A adolescência é um período de desenvolvimento crucial na definição das expectativas acadêmicas de uma pessoa. Em muitos países, os adolescentes devem se preparar e fazer exames nacionais. Esses resultados podem ter um impacto duradouro sobre a carreira futura e, por fim, sobre a qualidade de vida adulta. Entender as correlações das diferenças individuais no desempenho acadêmico dos adolescentes pode ter implicações importantes para as intervenções comportamentais e a política educacional. Assim, é uma área pronta para pesquisa. Um constructo que foi sistematicamente associado ao desempenho escolar é a função executiva,1 um conjunto de habilidades cognitivas necessárias para um comportamento direcionado por objetivos.2 Contudo, há também comprovação de que alguns fatores do estilo de vida podem contribuir para os resultados acadêmicos na adolescência. Além dos hábitos alimentares e da atividade física,3 dormir e usar a internet foram propostos como dois importantes preditores de desempenho acadêmico na adolescência.4,5 O estudo de Adelantado‐Renau et al.6 nesta edição do Jornal de Pediatria fornece uma contribuição interessante para essa literatura.
Muitos estudos anteriores fornecem a comprovação de que a duração insuficiente do sono e a baixa qualidade de sono são significativamente associadas a menor desempenho escolar na infância e adolescência. Contudo, os achados de uma metanálise, que agrupou os dados de 33 estudos de correlação, mostraram que as associações entre as variáveis de sono e os resultados acadêmicos foram modestas (qualidade do sono, r=0,096 e duração do sono, r=0,069). Além disso, a idade e o sexo dos participantes moderaram essas associações; foram encontrados efeitos maiores em estudos nos quais os participantes eram mais jovens e do sexo masculino.4
Uma comprovação indireta adicional da proposta de que o sono pode ser crucial para o desempenho escolar provém de estudos experimentais que mediram os efeitos da manipulação da duração do sono sobre o desempenho cognitivo posterior dos adolescentes. Na maior desta pesquisa, o sono foi restrito de forma acentuada a substancialmente menos tempo do que a quantidade percebida como suficiente para essa faixa etária (ou seja, oito horas).7 A privação experimental do sono resultou em falta de atenção8 e baixo desempenho nos testes da função cognitiva.9,10 Por outro lado, um aumento gradual na duração do sono de adolescentes cronicamente privados de sono resultou em melhorias no desempenho cognitivo.11 Considerando as associações robustas entre as funções executivas e o desempenho escolar,1 esta pesquisa experimental corrobora os achados de correlação relacionados às associações positivas entre má qualidade de sono e menor desempenho escolar.
Na última década, uma linha de pesquisa separada foi desenvolvida em resposta a uma preocupação cada vez maior com os efeitos possivelmente prejudiciais do uso das mídias digitais, inclusive a Internet, sobre os resultados acadêmicos na adolescência. Os adolescentes são ávidos usuários de internet. Em média, nos países da países Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quase 90% dos adolescentes com 15 anos estão on‐line12 e, considerando que esses dados foram coletados nos últimos três anos, essa proporção provavelmente será ainda maior atualmente. Apesar de a internet proporcionar acesso a uma ampla gama de recursos que podem ajudar no aprendizado, a pesquisa sugere que os adolescentes usam a internet principalmente para entretenimento, como fazer postagens em redes sociais, assistir a vídeos on‐line e jogar jogos eletrônicos.13 Apesar de essas atividades serem divertidas e ocuparem o tempo, elas contêm nenhum ou pouco conteúdo educativo. É importante dizer que a internet fornece uma plataforma muito conveniente para interações virtuais entre pares, que pode explicar os motivos pelos quais o tempo gasto on‐line é tão atraente para os adolescentes socialmente conscientes.
A maior parte da literatura anterior focou no uso problemático da Internet; no uso compulsivo ou excessivo.14 Os resultados de três grandes estudos de correlação mostraram que o uso problemático da internet na adolescência foi associado a menor desempenho escolar.15–17 Contudo, a pesquisa que examinou o uso típico apresentou achados mais sutis. Um estudo longitudinal verificou se o uso da internet foi preditivo de alterações na capacidade acadêmica avaliada com medidas de pontuações em testes escolares de leitura, matemática e padronizados: nota média (GPA18). Nesse estudo, o uso da internet foi positivamente relacionado a habilidades de leitura e à nota média, porém somente para os adolescentes com pontuação abaixo da média na avaliação de leitura de base. Além disso, quais adolescentes usam a internet para fins específicos. Kim5 relatou que usar a internet para fins educacionais, por exemplo, buscar informações necessárias para terminar uma lição de casa, foi associado a resultados acadêmicos positivos, ao passo que o uso recreativo, como jogar jogos eletrônicos ou acessar as redes sociais, foi preditivo de notas mais baixas.
Nesta edição do Jornal de Pediatria, Adelantado‐Renau et al.6 unem essas duas linhas de pesquisa separadas para investigar se o uso das mídias sociais media as associações entre o sono e os resultados cognitivos e acadêmicos dos adolescentes. Nesse estudo, os adolescentes relataram a quantidade de uso das mídias semanalmente e nos fins de semana (televisão, videogames, internet e telefone celular), a qualidade do sono e a duração do sono e participaram da avaliação de habilidade cognitiva. Dados adicionais da duração do sono foram obtidos com acelerometria e o desempenho acadêmico foi avaliado com as notas obtidas das escolas dos participantes. Com base nos resultados das análises preliminares, os autores destacaram o uso da internet como o provável mediador das associações entre a qualidade do sono e o desempenho acadêmico.
Os achados gerais dessas análises estavam em linha com a literatura anterior.4,5,8,10 De um lado, a qualidade do sono foi positivamente associada ao desempenho acadêmico. Por outro lado, a quantidade de uso da internet foi negativamente relacionada à qualidade do sono e ao desempenho acadêmico. É importante notar que a quantidade de uso da internet mediou as associações entre a qualidade do sono e o desempenho acadêmico. Com base nesses resultados, os autores concluíram que o uso da internet pode parcialmente explicar as associações negativas entre a qualidade do sono e os resultados acadêmicos.
Incluir o uso da internet como um mediador nas análises é um ponto forte real deste estudo, pois possibilita que os autores considerem as associações entre a qualidade do sono e os resultados acadêmicos no contexto contemporâneo. Contudo, focar na quantidade de exposição e tratar o uso da internet como uma atividade indiferenciada limite como esses dados podem nos ajudar a entender os mecanismos causais que produzem o efeito de mediação. Conforme sugerido nas pesquisas anteriores, o motivo para o qual a internet é usada é diferentemente associado aos resultados acadêmicos que dependem de se os adolescentes ficam on‐line para buscar informações ou para entretenimento.5 Também é concebível saber quando o uso da internet pelos adolescentes é importante. Apesar de o uso das redes sociais durante o caminho para a escola poder não ter consequências, a mesma atividade on‐line, porém à noite, pode ter efeitos adversos sobre a qualidade do sono. De fato, os adolescentes que usaram a mídia em tela antes de dormir relataram menor tempo de sono e sono perturbado.19 Assim, a finalidade (ou seja, escola, notícias, entretenimento, interações sociais) e o tempo de uso da internet devem ser considerados para possibilitar análises mais detalhadas que visem definir os mecanismos causais responsáveis por importantes resultados, como o desempenho acadêmico.
A falta de entendimento com relação a esses mecanismos causais torna mais difícil determinar como aprimorar o uso da internet para atingir os melhores resultados acadêmicos. Um dos possíveis mecanismos propostos por Adelantado‐Renau et al.6 é o aumento da excitação fisiológica e emocional elicitada pelo uso das redes sociais. Por exemplo, postar e ver fotos nas mídias sociais ou fazer parte de uma troca de comentário ao vivo pode resultar em excitação. Esse aumento da excitação não deve ser negativo em si; contudo, caso ele ocorra à noite, pode resultar em má qualidade de sono. De forma semelhante, a internet fornece uma plataforma para jogos sociais. Eles são visualmente atrativos e têm regras fáceis, que os tornam atrativos para muitos jogadores. Apesar de esses jogos não envolverem ganhar dinheiro real, foram levantadas preocupações de que o uso de recompensas pequenas, mas imprevisíveis, atrai e cative os jogadores de uma maneira semelhante à do jogo.20 Os adolescentes que jogam esses jogos podem se tornar excessivamente excitados ou pode ser difícil parar. Em consequência, isso pode levar a má qualidade de sono, principalmente caso o jogo seja jogado à noite. Por fim, a pesquisa sugere que o uso de redes sociais está associado a ansiedade e depressão.19 Considerando que os distúrbios do sono são uma característica comum dessas doenças, é concebível que outra variável não medida neste estudo, ou seja, a presença de um distúrbio internalizante, modere as associações descritas por Adelantado‐Renau et al.6
Há várias implicações para pesquisa adicional com base no estudo de Adelantado‐Renau et al.6 Para desenvolver um entendimento mais claro do papel que o uso da internet pode ter na explicação das associações entre os resultados do sono e acadêmicos, os estudos futuros devem visar elucidar mais informações sobre ‘o que’ e ‘quando’ do uso da internet pelos adolescentes. Além disso, é necessário mais pesquisa para estabelecer as variáveis individuais (por exemplo, personalidade, saúde mental, função executiva) e socioeconômicas (por exemplo, contexto familiar) que tornam os adolescentes mais vulneráveis ao uso problemático do internet. Por quais motivos muitos adolescentes conseguem usar a internet para ajudar em seu aprendizado e manter relações sociais saudáveis e prazerosas, ao passo que, para alguns, o uso da internet tem uma influência adversa sobre a vida escolar e pessoal? Claramente, não é possível, e nem é aconselhável, eliminar a internet das vidas dos adolescentes. Portanto, a pesquisa deve focar na identificação dos riscos e das oportunidades associados ao crescimento na era digital e o estudo de Adelantado‐Renau et al.6 é uma etapa na direção correta.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.