O Jornal de Pediatria publicou em sua 91a edição um interessante artigo intitulado “Crescimento de prematuros de baixo peso até a idade de 24 meses corrigidos: efeito da hipertensão materna”.1 Os autores combateram um problema muito importante no contexto de saúde infantil e materna ao redor do mundo, principalmente no que diz respeito ao impacto do período gestacional sobre a saúde e o padrão de doenças dos filhos ao longo da vida. Contudo, gostaríamos de destacar alguns pontos a fim de contribuir para esse assunto.
De acordo com a Força‐Tarefa de Hipertensão na Gravidez, sabe‐se que as doenças hipertensivas na gravidez são classificadas em: pré‐eclâmpsia/eclâmpsia; hipertensão crônica; pré‐eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica; e hipertensão gestacional.2 Em nossa análise sistemática inédita, analisamos 45 trabalhos (de 2008 a 2015) sobre a associação entre doenças hipertensivas na gravidez e os resultados na saúde dos filhos em médio e longo prazo. Descobrimos que a elevada heterogeneidade nos resultados entre os estudos foi principalmente causada pela classificação diferente de hipertensão materna e pela qualidade dos ajustes feitos pelos autores. Assim, nesse trabalho, surgiram algumas perguntas metodológicas.
Primeiramente, os autores definiram dois grupos de estudo de acordo com a exposição ou não à síndrome hipertensiva gestacional; contudo, em seu estudo descritivo, não fica claro se as mulheres com hipertensão crônica também foram incluídas no grupo com hipertensão. É importante destacar que cada doença hipertensiva tem um quadro clínico diferente e complexo e diferentes consequências para os filhos. Portanto, é importante que os estudos abordem as doenças hipertensivas de maneira independente (ou seja, hipertensão crônica em comparação com a hipertensão gestacional em comparação com a pré‐eclâmpsia) em sua análise.
Em segundo lugar, a respeito da seleção de amostras usada pelos autores, todas as crianças incluídas no estudo nasceram prematuramente (idade gestacional < 37 semanas) e apresentaram baixo peso ao nascer (BPN: 1.500g a 2.499g). Sabe‐se que o nascimento prematuro e o BPN são acontecimentos anormais e os caminhos que levam a essas condições são majoritariamente patológicos;3 dessa forma, mães normotensas também devem ter sido expostas a condições adversas durante a gravidez. Portanto, ao restringir a amostra a neonatos prematuros com BPN, os autores consideram que as mães normotensas têm maior chance de apresentar essas outras condições adversas em comparação com a população média. A razão de chance (RC) de 0,47, com relação ao peso inadequado, e 0,20, com relação ao comprimento inadequado, em 24 meses descritos pelos autores reflete esse viés. O efeito protetor da hipertensão materna sobre o crescimento provavelmente resultou de causas não medidas de BPN e nascimento prematuro no grupo normotenso. Essas outras disfunções não medidas ou desconhecidas podem influenciar o crescimento infantil tanto quanto a hipertensão materna.
Em terceiro lugar, para reduzir o viés de seleção, os autores deveriam ter controlado o resultado das causas de nascimento prematuro e BPN, como infecção intrauterina, distúrbios nutricionais, fumo, consumo de álcool e drogas, violência, baixa situação socioeconômica e outras doenças crônicas. Contudo, os autores se limitaram a usar em seu modelo gestacional de regressão logística as variáveis: idade, sexo e adequação do peso ao nascer à idade gestacional; uma escolha de variáveis que, além de insuficiente, pode ser uma fonte de viés.
Concluindo, os estudos de coorte têm grande importância nas investigações científicas e o estudo feito pelos autores contribuirá para esse campo de pesquisa essencial. Entretanto, a análise dos estudos observacionais é extremamente desafiadora e deve ser feita com cuidado.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesses.
Como citar este artigo: Pinheiro TV, Goldani MZ, Bernardi JR. Maternal hypertension and infant growth. J Pediatr (Rio J). 2015;91:603–4.