer diagnósticos, bem como direcionar e revisar os planos de reabilitação e, assim, melhorar as perspectivas de uma boa qualidade de vida para as crianças com IC.
FinanciamentoSecretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (Seti‐PR).
Conflitos de interessesOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Este estudo recebeu o apoio do Departamento de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná. Agradecemos à psicóloga Cassia Benko por sua ajuda e às crianças e às suas famílias por participarem do estudo. Também agradecemos ao Dr. John K. Niparko por nos dar a oportunidade de traduzir e adaptar o FAPCI para o português.
Como citar este artigo: Vassoler T, Cordeiro ML. Brazilian adaptation of the Functioning after Pediatric Cochlear Implantation (FAPCI): comparison between normal hearing and cochlear implanted children. J Pediatr (Rio J). 2015;91:160–7.
Artigo referente ao projeto de mestrado da médica otorrinolaringologista Trissia Vassoler orientado pela professora doutora Mara Lucia Cordeiro.