Compartilhar
Informação da revista
Vol. 96. Núm. 6.
Páginas 778-789 (novembro - dezembro 2020)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
8567
Vol. 96. Núm. 6.
Páginas 778-789 (novembro - dezembro 2020)
Artigo Original
Open Access
Development and validation of an instrument for monitoring child development indicators
Elaboração e validação de um instrumento para monitoramento de indicadores do desenvolvimento infantil
Visitas
8567
Sonia I. Venancioa,
Autor para correspondência
soniav@isaude.sp.gov.br

Autor para correspondência.
, Maritsa C. Bortolia, Paulo G. Friasb, Elsa R.J. Giuglianic, Cláudia R.L. Alvesd, Miriam O. Santose
a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Instituto de Saúde, São Paulo, SP, Brasil
b Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Programa de Pós-Graduação em Avaliação em Saúde, Recife, PE, Brasil
c Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria, Porto Alegre, RS, Brasil
d Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria, Belo Horizonte, MG, Brasil
e Universidade Católica de Brasília, Escola de Saúde e Medicina, Brasília, DF, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Descrição dos domínios do desenvolvimento infantil contemplados no estudo
Tabela 2. Distribuição dos itens de avaliação segundo faixa etária e domínio do desenvolvimento infantil, antes e após o processo de validação
Tabela 3. Questões relacionadas aos componentes do modelo de Nutrição de Cuidados e atenção ao desenvolvimento infantil
Tabela 4. Questões relacionadas aos quatro domínios do desenvolvimento infantil segundo faixas etárias
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

To create and validate an instrument for child development monitoring.

Methods

Methodological study, based on the World Bank's proposition to monitor child development indicators in low‐ and middle‐income countries. The stages of the study included the following: development of an inventory of items for child development evaluation, based on open access instruments; content validation by a group of experts on the topic, using consensus techniques; selection of questions to describe children and their families; pre‐test of the instrument during the vaccination campaign in 2016 in three municipalities, and conducting cognitive interviews.

Results

A total of 431 items were sent for the evaluation of the specialists; 77 were initially excluded and the others were evaluated in‐person by the group, with 162 items covering the motor, cognitive, language, and socio‐emotional domains, distributed in ten age ranges. Questions about health, nutrition, early learning, protection and safety, and responsive care were also included. The instrument was applied by volunteer undergraduate students to 367 mothers of children under 5 years, showing good adherence of the caregivers. The time of application of the questionnaire was, on average, 20minutes. The cognitive interviews allowed the final adjustment of 19 items of the instrument for better understanding by the caregivers.

Conclusions

The instrument created and validated by experts fills a gap, as it allows a comprehensive evaluation of the development of children under 5 years at the population level, using a fast and inexpensive tool, and can be useful for monitoring indicators of development in Brazilian children in vaccination campaigns.

Keywords:
Child development
Validation studies
Population evaluation
Brazil
Resumo
Objetivo

Elaborar e validar um instrumento para o monitoramento de indicadores do desenvolvimento infantil.

Métodos

Estudo metodológico baseado na proposta do Banco Mundial para medir indicadores do desenvolvimento infantil em países de baixa e média renda. As etapas do estudo contemplaram: elaboração de um inventário de itens para avaliação do desenvolvimento infantil, com base em instrumentos de livre acesso; validação de conteúdo por um grupo de especialistas no tema, com técnicas de consenso; seleção de questões para descrever as crianças e suas famílias; pré‐teste do instrumento durante a campanha de vacinação de 2016 em três municípios e realização de entrevistas cognitivas.

Resultados

Foram enviados 431 itens para avaliação dos especialistas, 77 foram excluídos e os demais apreciados presencialmente pelo grupo. No fim foram selecionados 162 itens que abrangeram os domínios motor, cognitivo, de linguagem e socioemocional, distribuídos em 10 faixas etárias. Foram incluídas questões sobre saúde, nutrição, aprendizagem precoce, proteção e segurança e cuidado responsivo. O instrumento foi aplicado por universitários voluntários a 367 mães de crianças menores de cinco anos, mostrou boa adesão dos cuidadores. O tempo médio de aplicação do questionário foi 20 minutos. As entrevistas cognitivas permitiram ajustar 19 itens do instrumento para melhor compreensão dos cuidadores.

Conclusões

O instrumento construído e validado por especialistas preenche uma lacuna, que permite uma avaliação abrangente do desenvolvimento de crianças menores de cinco anos, em nível populacional, de forma rápida e barata, pode ser útil para o monitoramento de indicadores do desenvolvimento em campanhas de vacinação.

Palavras‐chave:
Desenvolvimento infantil
Estudos de validação
Avaliação populacional
Brasil
Texto Completo
Introdução

Nos primeiros anos da criança, os circuitos neurais do cérebro são formados e fortalecidos por meio de estímulos e relações de vínculo, estabelecem as bases para o desenvolvimento ao longo da vida. A saúde física e emocional, as habilidades sociais e as capacidades cognitivo‐linguísticas emergentes nessa fase são pré‐requisitos importantes para o sucesso na escola, no ambiente de trabalho e na comunidade.1 Apesar disso, estima‐se que mais de 250 milhões de crianças no mundo correm o risco de não alcançar seu pleno potencial devido à pobreza ou desnutrição crônica.2

As Nações Unidas incluíram o desenvolvimento da primeira infância, período que abrange os primeiros seis anos completos, na agenda política mundial, uma meta nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a garantia do acesso ao desenvolvimento infantil (DI) de qualidade para todos e apontaram a necessidade de intervenções. A avaliação das habilidades de uma criança pequena é essencial para a compreensão dos impactos, em longo prazo, de tais intervenções e para subsidiar políticas e práticas. Ela pode ajudar a gerar informações sobre o progresso e os desafios em alcançar as metas dos ODS. Portanto, a disponibilidade de dados sobre o desenvolvimento de crianças até 5 anos é essencial, sobretudo nos países de baixa e média renda, onde se concentram as crianças que estão em desvantagem.3

No Brasil, apesar da recomendação da vigilância do crescimento e DI,4 os sistemas de informação do Sistema Único de Saúde (SUS) não disponibilizam dados sobre o desenvolvimento das crianças atendidas e a vigilância do DI não tem sido uma ação priorizada pelas equipes da atenção primária.5

Em consequência, as pesquisas são fontes indispensáveis para o monitoramento da situação da primeira infância e para a avaliação de intervenções voltadas à promoção do desenvolvimento integral das crianças. Porém, no Brasil os inquéritos nacionais de base populacional sobre a saúde infantil não incluem questões sobre o DI e as pesquisas disponíveis expressam realidades locorregionais, foram feitas em serviços de saúde ou creches e usam diferentes instrumentos de avaliação, o que dificulta a comparabilidade dos resultados sobre problemas no desenvolvimento.6–12

Acompanhando a tendência mundial, cresce no Brasil o interesse pela promoção do desenvolvimento na primeira infância,13 por meio da implantação de programas federais como o Brasil Carinhoso e, mais recentemente, o Criança Feliz, que até 2018 envolvia cerca de 2.000 municípios, além de outras iniciativas estaduais e locais.14

Nesse cenário de fortalecimento da agenda da primeira infância e de escassez de informações para a formulação e a avaliação das intervenções nessa área, o presente estudo objetivou elaborar e validar um instrumento para o monitoramento de indicadores do desenvolvimento infantil.

Metodologia

Este estudo, originado do Projeto Primeira Infância para Adultos Saudáveis (PIPAS), tem caráter metodológico e foi desenvolvido a partir do proposto em publicação do Banco Mundial sobre um conjunto de ferramentas para medir o desenvolvimento infantil em países de baixa e média renda. De acordo com a taxonomia proposta, foi produzido o Questionário para Avaliação do Desenvolvimento Infantil (QAD‐PIPAS) baseado em medidas do comportamento da criança, obtidas a partir do relato dos cuidadores principais e com o propósito de fazer monitoramento populacional.3 O questionário tem como objetivo avaliar, de forma rápida e barata, o desenvolvimento de crianças até 59 meses que comparecem às campanhas de multivacinação, para disponibilizar informações aos tomadores de decisão locais, conforme a estratégia já adotada no país para o monitoramento de práticas de alimentação infantil.15 A proposta é aplicar o questionário por meio de amostragem, são critérios de exclusão a criança estar fora da faixa etária e não estar acompanhada pelos cuidadores principais.

Para a obtenção de um instrumento abrangente, foram considerados quatro domínios do desenvolvimento infantil: motor (DM), cognitivo (DC), linguagem (DL) e socioafetivo (DS). As definições são apresentadas na tabela 1. Tais definições nortearam as etapas de seleção de itens e validação de seu conteúdo, as quais são descritas a seguir.

Tabela 1.

Descrição dos domínios do desenvolvimento infantil contemplados no estudo

Domínio  Descrição 
Cognitivo  Habilidades pelas quais o conhecimento é adquirido e manipulado, inclusive memória, resolução de problemas e habilidades analíticas. 
Linguagem  Habilidade para entender e expressar a comunicação verbal. 
Motor  Habilidade para controlar e coordenar movimentos grossos das pernas e braços e movimentos finos dos dedos. 
Socioafetivo  Habilidades para o controle intencional sobre o comportamento e a cognição. Inclui o controle inibitório, flexibilidade cognitiva, atenção e memória de trabalho. Refere‐se também às influências biológicas na experiência e expressão da emoção, extroversão (afeto positivo, nível de atividade, impulsividade e assumir riscos), afetividade negativa (medo, raiva, tristeza e desconforto), autocontrole (foco e atenção, sensibilidade perceptiva, inibitória e controle de ativação), regulação das respostas emocionais e interações sociais, problemas de comportamento, competência social e emocional, habilidade de executar tarefas da rotina, como se alimentar, se vestir, controle dos esfíncteres (desfralde), interagir com o outro e se adaptar a novas situações, habilidades necessárias para aprender leitura e matemática, comportamentos relacionados a como a criança se torna comprometida em aprender experiências, permanecer focada, interessada e comprometida nas atividades. 
Etapa 1: Inventário de itens para avaliação do desenvolvimento infantil

Buscaram‐se na literatura testes de livre acesso sobre avaliação do desenvolvimento infantil usados em pesquisas nacionais e que contemplassem os domínios do desenvolvimento de interesse. Os instrumentos selecionados foram: a) Caderneta de Saúde da Criança16; b) Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil no contexto do AIDPI17; c) Indicadores de Risco do Desenvolvimento Infantil (IRDI)9; d) Modified Checklist for Autism in Toddlers (M‐CHAT)18; e) Survey of Well Being of Young Children (SWYC)19 e f) Multiple Indicator Cluster Surveys: Cognitive Stimulation (MICS).20 A partir desses instrumentos, fez‐se um inventário de itens agrupados por domínios e por faixas etárias: 0 a 12 meses; 13 a 15 meses; 16 a 18 meses; 19 a 24 meses; 25 a 30 meses; 31 a 36 meses; 37 a 48 meses; e 49 a 59 meses.

Etapa 2: Validade de conteúdo

A validade de conteúdo diz respeito à adequação do conteúdo de um instrumento quanto ao número e ao escopo das perguntas individuais que ele contém. Faz uso da definição conceitual dos constructos avaliados e consiste em revisar o instrumento para garantir que seja sensato e aborde todas as questões relevantes. Assim, a validação de conteúdo envolve o exame crítico da estrutura básica do instrumento, uma revisão dos procedimentos usados para o desenvolvimento do questionário e consideração da aplicabilidade à questão de pesquisa pretendida.3

Para a validação do QAD‐PIPAS foi composto um grupo multidisciplinar de dez consultores (seis pediatras, uma enfermeira, uma terapeuta ocupacional e uma estatística), dos quais sete doutores (três em saúde da criança e do adolescente e os demais em Ciências da Saúde, Medicina, Nutrição e Saúde Pública), dois especialistas (neuropediatria e neurologia do desenvolvimento) e duas gestoras, uma do Ministério da Saúde e outra do nível estadual. Os consultores foram selecionados por terem experiência em pesquisa, prática clínica ou formulação de políticas sobre o tema e atuaram em dois momentos:

Análise e atribuição de pontuação para todos os itens: com o Método Delphi,21 construiu‐se um formulário on line organizado por domínios e faixas etárias para ser respondido pelos especialistas. Cada questão foi julgada a partir de dois critérios ‐ a sua relevância para avaliar o domínio na faixa etária da criança e a sua viabilidade, considerando o grau de facilidade para o cuidador responder à pergunta, foram atribuídas notas de 0 a 5 em nível crescente de valoração. As pontuações foram transportadas para uma planilha Excel e posteriormente foi calculada a média da pontuação atribuída pelos especialistas para cada item. A seguir, os itens foram categorizados da seguinte maneira: questões indicadas para inclusão no instrumento, quando atingiam média ≥ 4,25 nos dois critérios avaliados (relevância e viabilidade); questões indicadas para exclusão, quando a média era < 4 nos dois critérios; e questões duvidosas, quando a média dos itens ficou no intervalo ≥ 4 e < 4,25 em um dos critérios.

Apreciação e consenso sobre as questões pendentes: os especialistas participaram de um painel presencial para discussão sobre as questões incluídas e as duvidosas, até que chegassem a um consenso quanto à permanência ou não no questionário. A discussão abordou também se as questões eram suficientes para avaliar o desenvolvimento infantil e adequadas ao domínio e à faixa etária. A análise partiu do pressuposto de que o instrumento deveria ser simples, de rápida aplicação e que compreendesse marcos dos quatro domínios relativos a cada faixa etária.

Etapa 3: Seleção de questões sobre o perfil das crianças e suas famílias

Foram incluídas questões sobre o perfil das crianças e suas famílias que potencialmente podem influenciar o desenvolvimento infantil, considerando que é recomendado acompanhar também a qualidade e a quantidade de cuidados que a criança experimenta em seu ambiente para ajudar a interpretação de escores sobre seu desenvolvimento.3 A definição dessas questões baseou‐se no modelo teórico que propõe que o cuidado e a atenção com vistas ao pleno desenvolvimento infantil englobam componentes de saúde, nutrição, aprendizagem, proteção social e segurança e cuidado responsivo proposto pela Organização Mundial da Saúde.22

Etapa 4: Pré‐teste do instrumento

Fez‐se um pré‐teste do instrumento durante a campanha de vacinação de 2016 para avaliar a aceitação dos cuidadores, grau de dificuldade para compreensão das questões, tempo e adequação do questionário para aplicação no contexto pretendido. A coleta ocorreu em dois postos de vacinação dos municípios de Embu das Artes (SP) e Brasília (DF) e em seis postos no município de Recife (PE) e envolveu gestores locais e entrevistadores.

Etapa 5: Entrevistas cognitivas

A última etapa de elaboração do instrumento consistiu na feitura de entrevistas cognitivas23 para avaliar a compreensão dos cuidadores sobre as questões do instrumento. As entrevistas ocorreram em uma Unidade Básica de Saúde de Embu das Artes (SP) junto a 36 cuidadores de crianças até 5 anos, pelo menos três de cada faixa etária.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Saúde sob o CAAE 55261616.5.0000.5469.

ResultadosEtapa 1: Inventário de itens para avaliação do DI

Foram enviados para avaliação do grupo de consultores 431 itens de avaliação do desenvolvimento infantil provenientes dos instrumentos selecionados. Na tabela 2 é apresentado o inventário de itens agrupados por domínios e faixa etária.

Tabela 2.

Distribuição dos itens de avaliação segundo faixa etária e domínio do desenvolvimento infantil, antes e após o processo de validação

.Validação  Domínios/faixa etária  Motor  Cognitivo  Linguagem  Socioemocional  Total de itens 
Antes  0‐12  19  10  28  64 
Após  0‐6 
  7‐9 
  10‐12  12 
Antes  13‐15  10  23  46 
Após    15 
Antes  16‐18  13  30  57 
Após    10  18 
Antes  19‐24  10  14  35  64 
Após    11  18 
Antes  25‐30  18  33  62 
Após    19 
Antes  31‐36  21  31  60 
Após    10  21 
Antes  37‐48  10  19  34 
Após    10  17 
Antes  49‐59  13  25  44 
Após    14  24 
Etapa 2: Validade de conteúdo

A avaliação dos especialistas indicou a necessidade de redefinir a faixa etária até 12 meses, subdividida em três períodos: até 6 meses completos, 7 a 9 meses completos e 10 a 12 meses completos. Dos 431 itens avaliados, 77 foram inicialmente excluídos e os demais apreciados presencialmente pelo grupo, no fim foram selecionados 162 itens. A tabela 2 apresenta os itens selecionados segundo o domínio e a faixa etária.

A aplicação do QAD‐PIPAS possibilita a criação de um escore para cada criança avaliada, no qual para cada resposta adequada à faixa etária atribui‐se o valor 1, somam‐se então os pontos obtidos pela criança. A seguir, procede‐se à padronização do escore, calcula‐se a proporção de respostas adequadas em relação ao total de itens avaliados na faixa etária. Esse escore padronizado varia de 0 a 1, o valor 0 expressa respostas não adequadas em todos os itens avaliados e o valor 1 respostas adequadas em todos os itens. Por se tratar de um instrumento que visa à obtenção de indicadores populacionais, os resultados são analisados segundo a distribuição em escores‐Z.

Etapa 3: Seleção de questões sobre o perfil das crianças e suas famílias

A tabela 3 apresenta as questões representativas das dimensões saúde, nutrição, aprendizagem precoce, proteção e segurança e cuidado responsivo.

Tabela 3.

Questões relacionadas aos componentes do modelo de Nutrição de Cuidados e atenção ao desenvolvimento infantil

Componentes  Questões 
SaúdeA mãe da criança fez pré‐natal? Quantas consultas? 
Qual o tipo de parto? 
A criança ficou em contato pele a pele sobre o corpo da mãe logo após o nascimento? 
Foi amamentada na primeira hora de vida? 
Foi prematura? Se sim, quantos meses? 
Qual o peso de nascimento da criança? 
A criança teve algum problema ao nascimento? Se sim, qual? 
A criança tem a Caderneta da Criança? Você leu? 
A criança recebeu visita domiciliar de algum profissional da saúde na 1ª semana de vida? 
A criança costuma ter consultas agendadas para acompanhamento? 
Onde a criança tem a maioria das consultas agendadas? 
Quando foi a última vez que a criança foi a uma consulta agendada? 
A criança tem algum problema de saúde ou no crescimento? 
Considera o desenvolvimento da criança normal para a idade? 
NutriçãoA criança ainda mama no peito? 
Até quando ela mamou no peito? 
Até quando ela mamou somente no peito, sem água, chá ou outros líquidos? 
Desde ontem de manhã até hoje de manhã, o que seu filho comeu? Eu vou perguntar os alimentos e você responde sim ou não:a. leiteb. água/chác. suco naturald. carnes/ovose. legumesf. verdurasg. frutash. arroz/batata/mandioca /macarrãoi. feijão/lentilhaj. refrigerantek. biscoito salgado/docel. salgadinho de pacotem. bala/pirulito/chocolate/guloseimasn. outros 
Aprendizagem precoceA criança frequenta creche/escolinha/educação infantil? Desde que idade? Em quais períodos? Se não frequenta, por quê? 
Você paga pela de creche/escolinha/educação infantil? 
Proteção e segurançaParticipa de algum programa social, tipo Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada? 
Quem é o chefe da família? 
Qual é a escolaridade do pai da criança? 
Qual a escolaridade da mãe da criança? 
Qual é a escolaridade do chefe de família? (caso não seja nem o pai, nem a mãe) 
O chefe da família está empregado? 
A mãe da criança está empregada? 
A mãe da criança trabalha fora quantas vezes por semana? 
Quando a criança nasceu a mãe teve direito à licença‐maternidade? 
Qual a idade da mãe da criança? 
Algum profissional da saúde deu diagnóstico de depressão para a mãe da criança? 
A criança convive com pessoas que fazem uso de álcool ou outras drogas? 
A mãe fez uso de bebida alcoólica durante a gestação? 
A mãe fumou durante a gestação da criança? 
A casa tem banheiros? (Não considerar banheiros coletivos) 
Na casa tem água encanada? 
Posse de bens (Critério Brasil) 
A criança fica aos cuidados de outra criança com menos de 10 anos? 
Cuidado ResponsivoQuem cuida da criança a maior parte do tempo? 
Quantos livros infantis ou livros de imagens a criança tem? 
A criança brinca com:a. brinquedos caseiros (tais como bonecas, carros ou outros brinquedos feitos em casa);b. brinquedos de uma loja ou brinquedos fabricados; c. objetos domésticos (como bacias ou vasos) ou objetos encontrados fora (paus, pedras, conchas de animais ou folhas); d. brinquedos eletrônicos (Smartphones ou tablets) 
A criança assiste a TV? Quantos dias da semana? Quantas horas/dia? 
Na última semana você ou qualquer outro membro da família com 15 anos ou mais se envolveu em qualquer uma das seguintes atividades com a criança:a. Leu livros ou olhou figuras de livros com a criança?b. Contou histórias para a criança?c. Cantou músicas para a criança, ou com sua criança? Inclusive canções de ninar?d. Levou a criança para passear?e. Jogou ou brincou com a criança?f. Citou, contou ou desenhou coisas com a criança? 
Recebeu informações sobre desenvolvimento infantil? (na saúde, educação ou assistência social) 
Etapa 4: Pré‐teste do instrumento

O instrumento foi aplicado a 367 mães de crianças menores de cinco anos em Recife, Distrito Federal e Embu das Artes, com a finalidade de testá‐lo em diferentes contextos. Em geral, os profissionais envolvidos na campanha aceitaram bem a pesquisa e entenderam que a aplicação dos questionários por entrevistadores externos não interferiu na rotina das equipes dos postos de vacinação. Houve boa adesão das mães às entrevistas, com percentual de recusa em torno de 10%. Percebeu‐se a insatisfação de pais e outros cuidadores que não puderam responder o questionário, o que motivou a decisão de incluí‐los como respondentes.

O tempo de aplicação do questionário foi, em média, 20 minutos, o que foi considerado viável para aplicação em campanhas de vacinação. Essa informação possibilitou estimar o número de entrevistadores necessários para a feitura da coleta de dados em outros momentos. Foi identificada a necessidade das entrevistas cognitivas (Etapa 5) para esclarecer sobre o nível de compreensão de algumas questões e a necessidade de redefinição das faixas etárias iniciais, em função da baixa participação de crianças menores de seis meses na campanha. Essa etapa também subsidiou a elaboração de um conjunto de formulários (Planilha de amostragem; Planilha de recusas e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) para apoiar o inquérito nas campanhas de vacinação.

Etapa 5: Entrevistas cognitivas

As entrevistas cognitivas mostraram necessidade de ajustes em 19 itens do instrumento para melhor compreensão dos cuidadores, foram posteriormente submetidos à revisão de uma especialista. A composição final do instrumento é apresentada na tabela 4.

Tabela 4.

Questões relacionadas aos quatro domínios do desenvolvimento infantil segundo faixas etárias

Faixa etária/Domínio  Motor  Cognitivo  Linguagem  Socioemocional 
0‐6 meses  ‐O bebê, quando deitado de barriga para cima, movimenta os braços e as pernas?‐Quando deitado de barriga para baixo o bebê consegue manter a cabeça levantada?‐O bebê consegue juntar as mãos e segurar um brinquedinho?  ‐O bebê reage a sons?‐A criança fixa e acompanha o seu rosto com o olhar?‐A criança procura o seu olhar?  ‐Quando você sorri e conversa com a criança, ela responde com sorriso e sons?‐ A criança tenta conversar com você?  ‐É difícil acalmar a criança quando está chorando, mesmo quando você a pega no colo? 
7‐9 meses  ‐Quando deitada, a criança consegue se virar completamente?‐ A criança passa um brinquedo ou objeto de uma mão para a outra?‐A criança consegue ficar sentada sem apoio das mãos para se equilibrar?  ‐ A criança localiza sons?‐ Quando um objeto cai no chão, a criança procura com o olhar?  ‐A criança imita os sons que você faz quando conversa com ela?  ‐ É difícil acalmar a criança quando está chorando, mesmo quando você a pega no colo?‐ A criança mostra quando gosta ou não de alguma coisa?‐ A criança aceita alimentos pastosos ou em pedaços? 
10‐12 meses  ‐A criança consegue se levantar se apoiando/segurando em algum lugar?‐ A criança consegue pegar objetos pequenos com polegar e indicador?‐ A criança consegue dar alguns passos com apoio?  ‐ A criança entende pedidos como “Venha cá” ou “Me dá o brinquedo”?‐ A criança olha para você quando você a chama pelo nome?‐ A criança brinca de esconde‐achou?‐ A criança imita quando você bate palmas ou dá tchau?  ‐A criança chama “Mama” ou “Papa” ou nome parecido?  ‐ A criança estranha pessoas desconhecidas para ela?‐ A criança mostra quando gosta ou não de alguma coisa?‐ A criança pede colo para pessoas conhecidas?‐ É difícil acalmar a criança quando está chorando, mesmo quando a pega no colo? 
13‐15 meses  ‐ A criança pega alimentos com a mão e coloca na boca?‐ A criança anda com ajuda ou apoiada em algum objeto?  ‐ A criança olha para você quando você a chama pelo nome?‐ A criança coloca um ou mais objetos em uma caneca/pote se você pedir ou mostrar a ela como se faz?‐ A criança faz coisas que você pede como “Venha cá” ou “Me dá o brinquedo”?‐ A criança faz gestos quando você pede para ela? (Por exemplo: dar tchau, bater palma, etc.)?  ‐A criança emite sons como se estivesse conversando, mesmo que não dê para entender o que ela fala?‐ A criança indica o que quer sem que seja pelo choro, podendo ser com palavras ou sons, apontando ou estendendo a mão para alcançar?‐ A criança fala “Mama” ou “Papa” ou outras palavras que você entende?  ‐ A criança mostra quando gosta ou não de alguma coisa?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ A criança obedece a algumas regras de comportamento? Como por exemplo, evitar situações de perigo (não pôr o dedo na tomada ou não mexer em objetos que não tem permissão)‐ Quando irritada é fácil a criança se acalmar?‐ A criança se irrita com facilidade?‐ É difícil colocar a criança para dormir? 
16‐18 meses  ‐ A criança chuta uma bola?‐ A criança anda sem apoio?‐ A criança sobe um degrau sem ajuda de uma pessoa, mas se apoiando?  ‐ Quando a criança pega um lápis, ela faz rabisco no papel?‐ A criança compreende o que as pessoas falam para ela?‐ A criança consegue colocar um brinquedo ou um objeto em cima do outro?‐ A criança olha para você quando você a chama pelo nome?  ‐ A criança fala pelo menos dez palavras que você entende o significado?  ‐ A criança gosta de brincar com objetos usados pela mãe ou pelo pai?‐ A criança obedece a algumas regras de comportamento? Como por exemplo, evitar situações de perigo (não colocar o dedo na tomada ou não mexer em objetos que não tem permissão)‐ A criança brinca com brinquedos sem somente colocá‐los na boca, balançá‐los ou jogá‐los no chão?‐ A criança olha nos seus olhos por mais de 1 ou 2 segundos?‐ A criança parece não gostar de muito barulho, por exemplo, tapando os ouvidos?‐ A criança tenta chamar a sua atenção para o que ela está fazendo?‐ A criança usa palavras para pedir ajuda?‐ A criança se irrita com facilidade?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ É difícil colocar a criança para dormir? 
19‐24 meses  ‐ A criança sobe escadas sem nenhuma ajuda?  ‐ Quando a criança pega um lápis, ela faz rabisco no papel?‐ A criança olha para você quando você a chama pelo nome?‐ A criança olha se você mostra alguma coisa do outro lado da sala?‐ A criança brinca de faz‐de‐conta, por exemplo, falar ao telefone ou dar de comer a uma boneca etc.?  ‐ A criança fala duas ou mais palavras juntas como “Dá água” ou “Me dá”?‐ A criança indica o que quer sem chorar, com palavras ou sons, apontando para o que quer alcançar?  ‐ A criança gosta de brincar com objetos usados pela mãe ou pelo pai?‐ A criança brinca com brinquedos sem somente colocá‐los na boca, balançá‐los ou jogá‐los no chão?‐ A criança obedece a algumas regras de comportamento? Como por exemplo, evitar situações de perigo (não colocar o dedo na tomada ou não mexer em objetos que não tem permissão)‐ A criança parece não gostar de muito barulho, por exemplo, tapando os ouvidos?‐ A criança sorri como resposta ao seu olhar ou ao seu sorriso?‐ A criança tem alguma mania ou faz movimentos estranhos com as mãos/dedos?‐ A criança tenta chamar a sua atenção para o que está fazendo?‐ Alguma vez você pensou que a criança é surda?‐ Quando irritada é fácil a criança se acalmar?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ É fácil para você manter a criança nas rotinas do dia a dia? 
25‐30 meses  ‐A criança gosta de subir em objetos, como por exemplo, cadeiras, mesas?‐ A criança é capaz de tirar alguma peça de roupa com ajuda?  ‐ Quando a criança pega um lápis, ela desenha linhas no papel, sem ser somente rabisco?‐ A criança reconhece e aponta corretamente objetos ou uma figura quando colocada à sua frente?‐ A criança olha para você quando você a chama pelo nome?‐ A criança compreende o que as pessoas falam para ela?‐ A criança sabe dizer o nome dela?  ‐ A criança indica o que quer sem chorar, com palavras ou sons, apontando para o que quer alcançar?‐ A criança fala o nome de pelo menos 5 partes do corpo como nariz, mão ou barriga?‐ A criança fala com outras pessoas e é compreendida na maior parte do tempo?  ‐ A criança parece não gostar de muito barulho, por exemplo, tapando os ouvidos?‐ A criança sorri como resposta ao seu olhar ou ao seu sorriso?‐ A criança tem alguma mania ou faz movimentos estranhos com as mãos/dedos?‐ Você alguma vez achou que a criança é surda?‐ A criança se interessa em brincar com outras crianças?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ Quando irritada é fácil a criança se acalmar?‐ É fácil para você sair com a criança e ir em locais públicos? Ela costuma se comportar bem?‐ A criança é muito agressiva? 
31‐36 meses  ‐ A criança joga bola para o alto acima da cabeça?‐ A criança lava e seca as mãos sem ajuda? (A criança não precisa abrir a torneira)‐ A criança tenta vestir alguma peça de roupa como: cueca, calcinha, meias, sapatos, casaco etc.?‐ A criança dá passos para traz?  ‐ A criança desenha formas simples como um círculo?‐ A criança compreende o que as pessoas falam para ela?‐ A criança brinca de faz‐de‐conta, por exemplo, falar ao telefone ou dar de comer a uma boneca etc.?‐ A criança sabe dizer o nome dela?‐ Se você mostrar figuras de animais, a criança reconhece corretamente “Quem mia”? “Quem late”?  ‐ A criança fala com outras pessoas e é compreendida na maior parte do tempo?‐ A criança fala frases com 3 palavras ou mais?  ‐ A criança parece não gostar de muito barulho, por exemplo, tapando os ouvidos?‐ Alguma vez você pensou que a criança é surda?‐ A criança tem alguma mania ou faz movimentos estranhos com as mãos/dedos?‐ A criança se interessa em brincar com outras crianças?‐ A criança fala alguma coisa para chamar atenção das pessoas para o que ela está fazendo?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ Quando irritada é fácil a criança se acalmar sozinha?‐ É fácil para você sair com a criança e ir em locais públicos? Ela costuma se comportar bem?‐ É fácil para você manter a criança nas rotinas do dia a dia?‐ A criança é muito agressiva? 
37‐48 meses  ‐ A criança pula de um degrau?‐ A criança lava e seca as mãos sem ajuda? (A criança não precisa abrir a torneira)‐ A criança consegue vestir alguma peça de roupa sem ajuda? (Ex: cueca ou calcinha, meias, sapatos, casaco etc.)  ‐ A criança desenha formas simples como um círculo e quadrado?‐ A criança conta histórias de um livro ou TV?‐ A criança faz perguntas como “por que” ou “como”?  ‐ A criança fala com outras pessoas e é compreendida na maior parte do tempo?  ‐ A criança se interessa em brincar com outras crianças?‐ A criança é muito medrosa ou muito nervosa, de forma exagerada?‐ A criança parece triste ou infeliz?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horário para dormir, brincar e comer)‐ A criança muitas vezes quebra coisas de propósito?‐ A criança é muito agressiva?‐ A criança é muito inquieta ou incapaz de ficar sentada?‐ É fácil para você sair com a criança e ir em locais públicos? Ela costuma se comportar bem?‐ É fácil para você fazer a criança te obedecer?‐ A criança tem dificuldades para prestar atenção? 
49‐59 meses  ‐ A criança consegue pegar uma bola quando você joga?‐ A criança pula com um pé só?‐ A criança consegue se vestir sem ajuda? (Qualquer peça de roupa)  ‐ A criança desenha figuras que você reconhece?‐ A criança pinta um desenho dentro das linhas?‐ A criança conta histórias ou alguma coisa que aconteceu?‐ A criança sabe contar até 10?‐ A criança compara coisas usando palavras como “maior” ou “menor”?‐ A criança usa palavras como “ontem” e “amanhã” corretamente?  ‐ A criança fala com outras pessoas e é compreendida na maior parte do tempo?  ‐ A criança segue orientações simples sobre como fazer algo?‐ A criança consegue fazer sozinha as coisas que você pede?‐ A criança se dá bem com outras crianças?‐ A criança presta atenção ou se concentra quando estão falando com ela ou quando ela está em alguma atividade?‐ A criança consegue dormir algumas noites sem fazer xixi na cama?‐ A criança parece muito medrosa ou muito nervosa, de forma exagerada?‐ A criança parece triste ou infeliz?‐ É fácil para a criança lidar com mudanças nas rotinas do dia a dia? (ex: ter horários para dormir, brincar e comer)‐ A criança muitas vezes quebra coisas de propósito?‐ A criança é muito agressiva?‐ A criança é muito inquieta ou incapaz de ficar sentada?‐ É fácil para você sair com a criança e ir em locais públicos? Ela costuma se comportar bem?‐ É fácil para você saber o que a criança quer?‐ É fácil para você fazer a criança te obedecer? 
Discussão

O percurso metodológico permitiu elaborar o primeiro instrumento brasileiro para o monitoramento de indicadores de desenvolvimento infantil de crianças até 5 anos em nível populacional e fazer a etapa primordial da validação de conteúdo, que será seguida das etapas de validação de confiabilidade, concorrente e discriminatória em estudo que está sendo conduzido pela mesma equipe de pesquisa. A participação de especialistas que atuam na pesquisa e na prática clínica foi fundamental para contemplar questões que refletissem o comportamento esperado das crianças nas diferentes faixas etárias e nos domínios cognitivo, de linguagem, motor e socioemocional, em especial o último, que em geral é negligenciado na avaliação e orientações antecipadas aos cuidadores. A adequação do instrumento para a aplicação em campanhas de vacinação sugere a viabilidade e utilidade do QAD‐PIPAS.

Uma limitação do instrumento consiste na impossibilidade de identificar problemas de desenvolvimento infantil em domínios específicos, tendo em vista o número reduzido de questões que avaliam cada domínio, dada a necessidade de aplicação rápida das entrevistas nas campanhas de vacinação. Embora essa estratégia possibilite a obtenção das informações em curto tempo, questões operacionais merecem atenção, como a necessidade de recrutar entrevistadores que não atuam na campanha, para que a pesquisa não interfira nas atividades de vacinação.

O interesse na elaboração e validação de testes em diferentes partes do mundo está relacionado à influência do contexto sociocultural no desenvolvimento infantil. As culturas expressam diferentes valores para as habilidades que as crianças devem desenvolver e exibir, podem emergir mais cedo se forem enaltecidas e encorajadas.3

Em 2009, o Banco Mundial revisou 41 ferramentas para avaliação do desenvolvimento infantil em países de baixa e média renda e, em 2017, houve uma atualização dessa revisão, com a inclusão de 106 novas ferramentas para crianças até 8 anos.3

Em resposta à ênfase dada ao desenvolvimento infantil pela Organização das Nações Unidas e à sua inclusão nos ODS, vários esforços estão em andamento para criar e validar medidas universais para rastrear o status de desenvolvimento de crianças até 6 anos. Porém, até o presente momento, não existe instrumento globalmente aceito sobre avaliação do desenvolvimento de crianças na primeira infância.

Enquanto não estão disponíveis instrumentos globais validados em diferentes populações, inclusive o Brasil, justifica‐se a elaboração de um instrumento para monitoramento de indicadores do desenvolvimento das crianças brasileiras para ser aplicado em campanhas de vacinação, pela necessidade de se estabelecer uma estratégia viável para a obtenção de informações que apoiem a implantação das políticas de primeira infância. A experiência do Brasil em conduzir inquéritos sobre aleitamento materno durante as campanhas de multivacinação ensejou aprendizados técnico‐operacionais, redução de custos e tempo em relação aos inquéritos domiciliares e motivou a criação de um instrumento para o monitoramento do desenvolvimento infantil para ser aplicado nesse contexto.

Em especial, destaca‐se a necessidade de se dispor de um instrumento que se diferencie de testes de triagem individual usados em pesquisas populacionais no Brasil, como o Denver,24 Bayley25 e Ages & Stages Questionnaire,26 os quais apresentam a desvantagem do acesso restrito pelos direitos autorais e a necessidade de pessoal especializado para sua aplicação, além do tempo gasto.

O ponto de partida deste trabalho foi a delimitação do escopo do instrumento, que deveria ser voltado para o monitoramento de indicadores populacionais do desenvolvimento infantil para diferenciá‐lo de outros tipos de testes, a exemplo de testes de triagem individual, que demandam por questões éticas, ao ser aplicados em contextos clínicos ou educacionais, que casos triados sejam encaminhados à avaliação diagnóstica, tratamentos especializados ou a programas especiais.3

O uso de entrevistas com os cuidadores principais das crianças respalda‐se em evidências que apontam que as entrevistas com cuidadores de todos os níveis socioeconômicos fornecem informações válidas, uma vez que as classificações são bem correlacionadas com as medições diretas da criança.3,26–28 Entre as vantagens das entrevistas com os cuidadores destacam‐se a facilidade de aplicação em relação aos testes diretos ou observações; tendem a ser rápidos, de baixo custo, fáceis de completar e não requerem muito tempo ou experiência para interpretar29; são precisos, pois os pais observam o comportamento dos filhos ao longo do tempo em várias circunstâncias, diferentemente das observações diretas por profissionais de saúde, que são, em geral, únicas/transversais e dependentes da colaboração da criança no momento da avaliação.

A opção pela abordagem abrangente do desenvolvimento infantil em vez de escalas específicas para cada domínio seguiu a recente tendência global. O uso de instrumentos mais completos possibilita a obtenção de um panorama global do desenvolvimento infantil em nível populacional, o que favorece a identificação das intervenções necessárias.3

O QAD‐PIPAS incorporou, ainda, questões relacionadas à saúde, nutrição, educação e proteção social e segurança, além de experiências das crianças no ambiente familiar, possibilita conhecer e comparar essas informações entre grupos. Sabe‐se que crianças que vivem em ambientes estimulantes têm mais chances de chegar à idade escolar mais aptas para o aprendizado da leitura e da escrita e que pais que interagem frequentemente com os filhos promovem seu desenvolvimento socioemocional, essas influências ambientais são mais importantes em condições de pobreza, desnutrição e doença. O desenvolvimento da linguagem é fortemente influenciado pela exposição a palavras e livros em casa, tanto que crianças cujos pais não são alfabetizados podem desenvolver a fala e vocabulário mais lentamente. Assim, ao incorporar questões do MICS,20 serão disponibilizadas informações simples e essenciais para o planejamento das intervenções voltadas à parentalidade e ao fortalecimento de vínculos.

Concluindo, o presente estudo disponibiliza aos formuladores de políticas, gestores, profissionais de diversos setores e à sociedade civil um instrumento (QAD‐PIPAS) para avaliação em nível populacional que leva em consideração quatro domínios do desenvolvimento infantil, ajustados à cultura local, inclusive itens avaliados e validados por um grupo de especialistas que trouxeram a perspectiva da prática clínica, da pesquisa e das políticas voltadas à primeira infância. Sua aplicação em estudo piloto mostrou a adequação e viabilidade de seu uso em campanhas de vacinação, de forma rápida e com custos reduzidos. Espera‐se, assim, contribuir para o ensino, pesquisa e formulação e implantação de políticas intersetoriais voltadas à primeira infância no país.

Financiamento

Chamada 047/2014 MCTI/CNPq/MS/DECIT/Bill and Melinda Gates Foundation (Processo 401721/2015‐9).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

A Amira Figueiras, Anna Maria Chiesa, Gilvani Pereira Grangeiro, Honorina de Almeida, Janaína Monteiro Chaves, Miriam Guerra, Rudimar Riesgo, Sophie Eikmann, pelas contribuições na validação do instrumento e às equipes do Distrito Federal, Recife e Embu das Artes pelo apoio à feitura do pré‐teste do instrumento.

Referências
[1]
J.P. Shonkoff, W.T. Boyce, B.S. McEwen.
Neuroscience, molecular biology and the childhood roots of health disparities: building a new framework for health promotion and disease prevention.
JAMA., 301 (2009), pp. 2252-2259
[2]
M. Black, S.P. Walker, L.C. Fernald, C.T. Andersen, A.M. DiGirolamo, Chunling Lu, et al.
Early childhood development coming of age: science through the life course.
Lancet., 389 (2017), pp. 77-90
[3]
World Bank Group. A toolkit for measuring early childhood development in low‐ and middle‐income countries. Prepared for the strategic impact evaluation fund, the World Bank. Washington DC; 2017.
[4]
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação /Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
[5]
A.C. Almeida, L.C. Mendes, I.R. Sad, E.G. Ramos, V.M. Fonseca, M.V. Peixoto.
Use of a monitoring tool for growth and development in Brazilian children – systematic review.
Rev Paul Pediatr., 34 (2016), pp. 122-131
[6]
R. Halpern, E.R. Giugliani, C.G. Victora, F.C. Barros, B.L. Horta.
Fatores de risco para suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de vida.
J Pediatr (Rio J)., 76 (2000), pp. 421-428
[7]
R. Halpern, F.C. Barros, B.L. Horta, C.G. Victora.
Estado de desenvolvimento aos 12 meses de idade de acordo com peso ao nascer e renda familiar: uma comparação de duas coortes de nascimentos no Brasil.
Cad Saude Publica., 24 (2008), pp. 444-450
[8]
E.M. Pilz, L.B. Schermann.
Determinantes biológicos e ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor em uma amostra de crianças de Canoas/RS.
Cien Saude Colet., 12 (2007), pp. 181-190
[9]
M.C. Kupfer, A.N. Jerusalinsky, L.M. Bernardino, D. Wanderley, P.S. Rocha, S.E. Molina, et al.
Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica.
Lat Am J Fund Psychopath., 6 (2009), pp. 48-68
[10]
M.W. Moraes, A.P. Weber, C.O. Santos, F.A. Almeida.
Denver II: evaluation of the development of children treated in the outpatient clinic of Project Einstein in the Community of Paraisópolis.
Einstein (Sao Paulo)., 8 (2010), pp. 149-153
[11]
C.M. Brito, G.V. Vieira, M.C. Costa, N.F. Oliveira.
Desenvolvimento neuropsicomotor: o teste de Denver na triagem dos atrasos cognitivos e neuromotores de pré‐escolares.
Cad Saude Publica., 27 (2011), pp. 1403-1414
[12]
A.C. Silva, E.M. Engstron, C.T. Miranda.
Fatores associados ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças de 6‐18 meses de vida inseridas em creches públicas do Município de João Pessoa, Paraíba.
Brasil. Cad Saude Publ., 31 (2015), pp. 1881-1893
[13]
C.L. Szwarcwald, M.C. Leal, W.S. Almeida, M.L. Barreto, P.G. Frias, M.M. Theme Filha, et al.
Child Health in Latin America.
Global Public Health (online)., 1 (2019), pp. 49
[14]
H. Girade.
‘Criança Feliz’: a programme to break the cycle of poverty and reduce the inequality in Brazil Early Childhood Matters.
© Bernard van Leer Foundation, (2018),
[15]
S.I. Venancio, M.M. Escuder, S.R. Saldiva, E.R. Giugliani.
Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances.
J Pediatr (Rio J)., 86 (2010), pp. 317-324
[16]
Ministério da Saúde. Caderneta de Saúde da Criança. Brasília, 2015. [Cited 2019 May 06] Available from: < http://www.saude.gov.br/saude‐de‐a‐z/crianca>.
[17]
OPAS. Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Brasília;2005.
[18]
M.F. Losapio, M.P. Ponde.
Tradução para o português da escala M‐CHAT para rastreamento precoce de autismo.
Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul [online]., 30 (2008), pp. 221-229
[19]
R.S. Moreira.
Triagem de atraso do desenvolvimento e de alterações de comportamento: estudo normativo do Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC) no contexto brasileiro Tese de Doutorado.
Universidade Federal de Minas Gerais;, (2016),
[20]
UNICEF. Multiple indicator cluster surveys (2013). [Cited 2019 May 06] Available from: < http://mics.unicef.org/>.
[21]
L. Revorêdo, R. Maia, G. Torres, E. Maia.
O uso da técnica Delphi em saúde: uma revisão integrativa de estudos brasileiros.
Arq Ciênc Saúde., 22 (2015), pp. 16-21
[22]
P.R. Britto, S.J. Lye, K. Proulx, A.K. Yousafzai, S.G. Matthews, T. Vaivada, et al.
Nurturing care: promoting early childhood developmentLancet., 389 (2016), pp. 91-102
[23]
Willis GG. Cognitive interviewing. A “how to” guide. Reducing survey error through research on the cognitive and decision processes in surveys. Short course presented at the 1999 Meeting of the American Statistical Association. Rachel A Caspar, Judith T. Lessler, and Gordon B. Willis--Research Triangle Institute.
[24]
Frankenburg WK. The Denver approach to early case finding. In: William K, Frankenburg RN, Sullivan JW, editors. Early identification of children at risk: an international perspective. New York: Plenum Press; 1985. p.135‐56.
[25]
N. Bayley.
Bayley scales of infant and toddler development.
3rd Ed, Harcourt Assessment, (2006),
[26]
D. Bricker, J. Squires.
Ages & stages questionnaires: a parent‐completed child‐monitoring system.
2nd ed., Paul H. Brookes Publishing, (1999),
[27]
K.B. Doig, M.M. Macias, C.F. Saylor, J.R. Craver, P.E. Ingram.
The Child Development Inventory: a developmental outcome measure for follow‐up of the high‐risk infant.
J Pediatr, 135 (1999), pp. 358-362
[28]
K.H. Heo, J. Squires, P. Yovanoff.
Cross‐cultural adaptation of a pre‐school screening instrument: comparison of Korean and US populations.
J Intellect Disabil Res., 52 (2008), pp. 195-206
[29]
S. Johnson, N. Marlow.
Developmental screen or developmental testing?.
Early Hum Develop., 82 (2006), pp. 173-183

Como citar este artigo: Venancio SI, Bortoli MC, Frias PG, Giugliani ER, Alves CR, Santos MO. Development and validation of an instrument for monitoring child development indicators. J Pediatr (Rio J). 2020;96:778–89.

Estudo feito no Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Copyright © 2019. Sociedade Brasileira de Pediatria
Baixar PDF
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate jped2@sbp.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact jped2@sbp.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.