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Vol. 96. Núm. 1.
Páginas 8-19 (janeiro - fevereiro 2020)
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Vol. 96. Núm. 1.
Páginas 8-19 (janeiro - fevereiro 2020)
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Symptoms of anxiety and depression in children with developmental coordination disorder: a systematic review
Sintomas de ansiedade e depressão em crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação: uma revisão sistemática
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Tatiane Targino Gomes Draghia,
Autor para correspondência
tati.targino@gmail.com

Autor para correspondência.
, Jorge Lopes Cavalcante Netoa,b, Liz Araújo Rohra, Lemke Dorothee Jelsmac, Eloisa Tudellaa
a Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Fisioterapia, São Carlos, SP, Brasil
b Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Jacobina, BA, Brasil
c University of Groningen, Clinical and Developmental Neuropsychology, Groningen, Países Baixos
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Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (3)
Tabela 1. Resumo dos resultados dos estudos incluídos na revisão
Tabela 2. Número e porcentagem de crianças com sintomas de ansiedade/ depressão
Tabela 3. Avaliação da qualidade do estudo com a Escala de Newcastle‐Ottawa (NOS) para estudos transversais e de coorte
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Abstract
Objective

To find evidence of the symptoms of anxiety/depression in children with developmental coordination disorder as compared to their typically developing peers at both the group and individual level, and to identify how many different tools are used to measure anxiety and/or depression.

Methods

Electronic searches in eight databases (PubMed/MEDLINE, Scopus, Web of Science, ERIC, PsycINFO, Embase, SciELO and LILACS), using the following keywords: ‘Developmental Coordination Disorder,’ ‘Behavioral Problems,’ ‘Child,’ ‘Anxiety,’ ‘Depression,’ ‘Mental Health,’ and ‘Mental Disorders.’ The methodological quality was assessed by Newcastle‐Ottawa Scale adapted for cross‐sectional studies and the NOS for cohort studies. The studies were classified as low, moderate, or high quality. To provide clinical evidence, the effect size of the symptoms of anxiety and depression was calculated for each study.

Results

The initial database searches identified 581 studies, and after the eligibility criteria were applied, six studies were included in the review. All studies were classified as being of moderate to high quality, and the effect sizes for both anxiety and depression outcomes were medium. The evidence indicated that all of the assessed studies presented more symptoms of anxiety and depression in children with developmental coordination disorder than in their typically developing peers. On the individual level, this review found children with clinical symptoms of anxiety in 17–34% (developmental coordination disorder) and 0–23% (typically developing), and of depression in 9–15% (developmental coordination disorder) and 2–5% (typically developing) of the children.

Conclusions

Children with developmental coordination disorder are at higher risk of developing symptoms of anxiety and depression than their typically developing peers.

Keywords:
Developmental coordination disorder
Emotional health
Mental health
Anxiety
Depression
Resumo
Objetivo

Encontrar evidências dos sintomas de ansiedade/depressão em crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação em comparação com seus pares com desenvolvimento típico, a nível individual bem como em grupo, e identificar quantas ferramentas diferentes são utilizadas para medir a ansiedade e/ou depressão.

Métodos

Pesquisa eletrônica em oito bases de dados (PubMed/Medline, Scopus, Web of Science, Eric, PsycINFO, Embase, Scielo e Lilacs), utilizando as seguintes palavras‐chave: ‘Developmental Coordination Disorder’, ‘Behavioral Problems’, ‘Child’, ‘Anxiety’, ‘Depression’, ‘Mental Health’ e ‘Mental Disorders’. A qualidade metodológica foi avaliada pela escala de Newcastle‐Ottawa (NOS) adaptada para estudos transversais e pela escala de Newcastle‐Ottawa (NOS) para estudos de coorte. Os estudos foram classificados em: qualidade baixa, moderada e alta. Para fornecer evidência clínica, o tamanho do efeito dos sintomas de ansiedade e depressão foi calculado para cada estudo.

Resultados

As buscas iniciais nas bases de dados identificaram 581 estudos e, após a aplicação dos critérios de elegibilidade, seis estudos foram incluídos na revisão. Todos os estudos foram classificados como tendo qualidade moderada a alta e os tamanhos do efeito para os desfechos de ansiedade e depressão foram médios. As evidências indicaram que 100% dos estudos avaliados apresentaram mais sintomas de ansiedade e depressão em crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação do que em seus pares com desenvolvimento típico. No nível individual, encontramos crianças com sintomas clínicos de ansiedade em 17‐34% (transtorno do desenvolvimento da coordenação) e 0‐23% (desenvolvimento típico) e de depressão em 9‐15% (transtorno do desenvolvimento da coordenação) e 2‐5% (desenvolvimento típico) das crianças.

Conclusões

Crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação apresentam maior risco de desenvolver sintomas de ansiedade e depressão do que seus pares com desenvolvimento típico.

Palavras‐chave:
Transtorno do desenvolvimento da coordenação
Saúde emocional
Saúde mental
Ansiedade
Depressão
Texto Completo
Introdução

O transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) é um atraso motor específico caracterizado por dificuldades significativas nas habilidades motoras, é tipicamente associado a equilíbrio, coordenação e caligrafia ruins.1 De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição (DSM‐5), a identificação do TDC é constituída por quatro critérios: A) o desempenho das habilidades motoras está substancialmente abaixo do nível esperado para a idade cronológica da criança; B) as habilidades motoras interferem nas atividades da vida diária em casa e na escola; C) os sintomas estavam presentes em idade precoce; D) os problemas motores não são explicados por condições intelectuais, médicas ou neurológicas.1 O TDC é um dos distúrbios motores mais prevalentes, afeta cerca de 6% das crianças em idade escolar2–4 e persiste até a idade adulta.5

Verificou‐se que habilidades motoras significativamente menores interferem nas atividades individuais da vida diária,6 tornam a execução de movimentos significativamente desafiadora.7,8 As lacunas nas habilidades motoras das crianças com TDC reduzem sua participação em esportes e atividades físicas regulares.9 Além disso, crianças com TDC relatam mais dificuldades com o autocuidado, o que pode interferir na sua participação em atividades escolares, nas áreas de lazer e em casa,10 o que por sua vez pode causar isolamento social e a diminuir seu sentido de autovalor.11

A baixa autoestima é apenas um dos fatores que podem levar ao aumento dos sintomas de ansiedade e depressão.12 A ansiedade é definida como “uma emoção caracterizada por sentimentos de tensão, preocupação e mudanças físicas, como o aumento da pressão arterial”,1 enquanto eventos estressantes da vida predizem períodos de depressão,13,14 entre os quais sintomas de redução de interesse ou prazer em atividades antes apreciadas, com aparecimento de atraso em habilidades psicomotoras. Considerada uma desordem multifatorial, a etiologia é mesclada pelo contexto genético e ambiental, o que pode influenciar o ciclo normal de desenvolvimento em crianças.15 Neste estudo, estamos interessados em analisar os dados referentes aos sintomas de ansiedade e depressão a partir de exames de triagem, que sinalizam a presença de sentimentos de ansiedade ou depressão e que atendem ao espectro clínico de um transtorno.16

Missiuna et al.12 estudaram crianças que apresentavam TDC combinado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e verificaram que essas crianças tinham mais sintomas de ansiedade e depressão do que seus pares com desenvolvimento típico. Lingam et al.17 identificaram um risco maior para problemas de saúde física e mental em uma população com TDC. Admitindo que crianças com TDC apresentem de forma ampla um perfil de vulnerabilidade devido a esses potenciais mediadores, combinados com maior exposição a fatores que contribuem para o aumento dos sintomas de depressão e ansiedade, supomos que as crianças com TDC ou provável TDC apresentem significativamente mais sintomas de ansiedade/depressão do que seus pares com desenvolvimento típico. Portanto, o presente estudo de revisão sistemática teve como objetivo encontrar evidências sintomáticas de ansiedade/depressão em crianças com TDC em comparação com seus pares com desenvolvimento típico, tanto em nível individual como em grupo, e identificar quantas ferramentas diferentes são usadas para medir ansiedade e/ou depressão.

Métodos

A metodologia dessa revisão sistemática foi desenvolvida com as diretrizes do Cochrane Handbook.18 O protocolo de revisão foi registrado no banco de dados Prospero com o número de identificação CRD42018091859.

Banco de dados e palavras‐chave

As buscas iniciais foram feitas por dois revisores independentes. As buscas foram feitas nos seguintes bancos de dados: PubMed/Medline, Scopus, Web of Science, Eric, PsycINFO, Embase, Scielo e Lilacs, com as seguintes palavras‐chave do banco de dados Medical Subject Headings (Mesh): Developmental Coordination Disorder, Behavioral Problems, Child,Anxiety,Depression,Mental Health e Mental Disorders. Para aprimorar os resultados, foram usadas cinco combinações dessas palavras‐chave com o operador booleano AND: Developmental Coordination Disorder AND Anxiety AND Child; Developmental Coordination Disorder AND Mental Health AND Child; Developmental Coordination Disorder AND Depression AND Child; Developmental Coordination Disorder AND Behavioral Problems AND Child; Developmental Coordination Disorder AND Mental Disorders AND Child.

Critérios de elegibilidade

Os artigos selecionados preencheram os critérios a seguir: 1) pesquisa original feita em crianças com TDC ou quaisquer outros termos usados em relação à TDC, como crianças com TDC provável ou em risco de TDC, e publicada em inglês entre 1° de janeiro de 2007 e 25 de novembro de 2018; 2) critérios diagnósticos para identificar crianças com TDC baseados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 4ª ou 5ª edição (DSM‐IV e DSM‐5), que é composto por quatro critérios.1,19 Esses critérios são os seguintes: A) o desempenho das habilidades motoras está substancialmente abaixo do nível esperado considerando a idade cronológica da criança; B) as habilidades motoras interferem nas atividades da vida diária em casa e na escola; C) os sintomas estavam presentes em idade precoce; D) os problemas motores não são explicados por condições intelectuais, médicas ou neurológicas. As crianças precisavam preencher pelo menos os critérios A e B do DSM‐5,1 3) estudos que avaliaram sintomas de ansiedade e/ou depressão, 4) estudos que avaliaram sintomas de ansiedade e/ou depressão com testes específicos, escalas, questionários ou outros instrumentos padronizados; 5) estudos originais com qualquer desenho, exceto estudos de caso e revisões; e 6) estudos que usaram grupos de controle de crianças com desenvolvimento típico.

Extração e análise de dados

A seleção dos dados do estudo começou com a pesquisa inicial, seguida pela remoção de todas as duplicatas. Para fazer as seleções iniciais, dois revisores independentes (LAR e TTGD) fizeram a triagem dos títulos dos estudos. A seguir, os resumos dos artigos selecionados foram avaliados. Em seguida, os textos completos dos artigos que permaneceram foram avaliados e aqueles que preencheram os critérios de elegibilidade foram incluídos na revisão. Discrepâncias e divergências entre os autores foram resolvidas através de consenso com a participação de um terceiro revisor (JLCN).

Os resultados principais foram resumidos com as quatro categorias a seguir: 1) participantes (idade, tamanho da amostra, grupos de comparação e critérios de inclusão para TDC); 2) desfechos (sintomas de ansiedade e depressão); 3) avaliação do instrumento; e 4) qualidade metodológica.

Para avaliar os efeitos dos desfechos da ansiedade e depressão das crianças com TDC na prática clínica, foram calculados os tamanhos do efeito baseados no d de Cohen,20 com os seguintes valores de referência: tamanho do efeito pequeno (d = 0,20‐0,30); tamanho do efeito médio (d = 0,40–0,70) e tamanho do efeito grande (d = ≥ 0,80). Para calcular os tamanhos do efeito das diferenças entre os grupos, usamos a diferença entre as médias divididas pelos desvios‐padrão apresentados em cada estudo para cada desfecho (sintomas de ansiedade e depressão). Quando os autores não mostraram esses valores no manuscrito, excluímos esse estudo das análises de tamanhos do efeito.

Os resultados individuais de crianças com escore dentro do intervalo clínico das ferramentas de medida usadas para sintomas de ansiedade e/ou depressão são indicados em porcentagens dentro de cada grupo (TDC versus DT), quando relatados.

A qualidade metodológica foi determinada por três revisores independentes e as diferenças foram discutidas e resolvidas através de consenso. Foram usadas a escala Newcastle‐Ottawa (NOS) adaptada para estudos transversais e a escala Newcastle‐Ottawa (NOS) para estudos de coorte.21

A NOS usa um sistema de estrelas para o escore dos artigos, considera critérios específicos. Estudos de coorte podem ser classificados com um máximo de quatro estrelas para critérios de seleção, duas estrelas para critérios de comparabilidade e três estrelas para critério de desfecho, máximo de nove estrelas. Consideramos os estudos como de alta qualidade quando era obtido um escore ≥ 7 estrelas e qualidade moderada quando obtido um escore de 5‐6 estrelas, segundo a classificação adotada por Xing et al.22

Em relação aos estudos transversais, um máximo de cinco estrelas foi obtido para o critério de seleção, três estrelas para o critério de comparabilidade e duas estrelas para critério de desfecho, máximo de dez estrelas. Foram usados os critérios adotados por Wang et al.23 para classificar os estudos transversais, que consideraram escores de 0‐4 como de baixa qualidade, de 5‐6 de qualidade moderada e ≥ 7 de alta qualidade.

Resultados

As buscas iniciais no banco de dados identificaram 581 estudos, dos quais seis preencheram todos os critérios de elegibilidade (fig. 1).24 Cinco artigos eram estudos transversais e o outro um estudo de coorte. O tamanho da amostra cumulativa de todos os estudos incluídos foi de 7.920 crianças (653 com TDC, 7.213 com desenvolvimento típico e 54 com TDAH – que não foram consideradas em nossas análises). A idade dos participantes variou de quatro anos e quatro meses a 11 anos e seis meses (tabela 1).

Figura 1.

Fluxograma mostra as etapas da revisão sistemática.24

(0.34MB).
Tabela 1.

Resumo dos resultados dos estudos incluídos na revisão

Estudo  Desenho  Amostra  Critérios de inclusão para TDC  Terminologia do TDC  Grupo TDCGrupo ControleAvaliação do desempenho motor  Avaliação da Ansiedade /Depressão (respondentes)  Objetivo do estudo  Resultados referentes aos sintomas de ansiedade / avaliação da depressão  Tamanho do efeito (d de Cohen)
          Média da idade (DP)  Média da idade (DP)          Avaliação da ansiedade  Avaliação da depressão 
Piek et al. (2008)  Transversal  40  MAND  Em risco para TDC  14  4,4±0,33  26  4,4±0,33  MAND ≤85  CBCL para idade de 1,5–5 (pais)  Investigar a relação entre coordenação motora, reconhecimento emocional e comportamento internalizante  Ansiedade/ Depressão: TDC significativamentemaior do que DT  d = 1,26  d = 1,26 
Missiuna et al. (2014)  Transversal  244  CSAPPADCDQ’07MABC  TDC  TDC: 68TDAH: 54TDC+TDAH: 31  TDC: 11,6±1,4TDAH: 11,9±1,4TDC+TDAH:12,0±1,5  91  12,0±1,5  MABC< 15oCDI (crianças + pais)SCARED (crianças + pais)  Determinar se os sintomas de depressão e ansiedade foram maiores nas crianças com TDC, TDAH, do que em seus pares  Ansiedade: TDC significativamentemaior que DTDepressão: TDC significativamentemaior que DT  d = 0,41  d = 0,82 
Pratt and Hill (2011)  Transversal  62  DCD‐QMABC‐2  TDC  27  10,0  35  9,3  MABC‐2 < 5oSCAS‐P (pais)  Investigar os níveis de ansiedade em crianças com TDC e crianças com desenvolvimento típico  Ansiedade: TDC significativamentemaior que DT  d = 0,31 
Lingam et al. (2012)  Coorte  6902  ALSPAC eescala de vida diária derivada do questionário preenchido pelos pais  Provável TDC  346  7‐8 anos para avaliação de TDC;9‐10 anos para avaliação de saúde mental  6556  7‐8 anos para avaliação de TDC;9‐10 anos para avaliação de saúde mental  ALSPAC teste de coordenação < 15oSMFQ (crianças)  Avaliar as associações entre provável TDC e dificuldades de saúde mental e explorar os fatores mediadores nessa relação  Depressão: TDC significativamente maior do que DT 
Chen et al. (2009)  Transversal  270  DCDQ‐C.MABCBOTMP  Em risco para TDC  144  7,74±0,81  126  7,74±0,81  BOTMP < 40MABC ≤15oCBCL ‐ versão Chinesa (pais)  Explorar as características psicossociais e atencionais de crianças com TDC  Ansiedade/Depressão: TDC significativamentemaior que DT  d = 0,55  d = 0,55 
Van den Heuvel et al. (2016)  Transversal  402  MABC‐2Problemas no controle motor relatados in em questionário respondido pelos pais  TDC  23  7,0  379  7,2  MABC‐2 ≤5oTRF (professor(a)  Investigar a identificação pelos professores dos problemas emocionais e comportamentais em crianças com TDC  Ansiedade/Depressão: TDC significativamentemaior que DT  d = 0,52  d = 0,52 

ALSPAC, Avon Longitudinal Study of Parents and Children; BOTMP, Bruininks‐Oseretsky Test of Motor Proficiency; CBCL, Child Behaviour Checklist; CDI, Children's Depression Inventory; CSAPPA, Children's Self‐Perceptions of Adequacy in Predilection for Physical Activity Scale; DCDQ, Developmental Coordination Disorder Questionnaire; DT, Desenvolvimento Típico; MABC, Movement Assessment Battery for Children; MAND, McCarron Assessment of Neuromuscular Development; SCARED, Self‐report for Childhood Anxiety and Related Emotional Disorders; SCAS, Spence Children's Anxiety Scale; SMFQ, Short Mood and Feelings Questionnaire; TDAH, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade; TDC, Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação; TRF, Teacher's Report Form.

O corpo de evidências dos seis estudos indicou, de forma significativa, mais sintomas de ansiedade e depressão em crianças com TDC do que em seus pares com desenvolvimento típico. Em cinco dos seis estudos, os tamanhos dos efeitos puderam ser calculados para sintomas de ansiedade12,25–28 e sintomas de depressão.12,24,27,28 Todos os estudos incluídos relataram resultados semelhantes de aumento dos sintomas de ansiedade e depressão em crianças com TDC em comparação com seus pares com desenvolvimento típico (tabela 1).

Nos estudos incluídos, os critérios A e B do DSM 5 foram os critérios mais comumente considerados, avaliaram o desempenho motor e a interferência das dificuldades de coordenação no desempenho acadêmico ou nas atividades da vida diária, respectivamente.

Para avaliar o desempenho motor (critério A), 67% dos estudos (n = 4)12,26–28 incluíram a bateria de testes Movement Assessment Battery for Children (MABC) com escore ≤ percentil 15 ou a MABC‐2, com escore ≤ percentil 5 para indicar TDC; um27 deles também usou o teste Bruininks–Oseretsky Test of Motor Proficiency (BOTMP) com escore padrão de corte < 40 para o TDC. Um estudo17 usou o Teste de Coordenação Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC) com escore < percentil 15 e um estudo25 usou a avaliação McCarron Assessment of Neuromuscular Development (MAND), com escore ≤ 85 indicando TDC.

Para avaliar o critério B, três dos sete estudos12,26,27 incluíram o questionário Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ) e dois estudos17,28 analisaram os desfechos relatados a partir de um questionário dirigido aos pais.

Os estudos usaram terminologia ambígua para se referir às crianças com TDC. Dos seis estudos incluídos, três usaram TDC, dois “em risco” de TDC e um “provável” TDC.

Vários instrumentos foram usados para avaliar os desfechos de saúde mental das crianças, mas o mais comumente usado foi o Child Behavior Checklist (CBCL) (n = 2).25,27 Além disso, o Children's Depression Inventory (CDI)12 e o Short Moods and Feelings Questionnaire (SMFQ),17 feitos pelas crianças, foram usados para medir a depressão. O Self‐report for Childhood Anxiety and Related Disorders (SCARED),12 feito pelas crianças, e o Spence Children's Anxiety Scale Parentalversion (SCAS‐P),26 feito pelos pais, foram usados para medir a ansiedade. O Teacher's Report Form (TRF)28 foi usado pelos professores para avaliar problemas emocionais e comportamentais das crianças.

No nível individual, apresentado na tabela 2, os resultados dos estudos incluídos nessa revisão inferem que uma porcentagem das crianças com TDC tem maior probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade ou depressão no intervalo clínico quando comparadas a crianças com desenvolvimento típico.

Tabela 2.

Número e porcentagem de crianças com sintomas de ansiedade/ depressão

Estudo  Desfecho  Número e % de crianças com sintomas de ansiedade / depressão na faixa clínica
    Grupo TDC  Grupo DT 
Piek et al. (2008)  Ansiedade/Depressão 
Missiuna et al. (2014)  Depressão  Relato da criança: n = 8 (11,8%)Relato dos pais: n = 6 (9,1%)  Relato da criança: n = 2 (2,2%)Relato dos pais: n = 2 (2,2%) 
  Ansiedade  Relato da criança: n = 23 (33,8%)Relato dos pais: n = 11 (16,7%)  Relato da criança: n = 21 (23,1%)Relato dos pais: n = 1 (1,1%) 
Pratt and Hill (2011)  Ansiedade  n = 7 (25, 9%)  n = 0 (0%) 
Lingam et al. (2012)  Depressão  n z= 28 (11,9%)  n = 279 (5,3%) 
Chen et al. (2009)  Ansiedade/Depressão 
van den Heuvel et al. (2016)  Ansiedade/Depressão  n = 3 (15%)  n = 7 (2,3%) 

a, Nenhum dado de informação individual foi apresentado; DT, Desenvolvimento Típico; TDC, Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação.

A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi classificada como de alta qualidade em cinco artigos. Dois deles preencheram 90% dos critérios metodológicos,25,27 um estudo preencheu 88%17 e dois estudos, 70% dos critérios.12,28 Um estudo foi classificado como de qualidade moderada, preencheu 60% dos critérios.26

Nenhum dos estudos transversais, avaliados pela escala de Newcastle‐Ottawa (NOS) adaptada para estudos transversais, atingiu um escore de duas estrelas no desfecho 1 (critério de avaliação cega independente ou análise por registro). No entanto, os seis estudos (cinco transversais e um estudo de coorte), obtiveram escores no critério “controla o fator mais importante” (comparabilidade A, uma estrela). Todos os detalhes são exibidos na tabela 3.

Tabela 3.

Avaliação da qualidade do estudo com a Escala de Newcastle‐Ottawa (NOS) para estudos transversais e de coorte

Estudo  Desenho  NOS
    Seleção 1  Seleção 2  Seleção3  Seleção 4  Comparabilidade 1a  Comparabilidade 1b  Desfecho 1  Desfecho 2  Desfecho 3  Escore total NOS 
Piek et al. (2008)  Transversal  ★  ★  ★  ★★  ★  ★  ★  ★    9/10 (90%) 
Missiuna et al. (2014)  Transversal  ★  ★  ND  ★★  ★  ND  ★  ★    7/10 (70%) 
Chen et al. (2009)  Transversal  ★  ★  ★  ★★  ★  ★  ★  ★    9/10 (90%) 
Van den Heuvel et al. (2016)  Transversal  ★  ★  ND  ★★  ★  ★  ND  ★    7/10 (70%) 
Pratt and Hill (2011)  Transversal  NA  NA  NA  ★★  ★  ★  ★  ★    6/10 (60%) 
Lingam et al. (2012)  Coorte  ★  ★  ★  ★  ★  ★  ND  ★  ★  8/9 (88%) 

ND, não disponível; NOS, escala de Newcastle‐Ottawa.

Discussão

A presente revisão compilou evidências de seis artigos que avaliaram os sintomas de ansiedade e/ou depressão em crianças com TDC, em comparação com os sintomas em pares controles com desenvolvimento típico. Os resultados mostraram que em todos os estudos foram encontradas evidências de maior presença de sintomas de ansiedade (100% dos estudos avaliados) e depressão (100% dos estudos avaliados) em crianças com TDC em comparação com crianças com desenvolvimento típico, o que corrobora a hipótese deste estudo.

Piek et al.,25 Chen et al.27 e van den Heuvel et al.28 mostraram que a ansiedade e a depressão no TDC são significativamente maiores do que nas crianças com desenvolvimento típico. A capacidade de coordenação motora das crianças foi negativamente associada ao comportamento de ansiedade e depressão, de modo que, quando as crianças apresentaram escore baixo na coordenação, maior ansiedade e depressão eram relatadas pelos pais.25 No entanto, nesse grupo, não houve relato de criança em nível individual que apresentasse um escore no intervalo clínico do comportamento de ansiedade e depressão.25,27 Esse é um achado importante a ser relatado, pois significa que não há causalidade no fato de encontrar‐se TDC que resulte em sintomas clínicos de ansiedade e depressão. Isso apenas mostra que as crianças com TDC têm um número maior de fatores vulneráveis que podem levar ao aumento dos sintomas de ansiedade e depressão. No estudo de van den Heuvel et al.,28 a ansiedade e a depressão faziam parte de uma escala de problemas emocionais e comportamentais que envolviam outros distúrbios emocionais, dos quais 15% das crianças com TDC apresentavam sintomas clínicos no Teacher's Report Form (TRF) em comparação com crianças com desenvolvimento típico.

Missiuna et al.12 e Lingam et al.17 encontraram resultados semelhantes de diferenças significativas entre crianças com TDC e crianças com desenvolvimento típico em relação à depressão. Com base nesses resultados, foram apresentados percentuais semelhantes de crianças que, individualmente, apresentaram escore dentro do intervalo clínico, tanto pelas crianças com TDC quanto pelos pais (11,8%; 11,9%; respectivamente) para crianças12,17 e 9,1% para os pais,12 embora as avaliações tenham sido feitas com ferramentas diferentes. Novamente, isso apenas demonstra que uma minoria de crianças com TDC apresenta tendência a se sentir mais deprimida em comparação com seus pares. Maiores informações são necessárias sobre a autoestima, o estilo de vida social, os escores acadêmicos e o apoio dos pais e/ou professores, a fim de entender mais sobre os processos que levam aos sintomas de depressão.

Missiuna et al.12 e Pratt & Hill26 mostraram diferenças significativas entre crianças com TDC em comparação com crianças com desenvolvimento típico em relação à ansiedade. No entanto, a média dos escores no Self‐report for childhood anxiety and related emotional disorders (Scared) respondidos pelos pais e pela criança não alcançou o intervalo clínico. Contudo, 16,7% dos pais e 33,8% das crianças do grupo TDC apresentaram sintomas clínicos positivos de ansiedade. Pratt & Hill26 mostraram porcentagens semelhantes de crianças que apresentaram escore individual dentro do intervalo clínico e 25,9% das crianças com TDC relataram sintomas de ansiedade. É interessante entender melhor por que os pais obtêm escores mais baixos para sintomas de ansiedade do que os próprios filhos.

O tamanho do efeito pôde ser calculado para cinco dos seis estudos incluídos nesta revisão. Considerando‐se esses estudos (n = 5 para sintomas de ansiedade e n = 4 para sintomas de depressão, assumindo que em dois estudos tivemos os dois resultados avaliados em conjunto), a média do tamanho do efeito calculado para sintomas de ansiedade foi d = 0,61, enquanto para sintomas de depressão foi d = 0,78, indicou um tamanho de efeito médio para as implicações clínicas dos sintomas de ansiedade e depressão em crianças com TDC. Isso significa que o TDC não é um fator que contribui totalmente para a presença de sintomas de ansiedade ou depressão. De fato, um número considerável de crianças com TDC pode não desenvolver sintomas de ansiedade ou depressão. Outros fatores, como aqueles considerados no estudo de Lingam et al.,17 como baixo QI verbal, má comunicação social, ser uma vítima, ter baixa autoestima e baixo desempenho escolar, podem contribuir ainda mais. Mais pesquisas são necessárias para desvincular a relação entre a competência motora de crianças com TDC, o histórico do tratamento, o suporte e o efeito sobre a autoestima e a comunicação e o isolamento social, preferencialmente em diferentes culturas.

Tendo em vista os critérios diagnósticos atuais para identificar as crianças com TDC com base no DSM‐5,1 é possível inferir que cada um dos quatro critérios considera a vida diária da criança e suas oportunidades para praticar atividades. Além disso, podemos inferir que, além das oportunidades para prática, as crianças precisam ser protegidas por fatores psicossociais, inclusive apoio social positivo da família, amigos e professores. Esse apoio deve ser adequado para promover o incentivo que essas crianças precisam para tentar superar seus déficits motores e/ou terem maior envolvimento social, minimizar o risco de ansiedade e depressão. As crianças podem ser desajeitadas, mas têm condições para construir relações sociais suficientes com seus pares.

A partir desta revisão, fica claro que a ansiedade e/ou depressão são medidas de forma inconsistente por diferentes ferramentas, como, por exemplo, por seis ferramentas diferentes e preenchidas por pessoas diferentes. Até agora, não está claro se os escores dos pais ou professores nos itens sobre saúde mental correspondem aos sentimentos vivenciados pelas crianças. Algumas questões devem ser observadas em relação às diferenças entre os sintomas de ansiedade e depressão. Por exemplo, enquanto a ansiedade inclui preocupação excessiva com ações futuras combinadas com tensão ou estresse, a depressão é caracterizada por baixa autoestima, perturbação ou desregulação do humor e tristeza.1 Frequentemente, ambas as condições são concomitantes12 no mesmo período ou são sequenciais, é observado um aumento de ambas as condições ao longo do tempo29; portanto, as avaliações para ambas as condições são com frequência conduzidas em conjunto, particularmente em estudos não clínicos. Diante disso, quatro dos seis estudos incluídos na presente revisão avaliaram tanto a ansiedade quanto a depressão em crianças com TDC e grupos controle de pares.12,25,27,28 Um estudo26 avaliou apenas a ansiedade e outro17 somente a depressão. Levando em consideração que os sintomas de ansiedade e depressão têm diferentes características,29 é possível induzir um viés quando ambas as avaliações são feitas com o mesmo instrumento. Por outro lado, para fins de estudo, os pesquisadores podem economizar tempo e recursos se usarem apenas um questionário padronizado para triagem de sintomas de ansiedade e depressão. No entanto, informações detalhadas adicionais são necessárias quando uma criança obtiver um escore que indica “em risco”.

É importante perceber que a privação, nesse caso crianças que não estão expostas à prática de habilidades motoras ou que não têm um estilo de vida ativo na primeira infância, pode levar a problemas de neurodesenvolvimento que podem estar relacionados a sintomas de depressão na adolescência.30 Portanto, além do nível de desempenho motor, o contexto da criança em relação à parentalidade, ao meio ambiente e ao status socioeconômico pode proporcionar uma melhor visão sobre os fatores preditores dos sintomas de ansiedade e/ou depressão. Mais pesquisas são necessárias para determinar quais fatores desempenham o papel mais importante para tornar‐se “em risco” de problemas psicológicos.

Todos os estudos transversais apresentaram escore no critério de seleção 4 (avaliações validadas); portanto, podemos concluir que os estudos incluídos nesta revisão seguiram rigorosamente os critérios recomendados para estudos com esse desenho, evitaram‐se possíveis vieses. Isso também é válido para o critério 2, que se refere a testes estatísticos usados para análise, demonstraram que eram apropriados para demonstrar a relevância dos resultados. Além da escala NOS adaptada para estudos transversais, nenhum dos estudos selecionados apresentou um escore de duas estrelas no critério de desfecho 1, correspondeu à avaliação cega independente ou análise por registro. A não feitura da avaliação cega independente ou análise por registro (também critério 1 para estudos de coorte) infere que para esse desfecho de sintomas de ansiedade e/ou depressão o uso de questionários autopreenchidos parece ser uma opção questionável, uma vez que a avaliação é feita por um entrevistador que pode ter uma influência direta nas respostas do entrevistado. Para evitar a tendência de autodescrições excessivamente positivas, os questionários de autorrelato sem a influência de um entrevistador poderiam ser usados para minimizar respostas socialmente desejáveis (RSD)31 ou questionários de autopreenchimento para serem respondidos por pais ou professores.

Os achados da presente revisão apoiam a importância de investigar os aspectos psicossociais de crianças com TDC e reforçar as recomendações da European Academy for Childhood Disability (EACD) em relação à prática clínica em crianças com TDC.32 Todo o processo de avaliação e intervenção deve envolver não apenas os aspectos motores, mas também os fatores pessoais e individuais, e deveriam incluir uma revisão de todos os itens presentes na International Classification of Functioning, Disability, and Health (ICF).33 De fato, avaliações e intervenções que focam nos sintomas indicativos de ansiedade e depressão em crianças com TDC correspondem aos fatores pessoais e ambientais da ICF. Além disso, considerando os aspectos multifatoriais, o desenvolvimento psicossocial pode melhorar a estrutura, as funções do corpo e a participação nas atividades diárias. Assim, os resultados da presente revisão apoiam a importância de considerar os sintomas indicativos de ansiedade e depressão em crianças com TDC.

Para evitar confusão quando os estudos são comparados, pesquisadores e terapeutas devem estar cientes dos termos da literatura atual. Encorajamos os pesquisadores a seguirem a classificação baseada em Smits‐Engelsman et al.,34 que consideram os critérios do DSM 5 a serem descritos e observados através de avaliações padronizadas e também a idade das crianças.

Esta revisão sistemática tem algumas limitações. Os vários desenhos adotados pelos estudos incluídos resultaram em várias interpretações de seus achados. Particularmente, o estudo de coorte foi capaz de avaliar as relações entre causas e efeitos, ao contrário dos estudos transversais. Além disso, a variedade de tamanhos da amostra, dos instrumentos usados para avaliar o desempenho motor e os resultados psicossociais de interesse (ansiedade e depressão) podem ter afetado a interpretação dos resultados dos estudos. No entanto, em relação aos nossos desfechos de interesse, maiores riscos para os sintomas de ansiedade e depressão em crianças com TDC foram encontrados em 100% dos estudos incluídos na revisão.

Conclusão

Crianças com TDC parecem estar sob maior risco de apresentar sintomas de ansiedade e/ou depressão do que crianças com desenvolvimento típico. Isso implica que a presença de problemas motores pode causar um risco aumentado de sintomas de ansiedade e/ou depressão, embora esse não seja o caso para todas as crianças. Os médicos devem estar cientes desses riscos e podem considerar estender as suas avaliações com questionários destinados a medir sintomas de ansiedade ou depressão. Caso maior atenção seja dada a esses sintomas e as crianças sejam avaliadas de forma mais consistente, maior conhecimento será obtido em relação aos efeitos mediadores dos problemas motores nos sintomas de ansiedade ou depressão.

Financiamento

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Draghi TT, Cavalcante Neto JL, Rohr LA, Jelsma LD, Tudella E. Symptoms of anxiety and depression in children with developmental coordination disorder: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2020;96:8–19.

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