Os humanos se comunicam mais com os rostos do que qualquer outra criatura.
O rosto é um sistema extremamente complexo que regula as respostas afetivas. De acordo com Heise,1 as respostas afetivas transformadas em sentimentos são a base diária para gerar eventos culturais. Assim, o rosto pode ser considerado um elemento fundamental da socialização.
A capacidade de reconhecer rostos é importante para a vida social humana e o comportamento inerente, não apenas quando adultos, mas também quando recém-nascidos. Esse dom já está de alguma forma presente no nascimento quando os neonatos expressam forte interesse por figuras parecidas com rostos e conseguem diferenciar imagens faciais e não faciais.
As crianças nascidas prematuramente podem sofrer de problemas de desenvolvimento neurológico e distúrbios neuropsicológicos diferentes dos de crianças nascidas a termo.2,3 A prosopagnosia, incapacidade de reconhecer rostos, também chamada de “cegueira de rostos”, pode ser parte de um espectro de distúrbios do desenvolvimento neurológico relacionados à prematuridade e também um evento isolado. Os neonatos prematuros são mais propensos a sofrer de prosopagnosia.4 A prosopagnosia pode ter um impacto profundo sobre a vida de uma criança, pois é uma grande deficiência social que leva à dificuldade de fazer amizades e participar de atividades sociais na escola, bem como a maiores níveis de ansiedade. Assim, é de grande interesse investigar essa área do desenvolvimento social, principalmente entre neonatos nascidos prematuramente.
O artigo de Pereira et al.5 apresenta um estudo original que aborda as preferências faciais durante os primeiros dois dias de vida e compara a reação de recém-nascidos prematuros e a termo à exposição a rostos naturais e distorcidos. Apesar da predileção por um rosto natural ter sido apresentada anteriormente em neonatos a termo tanto logo depois do nascimento6 quanto cerca de três meses depois,7 neste estudo, Pereira et al.5 focam em um grupo de prematuros tardios (IG 33-36 semanas, média 35±1,11). Um aspecto importante do estudo de Pereira5 é que ele foca em um grupo específico de indivíduos, como prematuros moderados e tardios, que representam cerca de 10% de todos os nascimentos.8
A capacidade de se orientar para uma imagem parecida com o rosto da própria espécie é comum em uma grande variedade de vertebrados, incluindo humanos, que apresentam predisposições de domínio semelhantes logo após o nascimento.9
A relevância e originalidade do estudo apresentado por Pereira et al. está principalmente relacionada ao fato de um grupo ser composto por recém-nascidos prematuros. O estudo mostra que a capacidade de diferenciar um rosto natural de um não natural é significativamente menor em neonatos prematuros quando comparados com nascidos a termo nas primeiras 48 horas.
Pereira et al. discutem possíveis razões para esses achados. As teorias do processo de reconhecimento facial Conspec e Conlern são brevemente analisadas.10 Uma alteração da Conspec possivelmente relacionada a um período menor de exploração háptica pelo bebê, que, por sua vez, pode influenciar a maturação cerebral no último trimestre da gestão, pode ser uma possível explicação.11,12
Outras possíveis explicações podem ser encontradas em um desenvolvimento atrasado ou eventualmente prejudicado de áreas fundamentais responsáveis pelo processamento das informações de áreas visuais no lobo occipital. Essas áreas incluem, por exemplo, matéria cinza que envolve o fusiforme esquerdo, a amígdala e o lobo temporal.13 Essa regiões são tocadas pelo chamado fluxo ventral, que se acredita ser responsável pelo reconhecimento de objetos, rostos e cenários.14
O estudo apresentado por Pereira et al.5 acrescenta novas informações ao entendimento dos transtornos de desenvolvimento relacionados à prematuridade, que incluem prosopagnosia.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.