A toxoplasmose congênita está associada a considerável morbidade quando não tratada.1–10 A partir do momento da descoberta de anticorpos IgM específicos contra Toxoplasma gondii em lactentes,11 a determinação do diagnóstico da infecção inclui a detecção de anticorpos IgM específicos contra este protozoário no soro do recém-nascido.
No entanto, ainda não foi definido se esse teste apresenta diferenças e quão robusto ele é em diferentes populações e localidades. Os doutores Lago, Oliveira e Bender descreveram sua experiência com a presença de IgM contra T. gondii em soros obtidos de lactentes infectados congenitamente e cujas mães foram testadas no pré-natal, ou mães e bebês foram testados ou somente bebês foram testados, no período neonatal em um programa de triagem.12 Eles também observaram por quanto tempo ainda é possível detectar a imunoglobulina M anti-T. gondii no soro de crianças com toxoplasmose congênita, em um estudo cuidadosamente realizado e bem descrito.
Os pesquisadores utilizaram o Biomerieux IgM Enzyme Linked Fluorescent Assay (ELFA, Marcy l’Etoile, França) para detectar anticorpos IgM específicos contra Toxoplasma gondii no soro e o ensaio imunoenzimático fluorimétrico (FEIA, iLabSystems; Helsinque, Finlândia) para detectar anticorpos T. gondii em soro obtido a partir de papel de filtro.
Esses investigadores descrevem tanto a utilidade quanto as limitações encontradas ao se executar o teste e identificar T. gondii IgM no soro de recém-nascidos com toxoplasmose congênita na sua região. Eles também apontam as circunstâncias nas quais o diagnóstico pode não ser alcançado, quando baseado exclusivamente no teste. Também é apresentada uma caracterização cuidadosa desta coorte de crianças. Há três conjuntos de informações ausentes e que ajudariam na interpretação completa de seus dados. As informações que seriam úteis para uma compreensão plena do significado dos dados: (1) dados específicos do tratamento; (2) o(s) motivo(s) para o longo intervalo de tempo entre encontrar um anticorpo IgM positivo e o início do tratamento para o grupo de crianças diagnosticado na triagem neonatal; e (3) esclarecer por que utilizaram somente ultrassonografia cerebral, sem utilizar tomografia computadorizada do cérebro para algumas crianças e quantos foram esses casos, já que a TC é mais sensível para a detecção de calcificações intracerebrais.
Este estudo12 foi realizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil, durante 10 anos, de 1998 a 2009, e analisou 65 bebês. Os critérios de inclusão para o estudo foram triagem sorológica materna ou neonatal de rotina, a confirmação diagnóstica com imunoglobulina G persistente anti-Toxoplasma gondii aos 12 meses de idade ou mais tarde e triagem para Toxo-IgM no período neonatal. Eles calcularam a frequência de casos positivos de Toxo-IgM identificados pela triagem neonatal e que foram excluídos.
Foram excluídos os lactentes cuja idade não era determinável quando os resultados de Toxo-IgM tornaram-se negativos e os pacientes com resultado de Toxo-IgM negativo.
Entre os 28 pacientes identificados por triagem materna, 23 recém-nascidos tiveram Toxo-IgM positivo (82,1%, IC 95%: 64,7-93,1%). Quando foram incluídos 37 pacientes identificados por triagem neonatal, Toxo-IgM foi positivo no primeiro mês de vida em 60 pacientes. Foi possível identificar quando o resultado tornou-se negativo em 51 desses bebês. Em 19,6% dos pacientes, estes anticorpos já eram negativos aos 30 dias de vida, e em 54,9%, aos 90 dias. Entre os 65 pacientes incluídos no estudo, 40 (61,5%) apresentaram alguma alteração clínica. As possíveis razões para os resultados negativos poderiam ser infecção precoce e resolução de produção de IgM; supressão materna da produção de IgM; teste executado muito próximo do momento da aquisição da infecção, por isso a produção de IgM ainda não havia ocorrido. As diferenças de tratamento também podem ter influenciado os resultados diferencialmente.
Os autores deste trabalho mostram que o teste é útil, mas também observam que, mesmo quando testado através de métodos sorológicos com alta sensibilidade, até um terço das crianças com toxoplasmose congênita pode ser negativa para Toxo-IgM no soro ao nascimento. Assim, a presença de IgM específica para T. gondii é útil, mas a sua ausência não exclui a infecção congênita. Portanto, fazem uma observação importante que, quando houver uma suspeita de infecção, a triagem sorológica deve continuar durante o primeiro ano de vida da criança.
Além disso, em casos de infecção materna que tenha ocorrido muito perto do momento do nascimento, os recém-nascidos podem mostrar sorologia positiva para toxoplasmose por alguns dias ou semanas após o nascimento. Então, nesse cenário, é necessário realizar novos testes durante o primeiro mês de vida. Esse é um segundo ponto importante para o cuidado clínico de tais crianças.
O período de positividade para Toxo-IgM também não foi consistente para todas essas crianças. Aquelas infectadas com Toxo-IgM positivo na triagem neonatal podem apresentar resultado negativo no momento do teste de confirmação. Assim, esses testes não devem ser inicialmente considerados como falso-positivos para o teste de triagem. Este é, mais uma vez, um ponto importante a ser ressaltado no cuidado clínico dessas crianças. Sem esclarecer como os recém-nascidos e as mães, durante a gestação, foram tratados, torna-se difícil interpretar o intervalo de tempo para IgM específica para T. gondii permanecer positivo. A razão para o intervalo de tempo para o tratamento daqueles bebês cuja toxoplasmose congênita foi detectada na triagem neonatal, em oposição à triagem materna, não está clara, a partir da informação fornecida no texto.
Vale ressaltar que Desmonts e Couvreur descobriram que o primeiro mês de vida é uma época pós-natal em que é possível isolar os parasitas do sangue.13 Assim sendo, é interessante salientar que, nos dados apresentado por Lago et al.12 o atraso no tempo de tratamento foi, em média, esse primeiro mês. No entanto, as mesmas observações apontadas neste trabalho permitiram a determinação da persistência de IgM específica para T. gondii, além de demonstrarem e fornecerem provas de que é importante não interromper o monitoramento de crianças com suspeita de toxoplasmose congênita para a síntese de IgG específica para T. gondii quando há um resultado negativo para Toxo-IgM.
A cuidadosa descrição de Lago et al. da IgM específica para T. gondii em crianças infectadas congenitamente, e nascidas em Porto Alegre, mostra, também, como a infecção se manifesta atualmente e é tratada nesse local, onde a incidência da infecção é bastante elevada. A alta incidência de achados na retina e/ou no sistema nervoso central em crianças com toxoplasmose congênita em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil,14 também mostra ser semelhante, no presente estudo, à de Porto Alegre.
A incidência de retinite ativa não foi tão elevada como a reportada por Vasconcelos-Santos et al. para a coorte de Belo Horizonte, Fiocruz, onde 73% dos recém-nascidos detectados pela triagem tinham coriorretinite ativa. Houve uma tendência para um menor número de crianças com IgM específica para T. gondii, quando houve a triagem e o tratamento (não especificado) pré-natais, como demonstrado por Couvreur e Desmonts,13 mas que não atingiu significância estatística na coorte de Porto Alegre. Não está claro se isso reflete o tipo ou tempo de tratamento ou alguma característica do parasita. Nos EUA, onde há uma variedade de diferentes tipos genéticos dos parasitas, o diagnóstico e o tratamento pré-natais parecem melhorar os resultados para todos eles, e não variou por tipo de parasita.15 Essa melhoria nos resultados é semelhante àquela descrita na França.16–20O presente trabalho demonstra o benefício e a utilidade da adoção um programa de triagem pré-natal e neonatal em Porto Alegre, para o diagnóstico e o início do tratamento. A constatação de que o teste ao nascimento com o ensaio Biomerieux IgM específico para T. gondii ajuda no diagnóstico de toxoplasmose congênita em Porto Alegre é útil. No entanto, é importante notar que a ausência de anticorpos IgM específicos contra o T. gondii não exclui a infecção. Assim, uma ressalva importante é a de que esse teste não deve impedir aquele para anticorpos também aplicado ao fazer o diagnóstico através da produção tardia de anticorpos IgG, quando houver suspeita de infecção, já que testes negativos podem ocorrer em inúmeras situações e por razões distintas.
Conflitos de interesseA Dra. McLeod é presidente de uma comissão que cria diretrizes de diagnóstico, manejo e tratamento para o IDSA (Infectious Diseases Society of America); é presidente do Instituto de Pesquisa de Toxoplasmose, uma fundação 501c3 que promove investigação, educação e cuidados para as pessoas com toxoplasmose e doenças relacionadas, e que recebe subsídios do NIH; e é diretor do Centro de Toxoplasmose na Universidade de Chicago.