Compartilhar
Informação da revista
Vol. 95. Núm. 4.
Páginas 495-501 (Julho - Agosto 2019)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
2991
Vol. 95. Núm. 4.
Páginas 495-501 (Julho - Agosto 2019)
Artigo Original
Open Access
Health‐related quality of life in adolescents with excess weight
Qualidade de vida relacionada à saúde em adolescentes com excesso de peso
Visitas
2991
Helen F. D’avilaa,
Autor para correspondência
helen14davila@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Fabiana A. Pollb, Cézane P. Reuterb, Miria S. Burgosb,, Elza D. Melloa
a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Porto Alegre, RS, Brasil
b Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Departamento de Educação Física e Saúde, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Características de adolescentes participantes
Tabela 2. Escores das subescalas do PedsQL dos grupos de adolescentes menores de 14 anos e entre 14 e 19 anos
Tabela 3. Escores das subescalas do PedsQL e gênero masculino e feminino de adolescentes
Tabela 4. Escores das subescalas do PedsQL de adolescentes de acordo com estado nutricional
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

To identify health‐related quality of life in adolescents with excess weight and associated factors, such as gender, age, and weight categories.

Method

A cross‐sectional study with collected and secondary data from 276 adolescents aged between 10 and 19 years with overweight and obesity, and whose parents or guardians authorized their participation. Anthropometric data, pubertal development, and the PedsQL 4.0 questionnaire were collected for the health‐related quality of life assessment. Categorical data were described as numbers and percentages. For the description of health‐related quality of life subscales, medians and the 25th and 75th percentiles were used, as well as the Mann–Whitney test for comparisons between age group, gender, and weight categories.

Results

The median health‐related quality of life total score was 78.3 (68.5–87.4). The lowest scale was the “emotional score”, 65 (50–80). Higher health‐related quality of life was found in boys in most of the scores (p<0.05), except for the “school score” (p=0.09). Regarding the age group, the median of the “physical scores” (p=0.03) and “social score” (p=0.02) were significantly lower in the group younger than 14 years. When separated according to weight categories, it was verified that obese adolescents differed significantly in relation to the “physical score” (p=0.00), “school score” (p=0.04), and “total score” (p=0.02) of the health‐related quality of life. However, there was no significant difference between the emotional, social, and psychosocial scores.

Conclusions

Adolescents with overweight and obesity show losses in the health‐related quality of life and also between the different domains, when separated by age, gender, and weight categories.

Keywords:
Quality of life
Overweight
Obesity
Adolescent
Resumo
Objetivo

Identificar a qualidade de vida relacionada à saúde entre adolescentes com excesso de peso e fatores associados, como gênero, idade e categorias de peso.

Método

Estudo transversal com dados coletados e secundários de 276 adolescentes entre 10 e 19 anos, com sobrepeso e obesidade, cujos responsáveis autorizaram a participação. Foram coletados dados antropométricos, desenvolvimento puberal e questionário PedsQL 4.0 para a avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde. Os dados categóricos foram descritos por contagens e percentuais. Para a descrição das subescalas da qualidade de vida relacionada à saúde foram usadas medianas e percentis 25 e 75 e teste de Mann‐Whitney para comparações entre grupos de faixa etária, gênero e categorias de peso.

Resultados

A mediana do escore total da qualidade de vida relacionada à saúde foi de 78,3 (68,5‐87,4). A menor escala foi o “escore emocional” 65 (50‐80). Encontramos a qualidade de vida relacionada à saúde maior nos meninos na maioria dos escores (p<0,05), exceto o “escore escolar” (p=0,09). Quanto à faixa etária, a mediana dos “escores físico” (p=0,03) e “escore social” (p=0,02) foram significativamente menores no grupo menor de 14 anos. Ao separar as categorias de peso, percebe‐se que os adolescentes obesos diferem significativamente com relação ao “escore físico” (p=0,00); “escore escolar” (p=0,04) e “escore total” (p=0,02) da qualidade de vida relacionada à saúde. Contudo, não houve diferença significativa entre os escores emocional, social e psicossocial.

Conclusões

Adolescentes com sobrepeso e obesidade têm prejuízos na qualidade de vida relacionada à saúde e também entre os diferentes domínios, quando separados por faixa etária, gênero e categorias de peso.

Palavras‐chave:
Qualidade de vida
Sobrepeso
Obesidade
Adolescente
Texto Completo
Introdução

A definição de qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é multidimensional, existem três principais dimensões da saúde (física, psicológica e social) e pode servir como medida de resultado da saúde geral.1

A prevalência de excesso de peso na Região Sul do Brasil é de 28,2% entre adolescentes de 13 a 17 anos e de 10,2% de obesidade, supera a prevalência de outras regiões do país.2 Sabe‐se que crianças e adolescentes com excesso de peso nessa fase da vida podem permanecer em excesso de peso na vida adulta. Uma recente projeção para a faixa entre 2 e 19 anos mostra que a maioria dos jovens de hoje será obeso aos 35 anos. Em crianças de 2 anos, a prevalência da obesidade aumentou até a adolescência, quando se estabilizou, porém continuou a aumentar após a adolescência.3

A preocupação com o excesso de peso estende‐se além das condições fisiológicas, pois o excesso de peso mostra‐se com fator de interferência para uma QVRS adequada entre adolescentes.4,5 Portanto, identificar e estudar adolescentes com excesso de peso é importante para prevenir consequências negativas sobre a QVRS, que podem se estender em diversas dimensões da vida.6,7 Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é identificar a QVRS entre adolescentes com excesso de peso e verificar prováveis fatores associados como idade, gênero e categorias de peso.

Métodos

Estudo transversal, descritivo, de dados primários com adolescentes em sobrepeso e obesidade de ambos os sexos, estudantes do ensino fundamental de uma escola do município de Cachoeira do Sul/RS (CS) e dados provenientes de um outro banco de dados com adolescentes em sobrepeso e obesidade de ambos os sexos, estudantes da educação básica de Santa Cruz do Sul/RS (SCS). As escolas participantes estavam situadas na região central e eram representativas das cidades.

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão foram os estudantes estarem regularmente matriculados nas escolas envolvidas no projeto, entre 10 e 17 anos, em sobrepeso e obesidade, no caso do grupo de SCS. Para o grupo de CS, os alunos estarem matriculados no 6° e 7° ano de uma escola pública, com 9 a 18 anos que apresentavam sobrepeso e obesidade. Para CS e SCS, foram incluídos aqueles que concordaram e assinaram o Termo de Assentimento (TA) e cujos pais e/ou responsáveis, que residiam na mesma casa, assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os critérios de exclusão foram os mesmos para alunos de CS e SCS, foram excluídos aqueles sem condições físicas de se submeter à avaliação antropométrica, como cadeirantes, com membros amputados ou engessados, adolescentes grávidas e alunos sem condições mentais e/ou em falta de compreensão para preencher os questionários.

A amostra foi obtida por conveniência, considerando Intervalo de Confiança de 95%, margem de erro de 3,5 e desvio‐padrão de 18,0;8 chegou‐se ao tamanho de amostra de 105 adolescentes com sobrepeso e com Intervalo de Confiança de 95%, margem de erro de 3,5 e desvio‐padrão de 20,1, e ao tamanho de amostra de 130 adolescentes obesos.

Coleta de dados

Quanto aos dados primários, os alunos que aceitaram participar e tinham o TA e o TCLE assinados foram submetidos às aferições antropométricas (peso, estatura e circunferência da cintura [CC]) pela pesquisadora, autoavaliação do Estadiamento Puberal (EP) e Pediatric Quality of Life Inventory 4.0 (PedsQL 4.0) para a avaliação da QV. Idade e data de nascimento foram fornecidas pela escola. A coleta de dados ocorreu em 2016 com três meses de duração, no qual foram coletados dados de 72 alunos.

Os dados provenientes de um banco de dados do projeto “Obesidade em adolescentes da educação básica: um estudo de intervenção interdisciplinar – Fase III” de SCS foram coletados de um banco inicialmente transversal de 25 escolas, dos quais os alunos tinha o TA e TCLE. As escolas tinham semelhança quanto às características sociodemográficas. As aferições foram feitas na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), por equipe capacitada. A pesquisa ocorreu entre 2015 e 2016, na qual dados de 285 adolescentes foram coletados. Foram transferidos dados como peso, altura, idade, cor da pele, CC, EP e PedsQL, de adolescentes com sobrepeso e obesidade.

Instrumentos e medidasEstado nutricional

Foram coletadas: idade informada pela escola, peso (kg), altura (cm). As medidas de peso e estatura foram usadas para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) (peso [kg]/estatura [m2]). Os adolescentes foram classificados como portadores de excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) a partir do IMC/idade expresso em escore z, calculado com o auxílio do software WHO‐Anthro Plus 2007 (World Health Organization) e seguindo as recomendações propostas pela OMS.9 A CC foi aferida no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca. Seguiram‐se os pontos de corte que identificam obesidade abdominal quando CC for maior que P90.10

Estadiamento puberal

Para verificar o EP foi aplicado o questionário de autoavaliação de acordo com os critérios de Tanner,11 no mesmo momento da avaliação antropométrica. O adolescente estava em local reservado para evitar constrangimentos. Usou‐se autoavaliação dos adolescentes através de imagens ilustrativas.

Qualidade de vida

Aplicou‐se o questionário genérico PedsQL 4.0, validado para a população brasileira, com quatro subescalas e 23 itens que abrangem: 1) Dimensão física, 2) Dimensão emocional, 3) Dimensão social e 4) Dimensão escolar.7

A análise das respostas do PesdQL 4.0 deu‐se da seguinte forma: foram pontuados inversamente e transpostos linearmente para uma escala de 0–100 (nunca=0=100 pontos; quase nunca=1=75 pontos; algumas vezes=2=50 pontos, muitas vezes=3=25 pontos; quase sempre=4=0 pontos); assim, quanto maior o escore, melhor a QVRS.7

Foi criado um escore do sumário psicossocial, que demonstra a saúde psicossocial do escolar, através da média das somas dos itens: dimensão social, dimensão emocional e dimensão escolar.

Na presença de dados ausentes, os escores da escala foram computados como a soma dos itens dividida pelo número de itens respondidos. Porém, quando mais de 50% dos itens da escala estão ausentes, o escore da escala não foi registrado. A consistência dessa computação é similar à de outras publicações arbitradas sobre o PedsQL, assim como outras mensurações estabelecidas de QVRS.7

Análise estatística

Os dados categóricos foram descritos por contagens e percentuais, para variáveis como cidade, sexo, CC, classificação do IMC. A idade foi descrita por média e desvio‐padrão (m±DP). A normalidade da distribuição foi verificada para todas as variáveis contínuas por meio do teste de Kolmogorov‐Smirnov. Ao passo que a amostra não apresentou uma distribuição normal, para descrever as subescalas da QV foram usadas medianas e percentis 25 e 75. As comparações entre grupos de faixa etária, gênero e categoria de peso foram feitas por meio do teste de Mann‐Whitney. Os dados foram analisados por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) IBM versão 20.0

Aspectos éticos

O projeto inicial em SCS já contava com aprovação do CEP da Unisc, sob CAAE n° 54985316.0.0000.5343 e Parecer n° 1.498.330. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o uso dos dados coletados no município de CS, concomitante aos dados de SCS, aprovada sob CAAE n° 71390416.1.0000.5347 e Parecer n° 2.395.088, e seguiu todos os preceitos éticos preconizados na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Foram coletados dados de 298 adolescentes. Devido a dados incompletos foram excluídos 22. O estudo contou com 276 adolescentes com excesso de peso, ou seja, portadores de sobrepeso (n=134) e obesidade (n=142). A idade média foi de 12,8 anos, variou de 9 a 18 anos. A maioria dos adolescentes encontrava‐se com adiposidade abdominal normal (tabela 1). A mediana do escore total da QVRS dos adolescentes foi de 78,3 (68,5–87,4). A menor escala foi o “escore emocional” 65 (50–80).

Tabela 1.

Características de adolescentes participantes

Características  Total (n=276) 
Sexo n (%)
Masculino  112 (40,6%) 
Feminino  164 (59,4%) 
Idade em anos média (DP)  12,8±1,7 
<14 anos  178 (64,5%) 
14–19 anos  98 (35,5%) 
Estadiamento puberal
Impúbere  24 (8,7%) 
Púbere  190 (68,8%) 
Pós‐púbere  25 (9,1%) 
Não respondeu  37 (13,4%) 
CC n (%)
Normal  155 (56,2%) 
Elevada  121 (43,8%) 
Classificação IMC n (%)
Sobrepeso  134 (48,6%) 
Obesidade  142 (51,4%) 
Qualidade de vida
Escore físico  84,4 (68,7–93,7)a 
Escore emocional  65 (50–80)a 
Escore social  90,00 (75–100)a 
Escore escolar  80 (70–90)a 
Sumário psicossocial  76,67 (66,7–86,7)a 
Escore total  78,3 (68,5–87,4)a 
a

Mediana (p25–p75).

Faixa etária

Foi analisado o efeito da faixa etária sobre os escores das subescalas do PedsQL. A mediana dos escores “físico” (p=0,03) e “social” (p=0,02) foi significativamente menor na faixa menor de 14 anos, em comparação com adolescentes entre 14 e 19 anos. Contudo, não houve diferença entre as medianas dos escores emocional, escolar, sumário psicossocial e total (tabela 2).

Tabela 2.

Escores das subescalas do PedsQL dos grupos de adolescentes menores de 14 anos e entre 14 e 19 anos

Qualidade de vida  <14 anos (n=178)  14–19 anos (n=98)  pb 
Escore físicoa  81,2 (68,5–91,4)  87,5 (75–93,7)  0,030c 
Escore emocionala  65 (50–80)  65 (55–85)  0,606 
Escore sociala  85 (70–95)  90 (80–100)  0,002c 
Escore escolara  80 (70–90)  80 (68,7–90)  0,476 
Sumário psicossociala  76,7(65–86,7)  76,7 (67,9–88,3)  0,380 
Escore totala  77,2 (67,1–86,9)  80,4 (70,4–90,2)  0,122 
a

Mediana (p25–p75).

b

Teste de Mann‐Whitney.

c

p<0,05.

Gênero

A tabela 3 destaca as comparações entre gênero masculino e feminino dos adolescentes. Analisando a QVRS nos diferentes grupos, percebe‐se uma diferença estatisticamente significativa, visto que a mediana da QVRS foi maior nos meninos em todos os escores (p<0,05), exceto o “escolar” (p=0,09).

Tabela 3.

Escores das subescalas do PedsQL e gênero masculino e feminino de adolescentes

Qualidade de vida  Masculino (n=112)  Feminino (n=164)  pb 
Escore físicoa  87 (75,8–96,1)  78 (65,6–90,6)  0,000c 
Escore emocionala  70 (56,2–88,7)  60 (50–75)  0,000c 
Escore sociala  90 (80–100)  85 (70–95)  0,015c 
Escore escolara  80 (70–90)  75 (65–90)  0,097 
Sumário psicossociala  80 (71,7–88,3)  73,3 (63,3–85)  0,001c 
Escore totala  82,1 (73,1–89,9)  74,4 (65,5–85,9)  0,000c 
a

Mediana (p25–p75).

b

Teste de Mann‐Whitney.

c

p<0,05.

Categorias de peso

Os efeitos das variáveis sobrepeso e obesidade foram analisados na tabela 4. Os adolescentes obesos apresentaram diferenças significativas com relação ao “escore físico” (p=0,00); “escore escolar” (p=0,04) e “escore total” (p=0,02) da QVRS, quando comparadas com adolescentes em sobrepeso. Não houve diferença significativa entre os escores emocional, social e psicossocial.

Tabela 4.

Escores das subescalas do PedsQL de adolescentes de acordo com estado nutricional

Qualidade de vida  Sobrepeso (n=134)  Obesidade (n=142)  pb 
Escore físicoa  87,5 (75–93,7)  81,2 (67,3–90,6)  0,002c 
Escore emocionala  65 (50–81,2)  65 (50–80)  0,709 
Escore sociala  90 (75–100)  85 (70–95)  0,069 
Escore escolara  80 (70–90)  80 (65–85)  0,043c 
Sumário psicossociala  78,3 (66,7–88,3)  75 (63,3–86,7)  0,131 
Escore totala  81,5 (70,6–89,4)  77,2 (66,3–85,9)  0,026c 
a

Mediana (p25–p75).

b

Teste de Mann‐Whitney.

c

p<0,05.

Discussão

O presente estudo visa a descrever a QVRS de adolescentes com excesso de peso e comparar os prováveis fatores associados como faixa etária, gênero e categorias de peso (sobrepeso e obesidade). Até o presente momento, este é o primeiro estudo que publica dados sobre a QVRS entre adolescentes, com sobrepeso e obesidade, de duas cidades do Rio Grande do Sul. Ao analisar as subescalas do PedsQL, encontramos uma mediana da QVRS de 78,3 (68,5–87,4) dos adolescentes com excesso de peso e obesidade. O menor escore da subescala do PedsQL foi o “emocional”.

Alguns estudos,5,12,13 bem como o presente, encontraram o escore emocional como o menor escore da subescala do PedsQL, entre adolescentes com sobrepeso e obesidade, alertaram que a obesidade pode ser um fator determinante para o declínio da QVRS, principalmente na dimensão emocional. Domínios emocionais menores preocupam principalmente quando se remetem à população jovem com excesso de peso, pois um recente estudo de revisão14 mostra que o consumo alimentar motivado pelo estado emocional está associado ao desenvolvimento e à manutenção do excesso de peso e obesidade.

Quando separamos adolescentes por faixa <14 anos e 14–19 anos, o grupo<14 anos relatou menores pontuações no “escore físico” e “escore social”. O estudo de Su et al. apontou que meninos obesos no 3° e 4° ano escolar apresentaram maiores dificuldades relacionadas ao escore físico do que seus pares de peso normal. Porém, os meninos do 5° e 6° ano não mostraram essa diferença, o que se assemelha ao achado deste estudo.15 Uma hipótese para o achado é que a percepção das crianças e adolescentes sobre a obesidade pode explicar essas menores pontuações quanto ao escore físico, visto que a percepção negativa diminui inversamente proporcional à idade, bem como a maioria dos adolescentes percebe que a obesidade cria limitações no desempenho físico.16 Contrariamente ao achado deste estudo, a obesidade foi associada a maior QVRS em estudantes mais jovens (12–14 anos), junto a maiores pontuações no funcionamento emocional, escolar e bem‐estar.17

Quanto ao “escore social” afetado, entre adolescentes mais jovens, acredita‐se que a faixa de 14–19 anos tem uma maior sociabilização, pois frequentam mais festas, comportamento típico da adolescência. Os jovens obesos podem sofrer um declínio no domínio social e perceber esses níveis mais baixos do que a maioria da juventude. Contudo, o apoio social percebido dos colegas de classe, em particular, pode ter um efeito importante sobre os resultados de QVRS em longo prazo para os jovens que persistirem obesos.18,19

O gênero apresenta‐se associado a uma menor QVRS em meninas. No presente estudo, os escores das subescalas do PedsQL foram significativamente menores nas meninas, com exceção do “escore escolar”, e esse achado corrobora alguns estudos, nos quais essa associação é percebida em indivíduos eutróficos e com excesso de peso.13,20–22 Acredita‐se que o processo de transformação do corpo atrelado ao ambiente (mídias sociais, família e amigos) é mais impactante para a população feminina com excesso de peso. Como consequência disso, pode estar relacionado aos baixos níveis de QVRS. A supervalorização do peso e imagem corporal pode ser outro fator que influencia a QVRS especificamente entre as meninas, além de fatores físicos como a puberdade (por conta da menstruação), hormônios e padrões sociais e de beleza, que são difíceis de atingir.15,20,21 Meninas adolescentes, com sobrepeso e obesidade (autopercebida e medida) necessitam de maior atenção, devido aos fatores já citados e ainda pelo aumento da probabilidade de ideia suicida.23 Nesse contexto, ressalta‐se que o tratamento do sobrepeso e obesidade em adolescentes deverá ser feito frequentemente e em longo prazo, apoiar‐se em metas de alvo de comportamento da dieta e não do peso,19 prevenir que o tratamento feito de forma inadequada contribua para um maior declínio da QVRS dessas adolescentes em excesso de peso.

Verificou‐se que os adolescentes com obesidade relataram significativamente maiores prejuízos nos domínios físico, escolar e escore total da QVRS, quando comparados com a categoria sobrepeso.

A respeito do domínio físico, acredita‐se que uso de internet entre os adolescentes obesos, o isolamento social e o estado emocional pode contribuir para a diminuição da QVRS no domínio físico. Um estudo que relaciona QVRS e vício de internet encontrou que os adolescentes obesos têm uma taxa maior de vício em internet, atrelada a menor domínio físico e psicossocial. Provavelmente o vício na internet, causado pelo mau funcionamento emocional, contribua para a obesidade, visto que atividades online afastam as atividades físicas e essa diminuição contribui diretamente para obesidade.24 Outro fator que pode explicar menores pontuações no escore físico, neste estudo, é o detrimento da saúde social e emocional causado pela obesidade, ao passo que geralmente adolescentes obesos são excluídos de atividades competitivas que demandam esforço físico.25 É importante destacar que os profissionais de saúde devem promover um reforço em relação ao comportamento dos adolescentes, que contemple o aumento de atividade física vigorosa e lúdica (pelo menos uma hora por dia), no qual o adolescente sinta prazer em praticá‐la e também a redução do uso de telas.19

Foi encontrada uma consequência acadêmica associada a obesidade, em que menores pontuações no escore escolar foram relatadas pelos adolescentes, e esses prejuízos corroboram os dados da literatura.25–28 Um estudo com adolescentes chineses sugere que os processos de aprendizagem e memória em adolescentes obesos são diferentes das que estão na categoria de peso normal.26 Este estudo encontrou uma associação da obesidade com um desempenho acadêmico inferior, devido à fraca capacidade básica de memória de trabalho. Os autores propõem que adolescentes obesos são mais sensíveis à memória com materiais de marca de alimentos e bebidas e que o déficit de memória funcional para adolescentes obesos pode ser específico do domínio.26 Ainda, existe uma hipótese de que a obesidade tem sido associada a diferenças estruturais detectáveis no cérebro em comparação com os cérebros de indivíduos de peso normal, durante a infância e adolescência.27 Um estudo recente,28 que envolveu crianças e adolescentes, na Espanha, encontrou uma associação positiva entre os componentes da aptidão física, com o volume de matéria cinzenta nas estruturas corticais e subcorticais do cérebro em crianças com sobrepeso e obesidade. Algumas dessas estruturas cerebrais estavam relacionadas ao melhor desempenho acadêmico. Os autores explicam que possivelmente a promoção da atividade física, que acarreta a melhoria da aptidão cardiorrespiratória e agilidade/velocidade, pode ser importante também para a desenvolvimento de habilidades cerebrais e acadêmicas em adolescentes com sobrepeso e obesidade.28

O presente estudo encontrou um escore total da QVRS inferior em obesos, quando comparados com os adolescentes em sobrepeso, sugeriu que a categoria de peso maior está associada a uma menor QVRS geral. No Brasil, em São Paulo, adolescentes obesos apresentavam uma QVRS prejudicada no PedsQL que afetava os domínios social, emocional e de funcionamento psicossocial, bem como a QVRS geral, o que corroborou o presente achado.5 Ainda, outro estudo brasileiro em adolescentes com excesso de peso mostra o impacto negativo da QVRS percebida pelos pais, nos aspectos físico e psicossocial.29

Acreditamos que esse achado pode estar relacionado com um efeito inversamente proporcional entre IMC e QVRS. Uma metanálise que contém estudos que usaram o PedsQL aponta que há evidências de que a QVRS diminui à medida que o IMC aumenta, um gradiente do peso normal, com excesso de peso para a obesidade, em adolescentes.30 Os estudos por muitas vezes separam adolescentes com e sem obesidade e mostram que aqueles com obesidade apresentam piores índices de QVRS.4,5 Com isso, evidencia‐se a importância de considerar os aspectos psicossociais envolvidos no excesso de peso em adolescentes. É preciso considerar a QVRS na prevenção e no tratamento da obesidade.

No entanto, este estudo tem algumas limitações. Trata‐se de um estudo transversal, portanto inferências causais não podem ser feitas. Há o uso de escolas de duas cidades, nas quais não foi possível avaliar o estado socioeconômico. Porém as escolas estavam situadas em uma área socioeconômica semelhante, o que possibilitou que as escolas fossem comparáveis. Quanto ao caráter autoavaliativo da QVRS, o PedsQL já demonstrou validade e confiabilidade, o que confere pouco impacto nas conclusões feitas.

Esses achados destacam a necessidade de clínicos e pesquisadores incorporarem a avaliação da QVRS entre adolescentes com sobrepeso e obesidade, ao passo que as identificações de domínios mais prejudicados podem levar a novas intervenções mais específicas para o tratamento do excesso de peso e obesidade infantil, bem como a adesão ao tratamento. Sugerimos intervenções focadas no aspecto emocional dessa população.

A partir da autoavaliação de adolescentes com sobrepeso e obesidade se pode concluir que há prejuízos na QVRS, em diferentes domínios, quando separamos por faixa etária, gênero e categoria de peso (sobrepeso e obesidade). A idade mostrou‐se como um fator associado, pois a menor faixa etária (< 14 anos) relatou prejuízos no “escore físico” e “escore social”. As meninas relatam menores escores de QVRS na maioria dos domínios, com exceção do “escore escolar”. Finalmente, os adolescentes com obesidade relatam menores pontuações nos escores “físico”, “escolar” e “total” da QVRS do que aqueles em sobrepeso.

Financiamento

Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

O estudo de QVRS descrito neste trabalho foi feito com o PedsQL, desenvolvido pelo Dr. James W. Varni. Reconhecimentos à Universidade de Santa Cruz do Sul, pela autorização do uso de dados do projeto intitulado “Obesidade em adolescentes da educação básica: um estudo de intervenção disciplinar fase III”, do Programa de Pós‐Graduação em Promoção da Saúde, mestrado. Ainda, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsa.

Referências
[1]
WHO (World Health Organization).
Programme on mental health. Report of WHOQOL Focus Group Work. Geneva.
(1993),
[2]
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
Rio de Janeiro: IBGE: Diretoria de pesquisas, coordenação de população e indicadores sociais.
Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Educação, (2016),
[3]
Z.J. Ward, M.W. Long, S.C. Resch, C.M. Giles, A.L. Cradock, S.L. Gortmaker.
Simulation of growth trajectories of childhood obesity into adulthood.
N Engl J Med, 377 (2017), pp. 2145-2153
[4]
M.J. Gouveia, R. Frontini, M.C. Canavarro, H. Moreira.
Imagem corporal e qualidade de vida na obesidade pediátrica.
Psicol Saúde Doenças, 17 (2016), pp. 52-59
[5]
G. Turco, T. Bobbio, R. Reimão, S. Rossini, H. Pereira, A. Barros Filho.
Quality of life and sleep in obese adolescents.
Arq Neuropsiquiatr, 71 (2013), pp. 78-82
[6]
D. Bacchini, M.R. Licenziati, G. Affuso, A. Garrasi, N. Corciulo, D. Driul, et al.
The interplay among BMI Z‐score, peer victimization, and self‐concept in outpatient children and adolescents with overweight or obesity.
Child Obes, 13 (2017), pp. 242-249
[7]
D.A. Klatchoian, C.A. Len, M.T. Terreri, M. Silva, C. Itamoto, R.M. Ciconelli, et al.
Quality of life of children and adolescents from São Paulo: reliability and validity of the Brazilian version of the Pediatric Quality of Life InventoryTM version 4.0 Generic Core Scales.
J Pediatr (Rio J), 84 (2008), pp. 308-315
[8]
P.K. Gandhi, D.A. Revicki, I.C. Huang.
Adolescent body weight and health‐related quality of life rated by adolescents and parents: the issue of measurement bias.
BMC Public Health, 15 (2015), pp. 1192
[9]
WHO.
Physical status: the use and interpretation of anthropometry: report of a WHO Expert Committee.
WHO (World Health Organization), (1995),
[10]
D.S. Freedman, W.H. Dietz, S.R. Srinivasan, G.S. Berenson.
The relation of overweight to cardiovascular risk factors among children and adolescents: the Bogalusa Heart Study.
Pediatrics, 103 (1999), pp. 1175-1182
[11]
J.M. Tanner.
Growth at adolescence.
2nd ed., Inst. Child Health, Univ. London, and Hosp. for Sick Children, (1962),
[12]
A. Pogodina, L. Rychkova, O. Kravtzova, J. Klimkina, A. Kosovtzeva.
Cardiometabolic risk factors and health‐related quality of life in adolescents with obesity.
Child Obes, 13 (2017), pp. 499-506
[13]
S. Jalali-Farahani, Y.S. Chin, P. Amiri, M.N. Mohd Taib.
Body mass index (BMI)‐for‐age and health‐related quality of life (HRQoL) among high school students in Tehran.
Child Care Health Dev, 40 (2014), pp. 731-739
[14]
E. Aparicio, J. Canals, V. Arija, S. de Henauw, N. Michels.
The role of emotion regulation in childhood obesity: implications for prevention and treatment.
Nutr Res Rev, 29 (2016), pp. 17-29
[15]
C.T. Su, J.D. Wang, C.Y. Lin.
Child‐rated versus parent‐rated quality of life of community‐based obese children across gender and grade.
Health Qual Life Outcomes, 11 (2013), pp. 206
[16]
M.E. Rendón-Macías, H. Rosas-Vargas, M. Villasís-Keever, C. Pérez-García.
Children's perception on obesity and quality of life: a Mexican survey.
BMC Pediatr, 14 (2014), pp. 131
[17]
S. Petersen, M. Moodie, H. Mavoa, G. Waqa, R. Goundar, B. Swinburn.
Relationship between overweight and health‐related quality of life in secondary school children in Fiji: results from a cross‐sectional population‐based study.
Int J Obes (Lond), 38 (2014), pp. 539-546
[18]
Y.P. Wu, J. Reiter-Purtill, M.H. Zeller.
The role of social support for promoting quality of life among persistently obese adolescents: importance of support in schools.
J Sch Health, 84 (2014), pp. 99-105
[19]
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.
Diretrizes brasileiras de obesidade.
4a ed., Abeso, (2016), pp. 188
[20]
K. Bolton, P. Kremer, N. Rossthorn, M. Moodie, L. Gibbs, E. Waters, et al.
The effect of gender and age on the association between weight status and health‐related quality of life in Australian adolescents.
BMC Public Health, 14 (2014), pp. 898
[21]
R.B. Macedo, M.J. Coelho-e-Silva, N.F. Sousa, J. Valente-dos-Santos, A.M. Machado-Rodrigues, S.P. Cumming, et al.
Quality of life, school backpack weight, and nonspecific low back pain in children and adolescents.
J Pediatr (Rio J), 91 (2015), pp. 263-269
[22]
D.F. Gaitán-López, J.E. Correa-Bautista, S. Vinaccia, R. Ramírez-Vélez.
Self‐report health‐related quality of life among children and adolescents from Bogotá, Colombia. The FUPRECOL study.
Colomb Med (Cali), 48 (2017), pp. 12-18
[23]
T. Minor, M.M. Ali, J.A. Rizzo.
Body weight and suicidal behavior in adolescent females: the role of self‐perceptions.
J Ment Health Policy Econ, 19 (2016), pp. 21-31
[24]
K. Eliacik, N. Bolat, C. Koçyiğit, A. Kanik, E. Selkie, H. Yilmaz, et al.
Internet addiction, sleep and health‐related life quality among obese individuals: a comparison study of the growing problems in adolescent health.
Eat Weight Disord, 21 (2016), pp. 709-717
[25]
K. Sahoo, B. Sahoo, A.K. Choudhury, N.Y. Sofi, R. Kumar, A.S. Bhadoria.
Childhood obesity: causes and consequences.
J Family Med Prim Care, 4 (2015), pp. 187-192
[26]
N. Wu, Y. Chen, J. Yang, F. Li.
Childhood obesity and academic performance: the role of working memory.
Front Psychol, 8 (2017), pp. 611
[27]
K.R. Reinert, E.K. Po’e, S.L. Barkin.
The relationship between executive function and obesity in children and adolescents: a systematic literature review.
J Obes, 2013 (2013), pp. 820956
[28]
I. Esteban-Cornejo, C. Cadenas-Sanchez, O. Contreras-Rodriguez, J. Verdejo-Roman, J. Mora-Gonzalez, J.H. Migueles, et al.
A whole brain volumetric approach in overweight/obese children: examining the association with different physical fitness components and academic performance, The Active Brains project.
Neuroimage, 159 (2017), pp. 346-354
[29]
M.M. Nascimento, T.R. Melo, R.M. Pinto, N.M. Morales, T.M. Mendonça, H.B. Paro, et al.
Parents’ perception of health‐related quality of life in children and adolescents with excess weight.
J Pediatr (Rio J), 92 (2016), pp. 65-72
[30]
Z. Ul-Haq, D.F. Mackay, E. Fenwick, J.P. Pell.
Meta‐analysis of the association between body mass index and health‐related quality of life among children and adolescents, assessed using the pediatric quality of life inventory index.

Em memória.

Como citar este artigo: D’avila HF, Poll FA, Reuter CP, Burgos MS, Mello ED. Health‐related quality of life in adolescents with excess weight. J Pediatr (Rio J). 2019;95:495–501.

Copyright © 2018. Sociedade Brasileira de Pediatria
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.