A obesidade infantil é amplamente reconhecida como um grave problema de saúde pública de relevância global.1 Na América Latina, o aumento sempre crescente das taxas de sobrepeso e obesidade observado nas últimas três décadas não poupou crianças e adolescentes. Os últimos dados estimam que entre 42,4 e 51,8 milhões de crianças e adolescentes (0‐18 anos) estão acima do peso ou obesos, o que representa 20‐25% da população total de crianças e adolescentes na região.2 Em crianças com menos de cinco anos, a prevalência estimada de sobrepeso e obesidade, com base nos Padrões de Crescimento Infantil da OMS,3 foi de 6,9% (IC de 95%: 5,8‐8,0%) em 2010.4 Em crianças em idade escolar, as prevalências nacionais combinadas de sobrepeso e obesidade relatadas nos últimos cinco anos com o uso da referência de crescimento da OMS5 variou de 18,9% na Colômbia (ambos os sexos) a 36,9% em meninos mexicanos.2 Apesar de não disponíveis nos últimos cinco anos, as prevalências no Brasil (2009) e no Chile (1997) foram quase tão elevadas quanto as encontradas em 2012 no México. Isso sugere que a magnitude do excesso de IMC nesses dois países é semelhante ou até mesmo maior do que no México.2
A conscientização sobre as elevadas taxas de sobrepeso e obesidade na infância, juntamente com a variedade de consequências à saúde relacionadas a essas doenças – de consequências psicossociais a efeitos metabólicos adversos sobre pressão arterial, colesterol, triglicerídeos e resistência a insulina6–8 – desencadeou o desenvolvimento de vários planos de ação e o estabelecimento de metas globais para a prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. A região da América Central à América Latina foca no Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes em 2014‐2019, que a Organização Pan‐Americana da Saúde (Opas) aprovou em junho de 2014, na 154ª reunião de seu Comitê Executivo.9 Esse plano regional foca na transformação do ambiente obesogênico atual em um ambiente saudável que forneça oportunidades para consumo de alimentos nutritivos e atividade física e alinha‐se com mandatos internacionais anteriores da Assembleia Mundial da Saúde, principalmente com a estratégia global da OMS sobre dieta, atividade física e saúde,10 a Declaração Política sobre a Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis,11 e o plano de implementação abrangente da OMS sobre nutrição materna, neonatal e infantil.12
Todos esses planos de ação enfatizam o papel essencial da atividade física no controle da obesidade infantil e ressaltam, assim, a relevância, nesta edição do Jornal de Pediatria, da contribuição de Farias et al.,13 que relata o impacto da atividade física programada sobre a redução da gordura corporal em crianças em idade escolar pós‐púberes. Os autores compararam um grupo de controle de 191 estudantes entre 15 e 17 anos em aulas de educação física convencionais na escola com um grupo de estudo de 195 estudantes da mesma idade que participavam de atividades físicas diárias programadas, que incluíam 30 minutos de atividade aeróbica (exercícios de flexibilidade, fortalecimento muscular, pular corda, caminhada, corrida alternada, salto contínuo, jogos recreativos), 20 minutos de jogos esportivos (vôlei, futebol, handebol) e 10 minutos de alongamento. No fim do ano letivo, houve uma redução significativa na massa de gordura e no percentual de gordura corporal no grupo de estudo, em comparação com o grupo de controle.13 A atividade física programada implementada no grupo de estudo está em linha com as recomendações internacionais para a faixa de 5‐17 anos.14 Uma diretriz recente da OMS concluiu que a evidência científica disponível para essa faixa etária confirma a conclusão geral de que a atividade física proporciona benefícios fundamentais à saúde. Os benefícios à saúde documentados incluem melhoria na forma física (capacidade cardiorrespiratória e força muscular), diminuição da gordura corporal, saúde óssea reforçada, biomarcadores favoráveis de saúde cardiovascular e metabólica e diminuição dos sintomas de ansiedade e depressão.14 As recomendações específicas do grupo das diretrizes são:
- 1.
Crianças e jovens de 5‐17 anos devem acumular pelo menos 60 minutos de atividade física moderada a intensa diariamente;
- 2.
A atividade física por mais de 60 minutos diários proporcionará benefícios adicionais à saúde;
- 3.
A maior parte da atividade física deve ser aeróbica. Atividades intensas devem ser incorporadas, incluindo as que fortalecem músculos e ossos, pelo menos três vezes por semana.
Para crianças e jovens de 5 a 17 anos, a atividade física inclui brincadeiras, jogos, esportes, transporte, lazer, educação física ou exercícios planejados no âmbito familiar, escolar e em atividades comunitárias. Para crianças e jovens inativos, é recomendado um aumento progressivo na atividade para então atingir as metas acima. É adequado começar com pequenas quantidades de atividade física e aumentar gradualmente a duração, a frequência e a intensidade com o passar do tempo.14
Embora os programas escolares que promovem a atividade física programada, como aquele descrito por Farias et al.,13 desempenhem um papel importante, também é essencial estar ciente de que as crianças atualmente estabelecem um estilo de vida sedentário precocemente.15 O ambiente moderno é um dos que encorajam o sedentarismo em todos os níveis e em todos os ambientes (p. ex., trabalho, escola, transporte, casa) e as crianças não estão imunes a essa tendência. Como as crianças estabelecem um estilo de vida sedentário, elas quase certamente geram um quadro de sobrepeso e obesidade. Isso reflete as tendências observadas dessas doenças em crianças de 0‐5 anos. Em todo o mundo, de 1990 a 2010, houve um aumento relativo de 21% (na primeira década) e 31% (na segunda década) na prevalência de sobrepeso e obesidade na primeira infância, ao passo que a previsão para o aumento relativo nesta década (2010‐2020) é de 36%.4 Cerca de 50% dos países com dados nacionais disponíveis mostram o aumento na tendência de sobrepeso em crianças na pré‐escola (50 de 102 países).16 Esses dados confirmam a necessidade de combinar abordagens escolares com intervenções efetivas que comecem no início da infância para conter as tendências previstas.
O que tudo isso significa para a América Latina? Os dados disponíveis sobre a região são alarmantes e clamam por ação urgente. As taxas de sobrepeso e obesidade em jovens, como as relatadas no Brasil, Chile e México, trazem grandes consequências econômicas e à saúde.2 Como os governos se tornam mais cientes do custo do sobrepeso e da obesidade para as pessoas e a sociedade, as opções políticas estão sendo discutidas e implementadas local e nacionalmente em alguns países da América Latina.2,9 O Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes em 2014‐2019, aprovado pela Opas em junho de 2014, fornece aos países uma estrutura útil para agir fortemente a fim de abordar esse problema significativo de saúde pública. O plano chama atenção para o vasto e robusto conhecimento científico e de saúde pública sobre os mecanismos envolvidos na atual epidemia de obesidade e na ação pública exigida para controlá‐la e promove a coordenação entre as instituições públicas – principalmente nos setores de educação, agricultura, finanças, comércio, transporte e planejamento urbano – para chegar a um consenso nacional e sinergias para deter a progressão da epidemia de obesidade em crianças.9 Também estabelece um sistema integrado de monitoramento, avaliação e responsabilidade para políticas, programas, legislação e intervenções que tornará possível avaliar o impacto da implementação do plano. Avaliar o impacto de políticas e programas é essencial para construir evidências de intervenções com bom custo‐benefício para o controle da epidemia de obesidade.
Contudo, em face das circunstâncias, é essencial não perder o foco do fato de que a maior parte dos países na América Latina enfrenta um duplo fardo de déficits nutricionais (principalmente baixa estatura e deficiências de micronutrientes) e excesso de peso.17,18 Abordar o problema de obesidade infantil na região acrescentará complexidade, pois muitos dos países ainda não adequaram suas políticas e seus programas de nutrição e alimentos – designados há décadas e com foco no controle da desnutrição – em seus novos perfis epidemiológicos. Ao contrário da convicção de alguns responsáveis pela tomada de decisões, a desnutrição e a obesidade não são problemas não relacionados que exigem soluções diferentes. Por exemplo, a desnutrição, da concepção ao fim dos dois primeiros anos de vida, é um fator de risco para sobrepeso, obesidade e doenças não transmissíveis.19 Assim, a promoção de práticas adequadas de alimentação neonatal e infantil evitará, efetivamente, a desnutrição e o excesso de peso. Em contrapartida, crianças e adolescentes acima do peso fazem parte de um grupo de alto risco de deficiência de ferro20 e outras deficiências de micronutrientes.21 Esse “paradoxo nutricional”, a coexistência de déficit e excesso nutricional em pessoas e populações, deve ser levado em consideração quando os governos da América Latina projetarem estratégias nacionais de controle da obesidade infantil.
O crescimento das tendências de sobrepeso e obesidade infantil resulta, principalmente, de forças socioambientais que influenciam os comportamentos alimentares e de prática de atividade física, porém não estão sob o controle das crianças individualmente. Nos últimos 20 anos, vários países passaram por importantes mudanças socioeconômicas, que afetaram diretamente os padrões alimentares das famílias e resultaram em dietas obesogênicas cada vez mais comuns, ricas em energia, pobres em nutrientes e com ingestão de grandes quantidades de bebidas adoçadas. Ao mesmo tempo, a quantidade de atividade física de que as crianças participam foi reduzida pelo aumento do uso de automóveis, pelo tempo gasto com televisão e jogos sedentários e pela diminuição de oportunidades de atividade física a caminho da escola, na escola e durante o tempo de lazer. Apesar da necessidade de abordagens individuais para crianças que já estão acima do peso ou obesas, o consenso internacional é que a prevenção é a abordagem mais realista e com a melhor relação custo‐benefício de controle do problema de obesidade infantil. A prevenção do excesso de peso exigirá uma perspectiva ampla da política de saúde pública, com medidas multissetoriais que envolvem vários interessados, conforme proposto pela Opas e OMS.9,10,12 Essa abordagem exigirá vontade política e investimento financeiro substanciais, porém renderá um dividendo mais frutífero à sociedade no longo prazo.
Além de abordagens multissetoriais que focam na transformação do ambiente obesogênico atual em um ambiente que promove dietas saudáveis e atividade física, o reconhecimento precoce de excesso de peso relacionado ao crescimento linear é essencial. A avaliação de rotina de todas as crianças com métodos e equipamentos adequados precisa se tornar uma prática clínica padrão desde a primeira infância. Estudos recentes mostram que a tendência com relação à obesidade infantil começa aos seis meses22,23 e que a escolha do padrão de crescimento é essencial para identificar o surgimento de excesso de peso em neonatos23 e crianças e adolescentes em idade escolar.24 A intervenção precoce quando se observa aumento nos percentis de peso por estatura ou IMC deve fornecer aos pais e cuidadores orientação e apoio para promover hábitos alimentares saudáveis e atividade física de rotina.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.