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Vol. 90. Núm. 4.
Páginas 377-383 (julho - agosto 2014)
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Vol. 90. Núm. 4.
Páginas 377-383 (julho - agosto 2014)
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Preterm children have unfavorable motor, cognitive, and functional performance when compared to term children of preschool age
Crianças pré‐termo apresentam desempenho motor, cognitivo e funcional desfavorável em relação a neonatos a termo em idade pré‐escolar
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Eliane F. Maggia, Lívia C. Magalhãesb, Alexandre F. Camposc, Maria Cândida F. Bouzadad,
Autor para correspondência
bouzada@medicina.ufmg.br

Autor para correspondência.
a Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
c Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
d Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
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Figuras (1)
Tabelas (2)
Tabela 1. Características das crianças pré‐termo e a termo com relação às variáveis sociodemográficas e perinatais
Tabela 2. Classificação do desempenho motor de acordo o Movement Assessment Battery for Children – Second Edition – (MABC‐2) das crianças a termo e pré‐termo
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Abstract
Objective

to compare the motor coordination, cognitive, and functional development of preterm and term children at the age of 4 years.

Methods

this was a cross‐sectional study of 124 four‐year‐old children, distributed in two different groups, according to gestational age and birth weight, paired by gender, age, and socioeconomic level. All children were evaluated by the Movement Assessment Battery for Children – second edition (MABC‐2), the Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI), and the Columbia Mental Maturity Scale (CMMS).

Results

preterm children had worse performance in all tests, and 29.1% of the preterm and 6.5% of term groups had scores on the MABC‐2 indicative of motor coordination disorder (p=0.002). In the CMMS (p=0.034), the median of the standardized score for the preterm group was 99.0 (± 13.75) and 103.0 (± 12.25) for the term group; on the PEDI, preterm children showed more limited skill repertoire (p=0.001) and required more assistance from the caregiver (p=0.010) than term children.

Conclusion

this study reinforced the evidence that preterm children from different socioeconomic backgrounds are more likely to have motor, cognitive, and functional development impairment, detectable before school age, than their term peers.

Keywords:
Prematurity
Child development
Motor coordination
Cognition
Functional performance
Socioeconomic level
Resumo
Objetivo

comparar o desenvolvimento da coordenação motora, o desenvolvimento cognitivo e o desempenho funcional de crianças nascidas pré‐termo e a termo, aos quatro anos de idade.

Métodos

estudo transversal com 124 crianças de quatro anos de idade, distribuídas em dois grupos distintos, de acordo com a idade gestacional e peso ao nascimento, pareadas com relação ao sexo, idade e nível socioeconômico. Todas as crianças foram avaliadas pelos testes Movement Assessment Battery for Children – Second Edition (MABC‐2), Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI) e Escala de Maturidade Mental Colúmbia (EMMC).

Resultados

as crianças pré‐termo tiveram pior desempenho em todos os testes, sendo que 29,1% das crianças do grupo pré‐termo e 6,5% do grupo a termo apresentaram pontuação no MABC‐2 indicativa de sinais de transtorno da coordenação motora (p=0,002). No Columbia (p=0,034), a mediana do resultado padronizado para o grupo pré‐termo foi de 99,0 (±13,75), e do grupo a termo foi 103,0 (±12,25); no PEDI, crianças pré‐termo tiveram menor repertório de habilidades (p=0,001) e necessitaram de maior assistência do cuidador (p=0,010) do que as crianças a termo.

Conclusão

este estudo reforça as evidências de que crianças pré‐termo, de diferentes níveis socioeconômicos, são mais propensas a apresentarem alterações no desenvolvimento motor, cognitivo e funcional, detectáveis antes da idade escolar, que seus pares nascidos a termo.

Palavras‐chave:
Prematuridade
Desenvolvimento infantil
Coordenacão motora
Cognicão
Desempenho funcional
Nível socioeconômico
Texto Completo
Introdução

O aumento das taxas de prematuridade no Brasil, nos últimos anos,1 torna importante conhecer o desfecho dessas crianças, não só devido ao maior risco de mortalidade, mas também porque idade gestacional e peso ao nascimento são indicadores de risco biológico importantes para alterações no desenvolvimento.1–5 Estudos longitudinais têm mostrado que aproximadamente 15% das crianças pré‐termo e com muito baixo peso estão em risco para disfunções graves do neurodesenvolvimento5–9 e, na ausência de alterações graves, entre 30 e 50% apresentam dificuldades motoras, cognitivas e comportamentais sutis,5–7,10,11 que podem ser detectadas na idade pré‐escolar.6,12–15 Muitas destas crianças frequentam escolas regulares, mas experimentam dificuldades na aprendizagem e no comportamento, nas atividades de vida diária e têm baixo rendimento escolar.3,6,8,10,12,13

Embora as alterações do desenvolvimento em longo prazo em crianças pré‐termo sejam bem descritas na literatura, a emergência destas dificuldades na idade pré‐escolar é bem menos documentada. É importante investigar o desenvolvimento na idade pré‐escolar, pois uma avaliação focada na coordenação motora, no desenvolvimento cognitivo e no desempenho funcional, em idades precoces, poderia identificar as crianças pré‐termo com risco para alterações no desenvolvimento, possibilitando a intervenção mais cedo, permitindo que os pais sejam alertados para as dificuldades potenciais de seus filhos antes da entrada no ensino fundamental.

O objetivo deste estudo foi comparar o desenvolvimento da coordenação motora, o desenvolvimento cognitivo e o desempenho funcional de crianças nascidas pré‐termo e a termo, aos quatro anos de idade. A hipótese investigada foi de que aos quatro anos de idade e considerando o mesmo nível social, crianças nascidas pré‐termo e aparentemente normais apresentam desempenho motor, cognitivo e funcional significativamente inferior aos pares nascidos a termo.

Métodos

Trata‐se de estudo transversal e observacional realizado no período de junho de 2010 a agosto de 2011 com amostra de conveniência, recrutada no Ambulatório de Acompanhamento à Criança de Risco – ACRIAR, em quatro escolas públicas e cinco escolas particulares de Belo Horizonte e dois consultórios particulares.

Participaram deste estudo crianças na faixa etária de quatro anos a quatro anos e 11 meses, distribuídas em dois grupos distintos, de acordo com idade gestacional e peso ao nascimento, pareadas com relação a sexo, idade e nível socioeconômico. Para cálculo amostral foi empregada análise de variância (ANOVA) para dois grupos, supondo o mesmo número de observações por grupo. Para nível de significância de 5% e poder de 80%, foi estimado um mínimo de 45 crianças por grupo, perfazendo um total de 90 delas. No grupo de crianças pré‐termo (PT) foram incluídas 62 crianças com idade gestacional ≤ 34 semanas e peso ao nascimento ≤ 1.500g, e no grupo a termo (AT), 62 crianças com idade gestacional ≥ 37 semanas e peso ao nascimento ≥ 2.500g (grupo a termo). Em cada grupo houve igual representação de meninos (31) e meninas. O grupo pré‐termo (PT) foi recrutado em ambulatório de seguimento, escolas e consultórios particulares, e as crianças do grupo a termo (AT) foram provenientes de escolas públicas e colégios particulares de Belo Horizonte/MG.

Ambos os grupos foram constituídos por crianças aparentemente normais, sem evidência de diagnósticos tais como paralisia cerebral, retardo mental, alterações genéticas e malformações. No grupo pré‐termo, três crianças tiveram hemorragia peri‐intraventricular (HPIV) grau III, sem sequelas motoras. As crianças do grupo a termo não tinham história de intercorrências neonatais. Os dados relativos às condições de nascimento das crianças e intercorrências neonatais foram obtidos no sumário de alta e da Caderneta da Criança. As outras informações, como escolaridade e profissão, foram fornecidas pelos pais. Somente foram avaliadas crianças cujos pais assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a participação no estudo.

Os dados foram coletados de forma a haver representatividade de crianças de nível social baixo, selecionadas no ambulatório de risco e escolas públicas, e crianças de nível social alto, recrutadas em consultórios e escolas particulares. A classificação econômica foi estimada por meio do Critério de Classificação Econômica (CCE) proposto pela Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa.16

Todas as crianças que participaram deste estudo foram avaliadas pelos testes Movement Assessment Battery for ChildrenSecond Edition – (MABC‐2), Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade – (PEDI) e Escala de Maturidade Mental Colúmbia (EMMC) pela primeira autora, previamente treinada na aplicação de cada teste. Pelo fato do MABC‐2 ser uma prova de desempenho, antes da coleta de dados foi verificada a confiabilidade entre examinadores, por meio da pontuação de dez crianças avaliadas conjuntamente e pontuadas de forma independente, com o objetivo específico de checagem de confiabilidade, obtendo‐se o índice de 0,82 (Correlação Intraclasse) para o percentil total de classificação motora.

O MABC‐217 é um teste de triagem usado para identificar comprometimento motor em crianças de três anos a 16 anos e 11 meses, dividido por faixa etária, sendo que apenas a primeira faixa, que compreende a idade de três anos a seis anos e 11 meses, foi utilizada neste estudo. O teste compreende oito tarefas que avaliam destreza manual, equilíbrio estático e dinâmico e habilidades para lançar/receber uma bola. De acordo com os critérios do teste, considerou‐se, neste estudo, que crianças com pontuação abaixo do percentil cinco apresentam problema de coordenação motora ou desempenho atípico; aquelas com percentil de seis a 15 sinalizam casos suspeitos; já as crianças com pontuação acima do percentil 15 são consideradas como apresentando desempenho motor normal. O MABC‐2 não tem dados normativos para crianças brasileiras, mas vem sendo usado em pesquisa, inclusive na área de prematuridade.18,19 Há evidências de validade do MABC em diferentes países,20,21 sendo que, no presente estudo, foram comparados dados de duas amostras brasileiras.

O PEDI22 é um questionário administrado no formato de entrevista estruturada com os pais ou um dos cuidadores da criança, que informa sobre o perfil funcional de crianças entre seis meses e sete anos e seis meses de idade, em três níveis de função: autocuidado, mobilidade e função social. O perfil funcional documentado pelo PEDI descreve tanto as habilidades disponíveis no repertório da criança para desempenhar atividades e tarefas de sua rotina diária (Parte 1), como o nível de independência ou a quantidade de ajuda fornecida pelo cuidador (Parte 2), bem como as modificações do ambiente necessárias para o desempenho funcional (Parte 3). Para esse estudo, foi utilizada a subescala de autocuidado das partes 1 (Habilidades Funcionais – HF) e 2 (Assistência do Cuidador – AC). Na Parte 1, cada item é avaliado com escore 1 (se a criança for capaz de desempenhar a atividade em sua rotina diária) ou escore 0 (se a criança não for capaz de desempenhá‐la). A pontuação dada aos itens é somada, resultando em um escore total bruto. Na Parte 2, a quantidade de assistência do cuidador é mensurada em escala ordinal, que varia de 0 (indicando necessidade de assistência total) a cinco (a criança é independente no desempenho), com graduações intermediárias. A pontuação dada para as tarefas é somada, resultando em escore bruto de independência, que é convertido em escore padronizado, ajustado para a idade da criança. O PEDI foi traduzido e adaptado transculturalmente para as crianças brasileiras22.

A EMMC23 é um teste aplicado individualmente, com duração média de 15 a 20 minutos, que fornece uma estimativa da capacidade de raciocínio geral de crianças com idade de três anos e seis meses a nove anos e 11 meses. Os 92 itens de classificação estão organizados em uma série de oito escalas, sendo que a criança realiza o segmento correspondente ao nível mais adequado para a sua idade cronológica. O escore bruto é obtido pelo número de itens respondidos corretamente pela criança, podendo ser convertido em escores derivados. O Resultado Padrão de Idade (RPI), um escore derivado, é um índice numérico que mostra o status da criança quando sua capacidade de raciocínio geral é comparada com a de outras crianças de mesma idade, testadas na amostra normativa, e pode ser convertido em percentil, sendo esta uma das mais populares formas de interpretar o desempenho em testes padronizados. Foi utilizada versão padronizada para crianças brasileiras.

Antes da avaliação de cada criança, os pais foram contatados por telefone ou através de carta enviada pela escola, para informar sobre a pesquisa, esclarecer os objetivos do estudo e solicitar sua colaboração. A carta incluía um pequeno questionário sobre as condições de nascimento da criança e local para assinatura, autorizando a participação da criança no estudo.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os resultados descritivos foram obtidos através das frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas, já para as variáveis quantitativas foram utilizadas as medidas de tendência central e medidas de dispersão. As variáveis quantitativas foram examinadas quanto à distribuição normal com o teste Shapiro Wilk. Para as variáveis que tiveram distribuição normal, foi utilizado o teste t de Student, e para as que não tiveram, foi utilizado o teste não paramétrico de Mann‐Whitney na comparação dos grupos. Os testes de Qui‐quadrado exato e assintótico foram usados para avaliar a associação entre os grupos e as variáveis categóricas. Teste de Kruskal Wallis foi utilizado para verificar a relação entre nível de desempenho motor e resultados nos testes cognitivo e funcional. Para investigar o impacto de IG e peso ao nascimento nos escores dos testes foi feita análise de regressão. Para todas as análises, foi considerado o nível de significância de 0,05.

Resultados

Um total de 124 crianças, divididas em dois grupos distintos, foi avaliado. Os dados sociodemográficos e morbidades perinatais são apresentados na tabela 1. As variáveis quantitativas que tiveram diferença significativa nas comparações entre os grupos foram idade gestacional e peso ao nascer.

Tabela 1.

Características das crianças pré‐termo e a termo com relação às variáveis sociodemográficas e perinatais

Variáveis  A termon=62  Pré‐termo n=62  Valor‐p 
Gênero n(%)
Masculino  31 (50,0)  31(50,0)  1,000a 
Idade gestacional med(IQR)  39,00 (2,0)  29,50 (4,0)  0,000b 
Peso med(IQR)  3.205,00 (511,3)  1.237,50 (401,3)  0,000b 
HPIV n(%)
Grau I‐II  0 (0,0)  9 (14,5)  – 
Grau III‐IV  0 (0,0)  3(4,8)   
Ausência HPIV  62 (100,0)  50 (80,6)   
Displasia broncopulmonar n(%)
Sim  0 (0,0)  21 (33,9)  – 
Não  62 (100,0)  41 (66,1)   
Retinopatia da prematuridade n(%)
Sim  0 (0,0)  30 (48,4)  – 
Não  62 (100,0)  32 (51,6)   
Nível socioeconômico n(%)
Classe A  16 (25,8)  13 (21,0)  0,933c 
Classe B  15 (24,2)  18 (29,0)   
Classe C  28 (45,2)  28 (45,2)   
Classe D  3 (4,8)  3 (4,8)   
Grau de instrução n(%)
Série fundamental  6 (9,7)  11 (17,7)  0,441a 
Fundamental completo  10 (16,1)  12 (19,4)   
Médio completo  19 (30,6)  19 (30,6)   
Superior completo  27 (43,6)  20 (32,3)   

med, mediana; HPIV, hemorragia intraperiventricular; IQR, intervalo interquartil=Q3‐Q1; Classe A, classe A1+A2; Classe B, classe B1+B2; Classe C, classe C1+C2.

a

teste Qui‐quadrado de Pearson assintótico.

b

Teste Mann Whitney.

c

teste Qui‐quadrado de Pearson exato.

A figura 1 apresenta os resultados dos desempenhos motores, funcionais e cognitivos para os grupos pré‐termo e a termo. Foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos em todos os testes, com melhor desempenho para as crianças do grupo a termo.

Figura 1.

Desempenho dos testes MABC‐2, PEDI e Columbia para os grupos a termo e pré‐termo.

a Teste Mann Whitney.

b Teste T.

(0.06MB).

A tabela 2 mostra a classificação do desempenho motor de acordo com o MABC‐2 para os dois grupos, sendo observada maior frequência de sinais e problemas de coordenação motora no grupo pré‐termo. Crianças pré‐termo com desempenho motor atípico (MABC‐2<5%) tiveram pior resultado no teste Colúmbia (p=0,003), porém não houve diferença significativa em relação ao desempenho funcional (PEDI HF p=0,897 e PEDI AC p=0,697). Na análise de regressão, não foi encontrada relação significativa entre IG ou peso e os escores nos testes motor, cognitivo e funcional. Apesar de algumas crianças pré‐termo apresentarem HPIV, o teste Mann‐Whitney indicou diferença significativa entre crianças com e sem hemorragia apenas no teste Colúmbia (p=0,021). Também não foi encontrada diferença significativa no desempenho em nenhum dos testes entre crianças com e sem displasia broncopulmonar.

Tabela 2.

Classificação do desempenho motor de acordo o Movement Assessment Battery for Children – Second Edition – (MABC‐2) das crianças a termo e pré‐termo

Classificação  TermoPré‐termo 
 
Criança típica (percentil acima de 15%)  50  80,6a  33  53,2a   
Criança suspeita (percentil entre 6 e 15%)  12,9  11  17,7  0,002b 
Criança atípica (percentil abaixo de 5%)  6,5  18  29,1   
Total  62  100  62  100   
a

resíduo ajustado.

b

teste Qui‐quadrado de Pearson assintótico.

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram que uma proporção significativa de crianças pré‐termo aparentemente normais tiveram pior desempenho motor, cognitivo e funcional que seus pares nascidos a termo, na idade pré‐escolar.

Na área motora, as crianças do grupo pré‐termo obtiveram escores significativamente inferiores no MABC‐2. Esses resultados são consistentes com estudos nacionais e internacionais que revelam que as crianças pré‐termo e de muito baixo peso, entre quatro e seis anos, apresentam comprometimento motor significativamente maior que as crianças nascidas a termo.12,13,18,24,25 Em estudo realizado por Oliveira, Magalhães e Salmela18, para examinar as relações entre baixo peso ao nascimento, prematuridade, fatores ambientais e os desenvolvimentos motor e cognitivo de crianças aos cinco e seis anos de idade, foi observado que as crianças pré‐termo obtiveram escores significativamente inferiores no teste MABC, com desempenho motor abaixo do esperado para a idade. Além da diferença entre os grupos, os resultados do nosso estudo revelam que crianças pré‐termo com desempenho motor mais baixo tiveram pior resultado no teste Colúmbia, o que também é consistente com a literatura.9,12,26 Por exemplo, Howe et al.,12 comparando o desempenho de crianças pré‐termo e a termo aos cinco anos de idade, encontraram maior proporção de problemas cognitivos, visomotores e de comportamento adaptativo entre crianças pré‐termo com problemas motores.

Contrário às evidências, não foi encontrada relação entre peso e idade gestacional e o desempenho motor, cognitivo e funcional no grupo pré‐termo. Uma possível explicação para esse resultado é a influência de fatores socioeconômicos. Considerando que a amostra incluiu níveis sociais diferentes, observou‐se que as crianças pré‐termo de menor idade gestacional eram aquelas de nível socioeconômico mais alto, que têm acesso a cuidados neonatais de melhor qualidade. Essas crianças são também aquelas que se desenvolvem em ambientes mais estimulantes, o que possivelmente influenciou o desempenho nos testes.

Na classificação do MABC‐2 (tabela 2), a prevalência de sinais de transtorno da coordenação foi de 29,1% nas crianças do grupo pré‐termo, sendo significativamente maior que 6,5% no grupo a termo, tendo como ponto de corte o percentil 5. Nossos resultados estão de acordo com os valores encontrados na literatura, que relata taxa de comprometimento motor, variando de 5 a 6% na população a termo e de 30 a 50% nos pré‐termos.3,9,10,12 Estudos realizados por Foulder‐Hughes e Cooke9 e Howe et al.12 reportaram índices de 30,7% e 35,5%, respectivamente, abaixo do percentil 5, em crianças pré‐termo.

No teste cognitivo, as crianças do grupo pré‐termo tiveram pior desempenho que as do grupo a termo. Esses resultados corroboram achados de outros autores, que têm mostrado que crianças pré‐termo têm desenvolvimento cognitivo dentro da média normal; porém, em comparação com seus pares nascidos a termo, demonstram desempenho significativamente pior nos testes cognitivos e neuropsicológicos.5,12,14,27,28 Espírito Santo, Português e Nunes27, em estudo realizado com o objetivo de avaliar o desenvolvimento cognitivo e comportamental de 80 crianças pré‐termo, com baixo peso ao nascimento, na idade de 4‐5 anos, encontrou maior incidência de alterações cognitivas e distúrbios do comportamento nas crianças pré‐termo, sendo que o nível intelectual foi classificado predominantemente como médio ou médio‐baixo. Por outro lado, Méio et al.28, verificando o desenvolvimento cognitivo na idade pré‐escolar de RN prematuros de muito baixo peso, identificaram que a média de quociente de inteligência, utilizando o WPPSI‐R, estava abaixo da faixa de normalidade, num funcionamento limítrofe para deficitário no momento da avaliação. No entanto, sua amostra incluiu crianças com disfunção neurológica, distúrbio de comportamento e comprometimento de função visual que poderiam ter influenciado seus resultados. Consistente com a literatura, a presença do desempenho motor atípico e história de HPIV contribuem para aumentar a diferença no desempenho cognitivo entre os grupos pré‐termo e a termo.

Com relação ao PEDI, nossos resultados revelaram que, independentemente do nível de desempenho motor, crianças do grupo pré‐termo tiveram menor repertório de habilidades funcionais e necessitaram de maior assistência do cuidador que crianças do grupo a termo. Outros estudos também mostraram que crianças pré‐termo têm pior desempenho nas atividades de vida diária quando comparadas às crianças a termo.12,29 Aos quatro anos de idade, é esperado que muitas tarefas de autocuidado sejam realizadas com assistência mínima do cuidador.29 No entanto, em crianças pré‐termo, o desempenho funcional representa a junção de suas habilidades e limitações, podendo ser afetado pelo atraso motor e condição de saúde. Assim, uma criança que é desajeitada ou que apresenta coordenação motora alterada nos movimentos grossos e/ou finos pode não ser capaz de abotoar, utilizar o zíper e/ou usar o vaso sanitário de forma independente.29 Além disso, a literatura indica ainda que, na relação entre a criança pré‐termo e seu cuidador, os últimos tendem a exercer papel mais dominante nesta interação e por mais tempo, quando comparados a cuidadores de crianças a termo.29,30 Esse comportamento pode ser atribuído, como reportado por algumas mães, pela tendência a dispersão e dificuldade para finalizar as tarefas solicitadas, ou seja, a maior participação dos pais ou cuidadores nas atividades funcionais decorre da menor participação das crianças. Outro fator que pode justificar o excesso de ajuda dos pais de crianças pré‐termo nas atividades de autocuidado pode estar relacionado à tendência a superproteção dessas crianças que são mais frágeis desde o nascimento, que pode se manifestar no sentido de subestimar as habilidades dessas crianças.29,30 Assim, desempenho funcional aos quatro anos de idade pode ser influenciado tanto pela prematuridade quanto pelo contexto ambiental da criança.

Este estudo apresenta algumas limitações, pois, em função da escassez de instrumentos padronizados para avaliar o desenvolvimento da coordenação motora em crianças brasileiras, foi necessária a utilização de teste importado, porém, foram feitas comparações apenas com o grupo controle, testado sob as mesmas condições do grupo de estudo. Outra limitação foi que a pesquisadora tinha conhecimento prévio do grupo de pertinência de cada criança, no entanto, foi realizado treino e verificada a confiabilidade entre examinadores, de forma a garantir maior isenção da avaliadora. Nosso estudo foi transversal, com amostra de conveniência e, embora estudos prospectivos sejam mais adequados para avaliar o desenvolvimento de prematuros, estes são de difícil realização em nosso meio. Além disso, como nosso objetivo foi realizar a avaliação em um momento específico, na fase pré‐escolar, optou‐se pelo estudo transversal.

O presente estudo reforça as evidências de que crianças pré‐termo são mais propensas a apresentarem pior desempenho motor, cognitivo e funcional que seus pares nascidos a termo, chamando a atenção para a importância da avaliação precoce, uma vez que essas alterações já são detectáveis na idade pré‐escolar. O que o diferencia dos demais estudos brasileiros sobre o tema é que, em sua amostra, foram incluídas crianças de níveis socioeconômico diferentes.

Considerando‐se os altos índices de sobrevivência para bebês pré‐termo com baixo peso ao nascimento, mesmo em países em desenvolvimento, os resultados deste estudo podem ajudar no planejamento das necessidades educacionais para essa população de risco. Foi confirmado que crianças nascidas prematuramente constituem grupo de risco e podem ser beneficiadas por programas efetivos de intervenção educacional ou terapêutica. Cabe ressaltar que temos melhor conhecimento sobre a evolução de recém‐nascidos pré‐termo que apresentam sinais neurológicos evidentes e que recebem diagnóstico precoce, mas as crianças com sequelas leves, que vão se manifestar mais tardiamente, ainda não recebem a devida atenção, principalmente no sistema público de saúde. Dados objetivos, documentando sequelas funcionais nessas crianças, podem incentivar a criação de programas preventivos de estimulação do desenvolvimento, ainda escassos em nosso país.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Maggi EF, Magalhães LC, Campos AF, Bouzada MC. Preterm children have unfavorable motor, cognitive, and functional performance when compared to term children of preschool age. J Pediatr (Rio J). 2014;90:377–83.

Estudo conduzido na Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais.

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