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Vol. 91. Núm. 2.
Páginas 168-174 (Março - Abril 2015)
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Vol. 91. Núm. 2.
Páginas 168-174 (Março - Abril 2015)
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Practices related to late‐onset sepsis in very low‐birth weight preterm infants
Práticas relacionadas à sepse tardia em prematuros de muito baixo peso
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Maria Regina Bentlina,
Autor para correspondência
mbentlin@fmb.unesp.br

Autor para correspondência.
, Ligia M.S.S. Rugoloa, Ligia S.L. Ferrarib, em nome da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais
a Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, SP, Brasil
b Hospital Universitário de Londrina, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil
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Tabelas (3)
Tabela 1. Principais respostas do questionário sobre higienização das mãos nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia
Tabela 2. Principais respostas do questionário sobre uso de cateteres vasculares nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia
Tabela 3. Principais respostas do questionário sobre diagnóstico e terapia empírica da sepse tardia nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia
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Abstract
Objective

To understand the practices related to late‐onset sepsis (LOS) in the centers of the Brazilian Neonatal Research Network, and to propose strategies to reduce the incidence of LOS.

Methods

This was a cross‐sectional descriptive multicenter study approved by the Ethics Committee. Three questionnaires regarding hand hygiene, vascular catheters, and diagnosis/treatment of LOS were sent to the coordinator of each center. The center with the lowest incidence of LOS was compared with the others.

Results

All 16 centers answered the questionnaires. Regarding hand hygiene, 87% use chlorhexidine or 70% alcohol; alcohol gel is used in 100%; 80% use bedside dispensers (50% had one dispenser for every two beds); practical training occurs in 100% and theoretical training in 70% of the centers, and 37% train once a year. Catheters: 94% have a protocol, and 75% have a line insertion team. Diagnosis/treatment: complete blood count and blood culture are used in 100%, PCR in 87%, hematological scores in 75%; oxacillin and aminoglycosides is the empirical therapy in 50% of centers. Characteristics of the center with lowest incidence of LOS: stricter hand hygiene; catheter insertion and maintenance groups; use of blood culture, PCR, and hematological score for diagnosis; empirical therapy with oxacillin and aminoglycoside.

Conclusion

The knowledge of the practices of each center allowed for the identification of aspects to be improved as a strategy to reduce LOS, including: alcohol gel use, hand hygiene training, implementation of catheter teams, and wise use of antibiotic therapy.

Keywords:
Sepsis
Newborn
Premature
Hand hygiene
Prevention and control
Resumo
Objetivo

Conhecer as práticas relacionadas a sepse tardia (ST) nos centros da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN) e propor estratégias para redução da ST.

Métodos

Estudo transversal, multicêntrico da RBPN, aprovado pelo CEP. Três questionários sobre higienização das mãos, cateteres vasculares e diagnóstico/tratamento da ST foram elaborados e enviados aos coordenadores de cada centro. O centro com a menor incidência de ST foi comparado aos demais.

Resultados

Todos os 16 centros responderam aos questionários. Quanto à higienização das mãos: 87% usam chlorhexidine ou álcool 70%; 100% álcool gel; almotolia/leito em 80% (50% dispõem de um dispensador para cada dois leitos); Treinamento prático ocorre em 100%, teórico em 70% dos centros e 37% treinam uma vez/ano. Cateteres: 94% têm protocolo para passagem, 75% grupo de inserção. Diagnóstico/tratamento: hemograma e hemocultura são usados em 100% dos centros; PCR em 87%; 75% usam escores hematológicos; oxacilina e aminoglicosídeo são usados como terapia empírica em 50% dos centros. Características do centro com menor incidência de ST: rigorosa higienização das mãos; grupos de inserção e manutenção de cateteres; uso de hemocultura, PCR e escores hematológicos para diagnóstico da ST; tratamento empírico com oxacilina e aminoglicosídeo.

Conclusões

O conhecimento das práticas de cada centro permitiu identificar aspectos a serem aprimorados como estratégia para a redução da ST incluindo: uso de álcool gel, treinamento em higienização das mãos, implantação de grupos de cateteres e uso racional de antibióticos.

Palavras‐chave:
Sepse
Recém‐nascido
Prematuro
Higiene das mãos
Prevenção & controle
Texto Completo
Introdução

A sepse tardia (ST) é uma das principais causas de morbimortalidade neonatal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que dos quatro milhões de mortes neonatais que ocorrem no mundo ao ano, mais de um terço é causada por infecções graves e um quarto devido à sepse neonatal/pneumonia.1,2 No Brasil, a mortalidade neonatal corresponde a 60% da mortalidade infantil e a sepse é uma das principais causas dos óbitos neonatais.3

Redes de pesquisas em todo mundo têm se dedicado ao estudo da sepse neonatal. A Rede Americana de Pesquisas Neonatais (NICHD Neonatal Research Network) documentou incidência de 21% de ST confirmada em prematuros < 1.500g, com variação de 10‐38% entre os centros.4 Na Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN), formada por 16 centros de referência para a área da saúde materno‐infantil, o grupo de estudo sobre ST evidenciou em 2009‐2010 incidência de 50% de ST (variação de 29‐72% entre os centros) em prematuros < 1.500g, 27,5% de ST confirmada (dados não publicados).

A ST relaciona‐se com o ambiente pós‐natal, características do recém‐nascido e práticas assistenciais. Entre essas práticas, o uso de cateteres vasculares e nutrição parenteral é importante fator de risco para a sepse.5,6 A higienização das mãos é outra prática que merece destaque, pois a transmissão de microorganismos pelas mãos dos cuidadores é uma preocupação constante. O Center for Disease Control (CDC), a OMS e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicam periodicamente guias para a higienização de mãos, mas alertam que a adesão dos profissionais de saúde é baixa mesmo em períodos de campanha.7‐9 O percentual de adesão dos profissionais à lavagem das mãos varia de 28% a 62% e a maior adesão às práticas de higienização está associada à redução das taxas de infecção hospitalar.10 Outro aspecto relevante é a dificuldade no diagnóstico da sepse, uma vez que dados clínicos e exames laboratoriais são inespecíficos e a hemocultura, considerada padrão ouro, apresenta baixa positividade.11,12 A dificuldade no diagnóstico pode levar a atrasos no tratamento ou ao uso abusivo de antibióticos e propiciar a seleção de flora e o desenvolvimento de resistência bacteriana, outro problema frequente em UTI Neonatal.

A escassez de dados nacionais a respeito de sepse tardia, aliada ao fato de as UTIs neonatais que fazem parte da RBPN representarem unidades de referência, torna prioritária a necessidade de analisar a situação atual das UTIs da RBPN e divulgar os dados, para mapear a realidade nacional e orientar quanto às medidas preventivas que devem ser instituídas com vistas a reduzir a incidência da ST em prematuros de muito baixo peso. Esses aspectos motivaram a feitura dessa pesquisa, que teve como objetivos conhecer as práticas assistenciais relacionadas à sepse tardia nos 16 centros da RBPN, com foco na higienização das mãos, no uso de cateteres vasculares, no diagnóstico e no tratamento empírico da sepse, e identificar aspectos que possam ser melhorados como estratégia para a redução da sepse tardia.

Método

Estudo transversal multicêntrico que envolveu os 16 centros da RBPN, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de cada centro. Todos os centros são referência para a área da saúde materno‐infantil e atendem gestações de alto risco no sistema único de saúde. Na RBPN o critério para definição de sepse tardia inclui a presença de alterações clínicas e hematológicas após 72 horas de vida e é considerada ST confirmada quando a hemocultura for positiva e clínica quando a hemocultura for negativa.

Em 2011, o grupo de estudo da sepse tardia da RBPN formulou e enviou aos coordenadores de cada um dos 16 centros três questionários que contemplavam questões abertas e de múltipla escolha, referentes às práticas assistenciais usadas em suas unidades. Esses questionários abordavam questões sobre higienização das mãos, uso de cateteres vasculares, diagnóstico e tratamento empírico da sepse tardia.As principais questões abordadas nos questionários foram:

Questionário 1: Higienização das mãos

Produto usado na higienização, informações específicas sobre o uso do álcool gel e treinamento da equipe de saúde que presta assistência aos recém‐nascidos.

Questionário 2: Cateteres vasculares

Presença de grupos de inserção e manutenção de cateteres, protocolo de inserção de cateter, tempo de permanência, envio da ponta de cateter para cultura e informações sobre curativos e troca de sistemas de infusão.

Questionário 3: Diagnóstico e tratamento da sepse tardia

Exames usados para o diagnóstico de sepse tardia: hemocultura (periférica e/ou central, método usado para sua realização, interpretação do resultado levando em consideração tempo e curva de crescimento), uso de hemograma, reagentes de fase aguda, escores hematológicos, indicações da coleta de líquor e da repetição da punção lombar, interpretação do crescimento de estafilococos coagulase negativa em hemocultura (contaminação ou infecção). Antibióticos mais usados na terapia antimicrobiana e tempo de uso.

Análise estatística

As respostas foram tabuladas e analisadas em tabelas de frequência e de associação. Manteve‐se o sigilo quanto aos centros, que foram identificados apenas por letras. As práticas do centro da RBPN com menor incidência de ST, incluindo a sepse clínica e a confirmada (incidência de 29% – dado não publicado) foram comparadas com as demais. A partir desses dados foram feitas propostas para redução da ST.

Resultados

Os 16 centros participantes da RBPN responderam aos três questionários. Nenhuma questão foi excluída e o percentual foi calculado com base no número de respostas obtidas para cada questão.

Questionário 1: Higienização das mãos (tabela 1)

Tabela 1.

Principais respostas do questionário sobre higienização das mãos nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia

  n° centros/n° centros responderam (%)  Centro de menor incidência de ST 
Produto usado
Clorexidine  12/15 (80)  Sim 
Álcool 70%  11/14 (79)  Sim 
Base de iodo  2/13 (15)  Não 
Uso do álcool gel
Almotolia/leito  13/16 (81)  Sim 
Almotolia/profissionais  3/16 (19)  Não 
Dispensador/leito ≤1:2  7/14 (50)  Sim 
Dispensador/leito 1:3 a 1: 7  7/14 (50)  Não 
Treinamento
Prático  16/16 (100)  Sim 
Teórico  11/16 (69)  Não 
Folhetos  10/16 (62)  Sim 
Responsável CCIH  14/16 (87)  Sim 
Frequência de treinamento
1 vez/ano  6/16 (37,5)  Não 
2 vezes/ano  5/16 (31)  Sim 
≥ 3 vezes/ano  4/16 (25)  Não 

CCIH, Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.

A maioria dos centros usa a clorexidina e ou álcool 70% para a higienização das mãos e tem almotolias de álcool gel por leito. Entretanto, quanto ao uso de dispensadores, apenas sete centros dispõem de dispensadores em proporção adequada (≥ 0,5 por leito). Os 16 centros fazem treinamento prático de higienização das mãos, porém apenas 25% deles fazem o treinamento numa frequência superior a duas vezes ao ano.

Questionário 2: Cateteres vasculares (tabela 2)

Tabela 2.

Principais respostas do questionário sobre uso de cateteres vasculares nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia

  n° centros/n° centros responderam (%)  Centro de menor incidência de ST 
Grupo de cateteres
Inserção de PICC  12/16 (75)  Sim 
Manutenção de cateteres  10/16 (62,5)  Sim 
Tempo de permanência dos cateteres
Venoso umbilical     
≤ 3 dias  4/16 (25)  Não 
≥ 5 dias  11/16 (69)  Sim 
Arterial umbilical     
≤ 3 dias  5/16 (31)  Não 
> 3 dias  10/16 (62,5)  Sim 
Não usam cateter arterial  4/16 (25)   
PICC
7 a 15 dias  5/16 (31)  Sim 
16 a 30 dias  6/16 (37,5)  Não 
Indeterminado  5/16 (31)  Não 
Cultura da ponta de cateter
Na suspeita de infecção  13/15 (87)  Sim 
Sempre  2/15 (13)  Não 
Técnica de rolagem  10/15 (67)  Sim 

PICC, cateter central de inserção periférica.

Todos os centros, exceto um, usam protocolos para passagem de cateter, mas apenas 12 têm grupo de inserção de PICC (cateter central de inserção periférica) composto por enfermeiros e 10 centros têm grupo de manutenção de cateteres. Na maioria dos centros o cateter venoso umbilical é mantido por período ≥ a 5 dias, o cateter arterial por três a seis dias e o PICC por até 30 dias. Todos os centros usam curativos transparentes, 56% trocam os curativos apenas se houver sujidade. A maioria solicita cultura da ponta de cateter se houver suspeita de infecção. Todos os centros retiram o cateter de forma imediata na presença de hemocultura positiva para fungos, 56% na presença de Gram‐negativos ou S. aureus e 12,5% na presença de estafilococos coagulase negativa.

Questionário 3: Diagnóstico e tratamento empírico da sepse tardia (tabela 3)

Tabela 3.

Principais respostas do questionário sobre diagnóstico e terapia empírica da sepse tardia nos 16 centros da RBPN e as práticas do centro de menor incidência de sepse tardia

  n° centros/n° centros responderam (%)  Centro de menor incidência de ST 
Coleta de hemocultura
Apenas periférica  10/16 (62,5)  Sim 
Periférica e central  6/16 (37,5)  Não 
Método automatizado  15/16 (93,7)  Sim 
Tempo crescimento  12/16 (75)  Sim 
Estafilococo coagulase negativa
Infecção e alteraçãoclínica/laboratorial  11/16 (69)  Sim 
Exames inespecíficos
Hemograma  16/16 (100)  Sim 
Escore de Rodwell  8/12 (66)  Sim 
PCR  14/16 (87,5)  Sim 
Líquor
Suspeita de sepse  12/16 (75)  Sim 
Tratamento empírico
Oxacilina + aminoglicosídeo  8/16 (50)  Sim 
Vancomicina  6/16 (37,5)  Não 
Cefalosporinas/carbapenêmicos  3/16 (18,7)  Não 

PCR, proteína C reativa.

Todos os centros colhem hemocultura antes do início da antibioticoterapia, 15 usam o método automatizado de cultura e a maioria faz apenas a coleta de sangue periférico. Em 11 centros o estafilococo coagulase negativa é considerado agente etiológico de infecção se houver alteração clínica e laboratorial associada, 12 centros (75%) valorizam o tempo de crescimento bacteriano para diagnóstico de infecção.

Quanto aos exames inespecíficos, a maioria dos centros usa a proteína C reativa (PCR) como o reagente de fase aguda e considera esse marcador útil tanto para exclusão do diagnóstico de infecção como para controle da infecção. Escores hematológicos são usados na maioria dos centros, especialmente o escore de Rodwell. Cinco centros não repetem os exames inespecíficos na suspeita de infecção se o exame inicial for normal. A grande maioria faz punção liquórica na suspeita de infecção e repete a punção se o resultado do primeiro líquor for anormal. Apenas a metade dos centros usa oxacilina e aminoglicosídeo como esquema empírico inicial na sepse tardia e 50% dos serviços mantêm o tratamento até a negativação das culturas.

Práticas do centro de menor incidência de sepse tardia

O centro de menor incidência de ST (29%) no período de 2009‐2010 apresentou os seguintes resultados:

  • Higienização das mãos (tabela 1): usa clorexidina 2% e álcool 70%; álcool gel em almotolias por leito e dispensadores 1:2 leitos; treina toda a equipe de saúde duas vezes ao ano por meio de atividades práticas e folhetos.

  • Cateteres vasculares (tabela 2): tem protocolo de passagem de cateter e grupo de inserção e manutenção de cateteres; mantém o cateter venoso umbilical por até sete dias, o arterial por até cinco dias e o PICC por até 15 dias. Usa curativo transparente e troca o curativo a cada sete dias, colhe cultura da ponta de cateter na suspeita de infecção, usa a técnica de rolagem para a cultura, retira o cateter de forma imediata se a hemocultura for positiva para fungos.

  • Diagnóstico e tratamento empírico da sepse tardia (tabela 3): colhe hemocultura periférica, tem disponível o método automatizado, usa o tempo de crescimento para diferenciar infecção e contaminação, considera o estafilococo coagulase negativa como patógeno se houver alteração clínica e laboratorial. Os exames inespecíficos incluem o hemograma e a PCR e é valorizado o escore de Rodwell. Usa oxacilina e aminoglicosídeo como terapia empírica da ST.

Discussão

Redes de vigilância de infecção neonatal têm sido implantadas em muitos países com o objetivo de conhecer a realidade nacional, comparar os resultados com outras redes e propor estratégias para melhorar a qualidade da assistência prestada aos recém‐nascidos. Na Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais todos os centros contribuem para a manutenção de um banco de dados de prematuros de muito baixo peso, o que permite a monitoração das morbidades, das práticas assistenciais e das taxas de mortalidade. Uma das morbidades de monitoramento prioritário na RBPN é a ST.13

A ST é comum em prematuros, associa‐se a alta morbimortalidade e pode comprometer o neurodesenvolvimento dos sobreviventes.14 Estudo da RBPN mostrou que 27% dos prematuros de muito baixo peso evoluíram com ST confirmada (variação de 14‐51%) e 23% (variação de 7,5% a 41%) com ST clínica (dados não publicados). A mortalidade dos grupos sépticos foi maior em relação ao grupo sem sepse, mesmo considerando a variabilidade entre os centros. A grande variabilidade nas taxas de infecção entre os centros é um achado frequente nas redes de pesquisa e as diferenças nas práticas assistenciais têm sido apontadas na literatura como um dos fatores contributivos.15‐18 Conhecer as práticas relacionadas à assistência é fundamental na elaboração de estratégias para a redução da sepse tardia. Intervenções para a melhoria das práticas assistenciais podem amenizar essas diferenças.

A higienização das mãos é uma prática que desperta grande preocupação e deve sempre ser monitorada. Os principais produtos usados na higienização das mãos são os alcoóis (concentração de 70%, sem efeito residual) e a clorexidina (concentração de 2% ou 4%, com efeito residual de seis horas).10,19 Na RBPN a grande maioria dos centros usa clorexidina e álcool 70%, tem almotolias de álcool gel e faz treinamento sobre higienização das mãos. Isso mostra que os itens básicos estão disponíveis e provavelmente o que faz a diferença entre os centros é a qualidade na prática, o que reforçando a hipótese de que o mais importante é investir em educação continuada dos profissionais de saúde para melhorar a adesão aos procedimentos recomendados. Uma proposta deste estudo é ampliar o uso de álcool gel, que é o preferido pelos profissionais por ser de fácil aplicação, levar menos tempo para uso e por ter eficácia comparável a outros antissépticos, desde que não haja sujidade nas mãos.10,20

Outro fator de risco monitorado neste estudo foi o uso de cateteres vasculares. Cateteres centrais são muito usados em prematuros de muito baixo peso para infusão de nutrição parenteral, administração de medicações e antibióticos e podem ser fonte de infecção por: contaminação na passagem, manipulação excessiva, quebra na manutenção do sistema fechado para administração de drogas e hemoderivados, uso de solução contaminada, pelo próprio hub ou por contaminação de patógenos da pele.5,21,22 Dados de sete UTIs neonatais brasileiras mostraram que a incidência de infecção da corrente sanguínea associada a cateter vascular varia conforme o peso de nascimento: 34,9/1.000 cateter vascular (CVC) dia nos prematuros < 1.000g, 20,4/1.000 CVC dia nos prematuros entre 1.001‐1.500g, 17,3/1.000 CVC dia naqueles entre 1.501‐2.500g e 18,1/1.000 CVC dia nos recém‐nascidos > 2.500g.23 Esses índices são muito mais elevados do que os encontrados na National Healthcare Safety Network (NHSN), que mostra taxas de 4,4/1.000 CVC dia nos <1.000g, 4,8/1.000 CVC dia entre 1.001‐1.500g, 4,2/1.000 CVC dia entre 1.501‐2.500g e 3,1/1.000 CVC dia nos >2.500g e reforçam a importância da infecção associada a cateter no nosso meio, bem como a necessidade de medidas preventivas frente a essa preocupante condição.5,24,25

No questionário sobre cateteres vasculares observou‐se que apenas 2/3 dos centros têm equipe de inserção de PICC e grupo de manutenção de cateteres. É um aspecto a ser melhorado e que pode ser crucial como estratégia de prevenção da sepse tardia. Os demais cuidados com cateteres foram semelhantes em todos os centros.

No terceiro e último questionário sobre diagnóstico e tratamento empírico da sepse, as repostas foram variáveis, mostraram grande heterogeneidade entre os centros. Todos os centros usam hemograma, PCR, hemocultura, mas não de forma protocolada. Recém‐nascidos prematuros são imunocomprometidos e expostos a muitas situações de risco infeccioso que favorecem o uso de antibióticos. Outro aspecto que propicia o uso frequente de antibióticos é a dificuldade no diagnóstico da sepse, devido à baixa especificidade do exame clínico e dos exames laboratoriais, bem como à baixa positividade de hemoculturas, o que tem sido classicamente referido na literatura.14 A antibioticoterapia, por sua vez, altera a flora intestinal e propicia a emergência de cepas resistentes.26‐28 A estratégia proposta foi aprimorar a interpretação do hemograma, valorizar escores hematológicos, como o de Rodwell, e associar o uso da PCR quantitativa seriada para exclusão e controle de infecção.

Dentre os itens de maior variabilidade entre os centros está a antibioticoterapia empírica. Para definição de protocolos de uso empírico de antibióticos há a necessidade de se conhecer os agentes prevalentes de cada unidade, mas sabe‐se que o uso de antibióticos de amplo espectro aumenta a colonização e infecção por germes multirresistentes.27 A presença do estafilococo coagulase negativa como um dos principais agentes da ST na RBPN (60% dos casos) pode ter favorecido o uso de vancomicina na terapia empírica. O uso de antibióticos, assim como o tempo de uso, deve ser rigorosamente monitorado e reavaliado e a terapia empírica com antibióticos de amplo espectro deve ser evitada.27,28 Uma vez afastado o diagnóstico de infecção esses antibióticos devem ser suspensos de forma imediata e se houver a confirmação do agente em hemocultura ou outros fluidos estéreis, o descalonamento de antimicrobianos deve sempre ser feito.

O centro de menor incidência de ST não apresentou prática extraordinária ou de alto custo para justificar os seus resultados. De uma forma geral, as práticas entre os centros foram semelhantes, o que reforça a hipótese de que a diferença esteja na qualidade de aplicação dessas práticas e no compromisso de toda a equipe envolvida na assistência ao recém‐nascido em aplicá‐las.

A diversidade encontrada nos 16 centros da RBPN reflete o que acontece em um país com dimensões continentais como o Brasil e mostra a nossa realidade. O fato de os centros se unirem em prol de um objetivo, que é a redução da ST, fazerem o diagnóstico da situação atual, identificarem nos centros de menores incidências quais as melhores práticas e terem como meta melhorar os seus resultados justifica o trabalho do grupo de estudo da sepse na RBPN, que a partir desses dados propôs um conjunto de medidas com vistas à a redução da ST:

  • Instituir o uso de almotolias de álcool gel/glicerinado uma para cada leito da UTI neonatal.

  • Ao se usarem dispensadores de parede de álcool gel, manter a proporção de pelo menos um para dois leitos.

  • Fazer treinamento teórico e prático de higienização das mãos mais de duas vezes ao ano, para toda a equipe de saúde.

  • Ter padronização para inserção de PICC e para cuidados com cateteres.

  • Ter um grupo fixo habilitado para inserção de PICC e para os cuidados com cateteres.

  • Fazer reuniões periódicas (mensais) com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar para monitorar as taxas de infecção.

  • Garantir a adequação da relação dos recursos humanos (médico e enfermagem) por leito conforme as recomendações vigentes.

  • Analisar periodicamente na unidade os resultados obtidos na redução da sepse e instituir diversos meios de disseminação dessa análise: reuniões, quadro de aviso, mensagens eletrônicas.

Medidas de baixo custo como as propostas pela RBPN podem ter alto impacto e fazer a diferença na prevenção da sepse, diminuir o tempo de internação, reduzir os custos sociais e econômicos e gerar a expectativa de melhoria na qualidade da assistência aos prematuros de muito baixo peso nos centros da RBPN.

Uma das limitações do estudo encontra‐se no fato de que o questionário não foi enviado aos médicos diaristas e enfermeiras, mas aos coordenadores dos centros que se responsabilizaram pelas informações. Apesar da possibilidade de condutas individualizadas, houve o compromisso do coordenador de responder de acordo com os protocolos do serviço e após a checagem das informações com sua equipe. Outra limitação foi o desconhecimento do padrão de sensibilidade dos agentes da sepse em cada unidade, para que a avaliação da terapia empírica pudesse ser aprofundada. Há que se considerar também que o objetivo deste estudo foi avaliar as práticas assistenciais relacionadas à sepse, e não investigar fatores de risco para ST. Por isso as características da população atendida em cada centro não foram analisadas, o que limita a interpretação dos dados, mas não interfere na proposta do estudo quanto às medidas para prevenção da ST, uma vez que as características da população atendida não são evitáveis, enquanto que a melhoria das práticas assistenciais pode minimizar o risco de ST.

A grande contribuição do estudo foi mostrar o que é feito na prática de centros de referência no Brasil e que mesmo nesses centros as práticas e os procedimentos de rotina podem ser melhorados.

Concluindo, o conhecimento das práticas de cada centro permitiu identificar aspectos a serem aprimorados como estratégia para a redução da sepse tardia: o uso de álcool gel, o treinamento em higienização das mãos, a implantação de grupos de cateteres e o uso racional de antibióticos.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Bentlin MR, Rugolo LM, Ferrari LS, on behalf of the Brazilian Neonatal Research Network (Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais). Practices related to late‐onset sepsis in very low‐birth weight preterm infants. J Pediatr (Rio J). 2015;91:168–74.

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