To describe the challenges faced by families caring for children with autism spectrum disorder (ASD) in Brazil and the coping strategies employed.
SourcesSystematic review of articles published until September of 2013, without language restrictions, using quality appraisal (Amstar and Casp/Oxford instruments).
Summary of the findingsThe literature shows parental emotional overload as one of the main challenges faced by families, especially mothers. The main stressors were diagnostic postponement, difficulty dealing with the diagnosis and associated symptoms, and poor access to health services and social support. The predominant coping strategies found included information exchange between affected families and integrated healthcare network for patient and family support.
ConclusionASD exerts strong influence on family dynamics, resulting in caregiver overload, especially in mothers. The Brazilian Unified Health System needs to provide comprehensive, continuous, and coordinated care to strengthen the patient‐family dyad and promote the full development and societal inclusion of children with ASD.
Descrever os desafios encontrados pelas famílias na convivência com crianças portadoras de transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil e as estratégias de superação empregadas.
Fonte dos dadosRevisão sistemática da literatura com inclusão de artigos publicados até setembro de 2013, sem restrições de idioma. Os artigos incluídos foram submetidos à avaliação de qualidade metodológica por meio do Amstar e Casp/Oxford.
Síntese dos dadosIncluem‐se estudos provenientes de São Paulo e Rio Grande do Sul com alta e moderada qualidade metodológica. A literatura mostra sobrecarga emocional dos pais como um dos principais desafios encontrados pelas famílias, inclusive com grande tensão sobre as mães. Dentre os fatores relacionados ao estresse estão: postergação diagnóstica, dificuldade de lidar com o diagnóstico e com os sintomas associados, acesso precário ao serviço de saúde e apoio social. Dentre as estratégias de superação destacaram‐se: troca de informações entre as famílias afetadas e assistência integralizada da rede de saúde no atendimento do paciente e suporte à família.
ConclusãoObservou‐se que o TEA exerce forte influência na dinâmica familiar com sobrecarga dos cuidadores, geralmente da mãe. O Sistema Único de Saúde necessita prover cuidado integral, longitudinal e coordenado com vistas ao fortalecimento do binômio paciente‐família e o pleno desenvolvimento e a plena inserção dessas crianças na sociedade.
O transtorno do espectro autista (TEA) é considerado uma síndrome neuropsiquiátrica caracterizada por manifestações comportamentais acompanhadas por déficits na comunicação e interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades.1 As anormalidades no desenvolvimento também são características do autismo, as quais podem ser detectadas nos primeiros três anos de vida e persistir até a idade adulta.2 Apesar da relevância, a etiologia do TEA ainda permanece desconhecida. Acredita‐se que seja multifatorial, associada a fatores genéticos e neurobiológicos, isto é, anomalia anatômica ou fisiológica do sistema nervoso central, problemas constitucionais inatos e interação entre múltiplos genes.2,3
O autismo é um tipo de transtorno global do desenvolvimento de maior relevância devido a sua elevada prevalência. Dados epidemiológicos mundiais estimam que um a cada 88 nascidos vivos apresenta TEA, que acomete mais o sexo masculino. No Brasil, em 2010, estimava‐se cerca de 500 mil pessoas com autismo.3
O diagnóstico de TEA é essencialmente clínico, feito a partir das observações da criança, entrevistas com os pais e aplicação de instrumentos específicos. Os critérios usados para diagnosticar o TEA são descritos no Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM.4 Esses critérios têm evoluído com o passar dos anos. O DSM‐V, lançado em maio de 2013, compõe o mais novo instrumento para guiar o diagnóstico médico dos indivíduos portadores de TEA.1,5 Além do DSM‐V, há outros testes de rastreamento para o TEA, como, por exemplo, a Escala de Classificação de Autismo na Infância, Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil e Modified Checklist for Autism in Toddlers.3,6
O autismo infantil envolve alterações severas e precoces nas áreas de socialização, comunicação e cognição. Os quadros resultantes são, em geral, severos e persistentes, com grandes variações individuais, mas frequentemente exigem das famílias cuidados extensos e permanentes períodos de dedicação.7
Os pais da criança com diagnóstico de TEA são confrontados por uma nova situação que exige ajuste familiar. O desejo fantasiado da gestação precisa de uma adequação àquele que nasce e que tem características próprias.8 As crianças diagnosticadas com TEA frequentemente apresentam maior grau de incapacidade cognitiva e dificuldade no relacionamento interpessoal. Consequentemente, exigem cuidado diferenciado, incluindo adaptações na educação formal e na criação como um todo. Essas peculiaridades levam à alteração da dinâmica familiar, que exige um cuidado prolongado e atento por parte de todos os parentes que convivem com uma criança com TEA. Logo, são relatados com frequência níveis de estresse aumentado, o que pode impactar na qualidade de vida de todos os membros da família.9,10 A condição especial da criança requer que os pais encarem a perda do filho idealizado e desenvolvam estratégias de ajustes à nova realidade. O convívio dos pais com as manifestações específicas do TEA em seus filhos pode culminar, muitas vezes, com o próprio afastamento familiar em relação à vida social.8
No Brasil, o Ministério da Saúde publicou em 2013 a Diretriz de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA, com vistas a orientar os profissionais de saúde, bem como os parentes, a fim de auxiliar na identificação precoce do autismo em crianças de até três anos.11
Apesar da relevância do tema, ainda é escasso o número de publicações científicas sobre o cuidado com as crianças com TEA desde as perspectivas de seus parentes.4 Velloso,12 em uma revisão sistemática, observou que apenas 93 artigos científicos brasileiros sobre TEA foram produzidos entre 2002 e 2009. Dentre esses, apenas 21 fazem referência às habilidades de comunicação da criança com TEA e convivência entre essa e seus parentes. Esse mesmo estudo aponta que a produção científica brasileira sobre TEA não corresponde à demanda do país.
Mediante a conceitualização psicodinâmica do TEA e reconhecendo a complexidade da situação familiar, o presente estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura científica sobre os desafios vivenciados por parentes de crianças com diagnóstico de TEA no Brasil e as estratégias usadas para sua superação.
MetodologiaRevisão sistemática da literatura científica sobre os desafios encontrados pela família na convivência e no cuidado de crianças com diagnóstico de TEA no Brasil e suas estratégias de superação. Fizeram‐se buscas de revisões sistemáticas e não sistemáticas da literatura, estudos quantiqualitativos e qualitativos e relatos de casos publicados até setembro de 2013 no Portal BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Scielo (Scientific Electronic Library Online), Cochrane, Periódicos Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), periódicos científicos da área, sítios do Ministério da Saúde, Datasus (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e nas referências dos artigos incluídos. Usou‐se modelo Pico [acrônimo para Paciente, Intervenção, Comparação e Outcomes (desfecho)] para a formulação da pergunta de pesquisa, a saber: “Quais são os desafios encontrados pelos parentes de crianças com diagnóstico de TEA e suas estratégias de superação no Brasil?” Os descritores em saúde para a pesquisa e termos correlatos derivaram‐se dos DeCS e MeSH: transtorno autístico, autismo, família, pais, transtorno do espectro autista, crianças autistas,epidemiologia do autismo, epidemiologia, autistic disorder, autism spectrum disorder, family, family relations, child, autistic, autism spectrum disorders, relatives. Os primeiros foram usados na construção de estratégias de buscas aplicáveis no Portal BVS e Scielo, enquanto os descritores obtidos no MeSH conformaram a estratégia de busca aplicável no Medline (via Pubmed). Os descritores encontrados no MeSH e DeCS compuseram estratégias de busca usadas no Portal Capes, nos anais do Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade (CBMFC), jornais e revistas específicas, como o Jornal de Pediatria (JPED), Pediatrics e Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP) via Scielo (tabela 1).
Estratégias de busca da pesquisa
Estratégias | Pubmed | Scielo | Cochrane | BVS | Periódicos Capes |
---|---|---|---|---|---|
Autistic Disorder OR Autism Spectrum Disorder AND Family OR Family Relations | 8 | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
Autistic Disorder AND Child OR Family Relations OR Family AND Brazil | ‐ | 19 | ‐ | ‐ | ‐ |
Autistic AND Family Relation | ‐ | ‐ | 13 | ‐ | ‐ |
Autismo [Título] AND Família [Título] | ‐ | ‐ | ‐ | 9 | ‐ |
Transtorno Autístico OR Autismo AND Família OR Pais | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | 30 |
Estratégias | CBMFC | Pediatrics | JPED | JBP (via Scielo) | |
Autismo | 3 | ‐ | ‐ | 1 | |
Autism Spectrum Disorders [Text/Abstract/Title] AND Relatives [Text/Abstract/Title] | ‐ | 2 | ‐ | ‐ | |
Autismo OR Transtorno do Espectro Autista OR Crianças Autistas [todos os índices] | ‐ | ‐ | 1 | ‐ | |
Estratégias | Ministério da Saúde | Datasus | IBGE | ||
Transtorno [Título] AND Autístico [Título] AND Brasil | 11 | ‐ | ‐ | ||
“Epidemiologia do autismo” | ‐ | 2 | ‐ | ||
Autismo AND Epidemiologia | ‐ | ‐ | ‐ |
Após a tabulação dos dados, selecionaram‐se os artigos relevantes via leitura dos títulos e resumos, com base nos seguintes critérios de inclusão: estudos brasileiros com foco em crianças com diagnóstico de TEA e/ou que abordassem a convivência familiar com essas crianças e os seguintes critérios de exclusão: estudos que envolveram crianças com outros diagnósticos neurológicos/psiquiátricos além do TEA e estudos feitos fora do Brasil. Quando a leitura do título e resumo não foi suficiente para determinar sua inclusão, procedeu‐se à leitura do artigo completo (fig. 1).
Inicialmente, fez‐se a busca nos bancos de dados supracitados e obtiveram‐se 71 artigos, incluindo quatro duplicados. Restaram 67 artigos. Em uma segunda etapa de seleção, fez‐se a leitura dos títulos e resumos dos 67 artigos restantes, o que resultou na exclusão de 42 artigos e na obtenção de 25. Na terceira e última etapa de seleção, aplicaram‐se os critérios de inclusão e exclusão aos textos completos dos 25 artigos remanescentes e, do total, oito artigos foram selecionados. Adicionou‐se um artigo encontrado por meio de busca em lista de referências dos artigos previamente incluídos. Adicionou‐se um artigo indicado por expert e totalizaram‐se 10 artigos. A busca, seleção e extração de dados dos artigos incluídos foram feitas por dois pesquisadores independentes que resolveram divergências por consenso e, quando necessário, usou‐se o parecer de um terceiro pesquisador. Usou‐se o conjunto de instrumentos Casp/Oxford13 (Critical Appraisal Skills Programme) e o instrumento Amstar14 (Assessment of Multiple Systematic Reviews) para avaliar a qualidade metodológica dos estudos qualitativos e qualiquantitativos e das revisões sistemáticas, respectivamente. O relato de caso e a revisão não sistemática não foram avaliados quanto ao rigor metodológico devido à falta de instrumentos válidos para tal finalidade.
ResultadosIncluíram‐se 10 artigos publicados em português, inglês e espanhol: uma revisão sistemática e uma revisão não sistemática, sete estudos qualitativos e quantiqualitativos e um relato de caso. Os artigos contam com a participação de irmãos, pais e mães da criança com o TEA. Dos sete estudos qualitativos e quantiqualitativos incluídos, três (30%) usaram uma série de cinco a 20 casos como amostra, três (30%) usaram 21 a 45 casos e um (10%) usou mais de 100 participantes. Dos 10 artigos incluídos, 100% foram produzidos nas regiões Sul e Sudeste, quatro no Rio Grande do Sul e os demais em São Paulo.
Dos estudos avaliados pelo Casp, dois (20%)9,15 apresentaram pontuação menor do que 5 (4/10 e 2/10) e cinco (50%)3,8,10,16,17 apresentaram pontuação maior do que 5 (entre 7/10 e 10/10). A revisão sistemática2 incluída recebeu 5/11 pelo Amstar. Os principais objetivos dos artigos incluídos foram: avaliar a qualidade de vida dos portadores de TEA, bem como das pessoas que convivem com eles (50% dos artigos) e analisar o impacto da busca pelo diagnóstico, do diagnóstico e das estratégias terapêuticas nas famílias dos portadores de TEA (30% dos artigos) (tabela 2).
Principais desafios e estratégias de superação por famílias de crianças com TEA
Artigo | Objetivos do estudo | Metodologias/Participantes/Região | Avaliação metodológica (Instrumento) | Desafios encontrados pelos parentes de crianças portadores de TEA | Estratégias de superação usadas pelos parentes de crianças portadores de TEA |
---|---|---|---|---|---|
Schmidt C, Bosa C. 20032 | Revisar pesquisas sobre o impacto dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, em especial do autismo, na família. | Revisão sistemática/não foi informado o número exato de participantes/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS | 5/11 (Amstar) | Alto nível de estresse em famílias de crianças com TEA, sendo a mãe o principal alvo;Sentimentos de desamparo das mães em relação à falta de apoio dos maridos nas responsabilidades dos cuidados com o filho;Tensão emocional dos maridos/pais frente às dificuldades financeiras e ocupacionais (importantes garantias para o cuidado da criança);Dificuldades da família de lidar com os sintomas (déficits cognitivos e de comunicação) | Crenças religiosas por parte dos pais auxiliam na superação de dificuldades no momento da imposição do diagnóstico e durante a realização da terapêutica. |
Bosa CA. 20067 | Revisar a literatura sobre as diferentes intervenções usadas no tratamento do autismo, com ênfase naquelas que têm base empírica. | Revisão não sistemática/não foi informado o número de artigos e participantes incluídos/Porto Alegre, RS | Não se aplica | Identifica mães com mais estresse e depressão pela sobrecarga de responsabilidades em relação ao filho;Sofrimento dos genitores devido à postergação diagnóstica; | Observou‐se que intervenções psicossociais (estimular o desenvolvimento social e comunicativo) são eficazes. Forte influência do apoio social e do sistema de saúde sobre a redução do estresse familiar. |
Barbosa MR, Fernandes FD. 20093 | Avaliar a qualidade de vida dos cuidadores de crianças portadoras de TEA e determinar se há algum tipo de relação entre os diferentes domínios e aspectos demográficos como escolaridade dos pais e classe social | Estudo qualitativo com avaliação da qualidade de vida de 150 cuidadores de crianças autistas/ Regiões Metropolitanas do Sudeste brasileiro | 7/10 (Casp) | Dificuldades de acesso aos serviços de saúde contribuem para o aumento do estresse em cuidadores de crianças com TEA;Dificuldades de lidar com a escassez de atividades de lazer e educação para os filhos. | Fatores como: acesso a lazer, saúde e transporte têm papel importante na qualidade de vida percebida por pais de crianças com TEA |
Vieira CB, Fernandes FD. 201316 | Avaliar a qualidade de vida em irmãos de crianças com TEA por meio do questionário da World Health Organization Quality of Life (WHOQOL‐A). | Estudo quanti‐qualitativo/21 irmãos de crianças autistas/São Paulo, SP. | 8/10 (Casp) | Não houve redução significativa da qualidade de vida dos irmãos. A mesma é influenciada pelas estratégias de enfrentamento, individualidade familiar e apoio social. | O meio ambiente e a assistência médica influenciam na melhoria da qualidade de vida da criança portadora de TEA e dos parentes. |
Favero‐Nunes MA, dos Santos MA. 20109 | Examinar o itinerário percorrido pelas mães de crianças com TEA na busca do diagnóstico e tratamento, relacionando‐o com a convivência com o filho acometido. | Estudo qualiquantitativo/20 mães de crianças portadoras de TEA /interior de São Paulo. | 4/10 (Casp) | Dificuldade da família de lidar com a peregrinação por serviços de saúde e educação, com a postergação diagnóstica e do plano terapêutico;Dificuldade de aceitar a perda do filho perfeito;Sobrecarga física e emocional, principalmente, sobre as mães ao dedicarem‐se integralmente às crianças;Preocupação em relação ao futuro dos filhos. | O acesso a atendimento médico especializado e a disponibilidade de uma equipe multiprofissional, composta principalmente por psicólogos e educadores, contribuem para redução da sobrecarga física e emocional das mães. |
Braga MR, Ávila LA. 20048 | Apreender, através da perspectiva materna, como se deu o processo de detecção dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. | Estudo qualiquantitativo/20 mães de crianças com características de TEA/Catanduva e São José do Rio Preto, SP | 10/10 (Casp) | Ansiedade dos pais em relação à postergação diagnóstica;Dificuldade de aceitação do diagnóstico, pelos pais. | Não foram observadas estratégias de superação usadas pelos próprios parentes. Entretanto, foi destacada a necessidade de enfermeiros mais capacitados no que diz respeito à adequação dos recursos pessoais, familiares, sociais e terapêuticos disponíveis, programas de orientação sobre o assunto. |
Bagarollo MF, Panhoca I. 201010 | Analisar processos dialógicos de cinco adolescentes autistas enfocando: indícios de experiências que eles vivenciam no cotidiano e dizeres sociais impregnados em seus discursos orais, buscando subsídios para o processo terapêutico de tais sujeitos. | Estudo qualitativo/ 5 adolescentes portadores de TEA./ Campinas, SP | 7/10 (Casp) | Maior responsabilidade dos pais pela oferta cultural e pelas relações sociais do filho.Identifica a família como um dos meios influentes no prolongamento da infância do portador de TEA. | O trabalho terapêutico fonoaudiológico é fundamental, pois o funcionamento sociocognitivo dos portadores de TEA está associado ao perfil comunicativo, auxiliando a convivência com os pais. |
Sifuentes M, Bosa CA. 201015 | Examinar a coparentalidade de cinco casais (pai/mãe) com filhos com autismo, cujas crianças tinham entre 4 e 7 anos. | Estudo de caso coletivo/cinco casais com filhos autistas/Porto Alegre e Região Metropolitana, RS | 3/10 (Casp) | As mães são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos autistas e o principal fator de estresse relatado por elas é a dificuldade dos filhos de fazer tarefas diárias. | Não foi informada nenhuma estratégia específica. Destaca‐se a importância de estudos e intervenções dirigidos a essas famílias |
Schmidt C, et al. 200717 | Verificar as estratégias de coping maternas frente a dificuldades dos portadores de autismo e as estratégias das mães para lidar com as próprias emoções desencadeadas por esse contexto | Estudo qualitativo/ 30 mães cujos filhos apresentam diagnóstico de autismo/ Porto Alegre, RS | 10/10 (Casp) | Dificuldade das mães de lidar com os sintomas (relacionados à comunicação, dificuldades em atividades cotidianas, comportamento e atrasos do desenvolvimento) | Foram usadas: ação agressiva, evitar e ignorar os estressores, distração, busca de apoio social/religioso, ação direta, inação, aceitação, expressão emocional e reavaliação das ações /planejamento de novas ações. |
*O décimo artigo12 foi usado apenas para análise da produção científica brasileira sobre o TEA, e não para extração de dados.
A literatura mostra sobrecarga emocional dos pais como um dos principais desafios encontrados por famílias com crianças com diagnóstico de TEA.8 Ressalta‐se que cinco (50%) artigos incluídos revelam uma maior tensão física e psicológica por parte das mães. Os principais fatores responsáveis pela sobrecarga emocional aumentada dos pais dessas crianças foram classificados em seis categorias, a saber:
Postergação diagnósticaObserva‐se a peregrinação de famílias a hospitais e consultas a vários profissionais de saúde para a obtenção do diagnóstico. No Brasil, o diagnóstico durante os anos pré‐escolares é ainda muito raro. Entretanto, aos três anos, as crianças tendem a preencher os critérios de autismo.7,11 Importante ressaltar que um diagnóstico precoce significa intervenções e planos de tratamento mais adequados que permitirão uma melhor qualidade de vida para a criança diagnosticada com TEA até atingir a idade adulta.1 Conforme a Diretriz Brasileira de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA (2013), as respostas terapêuticas são mais significativas quanto mais precocemente o tratamento for iniciado. Para auxiliar na identificação precoce do TEA, o Ministério da Saúde desenvolveu uma tabela com indicadores do desenvolvimento infantil e sinais de alerta.11 Apesar disso, observa‐se que a decisão terapêutica e a postergação diagnóstica ainda são fontes de estresse para os parentes e cuidadores da criança com TEA e induz sentimentos de impotência e desesperança por parte dos pais.9 Três estudos (30%), incluindo um de alta qualidade metodológica,8 evidenciaram a postergação diagnóstica como fator desencadeante do estresse familiar.7–9
Dificuldade de lidar com o diagnóstico e com os sintomasO diagnóstico de TEA desencadeia sentimentos de desvalia nos pais pela perda da criança saudável.18 Foi observado em três (30%) estudos, incluindo um de alta qualidade metodológica,17 que o comportamento, a comunicação insuficiente e o déficit cognitivo são os sintomas mais relacionados ao estresse parental.2,15,17
Deficiente acesso ao serviço de saúde e apoio socialO deficiente acesso a serviços de saúde e apoio social emergiu em três (30%) artigos, incluindo um de moderada qualidade metodológica,3 como contribuinte para o aumento do estresse e a diminuição da qualidade de vida de cuidadores de crianças com TEA.3,7,9
Escassez de atividades de lazer e educacionaisPais relataram em dois estudos (20%),3,9 incluindo um de moderada qualidade metodológica,3 a ausência de atividades de lazer e educação disponíveis para seus filhos como fator comprometedor da qualidade de vida dos responsáveis pela criança, que se tornam os principais provedores de educação e relações sociais dos filhos.
Situação financeiraPara fazer frente às necessidades financeiras, observa‐se o enfrentamento de maiores jornadas de trabalho pelos pais.19 Além das despesas aumentadas com terapia e educação voltadas para o autista, os cuidadores precisam contar também, no atendimento das necessidades do filho, com a compreensão do empregador.1 Além disso, dois (20%)2,19 estudos, incluindo um de moderada qualidade metodológica,2 demonstraram que algumas mães renunciaram à carreira profissional para cuidar do filho, o que ocasionou redução de sua contribuição financeira para o lar. Quando não abandonam o trabalho, chegam a receber 35% menos do que as mães de crianças com outra limitação de saúde e até 56% do que as mães de crianças com nenhuma limitação de saúde.19
Preocupação com o futuroUm (10%) artigo,9 de moderada qualidade metodológica, indica notória preocupação dos pais com o futuro dessas crianças, devido à sua limitação em prover o sustento próprio.9
Quando o diagnóstico e o plano terapêutico são estabelecidos, as famílias se sentem reconfortadas.9 Para que um plano terapêutico seja bem desenvolvido, além do diagnóstico bem elaborado, são necessárias sugestões da equipe e decisões da família.11 Entretanto, existe demanda por maior facilidade de acesso ao sistema de saúde, em busca da melhor qualidade de vida e amenização dos anseios dos pais. Torna‐se necessário que o atendimento seja feito nos três níveis do sistema de saúde por profissionais capacitados para identificar e avaliar precocemente os sintomas apresentados pela criança com TEA. Recursos humanos (capacitação e sensibilização de profissionais da saúde:8 enfermeiros,8 psicólogos,9 fonoaudiólogos,10 médicos especializados e demais profissionais,9,16 todos esses dispostos em equipes interdisciplinares, além de grupos sociais coordenados por profissionais para auxiliar os pais7 e professores mais preparados7 nas escolas) e materiais (investimentos em pesquisas para validação e criação de instrumentos diagnósticos mais específicos7 e valorização do Cartão da Criança)8 devem ser despendidos para o atendimento às necessidades dessas crianças e das famílias que buscam diagnóstico e acompanhamento do filho.
O início do convívio com uma criança com o diagnóstico de TEA coloca a família diante de uma realidade que ainda lhe é desconhecida20 e indica o desafio de ajustar seus planos e suas expectativas quanto ao futuro, além da necessidade de adaptar‐se à intensa dedicação e prestação de cuidados das necessidades específicas do filho.2 Segundo o Ministério da Saúde (2013),11 o projeto terapêutico é desenvolvido para atender não só às necessidades da criança com diagnóstico de TEA, mas também às demandas e interesses de seus parentes. Os artigos incluídos apontam estratégias que auxiliam no convívio com os sintomas apresentados pela criança com TEA, com vistas a aumentar a qualidade de vida dos pais e parentes e aprimorar a formulação diagnóstica. Entre elas, destacam‐se: assistência médica adequada e multidisciplinar,9,10,16 busca de apoio social7,9,17 (como inserção em grupos de apoio para pais,21 acesso a atividades de lazer e entretenimento3 e crença religiosa).1,10
Nos países de alta renda, as famílias de crianças com diagnóstico de TEA são avaliadas e, quando necessário, são feitas intervenções. Conforme as necessidades próprias dos cuidadores ou dos parentes da criança com TEA, lhes é ofertado: apoio pessoal, social e emocional, apoio no seu papel de cuidador (incluindo planos de repouso e emergência), planejamento de intervenções futuras, fornecimento de informações e aconselhamento com variados grupos de apoio.22 Entretanto, intervenções efetivas para a detecção precoce necessitam ainda de confirmação.23
No Brasil, o Ministério da Saúde oferece opções terapêuticas nos pontos de atenção da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, integrados à rede pública. Neles, são oferecidos atendimentos individualizados de reabilitação/habilitação com acompanhamento médico e odontológico e intervenção nas dimensões de linguagens, comportamental, emocional e atividades de vida prática. Também aos pais e cuidadores são oferecidos espaços de escuta e acolhimento, de orientação e até de cuidados terapêuticos específicos, visto a grande situação de estresse supracitada. Porém, nota‐se que essa assistência é fonte de insatisfação por parte das famílias assistidas, o que indica a necessidade de melhoria do acesso e da qualidade desses serviços.11
É essencial que profissionais de saúde auxiliem sempre essas famílias com apoio e orientação para a convivência diária com a criança diagnostica com TEA e intervenham sempre que necessário (até com oferta de práticas complementares e opcionais),24 uma vez que os extensos e/ou permanentes períodos de dedicação exigidos da família para com essas crianças, em muitos casos, resultam na diminuição das atividades de trabalho, de lazer e até de negligência nos cuidados da saúde dos demais membros da família.11
Foi observado na literatura que a atuação integrada de profissionais como psicólogos, enfermeiros, médicos, fonoaudiólogos e professores na dinâmica familiar proporciona uma melhoria na qualidade de vida e na capacidade dos cuidadores de lidarem com os sintomas do portador de TEA. Nesse sentido, a articulação em rede, a integralidade e a continuidade dos serviços de saúde podem compor um conjunto de referências capazes de acolher essas crianças e suas famílias.
As dificuldades de acesso aos serviços de saúde e de apoio social adequados contribuem para o aumento do estresse de cuidadores de crianças diagnosticadas com TEA.3,8 A troca de informações no nível interpessoal em estratégias como dinâmicas de grupo2 é capaz de prover apoio emocional e ajudar tais famílias a serem mais resistentes em relação à demanda por reestruturação e dedicação aos filhos, além de se sentirem incluídas e aceitas socialmente.25‐27A ausência de serviços educacionais e de lazer para a criança diagnosticada com TEA interfere diretamente na qualidade de vida dos pais dessas crianças.3 Observa‐se que maior investimento e oferta de serviços associados à melhoria do espaço físico que a criança com TEA frequenta, como a disponibilidade de dispositivos de comunicação computadorizados exclusivo para autistas e criação de espaços de recreação, como playground e piscinas nas escolas para maior interação com outras crianças,7 também podem ser úteis no alívio do estresse observado entre as famílias das crianças com TEA. Segundo o National Institute for Health and Care Excellence (Nice), melhorar o ambiente físico que a criança com TEA frequenta, fornecer apoios visuais agradáveis, como imagens, palavras ou símbolos, e fazer adaptações no espaço, considerando sensibilidades sensoriais individuais para iluminação, níveis de ruído e cor das paredes e móveis, podem minimizar impactos negativos na criança com TEA e melhorar sua qualidade de vida.28–30 No Reino Unido, as crianças com diagnóstico de TEA são acompanhadas desde a infância até a vida adulta. À criança e ao adolescente é assegurado acesso pleno aos serviços de saúde e assistência social, que é composto por profissionais capacitados para lidar especificamente com as crianças diagnosticadas com TEA. Segundo o Nice, o tratamento ideal a ser fornecido a essas crianças leva em consideração as necessidades individuais delas, bem como de seus parentes. Nesse sentido, dentre outros aspectos, o tratamento envolve: intervenções psicossociais e desenvolvimento das habilidades, com vistas a expandir a habilidade de comunicação social e o ingresso da criança com diagnóstico de TEA na comunidade; prevenção de comportamentos e situações que os intimidem, isto é, avaliar fatores que podem causar desconforto ao paciente e tratamento de outros problemas de saúde.28,30
ConclusãoCrianças portadoras de TEA podem apresentar sintomas severos e precoces nas áreas da socialização, comunicação e cognição. Antes do diagnóstico, suas famílias convivem com o desafio da busca pela identificação do transtorno e após o diagnóstico surgem novas dificuldades, como lidar com os sintomas e a insuficiência de serviços de saúde, educação e lazer. O convívio inicial da criança com diagnóstico de TEA exige reestruturação de arranjos familiares que, muitas vezes, sobrecarregam emocional e fisicamente seus membros – em especial a mãe – e diminuem a qualidade de vida de todos os membros da família. A sobrecarga familiar pode ser amenizada com efetivo e oportuno diagnóstico, promoção da literacia acerca da enfermidade, construção compartilhada de planos de cuidados apropriados e melhorias na rede social de apoio as crianças com TEA e as suas famílias. No que se refere aos profissionais de saúde, são necessárias permanentes sensibilização, preparação e atualização de pediatras, médicos de família e comunidade e dos demais profissionais de saúde sobre o tema.
No que se refere aos sistemas e serviços públicos, o SUS avançou ao publicar a diretriz11 que deve nortear a atuação profissional e informar os parentes das crianças com diagnóstico de TEA. Sua implementação em escala nacional, no entanto, exige mais dos atores envolvidos. No momento, sua insuficiente implementação prejudica seu potencial de apoio às pessoas com TEA e seus cuidadores e dificulta ainda mais o convívio familiar e a superação dos desafios encontradas. Nesse contexto, torna‐se essencial ao SUS prover assistência aos pacientes com diagnóstico de TEA, orientações às suas famílias e estratégias de apoio social mediante profissionais preparados, acesso a atividades de lazer e entretenimento, com consequente ganho na saúde e qualidade de vida desses indivíduos.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Agradecemos a Rosa Malena Delbone de Faria, José Barbosa Junior e Kely A. Alves pelo apoio institucional para a feitura desta pesquisa. Agradecemos a Mariana Pacelli e Paula C. Caetano pelo apoio inicial da concepção da revisão.