Compartilhar
Informação da revista
Vol. 95. Núm. 3.
Páginas 321-327 (Maio - Junho 2019)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
3650
Vol. 95. Núm. 3.
Páginas 321-327 (Maio - Junho 2019)
Artigo Original
Open Access
Brazilian Portuguese translation, cross‐cultural adaptation and reproducibility assessment of the modified Bristol Stool Form Scale for children
Tradução para o português (Brasil), adaptação transcultural e avaliação da reprodutibilidade da Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada para crianças
Visitas
3650
Debora Rodrigues Jozalaa, Isabelle Stefan de Faria Oliveirab, Erika Veruska Paiva Ortolanc, Wilson Elias de Oliveira Juniord, Giovana Tuccille Comesd, Vanessa Mello Granado Cassettarid, Mariella Marie Selfe, Pedro Luiz Toledo de Arruda Lourençãoc,
Autor para correspondência
lourencao@fmb.unesp.br

Autor para correspondência.
a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Medicina de Botucatu, Programa de Pós‐Graduação em Medicina, Botucatu, SP, Brasil
b Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil
c Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Medicina de Botucatu, Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Disciplina de Cirurgia Pediátrica, Botucatu, SP, Brasil
d Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Medicina de Botucatu, Programa de Pós‐Graduação em Bases Gerais da Cirurgia, Botucatu, SP, Brasil
e Baylor College of Medicine, Department of Pediatrics, Houston, Estados Unidos
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (4)
Tabela 1. Resultados de pré‐teste: nível de entendimento da versão traduzida da mBSFS‐C como um todo e cada um de seus componentes, em referência às descrições traduzidas de cada um dos cinco tipos de fezes
Tabela 2. Número de concordâncias entre descrições aleatoriamente selecionadas da escala e ilustrações traduzidas dos tipos de fezes: respostas das criançasa
Tabela 3. Número de concordâncias entre descrições aleatoriamente selecionadas da escala e ilustrações traduzidas dos tipos de fezes: respostas dos profissionais da saúdea
Tabela 4. Confiabilidade entre examinadores: concordância entre as respostas das crianças às perguntas feitas por cinco examinadores
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

To translate and culturally adapt the modified Bristol Stool Form Scale for children into Brazilian Portuguese, and to evaluate the reproducibility of the translated version.

Methods

The stage of translation and cross‐cultural adaptation was performed according to an internationally accepted methodology, including the translation, back‐translation, and pretest application of the translated version to a sample of 74 children to evaluate the degree of understanding. The reproducibility of the translated scale was assessed by applying the final version of Brazilian Portuguese modified Bristol Stool Form Scale for children to a sample of 64 children and 25 healthcare professionals, who were asked to correlate a randomly selected description from the translated scale with the corresponding representative illustration of the stool type.

Results

The final version of Brazilian Portuguese modified Bristol Stool Form Scale for children were evidently reproducible, since almost complete agreement (k>0,8) was obtained among the translated descriptions and illustrations of the stool types, both among the children and the group of specialists. The Brazilian Portuguese modified Bristol Stool Form Scale for children was shown to be reliable in providing very similar results for the same respondents at different times and for different examiners.

Conclusion

The Brazilian Portuguese modified Bristol Stool Form Scale for children is reproducible; it can be applied in clinical practice and in scientific research in Brazil.

Keywords:
Translations
Reproducibility of results
Defecation
Constipation
Child
Resumo
Objetivo

Traduzir e adaptar culturalmente a Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada para crianças para o português (Brasil) e avaliar a reprodutibilidade da versão traduzida.

Métodos

O estágio de tradução e adaptação intercultural foi feito de acordo com uma metodologia internacionalmente aceita, incluiu a tradução, retrotradução e aplicação de pré‐teste da versão traduzida a uma amostra de 74 crianças para avaliar o nível de entendimento. A avaliação da reprodutibilidade da escala traduzida foi feita com a aplicação da versão final da Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada em português (Brasil) para crianças a uma amostra de 64 crianças e 25 profissionais de saúde, que tiveram de correlacionar uma descrição aleatoriamente selecionada da escala traduzida com a ilustração representativa correspondente do tipo de fezes.

Resultados

A versão final da Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada para crianças em português (Brasil) foi comprovadamente reproduzível, pois foi obtida quase uma concordância total (k > 0,8) entre as descrições e ilustrações traduzidas dos tipos de fezes, entre as crianças e o grupo de especialistas. A Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada para crianças em português (Brasil) mostrou‐se confiável em proporcionar resultados muito semelhantes para os mesmos entrevistados em diferentes momentos e para diferentes examinadores.

Conclusão

A Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada para crianças em português (Brasil) é reproduzível e pode ser aplicada na prática clínica e em pesquisa científica no Brasil.

Palavras‐chave:
Traduções
Reprodutibilidade dos resultados
Defecação
Constipação
Criança
Texto Completo
Introdução

A caracterização da consistência das fezes é fundamental para o diagnóstico, o monitoramento terapêutico e a pesquisa científica sobre doenças intestinais.1,2 O uso de escalas gráficas é uma ferramenta válida durante esse trabalho.3–6 A Escala de Bristol para Consistência de Fezes (EBCF) foi desenvolvida e validada em Bristol, na Inglaterra, há cerca de duas décadas.7–11 Essa escala é composta de fotos que representam sete tipos de fezes associados a descrições precisas de acordo com seu formato e consistência, com o uso de ilustrações reconhecíveis.11 Em adultos, o uso da EBCF para determinar a consistência das fezes é bem estabelecida na prática clínica, em estudos epidemiológicos e ensaios clínicos.11–13

A EBCF modificada para crianças (mBSFS‐C) foi criada mais recentemente.4 Essa escala propôs reduzir o número de tipos de fezes de sete para cinco e adaptar o idioma usado nas descrições para possibilitar que as crianças entendam completamente as representações de cada tipo de fezes. O uso dessa escala foi validado nos Estados Unidos para crianças de seis a oito anos, quando as descrições são lidas em voz alta, e para as crianças com mais de oito anos, quando elas já leem as descrições sozinhas.5

Essas duas escalas foram criadas e validadas em inglês. Contudo, para viabilizar seu uso na prática clínica e em pesquisa científica em países com outros idiomas oficiais, é fundamental fazer uma tradução e adaptação cultural.6,14–16 Para isso, o processo deve seguir normas internacionalmente aceitas, ou seja, os itens não devem ser somente traduzidos adequadamente a partir do ponto de vista linguístico, mas também ser adaptados culturalmente, ao mesmo tempo em que mantêm a validade do instrumento original.15,16

No Brasil, a EBCF foi traduzida e submetida à adaptação intercultural para o português (Brasil) em uma população adulta (> 18 anos).6 Contudo, a mBSFS‐C ainda aguarda esse processo de tradução e adaptação cultural para que possa ser aplicada à população pediátrica em nosso país. Assim, nosso grupo resolveu traduzir e adaptar culturalmente a mBSFS‐C para o português (Brasil) e avaliar a reprodutibilidade da versão traduzida.

Métodos

Este é um estudo de único centro feito na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), São Paulo, Brasil, entre junho de 2015 e julho de 2017. O estudo incluiu 138 crianças entre seis e 18 anos que não apresentaram déficit cognitivo e que estavam em tratamento no Ambulatório de Pediatria devido a outros problemas de saúde, não relacionados a queixas intestinais. Um grupo de 25 profissionais da saúde, composto de médicos e enfermeiros com experiência nas áreas de gastroenterologia e pediatria, participou do estágio de avaliação da reprodutibilidade. Os participantes e/ou seus responsáveis foram informados sobre a finalidade da pesquisa e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local, sob o protocolo n° 28104614.8.0000.5411.

Estágio 1: Tradução e adaptação intercultural

Para garantir a qualidade do processo de adaptação, a escala foi traduzida e adaptada de acordo com uma metodologia internacionalmente aceita e recomendada, consiste em seis fases.6,14–18

Fase 1: Tradução para o português (Brasil)

Foram feitas duas traduções independentes da mBSFS‐C do idioma de origem para o idioma‐alvo por dois tradutores juramentados, cujo idioma nativo é o português (Brasil).

Fase 2: Produção de uma tradução sintetizada

Foi feita uma reunião entre os dois tradutores que participaram da Fase 1 e uma equipe de especialistas, composta de profissionais com experiência em cuidado de saúde infantil (dois médicos, um enfermeiro, um psicólogo, um nutricionista) e um professor da universidade com vasta experiência em adaptação intercultural das ferramentas de avaliação de saúde. Foi feita uma tradução sintetizada com base na avaliação, reflexão e discussão desse grupo de profissionais.

Fase 3: Retrotradução

A tradução sintetizada foi então novamente traduzida para o inglês, de maneira independente, por dois tradutores bilíngues, cujo idioma nativo é o inglês, que não participaram da primeira fase e que não são profissionais da saúde. Esses tradutores não foram informados dos conceitos explorados pelo instrumento e as duas traduções foram feitas sem o conhecimento prévio da versão original da escala.

Fase 4: Preparação da versão pré‐final da escala traduzida

A versão pré‐final da escala traduzida foi feita após discussão e avaliação conjunta entre os quatro tradutores e a equipe de especialistas. Nesse estágio, as retrotraduções foram comparadas com a versão original da mBSFS‐C e todas as quatro versões traduzidas foram analisadas, editadas e consolidadas no desenvolvimento conjunto da versão pré‐final da escala em português (Brasil).

Fase 5: Aplicação do pré‐teste e avaliação do nível de entendimento

O pré‐teste foi aplicado a uma amostra de 74 crianças (21 entre 6‐8 anos, 53 entre 8‐18 anos). Uma escala numérica verbal de cinco pontos foi aplicada para avaliar o nível de entendimento da versão traduzida da mBSFS‐C como um todo e cada um de seus componentes, em referência às descrições traduzidas de cada um dos cinco tipos de fezes. A pergunta que pautou a avaliação da escala traduzida como um todo foi: “Você entende o que foi perguntado e as diferenças entre esses tipos de fezes?” e para avaliar cada um dos itens individuais da escala: “Você entende qual é esse tipo de fezes”. O valor mínimo foi 0 (zero) – “Não entendo nada” – e o máximo foi 5 (cinco) – “Entendo perfeitamente e não tenho dúvidas”. Os valores inferiores a 3 (três) foram considerados entendimento insuficiente.17,19 Em conformidade com a validação americana, as descrições da escala traduzida foram lidas em voz alta para o grupo de crianças entre seis e oito anos, ao passo que o grupo de crianças com mais de oito anos leu as descrições por si só.5

Fase 6: Avaliação dos resultados e produção da versão final

Essa fase consistiu em analisar os resultados obtidos no pré‐teste pela equipe de especialistas e fazer pequenas modificações na versão pré‐final com base nas dificuldades de entendimento observadas na população avaliada, para produzir a versão final da mBSFS‐C em português (Brasil) figura 1.

Figura 1.

Versão final da mBSFS‐C em português (Brasil).

(0,11MB).
Estágio 2: Avaliação da reprodutibilidade da escala traduzida

Esse estágio foi conduzido por cinco examinadores diferentes, todos médicos, que trabalham na área de pediatria. Os participantes desse estágio foram 64 crianças (28 de seis a oito anos e 36 com mais de oito anos) e um grupo de 25 profissionais da saúde com especialização nas áreas de gastroenterologia e pediatria. As descrições da escala somente foram lidas em voz alta para crianças entre seis e oito anos.5

A reprodutibilidade do instrumento foi investigada com a aplicação da versão final da Escala de Bristol para Consistência de Fezes modificada em português (Brasil) a 64 crianças e 25 profissionais da saúde, que tiveram de correlacionar uma descrição aleatoriamente selecionada da escala traduzida com a ilustração representativa correspondente do tipo de fezes. Com esse teste foi possível comparar as correlações obtidas pelo grupo de crianças com as obtidas pelo grupo de profissionais da saúde.

Além disso, avaliamos a possível influência da interpretação da escala por diferentes indivíduos (confiabilidade entre observadores), pelo mesmo indivíduo em momentos diferentes (confiabilidade entre observadores), por diferentes examinadores (confiabilidade entre examinadores) e pelo mesmo examinador em momentos diferentes (confiabilidade entre examinadores).

Para avaliar a confiabilidade entre observadores, foi preparado um teste no qual cada um dos cinco examinadores aplicou a escala e cada um pediu a cinco crianças que correlacionassem uma descrição aleatoriamente selecionada e a ilustração representativa correspondente do tipo de fezes; 25 das 64 crianças participaram, dez entre 6‐8 anos e 15 com mais de oito anos. Para avaliar a confiabilidade entre observadores, um desses examinadores aplicou a escala cinco vezes à mesma criança, pediu que ela correlacionasse uma descrição aleatoriamente selecionada e a ilustração representativa correspondente do tipo de fezes; em intervalos de 60 minutos; dez das 64 crianças participaram, cinco entre 6‐8 anos e cinco com mais de oito anos. A confiabilidade entre examinadores foi avaliada por um teste no qual cinco examinadores fizeram uma pergunta, “Quais destes tipos de fezes é mais parecido com as suas na maioria das vezes”, para a mesma criança, em intervalo de 60 minutos; 11 das 64 crianças participaram, cinco entre 6‐8 anos e seis com mais de oito anos. Para avaliar a confiabilidade entre examinadores, um examinador fez essa mesma pergunta cinco vezes para a mesma criança, em intervalo de 60 minutos; 10 das 64 crianças participaram, cinco entre 6‐8 anos e cinco com mais de oito anos.

Análise estatística

A reprodutibilidade da escala traduzida foi avaliada pela concordância entre as descrições traduzidas aleatoriamente selecionadas e as ilustrações correspondentes dos tipos de fezes. O tamanho da amostra foi estimado em 73 testes de concordância, que consideraram a capacidade discriminante esperada da escala de 95%,4 com intervalo de confiança de 95% e erro de 5%. Os valores de concordância foram determinados por Kappa com pesos quadráticos (Fleiss‐Cohen), considerou‐se a natureza ordinal da mBSFS‐C. Os testes feitos para avaliar a confiabilidade da escala traduzida em diferentes momentos ou ocasiões foram analisados por taxas percentuais de concordância entre as descrições e as ilustrações dos tipos de fezes e entre as respostas dadas pelas crianças quando perguntadas em mais de uma ocasião. A determinação da influência da idade nesses cenários foi avaliada com um simples modelo de regressão logística. Para avaliar a confiabilidade entre examinadores, o índice Kappa de Cohen foi usado para determinar a concordância entre as respostas das crianças com diferentes examinadores, pois essa é uma variável dicotômica. A análise comparativa entre os dois grupos foi feita pelo teste exato de Fisher para variáveis categóricas e o teste de Mann‐Whitney para variáveis numéricas com distribuição anormal. O nível de relevância considerado foi 5% e as análises foram feitas com o software SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 22.0. NY, EUA).

ResultadosEstágio 1: Tradução e adaptação intercultural

A tradução sintetizada teve como base duas traduções anteriores da escala do idioma de origem para o idioma‐alvo, português (Brasil), seguida da avaliação, reflexão e discussão pela equipe de especialistas, juntamente com os tradutores bilíngues da fase 1. Essa versão foi retrotraduzida de maneira independente para o idioma de origem do questionário por dois tradutores que não participaram da primeira fase e que não são profissionais da saúde. Esses tradutores são nativos e fluentes em inglês e não tinham informações sobre os conceitos explorados pelo instrumento. A versão pré‐final foi desenvolvida após avaliação e discussão pela equipe de especialistas, em conjunto com os quatro tradutores envolvidos. Nesse estágio, as retrotraduções foram comparadas com a versão original da escala. A finalidade da equipe foi consolidar as versões traduzidas e desenvolver a versão pré‐final da mBSFS‐C em português (Brasil), foram revisadas todas as traduções para se atingir um consenso a respeito de qualquer discordância observada.

Essa versão pré‐final foi avaliada por um pré‐teste (tabela 1). As descrições traduzidas atingiram um máximo de 15% dos valores considerados para indicar entendimento insuficiente, com valores medianos de entendimento de mais de 3 obtidos na escala verbal numérica. Nenhuma diferença significativa foi observada ao comparar as duas faixas etárias com relação aos valores de entendimento obtidos na versão pré‐final traduzida e cada uma de suas descrições. Esses resultados foram discutidos em uma reunião da equipe de especialistas, quando foram revisados alguns itens que continuaram a apresentar certa dificuldade no entendimento entre a população testada. A versão final da mBSFS‐C em português (Brasil) é mostrada na figura 1.

Tabela 1.

Resultados de pré‐teste: nível de entendimento da versão traduzida da mBSFS‐C como um todo e cada um de seus componentes, em referência às descrições traduzidas de cada um dos cinco tipos de fezes

  6‐7 anos (n = 21)> 8 anos (n = 53)pb 
  % de indivíduos com entendimento insuficiente  Medianaa  % de indivíduos com entendimento insuficiente  Medianaa   
Versão pré‐final  10%  5 (1‐5)  0%  5 (3‐5)  0,52 
Descrição 1  15%  5 (1‐5)  11%  4 (1‐5)  0,83 
Descrição 2  15%  4 (1‐5)  11%  4 (1‐5)  0,85 
Descrição 3  5%  5 (2‐5)  7,5%  5 (1‐5)  0,98 
Descrição 4  15%  4 (1‐5)  15%  4 (1‐5)  0,61 
Descrição 5  5%  5 (2‐5)  5,6%  5 (1‐5)  0,91 
a

Valores medianos (mín./máx.) com base nos resultados obtidos por meio da aplicação da escala verbal numérica.

b

Valor de p no teste de Mann‐Whitney.

Estágio 2: Avaliação da reprodutibilidade da escala traduzida

As concordâncias entre as descrições aleatoriamente selecionadas da escala traduzida e as ilustrações representativas correspondentes dos tipos de fezes, conforme determinado pelas crianças e profissionais da saúde, são apresentadas nas tabelas 2 e 3. Uma concordância quase total (k > 0,8)20 foi observada para as crianças (k = 0,933) e os profissionais da saúde (k = 0,990). As descrições com menor número de erros nas correspondências feitas pelas crianças foram os tipos 1 (dois erros), 3 (um erro) e 5 (nenhum erro). A estratificação de acordo com a faixa etária mostrou que os valores significativos de concordância foram atingidos pelas crianças entre seis e oito anos (k = 0,950) e aquelas com mais de 8 anos (k = 0,975).

Tabela 2.

Número de concordâncias entre descrições aleatoriamente selecionadas da escala e ilustrações traduzidas dos tipos de fezes: respostas das criançasa

Descrições aleatoriamente selecionadas  Ilustrações dos tipos de fezes
  Tipo 1  Tipo 2  Tipo 3  Tipo 4  Tipo 5 
Descrição 1  15 
Descrição 2  12 
Descrição 3  16 
Descrição 4  14 
Descrição 5  16 
a

n = 87 concordâncias, determinadas por 64 crianças.

Tabela 3.

Número de concordâncias entre descrições aleatoriamente selecionadas da escala e ilustrações traduzidas dos tipos de fezes: respostas dos profissionais da saúdea

Descrições aleatoriamente selecionadas  Ilustrações dos tipos de fezes
  Tipo 1  Tipo 2  Tipo 3  Tipo 4  Tipo 5 
Descrição 1 
Descrição 2 
Descrição 3 
Descrição 4 
Descrição 5 
a

n = 25 concordâncias, determinadas por 25 profissionais da saúde.

Determinar a confiabilidade entre os observadores mostrou que, em média, 88% (IC de 95% = 69‐100%) das crianças atribuíram corretamente a descrição traduzida aleatoriamente selecionada à ilustração representativa correspondente do tipo de fezes, quando aplicado pelo mesmo examinador. A aplicação de um único modelo de regressão logística não mostrou associação significativa entre a idade da criança e a chance de erro na atribuição das descrições traduzidas e os tipos de fezes (RC = 1,31, 0,86‐1,99; p = 0,200).

O teste feito para avaliar a confiabilidade entre observadores mostrou que 80% das crianças atribuíram corretamente as descrições traduzidas à ilustração representativa correspondentes do tipo de fezes em pelo menos quatro das cinco aplicações feitas pelo mesmo examinador à mesma criança, em intervalos de 60 minutos; 50% das crianças atribuíram corretamente os itens em todas as cinco aplicações. Nesse teste, nenhuma associação significativa foi verificada entre a idade da criança e a chance de atribuição correta às descrições traduzidas e os tipos de fezes (RC = 0,47, 0,15‐1,51; p = 0,206).

No teste feito para avaliar a confiabilidade entre examinadores (tabela 4), a concordância foi no mínimo substancial (0,60‐0,79)20 entre as respostas das crianças às perguntas feitas por cinco examinadores; pedimos que as crianças indicassem o tipo de fezes mais comum que eles evacuaram após ver as ilustrações e interpretar as descrições traduzidas. Ao comparar o percentual de concordância perfeita (concordância de 100%) entre as respostas obtidas por cinco examinadores, nenhuma diferença estatisticamente significativa foi verificada entre o grupo de crianças com mais de oito anos e o grupo entre seis e oito anos (66% em comparação a 100%, p = 0,454, por teste exato de Fisher).

Tabela 4.

Confiabilidade entre examinadores: concordância entre as respostas das crianças às perguntas feitas por cinco examinadores

Comparação entre as respostas obtidas por diferentes examinadores  % de concordância  Índice Kappa  pa 
E1‐E2  91  0,89  < 0,001 
E1‐E3  91  0,89  < 0,001 
E1‐E4  82  0,74  < 0,001 
E1‐E5  82  0,74  < 0,001 
E2‐E3  100  1,00  < 0,001 
E2‐E4  91  0,89  < 0,001 
E2‐E5  91  0,89  < 0,001 
E3‐E4  91  0,89  < 0,001 
E3‐E5  91  0,89  < 0,001 
E4‐E5  100  1,00  < 0,001 

E1, examinador 1; E2, examinador 2; E3, examinador 3; E4, examinador 4; E5, examinador 5.

a

p, valor de p no índice kappa.

O teste usado para avaliar a confiabilidade entre examinadores mostrou variação na resposta em três das 10 crianças (30%, IC de 95% = 1,5‐58%) que indicaram o tipo de fezes mais comum que eles evacuaram, após ver as ilustrações e interpretar as descrições traduzidas cinco vezes para o mesmo examinador, em intervalo de 60 minutos. Nesses três casos de variação na resposta, a variação máxima foi entre dois tipos de fezes (tipos 2 e 4 duas vezes e tipos 1 e 3 uma vez). A aplicação de um único modelo de regressão logística não mostrou associação significativa entre a idade da criança e a chance de variação nas respostas obtidas pelo mesmo examinador (RC = 0,47, 0,15‐1,51; p = 0,206).

Discussão

Nosso estudo é o primeiro a traduzir e adaptar interculturalmente a mBSFS‐C para um idioma que não o inglês e também avaliar a reprodutibilidade dessa versão traduzida. A tradução e a adaptação cultural são etapas importantes.6 Além do idioma, os aspectos culturais influenciam o entendimento de um instrumento consideravelmente e, assim, exigem adaptação cultural dos componentes originais.14 As fases sequenciais de tradução, retrotradução e as reuniões entre os tradutores e a equipe de especialistas levam ao desenvolvimento de descrições adaptadas ao entendimento das crianças brasileiras. Por exemplo, os alimentos “nozes” e “salsicha” não fazem parte das vidas diárias da maior parte das crianças brasileiras e, portanto, esses termos foram adaptados para “bolinhas” e “banana”, respectivamente. Os valores satisfatórios de entendimento atingidos durante as aplicações do pré‐teste da mBSFS‐C traduzida entre as crianças nas duas faixas etárias verificaram que a escala traduzida foi adequadamente adaptada à cultura brasileira.

A mBSFS‐C em português (Brasil) foi comprovadamente reproduzível, pois foi obtida quase uma concordância total entre as descrições e as ilustrações traduzidas dos tipos de fezes, entre as crianças e o grupo de especialistas das áreas de gastroenterologia e pediatria. Todos os tipos de fezes mostraram percentuais de atribuições corretas consideradas adequadas. Isso foi verdade para crianças entre seis e oito anos e as com mais de oito anos. Como no estudo original da mBSFS‐C,5 os tipos de fezes com o maior percentual de respostas corretas foram os tipos 1, 3 e 5. Apesar de os tipos 2 e 4 terem apresentado um número maior de discordâncias, a maior parte das crianças que atribuíram essas descrições aleatoriamente selecionadas conseguiu fazer a correlação corretamente. Acreditamos que isso pode ser explicado pela natureza ordinal da escala, o que justifica a maior facilidade para identificar extremos e maior dificuldade na identificação de intervalos.

Além disso, a mBSFS‐C em português (Brasil) gerou resultados muito semelhantes para os mesmos entrevistados em diferentes momentos, caracterizou estabilidade e para os examinadores caracterizou equivalência, o que constitui os dois eixos da confiabilidade externa.21 Nossos resultados são semelhantes aos relatados no estudo de validação original da mBSFS‐C,5 que obteve valores de coeficiente de correlação entre classes acima de 0,70 para confiabilidade entre observadores nas correlações feitas pelas crianças entre as fotografias das fezes e as descrições da escala.

Os testes de confiabilidade que focaram no examinador (entre diferentes examinadores e entre o mesmo examinador em diferentes momentos) tiveram como base a aplicação clínica da escala e pediam que as crianças apontassem o tipo de fezes mais comum que elas haviam evacuado. Nesses cenários, a forma como o examinador fez a pergunta pode influenciar os resultados obtidos; contudo, as respostas das crianças foram compatíveis. A confiabilidade interna não foi testada devido ao fato de o instrumento ser uma escala, em vez de um questionário com várias perguntas.21 A confiabilidade da escala traduzida foi mantida independentemente da idade das crianças.

Duas importantes limitações deste estudo devem ser destacadas. A primeira é que ele foi desenvolvido em um único centro, que limita as generalizações e poderá trazer forte viés relacionado ao histórico social, econômico e cultural da amostra. A segunda limitação está relacionada ao fato de que as crianças que participaram do estudo aguardavam por uma consulta no ambulatório pediátrico. Por esse motivo, o intervalo de tempo para aplicação dos testes ao mesmo indivíduo precisou ser limitado a 60 minutos. Contudo, apesar de esse intervalo de tempo poder ser considerado limitado, pode‐se enfatizar que ele foi o mesmo em todas as situações analisadas, o que minimizou o viés de memória possivelmente relacionado.

Assim, a tradução e a adaptação da mBSFS‐C para português (Brasil) são confiáveis para uso na interpretação das descrições para crianças entre seis e oito anos e sem ajuda para crianças com mais de oito anos. Esperamos que essa versão seja útil na prática clínica e em pesquisa científica no Brasil.

Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Processos n° 2014/04271‐1 e 2015/03649‐3.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
R.J. Saad, S.S. Rao, K.L. Koch, B. Kuo, H.P. Parkman, R.W. McCallum, et al.
Do stool form and frequency correlate with whole‐gut and colonic transit? Results from a multicenter study in constipated individuals and healthy controls.
Am J Gastroenterol, 105 (2010), pp. 403-411
[2]
M. Russo, M. Martinelli, E. Sciorio, C. Botta, E. Miele, G. Vallone, et al.
Stool consistency, but not frequency, correlates with total gastrointestinal transit time in children.
J Pediatr, 162 (2012), pp. 1188-1192
[3]
M.M. Perez, A.B. Martínez.
The Bristol scale – a useful system to assess stool form?.
Rev Esp Enferm Dig, 101 (2009), pp. 305-311
[4]
B.P. Chumpitazi, M.M. Lane, D.I. Czyzewski, E.M. Weidler, P.R. Swank, R.J. Shulman.
Creation and initial evaluation of a stool form scale for children.
J Pediatr, 157 (2010), pp. 594-597
[5]
M.M. Lane, D.I. Czyzewski, B.P. Chumpitazi, R.J. Shulman.
Reliability and validity of a modified Bristol Stool Form Scale for children.
J Pediatr, 159 (2011), pp. 437-441
[6]
A.P. Martinez, G.R. de Azevedo.
The Bristol Stool Form Scale: its translation to Portuguese, cultural adaptation and validation.
Rev Lat Am Enferm, 20 (2012), pp. 583-589
[7]
K.W. Heaton, J. Radvan, H. Cripps, R.A. Mountford, F.E. Braddon, A.O. Hughes.
Defecation frequency and timing, and stool form in the general population: a prospective study.
Gut, 33 (1992), pp. 818-824
[8]
G. Riegler, I. Esposito.
Bristol scale stool form. A still valid help in medical practice and clinical research.
Tech Coloproctol, 5 (2001), pp. 163-164
[9]
C.J. Probert, P.M. Emmett, K.W. Heaton.
Intestinal transit time in the population calculated from self made observations of defecation.
J Epidemiol Commun Health, 47 (1993), pp. 331-333
[10]
K.W. Heaton, L.J. O’Donnell.
An office guide to whole‐gut transit time Patients’ recollection of their stool form.
J Clin Gastroenterol, 19 (1994), pp. 28-30
[11]
S.J. Lewis, K.W. Heaton.
Stool form scale as a useful guide to intestinal transit time.
Scand J Gastroenterol, 32 (1997), pp. 920-924
[12]
M. Simren, O.S. Palsson, W.E. Whitehead.
Update on Rome IV criteria for colorectal disorders: implications for clinical practice.
Curr Gastroenterol Rep, 19 (2017), pp. 15
[13]
A. Malhotra, N. Shah, J. Depasquale, W. Baddoura, R. Spira, T. Rector.
Use of Bristol Stool Form Scale to predict the adequacy of bowel preparation – a prospective study.
Colorectal Dis, 18 (2016), pp. 200-204
[14]
F. Guillemin, C. Bombardier, D. Beaton.
Cross‐cultural adaptation of health‐related quality of life measures: literature review and proposed guidelines.
J Clin Epidemiol, 46 (1993), pp. 1417-1432
[15]
D.E. Beaton, C. Bombardier, F. Guillemin, M.B. Ferraz.
Guidelines for the process of cross‐cultural adaptation of self‐report measures.
Spine, 25 (2000), pp. 3186-3191
[16]
L. Ferreira, A.N. Neves, M.B. Campana, M.C. Tavares.
Guia da AAOS/IWH: sugestões para adaptação transcultural de escalas.
Aval Psicol, 13 (2014), pp. 457-461
[17]
F.C. Silva, L.C. Thuler.
Cross‐cultural adaptation and translation of two pain assessment tools in children and adolescents.
J Pediatr (Rio J), 84 (2008), pp. 344-349
[18]
L.A. Pellegrino, E.V. Ortolan, C.S. Magalhães, A.A. Viana, U.G. Narayanan.
Brazilian Portuguese translation and cross‐cultural adaptation of the “Caregiver Priorities and Child Health Index of Life with Disabilities” (CPCHILD) questionnaire.
BMC Pediatr, 1 (2014), pp. 14-30
[19]
R. Grassi-Oliveira, L.M. Stein, J.C. Pezzi.
Tradução e validação de conteúdo da versão em português do Childhood Trauma Questionnaire.
Rev Saude Publica, 40 (2006), pp. 249-255
[20]
J. Sim, C.C. Wright.
The kappa statistic in reliability studies: use, interpretation, and sample size requirements.
Phys Ther, 85 (2005), pp. 257-268
[21]
D.W. Davis.
Validity and reliability: part I.
Neonatal Netw, 23 (2004), pp. 54-56

Como citar este artigo: Jozala DR, Oliveira IS, Ortolan EV, Oliveira Junior WE, Comes GT, Cassettari VM, et al. Brazilian Portuguese translation, cross‐cultural adaptation and reproducibility assessment of the modified Bristol Stool Form Scale for children. J Pediatr (Rio J). 2019;95:321–7.

Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.