The aim of this study was to examine the association between individual and school context characteristics with the body mass index of Portuguese children.
MethodsThe sample comprised 1641 children (847 boys) aged 6–10 years from the North and Central regions of Portugal. Regarding the individual characteristics, age, gender, city of residence, levels of physical activity, and physical fitness were assessed. Concerning the school context characteristics, the surrounding environment, school size, presence of recreational characteristics and space, and presence of a sports court and of physical education classes were considered. Children's body mass index was the dependent variable. The multilevel analysis was carried out in HLM 7.0 software.
ResultsThe predictors of the child and the school context explained, respectively, 97.3% and 2.7% of the total body mass index variance. Regarding the individual characteristics, older children, boys, and those who had lower performance at the 1‐mile run/walk, curl‐up, push‐up, and higher performance in trunk lift tests showed higher BMI. Further, urban schools with higher recreational spaces were positively associated with children's body mass index.
ConclusionSchool context variables have a reduced effect on body mass index variation compared to the children's biological and behavioral characteristics. The authors therefore encourage strategies that aim to increasing children's physical fitness levels to help prevent excess weight.
Examinar a associação de características individuais e do contexto escolar no índice de massa corporal de crianças portuguesas.
MétodoA amostra compreendeu 1.641 crianças (847 meninos) de 6 a 10 anos. Em relação às características individuais foram utilizadas informações relativas ao sexo, à idade, à residência, à atividade física e à aptidão física. Em termos de contexto escolar, foram considerados o meio ambiente, o tamanho da escola, a presença de recreio, as características e as dimensões do espaço disponível para o recreio, a existência de quadra poliesportiva e de aulas de educação física. O índice de massa corporal [kg/(m2)] foi a variável dependente. A análise multinível foi efetuada no software HLM 7.0.
ResultadosOs preditores da criança e do contexto escolar explicaram, respectivamente, 97,3% e 2,7% da variância total do índice de massa corporal. Quanto às características individuais, a idade (mais velhos) e o sexo (meninos), bem como o desempenho reduzido nas provas de corrida/marcha da milha, do curl‐up, do push‐up e valores elevados no trunk lift, estiveram associados ao aumento no índice de massa corporal. Escolas do meio urbano e escolas com maiores espaços para o recreio também estiveram positivamente associadas ao aumento do índice de massa corporal.
ConclusõesAs variáveis do contexto escolar têm um efeito reduzido na variação do índice de massa corporal comparativamente às características biológicas e comportamentais das crianças. Sugere‐se a aplicação de programas que visem ao incremento dos níveis de aptidão física das crianças para prevenir o excesso de peso na infância.
A elevada prevalência de sobrepeso e obesidade na infância é um problema sério de saúde pública.1 Ademais, é sabido que a obesidade infantil aumenta o risco de desenvolvimento de outras comorbidades que se estendem à adolescência e à vida adulta.2
Pesquisas sobre agentes que podem influenciar o excesso de peso na infância têm direcionado a sua atenção, também, para fatores de risco modificáveis como a atividade física (AF) e a aptidão física (AptF).3 Estudos têm reportado que crianças mais ativas tendem a apresentar menores valores no índice de massa corporal (IMC) e/ou estados nutricionais mais adequados.4,5 No entanto, existem outros que não corroboram tais resultados.6,7 A AptF, especialmente a sua componente cardiorrespiratória, tem sido descrita como inversamente associada ao IMC de crianças.8 Por outro lado, pesquisa sobre relações de outras componentes da AptF como a aptidão musculoesquelética e a flexibilidade com o IMC é escassa.9
A influência do contexto escolar na educação para a saúde, sobretudo na infância, é significante numa perspectiva de curso de vida.10,11 A escola é um dos contextos educacionais mais relevantes no desenvolvimento da criança, notadamente no que se refere a oportunidades de engajamento em AFs diversificadas,5,12 plenas de sentido lúdico, para além das ações preventivas quanto a comportamentos de saúde12 e sua ligação a características individuais, como, por exemplo, o IMC, não obstante o seu efeito ser aparentemente limitado.13,14
Nos últimos anos a investigação epidemiológica tem recorrido a abordagens ecológicas para interpretar, de modo mais integrado, a relevância de fatores individuais e contextuais sobre comportamentos de saúde,15 a modelagem multinível é uma valiosa ferramenta para examinar simultaneamente a influência hierárquica de variáveis provenientes de diferentes níveis.16 No entanto, pesquisas com modelagem multinível têm mostrado um efeito reduzido das características da escola na variação do IMC ou no estado nutricional de crianças.13,14 Por exemplo, Leatherdale13 mostrou, em crianças canadenses, que participar de competições esportivas entre escolas explicava 5,4% da variação na chance de ter excesso de peso. Ao examinar o IMC de crianças inglesas, Pallan et al.14 encontraram também uma reduzida quantidade de variância atribuída às escolas (0,9% a 4,2%), foram significantes, dentre os preditores analisados, o número de atividades esportivas oferecidas e a participação em competições interescolares. Em suma, tais evidências têm se debruçado sobre o efeito de programas oferecidos nas escolas, de modo que outros aspectos do contexto escolar, como o meio envolvente, a dimensão e as infraestruturas, não têm sido sistematicamente considerados na pesquisa com crianças.
Nesse enquadramento, o presente estudo examina a associação de características individuais e do contexto escolar na variação do IMC de crianças portuguesas, por meio da abordagem multinível.
MétodosAmostraA amostra foi constituída por 1.641 crianças (847 meninos) entre seis e 10 anos, provenientes de 63 escolas públicas e privadas das regiões Norte (Maia, n = 20) e Centro (Vouzela, n = 18; Albergaria‐a‐Velha, n = 25) de Portugal. A seleção do número de escolas e de crianças baseou‐se nas sugestões do estudo de simulação de Maas & Hox.17 A escolha das regiões foi por conveniência, mas as escolas foram selecionadas de modo aleatório. Todas as crianças dos quatro primeiros anos do ciclo básico de cada escola (equivalente ao ensino fundamental I, no Brasil) foram convidadas a participar da pesquisa e a taxa de adesão foi de aproximadamente 60%. Os procedimentos da pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, bem como pela direção das escolas. Todas as crianças apresentaram termo de consentimento livre e informado assinado pelos pais/responsáveis legais.
Variáveis da criançaAntropometriaA estatura foi medida com um estadiômetro portátil com precisão de 0,1cm (Seritex®, Holtain, NJ, EUA) e a massa corporal com uma balança portátil (Seca, Optima 760, CA, EUA) com precisão de 0,1kg. Para a medição, os participantes deveriam estar descalços e com roupas leves. Todos os procedimentos foram feitos de acordo a padronização descrita por Lohman et al.18 O IMC foi calculado de modo habitual [massa(kg)/estatura(m2)] e as crianças foram classificadas como eutróficas, com sobrepeso ou obesas, com base na sugestão de Cole et al.19
Atividade físicaA AF foi estimada por meio do questionário de Godin & Shephard,20 administrado por pesquisadores treinados em forma de entrevista direta a conjuntos de 4‐5 crianças que responderam individualmente às questões. O questionário requeria que a criança reportasse o número de vezes, por semana, em que se envolveu por pelo menos 15 minutos em atividades leves (3 METs), moderadas (5 METs) ou intensas (9 METs). Um escore total da AF semanal (AFt), em unidade arbitrária,20 foi derivado da multiplicação da frequência reportada para cada categoria de intensidade de AF pelo respectivo valor em METs, seguiu‐se à soma dos produtos obtidos: AFt = (3 × número de vezes em AFs leves) + (5 × número de vezes em AFs moderadas) + (9 × número de vezes em AFs intensas).20 Existe informação acerca da validade do questionário,21 bem como da sua confiabilidade com crianças portuguesas.5,22
Aptidão físicaA AptF relacionada à saúde foi avaliada com a bateria Fitnessgram:23
- 1)
Corrida/caminhada de 1,6 km (aptidão cardiorrespiratória): correr ou caminhar no menor tempo possível (resultado em minutos);
- 2)
Curl‐up (força e resistência abdominal): fazer a maior quantidade de flexões abdominais (resultado em número de repetições);
- 3)
Push‐up (força e resistência dos membros superiores): fazer a maior quantidade de flexões/extensões de braços (aproximação e afastamento do solo) (resultado em número de repetições);
- 4)
Trunk lift (força e flexibilidade dos extensores do tronco): partir de uma posição em decúbito ventral, fazer a extensão máxima do tronco em relação ao solo (resultado em centímetros).
As informações do contexto escolar foram obtidas com os diretores de cada escola a partir de um questionário desenvolvido por consenso de peritos (pesquisadores e professores de educação física) e referem‐se aos seguintes domínios: (1) meio ambiente (rural, urbano e semiurbano), com base na centralidade das escolas relativamente ao espaço urbano envolvente (cidade ou vila), ruralidade (campo) ou num espaço intermédio tal como indicado pela estrutura sociogeográfica de cada região definida pelas autarquias; (2) tamanho da escola (número de alunos); (3) presença de tempo para o recreio; (4) espaço disponível para o recreio (10 m2‐29 m2, 30 m2‐49 m2 e > 50 m2); (5) características do espaço disponível para o recreio (com ou sem obstáculos, i.e., presença de árvores, pilares, canteiros, outros); (6) existência de quadra poliesportiva; (7) existência de aulas de educação física.
Controle de qualidade da informaçãoO controle de qualidade da informação foi efetuado em três etapas: (1) treinamento da equipe de avaliação para aplicação das medidas e testes pelo pesquisador principal; (2) retestes de amostras aleatórias de crianças no estudo piloto e durante a pesquisa; (3) cálculo do erro técnico de medida (ETM), para as medidas antropométricas, e estimativas de confiabilidade, com o coeficiente de correlação intraclasse (R) para AFt e para os testes de AptF. O ETM foi de 0,2cm para a estatura e 0,1kg para a massa corporal. Os coeficientes de correlação intraclasse foram os seguintes: AFt, 0,80 ≤ R ≤ 0,91; corrida/caminhada de 1,6 km, 0,84 ≤ R ≤ 0,92; curl‐up, 0,92 ≤ R ≤ 0,99; push‐up, 0,86 ≤ R ≤ 0,92; trunk lift, 0,88 ≤ R ≤ 0,95.
Análise de dadosA análise descritiva (média, desvio padrão, percentagens), bem como a análise das diferenças entre os sexos (t de Student e qui‐quadrado), foi feita com o pacote Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics para Windows, versão 21.0. Armonk, NY, EUA). A análise multinível foi efetuada no software HLM (Scientific Software International, versão 7.0, IL, EUA) e a estimação simultânea de parâmetros dos vários modelos foi feita com base no método de máxima verossimilhança. Considerando o IMC como variável dependente, os preditores idade, AF, AptF e tamanho da escola (número de alunos) foram centrados nas respectivas médias. Em seguida as variáveis foram separadas em dois níveis: o primeiro com variáveis das crianças; o segundo com variáveis do contexto escolar. Foram construídos três modelos em ordem crescente de complexidade e a Deviance foi usada como medida de ajustamento global. O primeiro modelo (M0) foi construído para calcular o coeficiente de correlação intraclasse (ρ) e estimar o quanto da variância total no IMC está associada aos contextos escolares. No modelo 1 (M1) foram inseridos os preditores das crianças, bem como a cidade da sua residência (transformada em dummy; Albergaria‐a‐Velha é a referência). No último modelo (M2) foram adicionados os preditores das escolas (a variável meio ambiente foi transformada em dummy, considerando o meio “rural” como referência). Uma vez que a inclusão de algumas variáveis da escola nas análises não melhorava a qualidade do modelo, optou‐se pela não inserção delas no modelo final.
ResultadosEm média, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas na idade e variáveis antropométricas de meninos e meninas (tabela 1). Contudo, os meninos apresentaram, em média, maiores níveis de AF e melhor desempenho nos testes de AptF, exceto no trunk lift, em que as meninas tiveram melhor desempenho (p < 0,05). A proporção de crianças classificadas como eutróficas foi maior entre os meninos, porém não foram encontradas diferenças significativas para as classificações de sobrepeso e obesidade (p > 0,05).
Dados descritivos (média ± DP e distribuição de frequências) das variáveis ao nível das crianças
Variáveis | Meninas (n = 794) | Meninos (n = 847) | t | p |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 8,39 ± 1,21 | 8,43 ± 1,25 | −0,56 | 0,58 |
Estatura (cm) | 130,23 ± 9,23 | 130,91 ± 9,17 | −1,49 | 0,14 |
Massa corporal (kg) | 31,32 ± 8,20 | 31,43 ± 8,03 | −0,27 | 0,79 |
IMC (kg·m‐2) | 18,23 ± 3,07 | 18,12 ± 3,05 | 0,73 | 0,47 |
Atividade física total (METs sem−1) | 68,87 ± 42,58 | 85,78 ± 74,28 | −5,68 | < 0,01 |
Corrida/caminhada da Milha (min) | 12,10 ± 2,19 | 10,84 ± 2,14 | 11,80 | < 0,01 |
Curl‐up (rep) | 15,41 ± 17,18 | 17,02 ± 18,78 | −1,89 | 0,06 |
Push‐up (rep) | 4,44 ± 6,07 | 7,75 ± 7,81 | −9,67 | < 0,01 |
Trunk lift (cm) | 31,23 ± 6,83 | 29,85 ± 6,55 | 4,13 | < 0,01 |
Frequências (%) | χ2 | p | ||
---|---|---|---|---|
Eutróficos | 60,08 | 66,59 | 7,27 | <0,01 |
Sobrepeso | 26,83 | 20,90 | 3,32 | 0,07 |
Obesidade | 13,09 | 12,51 | 0,02 | 0,89 |
As informações sobre o nível da escola são apresentadas na tabela 2. As escolas tiveram entre sete e 506 alunos, e a cidade da Maia foi a que apresentou escolas com maior número de alunos. A maioria encontra‐se no meio rural (60,0%), oferece aulas de educação física (61,9%) e quadras poliesportivas (58,7%). Todas apresentam tempo para o recreio; cerca de 60% dispõem de amplos espaços para o recreio e ∼49% das escolas apresentam obstáculos.
Dados descritivos das variáveis em nível das escolas
Variáveis em nível das escolas | ||
---|---|---|
Quantidade de alunos | Média ± DP | Mín‐Máx |
Albergaria‐a‐Velha | 48,8 ± 35,9 | 11‐162 |
Vouzela | 44,8 ± 76,3 | 7‐256 |
Maia | 173,4 ± 126,8 | 58‐506 |
Informação | Categoria | % |
---|---|---|
Meio ambiente | Rural | 65,0 |
Misto | 17,5 | |
Urbano | 17,5 | |
Presença de recreio | Não | 0,0 |
Sim | 100,0 | |
Espaço disponível para o recreio | 10 m2 a 29 m2 | 7,9 |
30 m2 a 49 m2 | 31,8 | |
Maior do que 50 m2 | 60,3 | |
Características do espaço do recreio | Com obstáculo | 49,2 |
Sem obstáculo | 50,8 | |
Existência de quadra poliesportiva | Não | 41,3 |
Sim | 58,7 | |
Existência de aulas de educação física | Não | 38,1 |
Sim | 61,9 |
Os resultados da análise multinível estão na tabela 3. Com base no M0 foi calculado o valor de ρ = 0,258/(0,258 + 9,209) = 0,027; i.e., 2,7% da variância total no IMC das crianças são explicados pelas diferenças dos contextos escolares, enquanto que os 97,3% restantes são explicados pelos preditores individuais. O intercepto neste modelo refere‐se à média do IMC de todas as crianças (18,21kg/m2).
Estimativas dos parâmetros dos três modelos
Modelo 0 | Modelo 1 | Modelo 2 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Efeitos fixos | β (EP) | p | β (EP) | p | β (EP) | p |
Preditores das crianças | ||||||
Intercepto | 18,210 (0,096) | <0,001 | 17,662 (0,113) | < 0,001 | 17,181 (0,359) | < 0,001 |
Vouzela | ‐0,033 (0,237) | 0,891 | ‐0,532 (0,441) | 0,228 | ||
Maia | 0,222 (0,511) | 0,663 | ‐0,270 (0,703) | 0,701 | ||
Idade | 0,717 (0,068) | < 0,001 | 0,716 (0,068) | < 0,001 | ||
Sexo | 0,723 (0,129) | < 0,001 | 0,713 (0,129) | < 0,001 | ||
Atividade física total | 0,002 (0,001) | 0,079 | 0,002 (0,001) | 0,062 | ||
Corrida/caminhada de 1,6 km | 0,005 (0,001) | < 0,001 | 0,005 (0,001) | <0,001 | ||
Push‐up | ‐0,104 (0,012) | 0,003 | ‐0,104 (0,012) | < 0,001 | ||
Curl‐up | ‐0,015 (0,005) | < 0,001 | ‐0,015 (0,005) | 0,004 | ||
Trunk lift | 0,075 (0,010) | < 0,001 | 0,074 (0,010) | < 0,001 | ||
Preditores das escolas | ||||||
Misto | ‐0,427 (0, 410) | 0,304 | ||||
Urbano | 0,729 (0,310) | 0,023 | ||||
Número de alunos | 0,001 (0,001) | 0,580 | ||||
Espaço disponível para o recreio | 0,440 (0,212) | 0,043 | ||||
Aulas de educação física | 0,046 (0,341) | 0,894 | ||||
Efeitos aleatórios | ||||||
Variância entre crianças | 9,209 (0,266) | 7,007 (0,248) | 7,020 (0,249) | |||
Variância entre escolas | 0,258 (0,095) | 0,553 (0,166) | 0,369 (0,126) | |||
Deviance | 12433,547 | 7914,858 | 7905,192 | |||
Número de parâmetros | 3 | 12 | 17 |
EP, erro padrão.
Dos resultados do M1, o IMC médio das meninas é de 17,66kg/m2 quando todos os preditores estão centrados (i.e., uma criança de 8,4 anos, com 77,6 pontos de AF, executa 16 e seis repetições no curl‐up e push‐up, respectivamente, com 30,5cm no trunk lift, e completa a prova de corrida/marcha de 1,6 km em 11,4min). Os meninos têm maior IMC do que as meninas (β = 0,723, p < 0,001) e o seu nível aumenta com a idade (β = 0,717, p < 0,001). Crianças com melhor desempenho nas provas de curl‐up (β = ‐0,015, p < 0,001) e push‐up (β = ‐0,104, p < 0,001) apresentam menor IMC; porém, quanto menor for a aptidão cardiorrespiratória na prova da milha (β = 0,005, p < 0,001) e maior a flexibilidade no trunk lift (β = 0,075, p < 0,001), maior é o IMC. Não foram observadas associações significativas da cidade das crianças ou dos níveis de AF com o IMC. Tal como esperado, o M1 ajusta‐se melhor do que o M0 (redução na Deviance: χ2 = 4518,69; p < 0,001). Além disso, as variáveis inseridas no M1 explicam 70.2%, dos 97,3% da variância do IMC atribuída aos preditores individuais.
Com a inclusão dos preditores da escola, o IMC de uma menina é agora de 17,18kg/m2, mas que, para além da informação individual referida no modelo anterior, estuda numa escola de área rural, com uma média de ∼87 alunos, tem espaço disponível para recreio entre 10‐29 m2 e oferece aulas de educação física. Dos preditores do contexto escolar, apenas o meio no qual a escola está localizada e o espaço disponível para recreio apresentaram‐se estatisticamente significativos, i.e., as crianças da área urbana (β = 0,729, p = 0,023) e as que têm maior o espaço de recreio (β = 0,440, p = 0,043) tendem a ter maior IMC. Esse modelo ajusta‐se melhor que o anterior (redução na Deviance: χ2 = 7905,19; p = 0,046).
DiscussãoTal como esperado, e verificado em cartas centílicas,24 as crianças mais velhas têm, em média, maior IMC por serem mais altas e mais pesadas. Embora meninos e meninas não tenham diferido, em termos médios, no IMC e na prevalência de sobrepeso e obesidade, a proporção de meninos classificados como eutróficos foi superior. Contudo, outros estudos têm apresentado maior IMC para os meninos.25,26 Estudos feitos com crianças portuguesas também apresentaram maior IMC nos meninos comparativamente com as meninas,5,25 porém, em ambos os sexos, a prevalência de sobrepeso e obesidade não se altera desde 2000.5
Ao examinar a associação sequencial de características das crianças e do contexto escolar no IMC a partir da modelagem multinível, o presente estudo identificou uma associação significativa entre diferentes componentes da AptF e IMC nas crianças; contudo, a direção nem sempre foi a mesma. Resultados similares têm sido reportados na literatura no que concerne à associação entre AptF e IMC, sobretudo para a aptidão cardiorrespiratória,8 com evidências para uma associação inversa. Isto é, crianças com menores níveis de aptidão cardiorrespiratória tendem a ter maior IMC (que pode estar associado com excesso de peso), comparativamente aos seus pares com melhor aptidão cardiorrespiratória. Contudo, a relação entre IMC e AptF parece ser bidirecional, sugere‐se, também, que o IMC pode ser um preditor relevante da AptF das crianças. Ademais, um elevado IMC pode afetar a eficiência do movimento, especialmente em tarefas que exigem transposição do corpo no espaço e/ou a elevação ou propulsão da massa corporal,27 e com isso refletir nos níveis de AptF.
Para o teste de trunk lift, porém, parece não existir, na literatura, uma clara associação com o IMC, uma vez que os dados disponíveis entre o desempenho no teste e o IMC não revelaram efeitos significativos.9 No entanto, tais resultados diferem dos encontrados no presente estudo; i.e., crianças com maior IMC tendem a apresentar melhor desempenho no trunk lift. Não temos justificativas para esse resultado, de modo que a influência do desempenho no trunk lift sobre o IMC precisa ser investigada em futuras pesquisas, sobretudo de perfil longitudinal.
Estudos sobre a associação entre níveis de AF e IMC têm reportado resultados divergentes. De um lado, sugere‐se a existência de uma associação inversa, i.e., crianças com menores níveis de AF tendem a apresentar um maior IMC ou maior chance para ter sobrepeso/obesidade;4,22 por outro, há investigações que negam a existência de tal associação.6,7 Os resultados do presente estudo não revelaram uma associação significativa entre IMC e AF nas crianças pesquisadas. É provável que nessa fase da infância o IMC não seja significativamente influenciado pelos níveis de AF das crianças, uma vez que a maior parte do seu tempo é usada em atividades leves ou moderadas que podem ter reduzido impacto no IMC.28 Não obstante, as crianças são naturalmente ativas e envolvem‐se frequentemente em atividades lúdicas (estruturadas ou não), sempre que incentivadas e criadas oportunidades para tal, independentemente dos valores do seu IMC.
O ambiente escolar tem sido sugerido como um dos contextos mais propícios para prevenir o excesso de peso em jovens, dado o tempo que crianças passam na escola durante as duas primeiras décadas de vida.11 Não obstante, a literatura tem mostrado um efeito reduzido das características da escola na variação no IMC das crianças.5,13,14 Os resultados da nossa pesquisa corroboram estudos anteriores que atribuem um pequeno, porém significativo, efeito da variabilidade do contexto escolar no IMC. É bem provável que no caso do nosso estudo tal fato se deva à aleatoriedade da amostragem em cada escola, bem como à eventual semelhança no que se refere à infraestrutura. Das variáveis do contexto escolar analisadas verificou‐se que nas escolas urbanas as crianças têm IMC ligeiramente maior do que nas escolas rurais. Similarmente, quanto maior o espaço disponível para o recreio, maior o IMC das crianças. Apesar de não se terem informações acerca dos hábitos alimentares das crianças estudadas, é possível que as diferenças no IMC estejam relacionadas com o fato das crianças do meio rural estarem mais expostas a ofertas alimentares saudáveis.29 No que diz respeito ao espaço disponível para o recreio, é provável que ter maior espaço não signifique, necessariamente, maior propensão para a prática de AF, funciona como agente protetor do excesso de peso na infância.13 Possivelmente, espaços mais “atrativos”, com equipamentos e/ou “obstáculos” (naturais ou construídos), que estimulem o aumento dos níveis de AptF e AF, sejam mais eficazes no combate ao excesso de peso do que propriamente a disponibilidade de espaços mais amplos.12 Mais, é possível que as escolas com mais espaços para o recreio sejam aquelas localizadas nas zunas urbanas, onde as crianças estão mais expostas a um ambiente obesogênico com efeitos negativos sobre o IMC. É provável que o resultado encontrado seja decorrente de uma interação entre o meio ambiente no qual a escola está inserida e as suas infraestruturas.
O presente estudo tem algumas limitações: a) o delineamento transversal, que impede a atribuição de causalidade na associação entre variáveis; b) a amostra, que é proveniente de escolas da região central e do norte de Portugal, o que limita a generalização dos resultados; não obstante, é de se destacar que a prevalência de excesso de peso, assim como os níveis de AF e o desempenho nos testes de AptF, não difere de outros estudos com crianças portuguesas da mesma faixa etária;22,30 c) o uso de questionário para avaliar a AF, sobretudo em razão da dificuldade das crianças de recordar e quantificar as suas atividades quotidianas/semanais; contudo, o questionário usado tem mostrado confiabilidade moderada a elevada em crianças portuguesas;22,30 d) não obstante a importância de hábitos não saudáveis de consumo de alimentos nutricionalmente densos nos valores do IMC de crianças e jovens, não foi possível obter qualquer informação sobre o consumo alimentar. No entanto, é importante salientar que a sua aquisição é uma tarefa complexa para além de se tornar difícil quando se lida com uma amostra de 1.641 crianças. O estudo tem, também, pontos fortes: (a) o tamanho amostral e a quantidade de escolas avaliadas; (b) o uso de métodos padronizados e confiáveis; (c) o recurso à modelação multinível para avaliar o efeito conjunto de características aos níveis do indivíduo e do contexto escolar sobre o IMC das crianças.
O contexto escolar tem um papel reduzido na explicação da variabilidade do IMC das crianças em comparação com as suas características individuais. Mais especificamente, crianças mais velhas e/ou com menores níveis de AptF, meninos e as que estudam em escolas localizadas no meio urbano e com maiores espaços para o recreio têm maior IMC. Dada sua relevância, essas informações devem ser cuidadosamente consideradas pelos encarregados de educação, gestores escolares, professores e profissionais de saúde quando planejarem e desenvolverem estratégias mais eficientes que possibilitem o controle do IMC na infância.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Henrique RS, Gomes TN, Tani G, Maia JA. Association between body mass index and individual characteristics and the school context: a multilevel study with Portuguese children. J Pediatr (Rio J). 2018;94:313–9.