O estudo retrospectivo inovador e bem projetado de Oliveira et al. publicado nesta edição documenta tendências seculares encorajadoras da duração da amamentação no Rio de Janeiro de 1960‐2009. As participantes do estudo foram integrantes da equipe de uma universidade na cidade do Rio de Janeiro entrevistados entre 1999 e 2012 sobre a duração da amamentação de seu primeiro filho.1 A duração média da amamentação entre mulheres que deram à luz de 2000‐2009 foi de 12 meses em comparação com os seis meses entre mulheres nascidas em 1960‐1969, cinco meses entre mulheres nascidas em 1970‐1979, seis meses entre as nascidas em 1980‐1989 e oito meses entre as nascidas em 1990‐1999. Considerando a notável similaridade desses achados com as tendências seculares de amamentação relatadas anteriormente no Brasil como um todo e com o uso de dados de um levantamento transversal repetido,2,3 esse comentário amplia as implicações do estudo de Oliveira et al. ao país inteiro.3 Dados de pesquisas nacionais e de Oliveira et al.1 indicam, por um lado, o grande progresso nos resultados da amamentação no Brasil nas últimas quatro décadas conforme ilustrado pelas melhorias nacionais dramáticas, incluindo um aumento na duração da amamentação de 2,5 meses em 1975 para 11,3 meses em 2008 e um aumento de 14 vezes na prevalência de amamentação exclusiva, que atualmente é de 41% entre neonatos com menos de seis meses. Essas melhorias correspondem bem ao momento do lançamento da importante proteção, promoção e defesa do apoio à amamentação e dos investimentos no país.2 Por outro lado, esses estudos indicam que o país ainda está longe de atender às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de amamentação exclusiva por seis meses e duração total de qualquer tipo de amamentação de no mínimo dois anos.
Uma contribuição inovadora do artigo de Oliveira et al. é que ele documenta que os fatores de risco modificáveis das curtas durações da amamentação não são estáticos, pois mudam ao longo do tempo. Por exemplo, nos anos 1970, níveis mais elevados de renda estavam associados à duração mais curta de amamentação; nos anos 2000, ocorreu o oposto (ou seja, a escolaridade materna mais baixa se tornou fator de risco para a duração mais curta de amamentação). Como a mudança na direcionalidade do fator de risco não ocorre de um dia para o outro, é importante analisar as tendências seculares nos resultados de amamentação em diferentes grupos socioeconômicos e demográficos.4,5 Por exemplo, considerando que as taxas no México continuam a ser mais altas em zonas rurais em comparação com as zonas urbanas, mulheres de renda mais alta em comparação com as de renda mais baixa e comunidades indígenas em comparação com comunidades não indígenas, fica claro que a taxa de diminuição é significativamente maior entre as mulheres mais vulneráveis socioeconomicamente, atinge um ponto em que, no futuro próximo, os grupos mais vulneráveis serão aqueles com os piores resultados de amamentação, como atualmente no Brasil.4,5 É muito importante abordar essa desigualdade, pois ela pode afetar profundamente a saúde e o bem‐estar dos indivíduos já abandonados. Como resultado, uma pergunta importante que os pediatras e outros importantes interessados podem ter é: o que pode ser feito para proteger os comportamentos de amamentação entre as mulheres mais vulneráveis?
Evidências recentes indicam fortemente que a resposta a essa pergunta é bem complexa, pois vários setores e ações precisam trabalhar coordenadamente em vários níveis – desde o nível local ao nacional – para proteger, promover e apoiar mais o direito de as mulheres amamentarem seus filhos pelo tempo que quiserem.6 As ações necessárias incluem melhorias nas políticas de licença parental, aplicação mais forte do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da OMS, programas hospitalares e comunitários e sistemas de informação de gestão que oferecem serviços de apoio à amamentação de alta qualidade com a cobertura adequada de todos os cuidados, campanhas de comunicação sobre mudança de comportamento e apoio às famílias, incluindo o envolvimento dos pais.6,7
No nível clínico e comunitário, a melhoria da orientação antecipatória durante a gravidez e o apoio do manejo da lactação nos primeiros dias e semanas após o nascimento é fundamental para o sucesso de longo prazo da amamentação. Temas específicos que merecem mais consideração são a insuficiência percebida de leite (PIM),8,9 início tardio da lactação,10 oferecimento de alimentação antes do aleitamento (ou seja, alimentos/líquidos que não leite materno durante as primeiras 72 horas após o nascimento),11,12 epidemia de obesidade materna13 e alta prevalência de cesárias no Brasil e no mundo.14
A PIM foi documentada como uma das principais razões relatadas por mulheres para a interrupção prematura da amamentação.8,9,15 Apesar de ter sido inicialmente pensado que a PIM era simplesmente uma desculpa socialmente aceitável fornecida por mulheres que não queriam amamentar seus neonatos e sentiam vergonha de admitir, essa explicação atualmente é considerada muito simples e frequentemente imprecisa. Sem dúvidas, a PIM provavelmente tem origem nas dificuldades sérias, porém evitáveis, na lactação durante o processo de lactação.15 A capacidade de a glândula mamária produzir leite materno evolui durante quatro etapas altamente interligadas: 1) preparação e desenvolvimento posterior da glândula mamária durante a gravidez, 2) nascimento ao início da lactação, ou seja, o início da secreção de quantidades copiosas de leite do seio, que normalmente ocorre 48‐72 horas após o nascimento, 3) estabelecimento da lactação e 4) manutenção da lactação. Os dois últimos têm como base um processo de oferta materna e demanda do neonato motivado pela frequência e intensidade da sucção do neonato.15 Em cada uma dessas etapas, existem fatores de risco modificáveis que podem impedir o sucesso da lactação humana.
Um período de lactação humana altamente sensível ocorre entre o nascimento e o início da lactação. Caso o início da lactação sofra um atraso de mais de 72 horas, com o aumento da ansiedade e do estresse materno, isso pode impedir ainda mais o estabelecimento bem‐sucedido da lactação, pois os níveis excessivos de hormônios de estresse são muito prejudiciais ao processo de lactação. Esse círculo vicioso leva, em última instância, à interrupção prematura da amamentação exclusiva e às curtas durações da amamentação, independentemente das intenções originais de amamentação da mãe.15 Os fatores de risco modificáveis do surgimento tardio da lactação incluem estresse materno durante o parto, cesárias, obesidade materna e atraso para oferecer o peito ao recém‐nascido pela primeira vez.15 Assim que a lactação estiver estabelecida, os fatores que interferem na amamentação por demanda (ou seja, que interferem no desenvolvimento natural do processo de produção do leite materno de acordo com a oferta‐demanda), incluindo pega incorreta, mamilos doloridos e ingurgitamento mamário, se tornam um fator de risco para a redução na produção de leite.15 Felizmente, esses fatores de risco são altamente evitáveis por meio da educação e aconselhamento circunstanciais e adequados sobre a lactação.15
Para superar as ameaças ao sucesso da amamentação, é necessária uma mão de obra qualificada de profissionais e paraprofissionais da saúde (ou seja, profissionais da saúde da comunidade ou colegas orientadores) para oferecer serviços de apoio à amamentação de alta qualidade e oportunos.6 Assim, pediatras e outros prestadores de serviços médicos (incluindo obstetras e enfermeiros) precisam ser adequadamente treinados com relação à fisiologia normal da lactação humana, incluindo as quatro fases da lactação humana, alterações repentinas na fome do neonato e na produção do leite como resultado de surtos de crescimento do neonato, interpretação correta das dicas de fome, pois não se pode presumir que o choro é sempre uma expressão da fome da criança, e necessidade de abordar quaisquer preocupações sobre insuficiência de leite por meio do acompanhamento cuidadoso do crescimento das crianças com o uso dos padrões de referência de crescimento da OMS.15 Os pediatras também devem ser amplamente treinados sobre como educar e dar apoio efetivamente a mulheres lactantes. Esse esforço pode ser beneficiado em grande parte pela inclusão de especialistas em lactação e colegas orientadores de amamentação em suas clínicas.
Considerando a grande relevância do Código da OMS para a proteção dos direitos de as mulheres amamentarem caso optem por fazê‐lo, as faculdades de medicina e profissões da saúde relacionadas devem considerar a inclusão de um currículo sobre conflitos de interesses e como evitar que eles aconteçam, principalmente com relação às interações de profissionais da saúde e instituições de saúde com representantes e produtos de empresas que fabricam fórmulas.6,15
Embora não se saiba muito sobre o custo real de implantação de programas em uma escala que inclua desenvolvimento de mão de obra adequada e outros elementos importantes necessários para o sucesso de programas de amamentação,16 sabemos que investir na melhoria dos resultados de amamentação apresenta um retorno sobre o investimento muito alto, devido aos benefícios para o bem‐estar de crianças, mulheres, ambiente e sociedade como um todo. Especificamente, estima‐se que melhorar as taxas de amamentação exclusiva (AE) pode fomentar o desenvolvimento nacional e poupar milhões de dólares em prevenção de morbidades e óbitos prematuros em todo o mundo.17 É por isso que é totalmente justificável o fato de a proteção, promoção e apoio à amamentação serem fundamentais para atingir com sucesso os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2015‐2030. De fato, Colchero et al.18 estimaram recentemente que os custos da amamentação inadequada no México associada a infecções respiratórias infantis, otite média, gastroenterite, enterocolite necrosante e síndrome da morte súbita infantil variam entre US$ 745,6 milhões e US$ 2,4 bilhões. Os custos de fórmulas infantis representam 11‐38% dos totais. O número anual de casos de doenças atribuídas a práticas inadequadas de amamentação infantil variou de 1,1‐3,8 milhões e o número de óbitos infantis, de 933 a 5.796 por ano; juntos, representam aproximadamente 27% do número total de episódios das doenças examinadas.18 Bartick & Reinhold19 estimaram recentemente que se 90% das famílias americanas seguissem as recomendações de amamentação exclusiva até os seis meses, os Estados Unidos poupariam US$ 13 bilhões por ano e evitariam 911 óbitos, cuja grande maioria é de neonatos. Os autores basearam suas estimativas de custos na prevenção da enterocolite necrosante, otite média, gastroenterite, internação por infecções do trato respiratório inferior, dermatite atópica, síndrome da morte súbita infantil, asma infantil, leucemia infantil, diabetes mellitus tipo 1 e obesidade infantil.19 Bartick et al.20 estimaram recentemente o custo da amamentação abaixo do ideal nos Estados Unidos com relação à saúde materna abaixo do ideal. Sua análise indica que as taxas de amamentação abaixo do ideal resultam em 4.981 casos de câncer de mama, 53.847 casos de hipertensão e 13.946 casos de infarto do miocárdio a mais do que em mulheres com amamentação ideal. A morbidade superior resultante representa US$ 17,4 bilhões em custos para a sociedade como resultado de morte prematura, além de US$ 733,7 milhões em custos diretos e US$ 126,1 em custos indiretos relacionados a doenças.20
Concluindo, o artigo inovador e intrigante de Oliveira et al.1 corrobora fortemente os achados anteriores, indica que o Brasil é um país modelo quando se trata de investir em proteção, promoção e apoio efetivos à amamentação, conforme ilustrado por um aumento espetacular nas taxas de amamentação exclusiva entre neonatos menores de seis meses entre 1975 (3,1%) e 2008 (41%).3 É realmente impressionante o fato de isso ter acontecido em uma época em que não havia chance de esse resultado acontecer devido ao aceleramento da urbanização e, principalmente, à representação maior das mulheres no mercado de trabalho.5 Os achados de Oliveira et al. também mostram que há espaço substancial para melhoria no Brasil com relação à exclusividade da amamentação e à duração de qualquer tipo de amamentação. O Brasil deve prestar muita atenção às desigualdades de amamentação desenvolvidas ao longo do tempo e também ao fortalecimento do papel dos profissionais da saúde para garantir que o caminho para o sucesso seja seguido por todos. Os profissionais da saúde, incluindo pediatras, obstetras e enfermeiros, têm um papel fundamental na proteção, promoção e apoio às práticas de amamentação ideal no Brasil. É essencial que a nova geração de prestadores de serviços médicos atue em um ambiente de apoio sem conflitos de interesses, principalmente com relação às suas interações com a indústria de fórmulas infantis e alimentos para bebês dentro e fora do ambiente clínico. Os prestadores de serviços médicos defendem intensamente o fortalecimento da Iniciativa Hospital Amigo da Criança,7 com atenção especial à integração e coordenação melhores das atividades de proteção, promoção e apoio com base na unidade e na comunidade.7 O seguimento dessas recomendações dependerá, em grande parte, da qualidade do treinamento sobre amamentação e lactação humana antes e durante o atendimento recebido pelos atuais e futuros prestadores de serviços de saúde do Brasil. O uso de tecnologia de comunicações móveis, incluindo mensagem de texto bidirecional e redes sociais, para melhorar o alcance e os cronogramas de apoio à amamentação, também deve ser considerado parte de um programa nacional destinado a atender às necessidades das mulheres e aproveitar as oportunidades tecnológicas do Século XXI.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.