O ato de alimentar um bebê é extremamente complexo. A alimentação exige que a criança coordene cinco nervos cranianos, múltiplos segmentos da coluna vertebral na parede torácica e 30 pares de músculos em vários sistemas fisiológicos (oral, faríngeo, laríngeo e respiratório).1,2 Além disso, uma alimentação bem‐sucedida depende do estado de saúde da criança e das interações positivas do cuidador. Recentemente, Goldfield, Perez e Engsteler descreveram a alimentação dos recém‐nascidos como um sistema dinâmico complexo, se considerarmos todos os componentes críticos que isso implica.3 Esse sistema dinâmico complexo entra em ação especialmente durante a mais desafiadora das tarefas de alimentação infantil, a amamentação.
A amamentação é considerada o padrão‐ouro na alimentação infantil, pois fornece a nutrição ideal para o bebê.4,5 De fato, a Organização Mundial da Saúde6 recomenda a amamentação exclusiva desde o nascimento até os seis meses de vida. Se considerarmos os muitos benefícios para a mãe e o bebê oferecidos pela amamentação, várias campanhas têm sido feitas para aumentar as taxas de amamentação em mulheres. Uma dessas campanhas foi a Breast is Best (O Peito é Melhor em tradução livre), concebida para educar as comunidades sobre a importância da amamentação; tem sido amplamente anunciada em consultórios médicos e em toda a literatura dirigida às mães. Em resposta a esse movimento, muitas mulheres relataram sentir‐se oprimidas pela pressão da sociedade para amamentar e até mesmo terem sofrido bullying ao usar uma mamadeira para alimentar seu bebê. Recentemente, uma organização sem fins lucrativos foi criada, Fed is Best (Alimentar é Melhor, em tradução livre), com a ideia de que um bebê alimentado é um bebê feliz, com o objetivo final de reduzir a alimentação insuficiente de recém‐nascidos alimentados exclusivamente através do aleitamento materno. Mesmo com o foco cada vez maior na amamentação, ainda não está claro para pesquisadores, médicos e pais se e a que extensão o uso de um bico artificial (chupeta ou mamadeira) afeta negativamente os resultados e práticas de amamentação.
O artigo de Batista et al.7 é um estudo transversal original que aborda a associação entre o uso de chupeta e mamadeira e comportamentos desfavoráveis durante a amamentação. Neste estudo, 427 mães receberam um questionário sobre seu nível sociodemográfico, dados perinatais e informações sobre o uso de bico artificial (sim/não). Em seguida, uma sessão de amamentação foi observada por um único avaliador treinado entre a díade mãe‐bebê e avaliada por meio do Formulário de Observação de Alimentação B‐R‐E‐A‐S‐T, que avalia dificuldades na posição, resposta do bebê, estabelecimento de laços afetivos, anatomia da mama e comportamentos de sucção.
As classificações da escala são boas, razoáveis ou ruins. A maioria dos lactentes incluídos no estudo (85,50%) tinha mais de 28 dias e 14,50% da coorte tinham menos de 28 dias no momento do estudo. Os critérios de inclusão foram bebês nascidos a termo, com cinco a 120 dias de vida. O estudo excluiu bebês com anomalias craniofaciais, neuropatias congênitas, gestações gemelares e mães que não podiam amamentar devido a doença ou traumatismo mamilar que impossibilitavam a sucção. O estudo mostrou que bebês que usavam chupetas e/ou mamadeiras apresentavam percentuais mais elevados de comportamentos ruins e razoáveis na amamentação. O aumento do número de comportamentos desfavoráveis em relação à posição, afetividade, comportamento de sucção e resposta do lactente foi associado de forma independente ao uso de chupeta e mamadeira, enquanto a anatomia da mama foi independentemente associada apenas com o uso de mamadeira. Os autores sugerem que o uso de chupetas e/ou mamadeira pode estar associado a comportamentos desfavoráveis durante a amamentação.
Os autores merecem ser elogiados ao examinar essa questão de pesquisa tão necessária de maneira prospectiva e incluir exposições anteriores a bicos artificiais no questionário. Um dado que proporcionaria conhecimentos adicionais teria sido a frequência de uso do bico artificial. Os autores coletaram essa informação como uma variável categórica (sim/não), mas não examinaram quantas vezes por dia um bebê usava mamadeira ou chupeta. Essa informação poderia ajudar a determinar se aqueles que usam bicos artificiais exibem mais frequentemente um aumento nos comportamentos desfavoráveis durante a amamentação. Além disso, observar várias sessões de amamentação ou incluir outro avaliador para a observação do aleitamento materno teria permitido obter dados sobre a confiabilidade inter‐ e intra‐avaliador, já que essas observações geralmente são relativamente subjetivas. Também seria bom saber se o observador treinado estava cegado em relação aos dados do questionário sobre o uso de chupeta/mamadeira.
Enquanto o artigo de Batista et al. concentrou‐se adequadamente em um grupo homogêneo de bebês nascidos a termo e excluiu aqueles com neuropatias cromossômicas ou congênitas, os autores não perguntaram às famílias se seu filho tinha experimentado dificuldades de alimentação e deglutição. Isso nos permitiria compreender melhor o raciocínio relacionado ao uso de mamadeiras e chupetas. Simplificando, esses utensílios são a causa raiz ou a solução para um problema de amamentação? Frequentemente, os pais e médicos usam chupetas e frascos para fornecer apoio à amamentação ou para ajudar o bebê a praticar as habilidades necessárias para a amamentação. Uma revisão do meu laboratório8 mostrou que uma das principais questões em estudos que avaliam bicos artificiais e amamentação é determinar a causalidade. Esta revisão encontrou evidências emergentes que apoiam a noção de confusão de bico (definida como a dificuldade ou preferência de um bebê por um mecanismo de alimentação em relação a outro após exposição a bicos artificiais), pois se relacionava com a alimentação através de mamadeira, mas encontrou poucas evidências quanto ao uso da chupeta. A revisão concluiu que não há dados suficientes para determinar se mamadeiras e chupetas fazem com que a criança recuse o peito ou se elas são simplesmente marcadores de outras características maternas/infantis que estão em jogo na tarefa dinâmica extremamente complexa que é a alimentação. A maioria das pesquisas que analisam esse tópico relata a correlação ou associação, não a relação causal, e até que isso seja estudado a resposta permanece relativamente desconhecida.
Como sabemos que a questão da alimentação é extremamente complexa, tem havido uma série de outras variáveis ligadas aos resultados da amamentação além da fisiologia mãe‐bebê. Por exemplo, a imagem corporal materna e o índice de massa corporal pré‐gravidez foram altamente relacionados à iniciação, intenção e duração da amamentação,9,10 destaca‐se ainda mais a complexidade da alimentação. Pesquisas anteriores até mesmo descobriram que a intenção de amamentar é determinada antes do nascimento da criança e que essa intenção está associada à duração da amamentação após o nascimento.11 Isso poderia, potencialmente, entre outras variáveis, estar relacionado à causalidade da amamentação deficiente.
Embora a culpa pelos desfechos desfavoráveis da amamentação seja frequentemente colocada no uso de bicos artificiais, deve‐se observar que chupetas, em particular, proporcionam muitos benefícios para crianças pequenas. Foi demonstrado que o uso da chupeta melhora os resultados clínicos essenciais, tais como crescimento, amadurecimento e motilidade gástrica.12‐14 A sucção não nutritiva da chupeta resulta em escores mais altos de desempenho na alimentação,13 reduz o tempo de transição para a alimentação oral completa,15 tem um efeito positivo sobre o início e a duração da primeira sucção nutritiva,16 resulta em lactentes que estão prontos para serem alimentados com mamadeira mais cedo17 e em bebês que aceitaram a mamadeira em menor tempo.17 Além de acalmar um bebê, as chupetas são essencialmente a prática para a difícil tarefa de alimentação. Embora a maioria desses estudos acima tenha sido feita em recém‐nascidos prematuros que apresentam riscos de atrasos na sucção e alimentação, os resultados positivos podem ser generalizados para bebês mais velhos também.
Finalmente, é importante notar que a pesquisa mostra que bebês saudáveis sem problemas de alimentação geralmente são capazes de sugar e se alimentar com qualquer chupeta, bico de mamadeira ou peito. A pesquisa mostrou que, embora várias propriedades das chupetas (rigidez e formato do bico e da base) resultem em diferentes padrões de sucção, essas diferentes propriedades não impediram o início da sucção, mas o padrão da sucção se adaptou.18 Esse tipo de modulação sensorial também foi demonstrado na literatura sobre a alimentação, na qual vários fluxos de bicos de mamadeira não alteram significativamente a taxa de transferência de leite para o bebê (prematuro/ a termo).19‐21 Isso sugere que os bebês podem adaptar suas taxas e pressões de sucção conforme necessário.19 A organização da sucção no tronco cerebral permite que a criança saudável nascida a termo adapte a sucção em resposta às propriedades específicas presentes em cada uma das chupetas/mamadeiras usadas. Os resultados podem ser diferentes em lactentes com história de dificuldades de alimentação, deficiências neurológicas e/ou complicações médicas que podem prejudicar seu feedback sensorial para esses mecanismos do tronco encefálico e, portanto, sua capacidade de modular sua sucção e alimentação.
Em resumo, a alimentação é um processo complexo e dinâmico e devemos nos lembrar disso como pesquisadores e clínicos. É um processo multifatorial e até que esses grupos sejam totalmente compreendidos e estudados de forma prospectiva, como Batista et al., inclusive os muitos fatores materno‐infantis, não entenderemos a causalidade. Até que isso aconteça, devemos ter em mente que a mudança da prática clínica – sem saber a história completa – pode reduzir a capacidade desses bebês, como os que nasceram prematuramente ou aqueles com problemas de alimentação, a ter acesso a esses utensílios ou fazer com que os pais se sintam envergonhados ao usá‐los quando necessário como apoio da nutrição total. Embora, naturalmente, o ideal seria que todas as mães amamentassem, sabemos que a amamentação é complicada para algumas díades. É evidente que uma investigação mais prospectiva nessa área se faz necessária. Os pesquisadores devem continuar a adicionar bicos artificiais como uma variável de interesse para que possamos entender melhor a causalidade relacionada aos resultados desfavoráveis da amamentação.
FinanciamentoOs autores declaram que não há relações financeiras a serem divulgadas em relação a este artigo.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.