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Vol. 91. Núm. 6. S1.
Páginas S78-S83 (Novembro - Dezembro 2015)
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Vol. 91. Núm. 6. S1.
Páginas S78-S83 (Novembro - Dezembro 2015)
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Hypothermia therapy for newborns with hypoxic ischemic encephalopathy
Hipotermia terapêutica para recém‐nascidos com encefalopatia hipóxico isquêmica
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Rita C. Silveiraa,b, Renato S. Procianoya,b,
Autor para correspondência
rprocianoy@gmail.com

Autor para correspondência.
a Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
b Serviço de Neonatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
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Abstract
Objective

Therapeutic hypothermia reduces cerebral injury and improves the neurological outcome secondary to hypoxic ischemic encephalopathy in newborns. It has been indicated for asphyxiated full‐term or near‐term newborn infants with clinical signs of hypoxic‐ischemic encephalopathy (HIE).

Sources

A search was performed for articles on therapeutic hypothermia in newborns with perinatal asphyxia in PubMed; the authors chose those considered most significant.

Summary of the findings

There are two therapeutic hypothermia methods: selective head cooling and total body cooling. The target body temperature is 34.5°C for selective head cooling and 33.5°C for total body cooling. Temperatures lower than 32°C are less neuroprotective, and temperatures below 30°C are very dangerous, with severe complications. Therapeutic hypothermia must start within the first 6hours after birth, as studies have shown that this represents the therapeutic window for the hypoxic‐ischemic event. Therapy must be maintained for 72hours, with very strict control of the newborn's body temperature. It has been shown that therapeutic hypothermia is effective in reducing neurologic impairment, especially in full‐term or near‐term newborns with moderate HIE.

Conclusion

Therapeutic hypothermia is a neuroprotective technique indicated for newborn infants with perinatal asphyxia and HIE.

Keywords:
Hypothermia
Neonates
Perinatal asphyxia
Hypoxic‐ischemic encephalopathy
Outcomes
Resumo
Objetivo

A hipotermia terapêutica reduz a lesão cerebral e melhora o desfecho neurológico de recém‐nascidos após insulto hipóxico isquêmico. Indicada para recém‐nascidos a termo ou próximo do termo com evidência de asfixia perinatal e encefalopatia hipóxico isquêmica (EHI).

Fontes dos dados

Foi feita uma procura no PubMed por publicações sobre hipotermia terapêutica em recém‐nascidos com asfixia perinatal e selecionadas aquelas julgadas mais relevantes pelos autores.

Síntese dos dados

Há duas técnicas de resfriamento corpóreo: hipotermia seletiva da cabeça e hipotermia corpórea total. A temperatura de resfriamento deve ser 34,5°C para seletiva de cabeça e 33,5°C para corpórea total; temperaturas inferiores a 32°C são menos neuroprotetoras e abaixo de 30°C há efeitos adversos sistêmicos graves. Indica‐se o início da hipotermia terapêutica até seis horas após o nascimento, pois estudos evidenciaram que essa é a janela terapêutica da agressão hipóxico e isquêmica. A hipotermia deve ser mantida por 72 horas com rigorosa monitoração da temperatura corporal do recém‐nascido. A hipotermia tem sido efetiva em reduzir sequelas neurológicas, principalmente em recém‐nascidos de termo ou próximo do termo com encefalopatia hipóxico isquêmica moderada e em melhorar o prognóstico em longo prazo dos recém‐nascidos com EHI.

Conclusão

A hipotermia terapêutica é uma técnica neuroprotetora indicada para recém‐nascidos com asfixia perinatal.

Palavras‐chave:
Hipotermia terapêutica
Recém‐nascidos
Asfixia perinatal
Encefalopatia hipóxico isquêmica
Desfechos
Texto Completo
Introdução

Há mais de uma década surgiram, inicialmente, evidências experimentais e, posteriormente, estudos clínicos de boa qualidade sugerindo que a hipotermia terapêutica reduz a lesão cerebral e melhora o desfecho neurológico de recém‐nascidos após insulto hipóxico‐isquêmico.1–4 O melhor resultado em termos de prognóstico da hipotermia terapêutica parece ser no insulto leve a moderado. Para recém‐nascidos com encefalopatia grave o real benefício tem sido questionado. Estudo multicêntrico do NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) evidenciou que os casos nos quais após 72 horas de hipotermia terapêutica persistiram com sinais de EHI grave e exame neurológico alterado na alta da neonatologia tiveram maior mortalidade ou morbidade no seguimento aos 18 meses de vida.5

A extensão da lesão cerebral após insulto hipóxico isquêmico depende basicamente de um balanço entre os mecanismos causadores de lesão irreversível como necrose neuronal e inflamação persistente e proteção endógena (resposta de fase aguda, recuperação e reparo neuronal). A estratégia neuroprotetora da hipotermia terapêutica envolve a modulação de alguns mecanismos de lesão irreversível como a inibição da cascata inflamatória, redução da produção de espécies reativas de oxigênio, redução da taxa metabólica com redução do consumo de oxigênio e produção de gás carbônico e algum efeito neuroprotetor endógeno.6–9 Os objetivos desta revisão são entender o mecanismo de ação da hipotermia terapêutica, buscar evidência na literatura para estabelecer o tipo de recém‐nascido candidato à hipotermia terapêutica, descrever o protocolo, as possíveis complicações e os cuidados assistenciais que envolvem o manejo do recém‐nascido em hipotermia terapêutica.

Mecanismo de ação da hipotermia terapêutica

A hipotermia produz redução do metabolismo cerebral em aproximadamente 5% para cada 1°C de queda na temperatura corporal, o que atrasa o início da despolarização anóxica celular. A redução de aminoácidos excitatórios, como aspartato e glutamato, durante a fase isquêmica da hipotermia terapêutica deve‐se ao fato de promover o atraso na despolarização e redução do influxo de cálcio intracelular. Esses efeitos foram demonstrados de diferentes maneiras em modelos experimentais de isquemia e reperfusão em roedores, após parada cardíaca em cães adultos jovens, ou, ainda, durante e imediatamente após insulto hipóxico isquêmico em porcos recém‐nascidos.8

A hipóxia‐isquemia‐reperfusão no sistema nervoso central aciona uma cascata de eventos pró‐inflamatórios caracterizada pelo influxo de leucócitos, incluindo polimorfonucleares e monócitos, e a ativação da microglia. Muitas dessas reações inflamatórias são mediadas pelas citocinas, especialmente as ações moduladoras da apoptose neuronal. As citocinas com ações mais conhecidas no SNC são: TNF‐α, IL‐1β e IL‐6. Parte da ação neuroprotetora da hipotermia terapêutica deve‐se ao bloqueio da via pró‐inflamatória.6,8

As citocinas são mediadoras do mecanismo da ativação da resposta inflamatória sistêmica. Numa situação de isquemia ocorre ativação endotelial potencializada pela ativação dos monócitos que estimulam produção de TNF‐α que promove maior ativação endotelial. Por meio de diversas interações ocorre produção de IL‐6, IL‐1β, IL‐8 e PAF (fator ativador plaquetário).10 Além disso, por meio de ações de receptores solúveis, IL‐6, IL‐1β e TNF‐α aumenta a expressão das moléculas de adesão, principalmente a ICAM‐1 (molécula de adesão intercelular‐1) nas células endoteliais e também nos astrócitos, facilita a infiltração leucocitária e aumenta a ativação dos leucócitos, com consequente promoção de resposta inflamatória sistêmica, como resultado final. As citocinas induzem a enzima óxido‐nítrico sintetase, que, juntamente com TNF‐α e IL‐1β, promove efeitos neurotóxicos.8,9 A ativação de caspases pode induzir uma resposta inflamatória local que envolve consumo de energia e aumento do número de neurônios apoptóticos, com possibilidade de reversão do insulto, o que é neuroprotetor.6

Em modelos experimentais o mecanismo de hipotermia prolongada (72 horas) promoveu redução de necrose e apoptose neuronal.7,11 Foi demonstrada a supressão do citocromo C pela mitocôndria e a ativação da caspase 3 no córtex, tálamo e hipocampo em ratos submetidos à EHI e colocados em hipotermia por 72 horas.11

Janela terapêutica

O insulto hipóxico isquêmico envolve um processo continuado de lesão, no qual a gravidade da encefalopatia hipóxico isquêmica depende da duração e extensão desse processo. O papel central da hipotermia terapêutica na neuroproteção envolve a interrupção ou redução desse processo; basicamente dividido em: fase aguda ou primária quando algumas células neuronais morrem e outras se recuperam pelo menos parcialmente; fase latente com o metabolismo oxidativo parcialmente recuperado, mesmo com atividade eletroencefalográfica suprimida;9 e fase secundária que ocorre após lesão moderada a grave, inicia horas mais tarde, em média em seis horas a até 15 horas, manifesta‐se clinicamente pela presença de convulsão, edema citotóxico, acúmulo de aminoácidos excitatórios, falência da atividade oxidativa mitocondrial que é o principal fator associado à morte do neurônio. É importante agir antes da fase secundária, na janela de oportunidade terapêutica, na qual neurônios apoptóticos estão aptos à recuperação. O grau de falha energética determina o tipo de dano (morte) neuronal durante os estágios precoce e tardio e o grau de suporte trófico influencia a angiogênese e neurogênese durante a fase de recuperação da encefalopatia hipóxico isquêmica (EHI).

Embora ainda não esteja estabelecido quando exatamente a lesão cerebral é irreversível, dados consistentes indicam que a fase de latência, também conhecida como fase precoce de recuperação da restauração transitória do metabolismo oxidativo cerebral, antes do início da fase secundária da falha energética, representa a melhor janela para intervenção terapêutica.8 Como esse processo é contínuo, essas fases são próximas e por isso a transição até o momento irreversível de morte celular é quase imperceptível.11,12

Desde as primeiras séries de casos clínicos de asfixia perinatal, foi indicado o início da hipotermia terapêutica em até seis horas após o nascimento, em função de todas essas evidências experimentais demonstrarem que essa é a janela terapêutica para inibir ou reduzir a agressão hipóxica isquêmica.11

Seleção do recém‐nascido candidato à hipotermia terapêutica

O Ilcor (International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation) de 2010 incluiu a indicação de hipotermia terapêutica para todo recém‐nascido a termo ou próximo do termo que tenha evoluído para EHI moderada a grave. Usou protocolo específico e seguimento coordenado por sistema assistencial de referência regional.13

De forma geral, o recém‐nascido candidato a hipotermia terapêutica segue as recomendações constantes no site da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Ilcor:13,14

Recém‐nascidos com idade gestacional maior do que 35 semanas, peso de nascimento maior que 1.800 gramas e que tenham menos de seis horas de vida e que preencham os seguintes critérios:14 evidência de asfixia perinatal: gasometria arterial de sangue de cordão ou na primeira hora de vida com pH<7,0 ou excesso de base (EB)<‐16 ou história de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão) ou escore de Apgar 5 ou menos no 10¿ minuto de vida ou ainda necessidade de ventilação mecânica além do 10¿ minuto de vida, qualquer desses associado a evidência de encefalopatia moderada a severa antes de seis horas de vida: convulsão, nível de consciência, atividade espontânea, postura, tônus, reflexos e sistema autonômico (fig. 1).14

Figura 1.

Indicação de hipotermia terapêutica.

(0,16MB).

Revisão da Cochrane reforça o benefício da hipotermia terapêutica na EHI em recém‐nascidos a termo ou prematuro tardio, de acordo com o protocolo acima exposto. Foram incluídos 11 ensaios clínicos randomizados nesta revisão, 1.505 recém‐nascidos com encefalopatia moderada a grave e evidência de asfixia durante o parto. A hipotermia terapêutica resultou em uma diminuição estatisticamente significativa e clinicamente importante no resultado combinado de mortalidade ou atraso grave do neurodesenvolvimento aos 18 meses.15

Em recém‐nascidos com EHI foram observados padrões de lesão cerebral na ressonância magnética com diferentes apresentações clínicas logo após o insulto e desfecho neurológico diretamente associado com os achados de neuroimagem e menos com os achados clínicos imediatos.16 A necessidade de sedação e analgesia em um recém‐nascido nas primeiras horas após o nascimento é uma das explicações para a dificuldade na avaliação clínica após EHI e decisão de tratar.17 Nessas situações a monitoração com vídeo EEG em todo recém‐nascido com EHI, por ser o padrão‐ouro para avaliação de convulsão eletrográfica, poderia ser útil na seleção de recém‐nascidos candidatos a hipotermia terapêutica. A presença de crise convulsiva eletrográfica sem manifestação clínica foi determinada por vídeo EEG em cerca de metade dos recém‐nascidos com EHI em hipotermia terapêutica.17–19 O aEEG (Eletroencefalograma de amplitude integrada) tem sido usado em poucos estudos para decidir se um recém‐nascido com encefalopatia é um candidato a hipotermia terapêutica.20,21 Em recém‐nascidos com EHI leve, um estudo com tamanho de amostra pequeno demonstrou ser mais efetivo na identificação de quais pacientes com encefalopatia desenvolveriam doenças neurológicas graves.22 O uso do aEEG é relevante se considerarmos que o tempo para decidir se um recém‐nascido é candidato a hipotermia terapêutica é limitado e não queremos errar quanto ao início desse tratamento com resultados tão promissores; mesmo assim, não é rotina o uso do aEEG para selecionar o paciente candidato a hipotermia terapêutica.13–15,23

Resultados e prognóstico após hipotermia terapêutica

A hipotermia tem sido efetiva em reduzir sequelas neurológicas, principalmente em recém‐nascidos com encefalopatia hipóxico‐isquêmica moderada, e em melhorar o prognóstico em longo prazo dos recém‐nascidos com EHI. Estudos de metanálise têm mostrado que o uso da hipotermia terapêutica diminui a mortalidade e melhora o prognóstico com relação ao neurodesenvolvimento dos recém‐nascidos com encefalopatia hipóxico‐isquêmica.1,4,5 Há evidências de três grandes estudos randomizados e dois pequenos ensaios clínicos. Isso demonstra que a hipotermia induzida (33,5°C a 34,5°C) quando iniciada na janela de seis horas após o nascimento de recém‐nascidos a termo asfixiados é benéfica em reduzir mortalidade e atraso do neurodesenvolvimento avaliado pela escala Bayley no seguimento aos 18 meses de vida.20,21,24–26 Os resultados são melhores se tivermos protocolos bem organizados para indicar, induzir a hipotermia e reaquecer adequadamente.1,24

No contexto daquele recém‐nascido candidato a hipotermia terapêutica, tem sido observada que a hipertermia materna se associa a elevada incidência de depressão respiratória perinatal, convulsões neonatais, paralisia cerebral e maior mortalidade neonatal; com isso foi comprovado o efeito deletério da hipertermia. É possível que nas situações de corioamnionite materna e síndrome da resposta inflamatória fetal in utero o resultado da hipotermia terapêutica seja limitado. Na presença de infecção/inflamação em ensaio clínico randomizado de hipotermia terapêutica após encefalopatia secundária a meningite bacteriana, a opção pela hipotermia terapêutica foi ineficaz.27 Dados de ressonância magnética feita após hipotermia terapêutica em pequeno estudo prospectivo com recém‐nascidos cujas mães tiveram corioamnionite histológica demonstraram que a hipotermia foi menos efetiva nessa condição infecciosa.28

A hipertermia neonatal após EHI está associada com maior mortalidade e desfecho neurológico adverso aos 18‐22 meses e aos 6‐7 anos, com escores de inteligência inferiores e paralisia cerebral moderada a grave até 3,5 vezes maior nos recém‐nascidos com temperaturas mais elevadas nos primeiros dias após nascimento.29,30 Portanto, temperaturas elevadas após o insulto hipóxico isquêmico são fator de risco adicional para desfechos adversos; e tão importante quanto a hipotermia terapêutica é evitar a hipertermia nesses casos.

O resultado da hipotermia terapêutica é muito influenciado pela gravidade da EHI. Diversos estudos experimentais e clínicos concluíram que a neuroproteção da hipotermia terapêutica é menos efetiva na EHI grave, em parte porque a fase de latência é ainda mais curta, com maior falha energética e processo acelerado de necrose neuronal da substancia cinzenta cortical, gânglia basal, tálamo e lesão grave da substancia branca, associando‐se com paralisia cerebral em níveis variados.1 Em metanálise a hipotermia terapêutica foi significativamente protetora para o desfecho morte e disabilidade nos casos de EHI, com melhor resultado na moderada do que na grave. O desafio é conseguir individualizar a decisão de instituir hipotermia terapêutica nos casos mais graves, principalmente porque o estabelecimento da gravidade da encefalopatia é difícil, impreciso, subjetivo quando baseado somente na avaliação clínica.4

Todo paciente submetido à hipotermia terapêutica deverá ser seguido longitudinalmente para estabelecer o resultado em longo prazo.5,13 Além disso, para a hipotermia ser efetiva é necessário um nível elevado de apoio de terapia intensiva neonatal. Nem todos os centros são candidatos a fazer hipotermia terapêutica.

Protocolo: estabelecendo a segurança e eficácia

Há estudos clínicos randomizados que empregam duas técnicas de resfriamento corpóreo, a fim de inibir, reduzir e melhorar a evolução da lesão cerebral e as sequelas neurológicas decorrentes da EHI: hipotermia seletiva da cabeça20 com temperaturas reduzidas a 34,5°C e hipotermia corpórea total com temperaturas reduzidas a 33,5°C.4,24 Ambas as técnicas preconizam a manutenção da hipotermia por 72 horas. De acordo com o Ilcor, as duas técnicas são apropriadas e na fase de reaquecimento esse deve ser lento e gradual, ao longo de quatro horas, com 0,5°C por hora até atingir temperatura de 36,5°C; esse processo objetiva evitar complicações do rápido reaquecimento.1,13,15

A hipotermia seletiva da cabeça é feita com um capacete e a hipotermia corporal total com um colchão térmico onde o recém‐nascido é colocado, com um aparelho de servocontrole para regular a temperatura do colchão para mais ou para menos de acordo com a temperatura do paciente.21,24 O uso de pacotes de gelo não é a forma mais adequada, porque o monitoramento do controle térmico é precário, embora um estudo randomizado tenha empregado essa técnica na EHI moderada e recomendado como uma opção se iniciada dentro das seis horas após o evento e até que o recém‐nascido tenha condições de ser transferido para um centro de referência em hipotermia terapêutica.31

A temperatura de resfriamento deve estar durante todo o período da hipotermia acima de 33∘C; temperaturas inferiores a 32°C são menos neuroprotetoras e abaixo de 30°C foram observados efeitos adversos sistêmicos gravíssimos e aumento de mortalidade.1,13,15 Para assegurar a efetividade e a segurança da hipotermia corporal total, a temperatura esofágica ou retal deve ser mantida em 33,5°C e a da hipotermia seletiva da cabeça em 34,5°C, em ambas as situações a temperatura deve ser continuamente monitorada.13 Estudo multicêntrico recente não demonstrou benefício e sugeriu efeitos deletérios com protocolo de hipotermia corporal total por período mais longo (120 horas) ou temperatura esofágica mais baixa (32°C) ou ambos. O estudo foi interrompido antes de completar o tamanho estimado da amostra.32

Todos os protocolos dos estudos de neuroproteção após EHI com hipotermia terapêutica tiveram critérios de inclusão semelhantes (idade gestacional superior a 35‐36 semanas, acidose importante ou depressão grave ao nascer, encefalopatia moderada a grave com ou sem aEEG). Na maioria, os critérios de exclusão foram idade superior a seis horas de vida, cromossomopatias e malformações congênitas maiores ou ainda grave restrição de crescimento intrauterino.3,20,21,24–26 Embora em estudo recente no qual foram comparados consecutivamente 83 casos de hipotermia terapêutica, 34 recém‐nascidos submetidos à hipotermia seletiva e 49 corporal total, os achados de lesão cerebral na ressonância magnética de encéfalo foram mais graves e frequentes na hipotermia seletiva da cabeça. Isso sugere maior neuroproteção naqueles recém‐nascidos em que foi empregada a técnica de resfriamento corporal total.33 Outros estudos sugerem o mesmo benefício com ambas as técnicas.1

Na ausência de condições adequadas, com suporte ventilatório, hemodinâmico e monitoração constante da temperatura em todas as fases, resfriamento e reaquecimento, a hipotermia terapêutica por EHI neonatal tem apresentado resultados desfavoráveis, não é recomendada por aumentar a mortalidade nessas condições.34 A segurança do procedimento exige meses de treinamento da equipe multidisciplinar, com ênfase no entendimento do comprometimento multissistêmico que envolve a asfixia perinatal associado às potenciais complicações sistêmicas dessa modalidade de tratamento.35

Devem ser monitorados os efeitos adversos possíveis da hipotermia terapêutica, tais como: hipotensão e intervalo QT prolongado, trombocitopenia e distúrbios de coagulação em geral (TP e KKTP alterados), queimaduras da pele e escleredema, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos.35 É importante reconhecer que alguns eventos não são diretamente relacionados à hipotermia terapêutica, e sim à disfunção multiorgânica que caracteriza a síndrome hipóxico isquêmica e se sobrepõe aos efeitos adversos da hipotermia terapêutica neonatal. Um exemplo é a hipertensão pulmonar persistente (HPP), diretamente associada com asfixia perinatal, e, por outro lado, o resfriamento pode causar hemoconcentração, hiperviscosidade e vasoconstrição pulmonar.10,35 Metanálise de quatro ensaios clínicos randomizados não evidenciou hipoglicemia no grupo submetido à hipotermia terapêutica.1

Esses eventos adversos estão mais associados a temperaturas mais baixas do que as recomendadas nos protocolos, daí a importância de cuidadosa monitoração. O adequado conhecimento de como a hipotermia afeta todos os sistemas orgânicos dos recém‐nascidos asfixiados que já estão gravemente doentes é fundamental para prevenir e evitar as complicações de um resfriamento exagerado.35

A farmacocinética de alguns medicamentos é alterada pelo resfriamento. Em estudo observacional, recém‐nascidos com EHI tratados com hipotermia que recebem infusões normais de morfina tiveram concentrações séricas da mesma significativamente mais elevadas do que no grupo normotérmico. Portanto, a taxa de infusão contínua de morfina deve ser menor do que a usualmente recomendada durante a hipotermia terapêutica.36

Todas as evidências sugerem que a resposta neuroprotetora é tempo‐dependente (janela terapêutica); a efetividade depende de iniciar o protocolo em até seis horas. Na prática é necessário considerar nesse tempo o berço, que já deve estar desligado e com o termômetro inserido (se for transesofágico se obtém um RX de tórax para avaliar se o mesmo está bem localizado; terço médio do esôfago). Ao avaliar continuamente a temperatura corpórea, antes mesmo de instalar o colchão de hipotermia corporal total, estaremos garantindo segurança e qualidade assistencial ao protocolo. Após 72 horas, a fase de reaquecimento deve ser cuidadosamente monitorada, pois flutuações do fluxo sanguíneo cerebral estão associadas com hemorragia cerebral se o reaquecimento for rápido. NIRS (Near‐infrared Spectroscopy) é uma ferramenta efetiva para monitorar as mudanças na perfusão cerebral de recém‐nascidos com EHI submetidos a hipotermia terapêutica.37

Conclusão

A hipotermia terapêutica reduz significativamente a morbimortalidade para muitos recém‐nascidos asfixiados. No entanto, alguns ainda morrem ou sobrevivem com sequelas em níveis variados no seguimento ambulatorial. Isso demonstra a necessidade da associação de outras estratégias neuroprotetoras. Segurança e efetividade dos protocolos aplicados em centros referência devem ser continuamente avaliadas. Nessa revisão, é possível encontrar subsídios que sustentam o benefício da hipotermia terapêutica em recém‐nascidos com encefalopatia moderada. A mudança para o futuro é encontrar formas de melhorar a efetividade dessa terapêutica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Silveira RC, Procianoy RS. Hypothermia therapy for newborns with hypoxic ischemic encephalopathy. J Pediatr (Rio J). 2015;91:S78–83.

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