Compartilhar
Informação da revista
Vol. 91. Núm. 4.
Páginas 315-317 (Julho - Agosto 2015)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Vol. 91. Núm. 4.
Páginas 315-317 (Julho - Agosto 2015)
Editorial
Open Access
The pertussis problem: classical epidemiology and strain characterization should go hand in hand
O problema da coqueluche: a caracterização da epidemiologia clássica e da cepa deve ser feita por todos
Visitas
2443
Frits R. Mooi
Autor para correspondência
frits.mooi@rivm.nl

Autor para correspondência.
, Anne Zeddeman, Marjolein van Gent
Centro de Controle de Doenças Infecciosas, National Institute for Public Health and the Environment, Bilthoven, Países Baixos
Conteúdo relacionado
Macarena M. Aguilar, Felipe A. Vergara, Erikson J.A. Velásquez, Raquel Marina, Antonio García‐Hermoso
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Texto Completo

Nesta edição do Jornal de Pediatria, Torres et al.1 apresentam um estudo sobre a incidência, as características clínicas, a mortalidade e a situação de vacinação de pacientes com coqueluche no Estado do Paraná entre 2007 e 2013. Também fornecem dados genotípicos sobre as cepas isoladas de B. pertussis. O estudo mostra que os casos de coqueluche no Paraná estão aumentando e que os sintomas mais graves e óbitos ocorrem em crianças com menos de dois meses. A combinação da epidemiologia clássica, que se concentra em incidências, distribuição por idade e características clínicas, com a caracterização da cepa é um aspecto importante desse trabalho, já que somente essa combinação nos permite compreender integralmente as causas do ressurgimento da coqueluche.

Os casos de coqueluche estão aumentando em todo o mundo e, como observam os autores, parte desse aumento deve‐se à maior conscientização entre médicos e à melhor detecção por meio da introdução da reação em cadeia da polimerase (PCR). Esses dois fatores resultaram em uma avaliação mais precisa da carga de doença, que tendia a ser subestimada. O aumento da precisão do diagnóstico de coqueluche levou alguns autores a sugerirem que o ressurgimento da coqueluche é um artefato. Entretanto, o conhecimento atual confirma a suposição de que há um aumento real dos casos de coqueluche, causado principalmente por dois fatores: declínio da imunidade induzida pela vacina e adaptação do patógeno por mutações em seu DNA. Os dois fatores não são independentes, já que a adaptação do patógeno reduz o período em que as vacinas são efetivas e, assim, aumenta a velocidade com que a imunidade protetora diminui (veja abaixo). Assim, o declínio da imunidade e a adaptação do patógeno são dois lados da mesma moeda.2 Estudos recentes indicam que a troca de vacinas de células inteiras (WCVs) por vacinas acelulares (ACVs) também contribuiu para o ressurgimento da coqueluche, pois a imunidade induzida por ACVs é de menor duração, em comparação com a imunidade induzida por WCVs.3,4 Entretanto, deve‐se destacar que o ressurgimento da coqueluche também é observado em países que mantiveram as WCVs, salientando novamente que vários fatores estão envolvidos.5,6

Os patógenos se tornam resistentes não só contra os antibióticos, mas também contra as vacinas. Esse último processo é, contudo, mais sutil, pois a resistência à vacina se acumula em pequenas etapas e, portanto, pode (inicialmente) passar despercebida. Além disso, a resistência à vacina não é absoluta e não implica que o B. pertussis seja capaz de causar doenças em um hospedeiro altamente imune. O efeito é mais sutil, de forma que as cepas adaptadas conseguem infectar hospedeiros com um nível maior de imunidade (isto é, logo após a vacinação) em comparação com cepas não adaptadas. Obviamente, isso resulta em um aumento nos suscetíveis e, assim, na circulação do patógeno.

Apesar de estudos com ratos terem mostrado que a adaptação de patógenos afeta a eficácia da vacina, é difícil estabelecer esses efeitos em populações humanas, já que exigem estudos de longo prazo com grandes populações. Portanto, é importante analisar a natureza das adaptações genéticas a fim de avaliar se devem afetar a eficácia das vacinas. Em geral, esse é o caso com B. pertussis. As primeiras adaptações do B. pertussis envolveram mudanças relativamente pequenas nas proteínas de superfície que conhecidamente induzem a imunidade protetora: toxina pertussis (Ptx), pertactina (Prn) e fímbrias.2 Posteriormente, foram encontradas alterações na regulação gênica, o que resultou em um aumento na produção de diversos fatores virulentos, incluindo Ptx e proteínas envolvidas na resistência ao complemento.7,8 Essas alterações poderão resultar no aumento da supressão e da evasão imunológica. As estirpes que mostram aumento na produção de fatores virulentos pertencem à linhagem chamada P3 (ou ptxP3), que recentemente foi difundida no mundo e predomina em muitas populações vacinadas.9,10 Aumentos na prevalência de estirpes P3 foram associados ao aumento da notificação nos Países Baixos e na Austrália.7,11 Um estudo, com Eletroforese em Gel de Campo Pulsado (PFGE) para tipificar estirpes brasileiras identificou dois perfis encontrados em estirpes P3 que circulam nos EUA12,13 e sugeriu que as estirpes P3 também estão presentes no Brasil. De fato, a sequência do genoma de uma estirpe P3 brasileira foi recentemente publicada.14

A adaptação mais recente do B. pertussis envolve a perda da produção de Prn, componente da maioria das ACVs. Estirpes deficientes de Prn predominam em vários países nos quais as ACVs foram usadas por muitos anos.15,16 Curiosamente, as estirpes deficientes de Prn não foram observadas na Polônia, que usa uma WCV.17 Isso sugere que a introdução de ACVs selecionou as estirpes deficientes de Prn e que seu surgimento pode ser impedido pelo uso de vacinas que proporcionem uma ampla imunidade. Seria interessante determinar se as estirpes deficientes de Prn circulam no Brasil.

Como o estudo feito por Torres et al.1 poderia ser melhorado? Deve‐se perceber que sempre haverá restrições locais, como ausência de recursos, equipamentos e experiência. Assim, isso não é uma crítica, mas uma tentativa de estabelecer o cenário ideal. Uma sugestão é usar um método de tipagem que permita comparações internacionais. Ao sequenciar regiões polimórficas nos genes da subunidade Ptx A, do promotor de Ptx (ptxP), Prn e Fim3, importantes características das estirpes atuais podem ser determinadas.18 Obviamente, a estirpe da vacina deve ser incluída para determinar a extensão da divergência quanto às cepas circulantes. A PFGE também é útil para tipificar estirpes, porém exige uma padronização cautelosa e nem sempre revela verdadeiras relações genéticas.19 A tipagem de polimorfismo de nucleotídeo simples (SNP) tem o poder discriminatório da PFGE, é inequívoca e revela verdadeiras relações genéticas. Recentemente, desenvolvemos um método de tipagem de SNP de alto rendimento e econômico.20

Para resolver o problema da coqueluche, devem‐se distinguir as abordagens de curto e de longo prazo. No longo prazo, precisamos desenvolver vacinas contra a coqueluche que induzam maior imunidade. Em curto prazo, a introdução da vacina materna pode reduzir substancialmente a morbidez e mortalidade. Estudos no Reino Unido demonstraram que a vacinação materna é muito eficaz (eficácia estimada da vacina: 90%) e segura para a mãe e o filho.21,22 Como muitos estudos demonstraram, incluindo o estudo de Torres et al., a coqueluche mais grave e a mortalidade ocorrem em neonatos menores de 2‐3 meses. Caso essa categoria possa ser protegida pela vacinação materna até que a série principal seja iniciada, a parte mais significativa do problema da coqueluche poderá ter sido resolvida. A pergunta a ser respondida é se a carga da coqueluche em adolescentes, adultos e idosos é grave o suficiente para usar recursos limitados a fim de desenvolver melhores vacinas contra a coqueluche.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
R.S. Torres, T.Z. Santos, R.A. Torres, V.V. Pereira, L.A. Fávero, O.R. Filho, et al.
Resurgence of pertussis at the age of vaccination: clinical, epidemiological, and molecular aspects.
J Pediatr (Rio J)., 91 (2015), pp. 333-338
[2]
F.R. Mooi, N.A. Van Der Maas, H.E. De Melker.
Pertussis resurgence: waning immunity and pathogen adaptation ‐ two sides of the same coin.
Epidemiol Infect., 142 (2014), pp. 685-694
[3]
S.L. Sheridan, R.S. Ware, K. Grimwood, S.B. Lambert.
Number and order of whole cell pertussis vaccines in infancy and disease protection.
JAMA., 308 (2012), pp. 454-456
[4]
M.A. Witt, L. Arias, P.H. Katz, E.T. Truong, D.J. Witt.
Reduced risk of pertussis among persons ever vaccinated with whole cell pertussis vaccine compared to recipients of acellular pertussis vaccines in a large US cohort.
Clin Infect Dis., 56 (2013), pp. 1248-1254
[5]
A. Gzyl, E. Augustynowicz, D. Rabczenko, G. Gniadek, J. Slusarczyk.
Pertussis in Poland.
Int J Epidemiol., 33 (2004), pp. 358-365
[6]
D. Hozbor, F. Mooi, D. Flores, G. Weltman, D. Bottero, S. Fossati, et al.
Pertussis epidemiology in Argentina: trends over 2004‐2007.
J Infect., 59 (2009), pp. 225-231
[7]
F.R. Mooi, I.H. van Loo, M. van Gent, Q. He, M.J. Bart, K.J. Heuvelman, et al.
Bordetella pertussis strains with increased toxin production associated with pertussis resurgence.
Emerg Infect Dis., 15 (2009), pp. 1206-1213
[8]
D. de Gouw, P.W. Hermans, H.J. Bootsma, A. Zomer, K. Heuvelman, D.A. Diavatopoulos, et al.
Differentially expressed genes in Bordetella pertussis strains belonging to a lineage which recently spread globally.
[9]
M. van Gent, M.J. Bart, H.G. van der Heide, K.J. Heuvelman, F.R. Mooi.
Small mutations in Bordetella pertussis are associated with selective sweeps.
[10]
M.J. Bart, S.R. Harris, A. Advani, Y. Arakawa, D. Bottero, V. Bouchez, et al.
Global population structure and evolution of Bordetella pertussis and their relationship with vaccination.
MBio., 5 (2014), pp. e01074
[11]
S. Octavia, V. Sintchenko, G.L. Gilbert, A. Lawrence, A.D. Keil, G. Hogg, et al.
Newly emerging clones of Bordetella pertussis carrying prn2 and ptxP3 alleles implicated in Australian pertussis epidemic in 2008‐2010.
J Infect Dis., 205 (2012), pp. 1220-1224
[12]
D. Leite, P.K. Cassiday, K.M. Tatti, T.M. Vaz, M.L. Tondella.
Serotypes and genetic profiles of Bordetella pertussis strains isolated in the city of São Paulo, 2006‐2008.
J Pediatr (Rio J)., 88 (2012), pp. 357-360
[13]
K.E. Bowden, M.M. Williams, P.K. Cassiday, A. Milton, L. Pawloski, M. Harrison, et al.
Molecular epidemiology of the pertussis epidemic in Washington State in 2012.
J Clin Microbiol., 52 (2014), pp. 3549-3557
[14]
B.G. Andrade, M.F. Marin, D.D. Cambuy, E.L. Fonseca, N.F. Souza, A.C. Vicente.
Complete genome sequence of a clinical Bordetella pertussis isolate from Brazil.
Mem Inst Oswaldo Cruz., 109 (2014), pp. 972-974
[15]
L.C. Pawloski, A.M. Queenan, P.K. Cassiday, A.S. Lynch, M.J. Harrison, W. Shang, et al.
Prevalence and molecular characterization of pertactin‐deficient Bordetella pertussis in the United States.
Clin Vaccine Immunol., 21 (2014), pp. 119-125
[16]
C. Lam, S. Octavia, L. Ricafort, V. Sintchenko, G.L. Gilbert, N. Wood, et al.
Rapid increase in pertactin‐deficient Bordetella pertussis isolates.
Australia. Emerg Infect Dis., 20 (2014), pp. 626-633
[17]
A. Zeddeman, M. van Gent, C.J. Heuvelman, H.G. van der Heide, M.J. Bart, A. Advani, et al.
Investigations into the emergence of pertactin‐deficient Bordetella pertussis isolates in six European countries, 1996 to 2012.
Euro Surveill., (2014), pp. 19
[18]
M. van Gent, M.J. Bart, H.G. van der Heide, K.J. Heuvelman, T. Kallonen, Q. He, et al.
SNP‐based typing: a useful tool to study Bordetella pertussis populations.
[19]
A. Advani, D. Donnelly, H. Hallander.
Reference system for characterization of Bordetella pertussis pulsed‐field gel electrophoresis profiles.
J Clin Microbiol., 42 (2004), pp. 2890-2897
[20]
Zeddeman A, Witteveen S, Bart MJ, van Gent M, van der Heide HG, Heuvelman KJ, et al. Studying Bordetella pertussis populations using SNPeX, a simple high throughput SNP typing method. Clin Microbiol. 2015 Jan 7. pii: JCM. 02995‐14.[Epub ahead of print].
[21]
G. Amirthalingam, N. Andrews, H. Campbell, S. Ribeiro, E. Kara, K. Donegan, et al.
Effectiveness of maternal pertussis vaccination in England: an observational study.
Lancet., 384 (2014), pp. 1521-1528
[22]
K. Donegan, B. King, P. Bryan.
Safety of pertussis vaccination in pregnant women in UK: observational study.
BMJ., 349 (2014), pp. g4219

Como citar este artigo: Mooi FR, Zeddeman A, van Gent M. The pertussis problem: classical epidemiology and strain characterization should go hand in hand. J Pediatr (Rio J). 2015;91:315–7.

Ver artigo de Torres et al. nas páginas 333–8.

Copyright © 2015. Sociedade Brasileira de Pediatria
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.