To compare the participation of food groups – fresh and minimally processed, processed, and ultra‐processed – in the diet of students (n=1357) from Belo Horizonte, MG, Brazil, in accordance with the number of school meals consumed daily.
MethodsFour groups were defined: children that did not consume school meals and children that consumed one, two, or three school meals daily. Food groups participation, in g/1000kcal, was obtained using two 24‐hour recalls. Three linear regression models were analyzed, in which the consumption of each of the food groups was the dependent variable, the number of school meals was the independent variable, and sociodemographic data (gender, age, health vulnerability) and overweight condition were the control variables.
ResultsChildren that consumed 2 or 3 school meals daily showed, respectively, 7.3% and 10.5% higher ingestion of fresh and minimally processed food in comparison to children that did not consume school meals. Moreover, ultra‐processed food participation was 18.0% lower among students that consumed two school meals and 26.0% lower among children that consumed three meals daily, in comparison to students that did not consume school meals.
ConclusionThe study showed a possible dose‐response effect in children's daily diets with two or three school meals and highlighted the relevance of the prolonged stay at school for healthy eating promotion in children.
Comparar a participação dos alimentos in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados na alimentação de 1.357 escolares de Belo Horizonte (MG) de acordo com o número de refeições escolares consumidas diariamente.
MétodosForam definidos quatro grupos de estudo: crianças que não consumiam a alimentação escolar e crianças que consumiam uma, duas ou três refeições escolares diariamente. A participação na dieta dos grupos de alimentos, em g/1.000kcal, foi obtida a partir de dois recordatórios alimentares de 24 horas. Foram analisados três modelos de regressão linear, nos quais o consumo de cada um dos três grupos de alimentos constituiu a variável dependente, o número de refeições escolares consumidas diariamente constituiu a variável independente e os dados sociodemográficos (sexo, idade, índice de vulnerabilidade à saúde) e de excesso de peso constituíram‐se as variáveis de ajuste.
ResultadosVerificou‐se que as crianças que consumiam duas e três refeições escolares diariamente apresentaram, respectivamente, 7,3% e 10,5% maior ingestão de alimentos in natura e minimamente processados quando comparadas com as crianças que não consumiam a alimentação escolar. Além disso, a participação de ultraprocessados foi 18,0% menor na alimentação das crianças que consumiam duas refeições escolares e 26,0% menor entre as que consumiam três refeições escolares diariamente, em comparação com aquelas que não consumiam a alimentação escolar.
ConclusãoO estudo apontou possível efeito dose‐resposta na proteção da alimentação dos estudantes a partir do consumo de duas refeições escolares diárias, destacando a relevância da permanência da criança em período integral na escola para a promoção da alimentação saudável.
A obesidade é um grave problema de saúde pública no Brasil e apresenta taxas alarmantes entre crianças e adolescentes.1,2 Em menos de 30 anos, as prevalências de obesidade mais do que sextuplicaram entre crianças de cinco a 10 anos e atingem, atualmente, 16,8% e 11,8% dos escolares do sexo masculino e feminino, respectivamente.3 Dentre os adolescentes de 12 a 17 anos, a ocorrência de obesidade é de 8,4%.4
A obesidade é um importante fator de risco para doenças cardiovasculares, principal causa de mortalidade no país, e está associada a menor qualidade e expectativa de vida, além de maiores gastos do setor de saúde.5 Intervir sobre esse problema é um dos desafios atuais do Ministério da Saúde brasileiro, que em 2014 lançou a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade6 e assinou o Plano de Ação para a Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes (2015‐2019).7 A publicação do Guia alimentar para a população brasileira nesse mesmo ano também é resultado de um esforço para incentivar a alimentação saudável e controlar a obesidade no país.8
A regra de ouro proposta pelo guia alimentar brasileiro recomenda dar prioridade ao consumo dos alimentos in natura ou minimamente processados em detrimento dos produtos ultraprocessados.8 No entanto, em um país que em 20 anos vivenciou um incremento no consumo de ultraprocessados de 18,7% para 29,6%, ao passo que a ingestão de alimentos in natura e minimamente processados se reduziu de 44,0% para 38,9%,9 cumprir essa regra é um grande desafio.
No ambiente escolar, como forma de promoção de saúde e prevenção da obesidade infantil, prioriza‐se a maior oferta de alimentos in natura e minimamente processados.1,10 O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)1,11 e o Programa Escola Integrada (PEI)12 de Belo Horizonte (MG) são exemplos de estratégias de prevenção de obesidade infantil no país e em Belo Horizonte, respectivamente. Nesse segundo programa, crianças e adolescentes de seis a 15 anos podem permanecer na escola por mais um turno escolar, passam a ter acesso a três refeições escolares diárias e a atividades extracurriculares diversas sobre esportes, lazer, meio ambiente, cidadania, artes e alimentação.12
Ainda não se sabe acerca da participação de alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados na alimentação de crianças que fazem um maior número de refeições escolares, em função da extensão da permanência na escola. Assim, este estudo teve como objetivo comparar a participação dos alimentos in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados na alimentação de escolares de Belo Horizonte que não consomem a alimentação escolar ou que consomem uma, duas ou três refeições escolares diariamente.
MetodologiaTrata‐se de um estudo transversal feito com escolares do 4° ano da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, entre março de 2013 e agosto de 2015. Nessa cidade, todas as escolas municipais são participantes do PEI12 e a adesão das crianças ao programa é definida pela própria família.
O cálculo amostral definiu a participação de pelo menos 1.067 crianças considerando 50% de estimativa de proporção para determinada característica (valor que fornece o maior tamanho amostral para população finita), fixaram‐se o nível de significância em 5% e o erro amostral em 3%.
A partir desse número, escolas municipais das nove regionais administrativas de Belo Horizonte foram aleatoriamente selecionadas para integrar o estudo. O número de escolas participantes foi definido de acordo com o número de crianças matriculadas em cada regional administrativa do município no início de 2013. Nas escolas sorteadas, todas as turmas de 4° ano foram integradas ao estudo e todas as crianças foram convidadas a participar, exceto as que apresentavam comprometimento mental que inviabilizasse o relato da criança, referido pela coordenação pedagógica das escolas.
A partir desses critérios, 1.599 crianças de 26 escolas foram convidadas a participar do estudo. Dessas, 185 (11,6%) não estavam presentes no dia da coleta de dados e 53 (3,3%) apresentaram dificuldade de referir o consumo alimentar e foram consideradas perda de dados e quatro (0,3%) se recusaram a participar do estudo. Assim, a amostra final contemplou 1.357 crianças.
O número de refeições escolares consumidas diariamente pelos estudantes foi avaliado por meio de entrevista face a face conduzida por nutricionistas e graduandos em nutrição devidamente treinados e integrantes da equipe da pesquisa. As crianças foram perguntadas se consumiam pelo menos três vezes por semana a alimentação escolar. Em caso positivo, elas eram perguntadas quanto ao tipo de refeição (café da manhã, almoço e lanche) consumido diariamente na escola. A partir disso, a amostra foi classificada em quatro categorias: não consome a alimentação escolar, consome uma, duas ou três refeições escolares diariamente. Cabe ressaltar que na amostra do estudo 46,3% das crianças estão vinculadas ao PEI e, por isso, podem fazer as três refeições escolares que são servidas diariamente. Aquelas que estudam somente em um turno podem fazer a refeição servida no intervalo da aula e o almoço.
Já a participação dos grupos de alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados na dieta das crianças foi obtida a partir da análise de dois dias não consecutivos de recordatório alimentar de 24 horas (R24), que contemplaram todos os alimentos consumidos pelas crianças em 24 horas, inclusive aqueles consumidos na escola. Destaca‐se que nas coletas de dados feitas às segundas‐feiras ou após feriados foram coletados dias de alimentação referentes ao fim de semana e aos feriados, respectivamente. Medidas caseiras reais comumente usadas na alimentação (exemplos: copos, colheres) foram apresentadas às crianças para favorecer o relato mais preciso das quantidades de alimentos consumidas. O intervalo máximo entre os dois R24 foi de sete dias.
As informações de consumo alimentar referidas em medidas caseiras foram transformadas em medidas de peso e as preparações de alimentos foram desmembradas em seus ingredientes básicos, segundo metodologia desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).13 Em seguida, foi avaliada a participação dos três grupos de alimentos (in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados) em gramas/1.000kcal.
Foram considerados alimentos in natura e minimamente processados aqueles consumidos em sua forma original, sem sofrer alterações para o consumo (como as hortaliças e frutas); já os minimamente processados contemplaram os alimentos in natura que sofreram pequenas alterações de processos industriais (como farinhas, leite pasteurizado e cortes de carne resfriados). Os processados incluíram os alimentos in natura que sofreram adição de óleo/gordura, sal ou açúcar, como as frutas em calda, legumes em conserva e sardinha em conserva. O grupo dos ultraprocessados considerou os alimentos submetidos a várias etapas de processamento industrial e adição de vários ingredientes, como conservantes e estabilizantes, além daqueles também usados em alimentos processados. Fizeram parte desse grupo biscoitos recheados, sucos artificiais, salgadinhos, refrigerantes, entre outros.8,14
As informações “número diário de refeições escolares” e “participação dos grupos de alimentos na dieta das crianças” foram inseridas em três modelos de regressão linear. Em cada um deles, o consumo de um grupo de alimento constituiu a variável dependente e o número de refeições escolares constituiu a variável independente (a categoria “não consumo da alimentação escolar” foi como referência na comparação com as categorias de consumo de uma, duas e três refeições diárias). Adicionalmente, foi feita transformação logarítmica da variável dependente (i.e., consumo dos grupos alimentares) em todos os modelos, por não se aderir à distribuição normal, segundo o teste Shapiro‐Wilk. Como a variável dependente estava em unidades logarítmicas nos modelos, os coeficientes betas não padronizados (β) foram interpretados em percentuais, efetuou‐se o seguinte cálculo para os coeficientes positivos e negativos: exponencial (β) – 1 x 100 e 1 – exponencial (β) x 100, respectivamente.
Informações sociodemográficas e do estado nutricional dos estudantes também foram obtidas com o objetivo de ajustar os modelos de regressão por possíveis confundidores. Os dados sexo, idade e endereço foram consultados no registro escolar dos alunos. A partir do endereço das crianças foi estimado o risco de vulnerabilidade à saúde (em médio, baixo, elevado e muito elevado), usou‐se o Índice de Vulnerabilidade à Saúde 2012 (IVS‐2012),15 um instrumento que classifica o risco de vulnerabilidade à saúde da população de Belo Horizonte a partir de indicadores de dimensões sanitárias e socioeconômicas.15 Já o estado nutricional dos escolares foi avaliado pelo índice de massa corporal (IMC) por idade, calculado a partir dos dados de peso e estatura, aferidos por nutricionistas membros da equipe de pesquisadores do estudo, segundo técnicas descritas na literatura.16 Parâmetros pré‐estabelecidos pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) foram adotados para a definição de excesso de peso (escore‐z ≥ +1) e obesidade (escore‐z≥ +2).17
Nos três modelos de regressão linear, o erro padrão foi ajustado pelos clusters das instituições escolares (26 escolas), uma vez que é provável que indivíduos que estudem na mesma escola compartilhem atributos similares em decorrência do contexto que lhes é comum. Assim, o ajuste pelos clusters torna as estimativas de erro padrão e o teste de hipótese mais adequados. Os resíduos dos modelos de regressão foram avaliados segundo as suposições de normalidade, homocedasticidade, linearidade e independência. Além disso, fez‐se a verificação de multicolinearidade entre as variáveis incluídas nos modelos. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).
As análises dos dados foram feitas no software Stata (Released 2007. SPSS for Windows, versão 12.0. Chicago, EUA). A análise descritiva contemplou o cálculo da distribuição de frequências, de medianas e de amplitude interquartil ‐ AI (percentil 25‐percentil 75).
O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Projeto CAAE 00734412.0.0000.5149. Os pais ou os responsáveis legais pelas crianças assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido que autorizou a participação dos escolares no estudo, conforme determina a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
ResultadosA amostra foi composta por 1.357 escolares com mediana de 9,6 (AI: 9,4‐10,0) anos. A tabela 1 apresenta a participação da amostra segundo o sexo, estado nutricional, risco de vulnerabilidade à saúde e número de refeições escolares consumido diariamente.
Descrição da amostra em estudo (n = 1.357). Belo Horizonte/MG, 2013‐2015
Variável | Frequência (%) |
---|---|
Sexo | |
Masculino | 49,3 |
Feminino | 50,7 |
Classificação do índice de massa corporal por idade | |
Baixo peso | 1,8 |
Eutrofia | 67,2 |
Sobrepeso | 19,1 |
Obesidade | 11,9 |
Risco de vulnerabilidade à saúde | |
Baixo | 17,8 |
Médio | 36,6 |
Elevado | 33,9 |
Muito elevado | 11,7 |
Número de refeições que faz na escola por dia | |
Zero | 27,2 |
Uma | 32,9 |
Duas | 20,8 |
Três | 19,1 |
A mediana de consumo de alimentos in natura e minimamente processados foi de 528,2 (AI: 415,2‐647,6) g/1.000kcal. Processados e ultraprocessados participaram da alimentação das crianças em 51,2 (AI: 26,5‐84,7) g/1.000kcal e 157,2 (AI: 76,3‐257,0) g/1.000kcal, respectivamente.
As crianças que consumiam duas e três refeições escolares diariamente apresentaram, respectivamente, 7,3% e 10,5% maior ingestão de alimentos in natura e minimamente processados quando comparadas com as crianças que relataram não consumir refeição do cardápio escolar. Ademais, a participação de ultraprocessados na alimentação das crianças que fazem duas refeições escolares por dia foi 18,0% menor do que as que não consomem a alimentação escolar. Entre as que fazem três refeições escolares, essa redução foi ainda maior: 26,0%. Destaca‐se ausência de diferenças dentre as crianças que fazem somente uma refeição escolar por dia (tabela 2).
Modelos de regressão linear para a predição do consumo de alimentos in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados a partir do número de refeições escolares consumido na amostra (n = 1.357). Belo Horizonte/MG, 2013‐2015
Número de refeições consumidas da alimentação escolar | In natura e minimamente processados | Processados | Ultraprocessados | |||
---|---|---|---|---|---|---|
β (EP) | Valor pa | β (EP) | Valor pa | β (EP) | Valor pa | |
0 | 0 | ‐ | 0 | ‐ | 0 | ‐ |
1 | 0,037 (0,03) | 0,268 | ‐0,024 (0,06) | 0,717 | ‐0,107 (0,07) | 0,182 |
2 | 0,071 (0,03) | 0,046 | ‐0,114 (0,07) | 0,130 | ‐0,199 (0,08) | 0,024 |
3 | 0,100 (0,04) | 0,019 | ‐0,149 (0,09) | 0,130 | ‐0,302 (0,08) | 0,002 |
β, Coeficiente beta não padronizado; EP, erro padrão.
Em todos os modelos, houve transformação logarítmica da variável dependente do consumo alimentar (em g/1.000kcal). Todos os modelos foram ajustados pelo Índice de Vulnerabilidade da Saúde 2012, índice de massa corporal por idade, sexo e idade da criança. O erro padrão foi ajustado pelos clusters das instituições escolares (26 escolas).
O presente estudo demonstrou que o consumo diário de duas ou três refeições escolares está relacionado à menor ingestão de produtos ultraprocessados e à maior participação de alimentos in natura e minimamente processados na alimentação dos estudantes, em comparação com o não consumo da alimentação escolar. Esse efeito protetor não foi observado na comparação entre as crianças que consomem apenas uma refeição escolar por dia. Esses achados foram identificados independentemente do sexo, idade, vulnerabilidade à saúde e estado nutricional das crianças. Assim, o estudo apontou um possível efeito dose‐resposta na proteção da alimentação dos estudantes a partir do consumo diário de duas refeições escolares e assim destacou a relevância da maior permanência da criança na escola como medida de promoção da alimentação saudável.
A maior participação dos alimentos in natura e minimamente processados na dieta dos escolares que consomem duas ou três refeições escolares diárias é um achado de relevância para a saúde pública. Alimentos naturais de origem animal são ótimas fontes proteicas, de vitaminas e de minerais. As frutas e hortaliças in natura têm fibras, antioxidantes e baixa densidade calórica, enquanto os cereais contribuem para o adequado teor de calorias e carboidratos complexos na dieta. Além disso, os alimentos in natura geram menor impacto ambiental e são produzidos por agricultores que dependem dessa produção para a sua sobrevivência e, por isso, se beneficiam diretamente pelo maior consumo desses produtos.8
Já o menor consumo de produtos ultraprocessados entre as crianças que consomem duas ou três refeições escolares por dia é um resultado ainda mais relevante, considerando o impacto numérico dessa redução – 18,0% no caso de crianças que consomem duas refeições e 26,0% entre as que consomem três refeições escolares diárias. Esses produtos têm baixa densidade nutricional e são hiperpalatáveis, o que pode contribuir para deficiências nutricionais, apesar do consumo em grandes quantidades.14,18 Como consequência, a ingestão excessiva de produtos ultraprocessados tem sido associada positivamente com a ocorrência de dislipidemia entre crianças,19 com a síndrome metabólica entre adolescentes20 e com obesidade em todas as idades.21
Outros estudos já apontaram a proteção da alimentação escolar para práticas alimentares saudáveis.1,11 Em amostra de crianças de dois a seis anos de Caxias do Sul (RS) identificou‐se maior consumo energético e lipídico nas refeições feitas em domicílios em comparação com as refeições escolares.22 Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) feita em 2015 evidenciaram menor consumo de açúcar, bebidas açucaradas e alimentos processados e ultraprocessados entre os alunos das escolas públicas em comparação com os das escolas privadas, fato que pode ser explicado pelo acesso em longo prazo ao PNAE entre esses estudantes.23 Em amostra de escolares de seis a 14 anos de Belo Horizonte (MG), participar do PEI e, assim, fazer mais refeições escolares foi associado a maior adequação de carboidratos e maior consumo de frutas.24
Apesar dessas evidências pré‐existentes, o presente estudo inovou ao demonstrar que há uma relação dose‐resposta entre o número de refeições escolares e a participação de alimentos in natura e minimamente processados e ultraprocessados na dieta dos escolares a partir do consumo diário de duas refeições escolares. Esse resultado tem grande implicação para as políticas públicas na área de saúde infantil, pois sinaliza para a relevância de programas que preveem a extensão da permanência da criança no ambiente escolar e o fornecimento de um maior número de refeições diárias, a exemplo do PEI. Nesses programas, além do fornecimento da alimentação escolar, os estudantes têm acesso a atividades educativas que contemplam a alimentação e nutrição e que podem ter contribuído para os resultados encontrados.
Além disso, evidenciou‐se a relevância de investimentos no PNAE, com vistas a melhorar ainda mais a sua efetividade, enquanto programa de promoção da segurança alimentar e nutricional.11,25 Na legislação atual do programa, os alimentos in natura e minimamente processados são privilegiados, na medida em que frutas e hortaliças devem estar presentes na alimentação escolar em, no mínimo, três porções (ou 200g) por aluno por semana e que 30% de todos os recursos destinados ao PNAE devem ser usados na aquisição de produtos da agricultura familiar. Já os produtos ultraprocessados, como bebidas com baixo valor nutricional, alimentos enlatados, embutidos e doces, têm participação proibida ou restrita no cardápio escolar.26
O estudo destaca ainda a relevância de se incentivar a alimentação saudável no domicílio, uma vez que os achados apontam que as diferenças verificadas no consumo dos grupos de alimentos entre as crianças podem ser explicadas pelo maior consumo da alimentação escolar. É desafiador e urgente, portanto, incluir os pais e responsáveis pelas crianças nas intervenções em nutrição infantil, com vistas a melhorar a oferta de alimentos in natura e minimamente processados e limitar os ultraprocessados também no domicílio das crianças.
Por fim, cabe destacar as limitações do estudo que se referem à incapacidade de generalização dos resultados obtidos a toda a população de escolares de Belo Horizonte, há validade externa somente para os escolares do 4° ano de escolas municipais dessa cidade e a possibilidade de viés devido à aplicação de R24 entre crianças de nove a 10 anos, considerando o desafio de se obterem dados fidedignos de consumo alimentar nessa faixa etária, dadas as restritas habilidades cognitivas, de memória e de conhecimento em nutrição.27 Apesar disso, a literatura evidencia boa qualidade no relato do consumo alimentar de crianças dessa idade na comparação dos resultados obtidos dos métodos de observação direta e da técnica da água duplamente marcada.28
Ademais, a avaliação sociodemográfica das crianças foi feita a partir do IVS‐2012, uma vez que não foi possível obter informações de cunho socioeconômico diretamente pelo relato dos estudantes, e o estudo trabalhou com o relato dos sujeitos quanto ao número de refeições escolares usualmente consumido.
Apesar disso, o estudo contribui para o conhecimento acerca de ações e estratégias efetivas para a prática de uma alimentação mais saudável e menos processada, o que é essencial para o enfrentamento das elevadas prevalências de obesidade entre crianças e adolescentes no Brasil. A continuidade de investigações nessa linha de pesquisa poderá mostrar se estudantes que permanecem por período integral na escola e fazem todas as refeições escolares de fato consomem menos alimentos industrializados e apresentam melhor estado nutricional do que os estudantes que não consomem a alimentação escolar ou que permanecem por somente um turno escolar.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Bento BM, Moreira AC, Carmo AS, Santos LC, Horta PM. A higher number of school meals is associated with a less‐processed diet. J Pediatr (Rio J). 2018;84:404–9.
Trabalho vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Departamento de Nutrição, Belo Horizonte, MG, Brasil.